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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS Faculdade Mineira de Direito Geisiele Iza Palhares Pires RESUMO CRÍTICO DO TEXTO: Direito de Família – Uma abordagem psicanalítica Contagem 2020 1. FICHAMENTO: Obra do autor Direito de Família: uma abordagem psicanalítica. Rodrigo da Cunha Pereira. 4º edição – Rio de Janeiro: Forense, 2012. 183p. PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Possui graduação em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (1983), mestrado em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (1996) e doutorado em Direito pela Universidade Federal do Paraná (2004). Atualmente é professor licenciado adjunto III da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, sócio gerente – Escritório de Advocacia Rodrigo da Cunha Pereira e Associados e presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Civil, atuando principalmente nos seguintes temas: direito de família, código civil, psicanálise, união estável e curatela. 2. INTRODUÇÃO O autor busca por meio da análise de elementos da psicanálise e da evolução da sociedade analisar e compreender as transformações pelas quais passa a organização familiar no Brasil e no mundo de modo geral. Para tanto, o autor verifica que estruturas como o patriarcal, o casamento, dentre outras estão passando por transformações que impactam diretamente na visão que o direito passa a ter do conceito de família, e que a partir de tais transformações o que se observa-se é a crescente modificação da legislação no Brasil e no mundo. Assim, através de um trabalho, fruto de dissertação de mestrado apresentado à Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG, busca-se refletir sobre “o conceito de família enquanto estrutura” (PEREIRA, 2012) de forma a analisar os lugares que estruturam a família bem como a forma como a mudança do paradigma patriarcal impacta no direito de família a partir da interação entre Direito e Psicanálise. Ao longo dos capítulos o autor vai passeando pelos conceitos atinentes à temática e ao abordá-los ora compara a situação do Brasil com a de outros países, ora avalia a evolução de questões importantes para o direito, ou ainda avalia as origens de elementos que impactam nas relações de direito de família atualmente. 3. CAPÍTULO I – A FAMÍLIA TRADICIONAL E ALGUMAS QUESTÕES EM TORNO DE SEU CONCEITO. No capítulo I o autor vai debater sobre a família tradicional e algumas questões que envolvem esse conceito, para tanto relembra conceitos importantes e traz à tona que a família é a célula básica de toda e qualquer sociedade, sendo este um princípio fundamental. Partindo daí ele comenta que juristas brasileiros como Clóvis Beviláqua, dentre outros, definiam família como vínculo consanguíneo ou como sendo derivada dos cônjuges e sua respectiva prole. Por outro lado, Caio Mario já apresenta um conceito mais inovador de família, mas os juristas sempre relacionavam o conceito de família ao casamento. O que se percebe é que ao longo da história constitucional brasileira a família no geral, era considerada elemento fundamental da sociedade e merecedora da proteção do Estado, entretanto somente com a Constituição de 1988 esse conceito ganhou um sentido de pluralidade e abrangência reconhecendo que as famílias também são plurais. Outro aspecto importante que o autor verifica é sobre a imagem e estruturação da família verificando que esta pode ser uma organização natural, como proposto por Friedrich Engels, ou um fato social como defendido por João Baptista Villela. Já para Lacan a família seria um grupo cultural sendo ainda uma estruturação psíquica em que cada membro ocupa seu lugar e desempenha uma função, o que não configura necessariamente uma ligação biológica. E nesse sentido, Jacques Lacan, aponta ainda que a família é que vai desempenhar o papel principal na transmissão da cultura. Freud analisa ainda questões de organização social das civilizações no tocante à família posto que tais civilizações tinham suas próprias regras e tabus para lidar com questões como o incesto e a promiscuidade, o que demonstra como o autor observa, que o incesto se torna a base de todas as proibições, configurando se uma primeira lei. Desde que homem começa, a partir dos costumes, a regulamentar as relações de família o casamento se torna um dos institutos que mais é alvo de regulamentação. Sendo que nas sociedades atuais nota-se as grandes mudanças havidas em tal instituto, já que começam a ocorrer quedas nos índices de casamento, bem como surge a necessidade de regulamentar a dissolução do casamento, que por muito tempo foi considerado indissolúvel, além do importante papel que a mulher vem assumindo ao quebrar com a estrutura patriarcal que vigorou por tanto tempo. 4. CAPÍTULO II – OUTRAS FORMAS DE FAMÍLIA No capítulo II o debate gira em torno das outras formas possíveis de família, em que Pereira, começa comentando sobre o direito a sexualidade que é tratado como uma questão de direito de família, muito embora se coloque na esfera do desejo, o que tem relação direta com a psicanalise, daí a importância da interdisciplinaridade desse tema. Durante algum tempo o Estado acreditava ser possível controlar as relações sexuais dentro e fora do casamento, mas o que se percebe é que há coisas que escapam ao normatizável e que devem evoluir conforme a sociedade exige. As uniões homoafetivas, outro tema amplamente debatido na atualidade, partem da premissa de que a homossexualidade sempre existiu, e que o que ocorre é que algumas culturas lidam melhor que outras com tais relações, mas vale lembrar que a dignidade da pessoa humana deve ser resguardada. Os avanços nesse quesito são perceptíveis, seja no âmbito do casamento, em que em vários países já se reconhece o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo. Ou seja, por meio da possibilidade da ocorrência de cirurgias para mudança de sexo ou para alterações do registro civil. Tais questões demonstram que o direito deve se atear a servir à liberdade dos sujeitos e não somente a questões moralizantes e estereotipados que perpetuam diferenças e exclusão. Outro aspecto que o autor aborda neste capítulo é a questão do concubinato, que hoje é tratado como união estável e que durante muito tempo serviu como forma de separar na sociedade aqueles que seguem o casamento proposto pelo direito e aqueles que estavam a margem disso – muito embora até hoje aqueles que se encontrem em união estável sejam diferentes dos que estão casados, sendo o primeiro uma união de fato, de forma livre, que não segue as formalidades exigidas pelo Estado, e a segunda a união do direito, legalmente reconhecida. Por fim são citadas as famílias monoparentais que também merecem ser reconhecidas e protegidas como família em razão que para a psicanalise o que importa é a estruturação psíquica em que cada membro ocupa seu lugar, e a própria constituição em vigor reconhece que a família pode ser constituída por qualquer dos pais e seus descendentes.Tal definição é muito importante ainda mais em um país em que grande parte das famílias é estruturada por mães que assumem o papel de mãe e pai e estruturam suas famílias com seus filhos, seja por terem perdido a figura paterna ou por estes nunca terem se comprometido com tal situação. 5. CAPÍTULO III – O GOVERNO DA FAMÍLIA O capítulo III aborda a questão da gestão da família, que hoje, legalmente, de modo expresso pela Constituição, será exercida pelo homem e pela mulher de forma conjunta. Tal situação coloca em debate um padrão milenar que é o sistema patriarcal posto que cada vez mais os papeis definidos para homens e mulheres na estrutura familiar estão sofrendo reformulações. Primeiramente a sociedade conjugal em si já sofreu modificações que as relações constituídas ou não por união estável, hetero ou homoafetiva são reconhecidas como sociedade conjugal. Por certo tempo a superioridade do homem ante a mulher na estrutura familiar se justificou com base na questão do sustento do lar, atualmente tal situação não é mais suficiente para garantir que essa configuração perdure. No Brasil antes da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, a mulher casada era tida como relativamente incapaz e o estatuto da mulher casada previa que o marido é que era o chefe da sociedade conjugal, com a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, homens e mulheres passam a ser iguais em direitos e obrigações. No mundo, algumas situações foram importantes para trazer à tona esse viés de igualdade entre os sexos, tais como a Revolução Francesa, o Movimento Feminista (que também traz importantes conquistas no Brasil). 6. CAPÍTULO IV – PATRIARCALISMO Nesse capítulo do patriarcalismo, que impõe o mito da superioridade masculina e que impacta diretamente a estruturação família. Para Engels, tal situação se configura a partir de uma cultura de criação de excedentes em que a mulher vai sendo dominada para que cada vez mais riqueza seja produzida. Freud reflete ainda que em quase todos os registros históricos, mitos e lendas estão fundados em uma supremacia masculina. Fustel de Coulanges trata da relação entre esse sistema e a religião. Mas atualmente fala-se em uma superação do patriarcalismo, e isso já pode ser notado até em decisões dos tribunais brasileiros. 7. CAPÍTULO V – IGUALDADE: FALÁCIA DO NOSSO TEMPO Na mesma temática o capítulo v trata de igualdade, e pontua que desde a carta da ONU de 1948 é que ficou declarada a igualdade entre todos os seres humanos, daí em diante a ONU vem se mostrando atenta à questão da igualdade ao incluir como parte dos direitos humanos os direitos das mulheres, contudo o que se observa é que mesmo nos países em que há evolução legal no sentido de proteger a mulher ainda falta a implementação de fato, por parte do Estado. Ou seja, é preciso mais que legislação para resolver a questão da igualdade de gêneros. Conforme o autor, para o Direito a ideia de igualdade é importante por nos remeter ao ideal de justiça, que é o que rege uma sociedade. O autor salienta ainda que é delicado falar dessa igualdade visto que é necessário que haja o diferente para que exista o outro, embora igualdade não esteja ligada a supremacia de um sobre o outro. 8. CAPÍTULO VI – A PARTE DA MULHER E A MÃE O capítulo 6 trata da mulher e da mãe, e aqui, o autor entende que talvez os avanços, no que tange aos direitos da mulher, tenham como ponto de partida a Revolução Francesa, outro importante expoente desses avanços foi o movimento feminista que buscava retirar a mulher desse lugar de reprodutora, mas nesse contexto, como aponta Pereira, a mulher precisou fazer alianças com o homem, para que fosse possível repensar a divisão sexual do trabalho e assim se inserir num contexto social. Com o advento da Revolução Industrial ele passa então a ocupar postos de trabalho que até então eram somente pensados para os homens, e isso faz quebrar um dos grandes pilares de submissão feminina, que é o do trabalho e posteriormente a mulher passa a brigar por outro pilar de submissão que é a revolução sexual, já que o sexo fora do casamento foi fortemente combatido, culturalmente os homens tinham tal direito e as mulheres não. Um marco importante na luta pela igualdade feminina, no Brasil, é a Constituição de 1934 que traz o direito ao voto para as mulheres. Para melhor compreender esse lugar da mulher o autor se utiliza de elementos constantes das teorias de Lacan e de Freud como forma de construir a identidade feminina ora analisada. A partir por exemplo da afirmação Lacaniana de que a mulher não existe, uma vez que para se fazer notar ela acaba se apropriando de um discurso masculino, o chamado discurso fálico, para ele a mulher ainda não apresentou seu discurso ao mundo. Freud também reforça essa ideia de que a mulher é o ser que sabe que tem a falta, que parte a comparação da anatomia sexual do menino e da menina, já que a mulher busca encontrar em si aquilo que nota haver no homem desde a infância. Por fim o autor entende que a igualdade só é possível a partir do reconhecimento de tais desigualdades que mais do que físicas são, como demonstrado, psíquicas, e que mesmo que historicamente a mulher não tenha ocupado papeis na vida pública, como na política por exemplo, e que na vida privada seu papel tenha sido desde sempre definido como reprodutora e produtora, a mulher vem buscando seu espaço e encontrando meios de romper com paradigmas impostos pela sociedade patriarcal. 9. CAPÍTULO VII – A PARTE DO PAI – A IDENTIDADE MASCULINA Já o capítulo VII aborda a parte do pai e a identidade masculina. Aqui cabe a análise de que as diferenças persistem, contudo, agora por motivos diferentes dos antigos, e o que se nota é que há um processo em curso de quebra de uma ideologia patriarcal. De acordo com a psicanálise o homem ocupa um lugar de virilidade e de destaque na sociedade, algo que vem sendo amplamente questionado, a dúvida então é se na organização familiar haverá também uma redefinição do papel do pai. Para a psicanálise, bem como para o direito o pai tem um papel fundante, em que ele ocupa o papel da lei, daquele que vai impedir efetivamente o desejo libidinal, ou edipício, da criança com a mãe, sendo tal desejo uma questão do inconsciente. Ou seja, é uma proibição ao incesto, e assim também ocorre com o Estado, que tem o papel de unir o desejo à lei. O autor nos convida ainda a perceber que atualmente, diferente do que acreditava o direito, pai é muito mais do que aquele que empresta seu nome para a certidão de nascimento de um filho, pai é quem cuida, é quem participa da formação e da educação de um filho, sendo assim a verdadeira paternidade se relaciona com um ato de vontade ou de desejo, e é por meio desse tipo de constatação que o conceito de paternidade hoje tem um viés ampliado, sendo considerado portanto como uma função, e que tal função é estruturantee determinante dos sujeitos. Desde o direito romano que se compreende que a figura do pai é importante para a existência e estruturação dos sujeitos, e conforme Lacan o pai é uma figura importante, porém simbólica, de modo que qualquer um pode desempenhar esta função. Mais uma vez cumpre ressaltar a importância de tais apontamentos sendo que o que se percebe é o constante crescimento de famílias chefiadas por mulheres, bem como a luta pela aceitação de famílias em que pai e mãe são pessoas do mesmo sexo e não necessariamente o padrão imposto de que é preciso haver um homem e uma mulher para haver pai e mãe. As transformações do sistema patriarcal também alteram essa chamada função paterna na medida que a partir da do pós-feminismo as funções de cuidados com a criança (materna) afazeres domésticos (materna) e de nome e patrimônio (paterna) são divididas ente os dois. Um importante avanço citado neste capítulo é a igualdade entre filhos nascidos ou não na constância do casamento, que por muito tempo eram tratados de forma distinta. 10. CONCLUSÃO: A REVOLUÇÃO JURÍDICA PELA VIA DA PSICANÁLISE O autor conclui então, que, com base nas transformações ocorridas no mundo a partir da segunda metade do século XX, pode-se perceber a ocorrência de um processo histórico evolutivo em que as Revoluções Industrial e Francesa trazem importantes apontamentos como os ideais de liberdade, igualdade e fraternidade que passam a nortear não só o direito como um todo mas em especial o direito de família que mais do que nunca se vê afetado pelos papeis masculino e feminino que estão sofrendo redirecionamentos e que sofrem os impactos por exemplo do importante movimento feminista que veio alertar para as importantes transformações sociais que clamavam pela atenção do Direito. O autor não entende que a família esteja em crise ou decadência, pelo contrário, para ele o que ocorre é uma importante transformação que vai adequar o desejo de mais liberdade e dignidade daqueles que a compõem, em especial no que tange à mulher que vem sendo massacrada por séculos de opressão. Fica claro no livro que o Direito, a partir da intervenção da psicanálise deve passar a considerar a família como estruturação psíquica pois isso vai impactar diretamente na forma de se adequar a legislação à realidade. Foi a partir desse viés que foi possível receber e reconhecer novas estruturas parentais existentes na sociedade em nosso ordenamento jurídico, pois a família passou a ser vista como lugar de afetividade e propagador de direitos e deveres. É esse entendimento que nos permite encarar a família como forma plural e que nos possibilita ressignificar os papeis masculinos e femininos na estruturação familiar. Para Rodrigo, não é uma questão de menosprezar o papel do pai – posto que o sistema patriarcal foi mudado – mas é entender que o momento é de rever conceitos e de entender que a família é algo maior que papeis previamente determinados, e que cada membro, seja ele quem for tem um papel importante para que a estrutura funcione de maneira harmônica e eficaz. 11. CONSIDERAÇÕES FINAIS A obra ora analisada traz à tona questões de fundamental importância para compreendermos a dinâmica da aplicação do Direito ao caso concreto em sociedades cada vez mais complexas. Entender que a evolução da humanidade, de modo geral, seja no aspecto tecnológico, ou no aspecto social, impacta diretamente na forma como o direito vai ser exercido é muito relevante para construir operadores do direito cada vez mais atuantes e adaptáveis as novas situações que se colocam a cada dia. Ao fazer uma análise crítica da obra, é possível notar que o quanto o autor foi feliz ao invocar a psicanalise, com suas grandes contribuições para a compreensão do ser humano e de suas diferenças, em virtude de que o Direito sozinho não da conta de responder todas as questões, em especial quando as questões são cada vez mais complexas e reflexivas. Tal postura possibilita uma abertura e flexibilização no pensamento de modo a contribuir cada vez mais para que a sociedade seja cada vez mais livre, justa e igualitária. Por fim, algo que chama muito a atenção neste estudo é que a própria sociedade ainda tem muito a evoluir dado que somente a legislação não tem sido capaz de transformar as diferenças, que a lei prevê, como no caso das questões de gênero, não vem sendo alcançada com o sucesso esperado na pratica. A verdade é que, no geral, temos leis muito importantes e garantidoras, mas isso não faz mudar a postura da sociedade frente as opressões sofridas por minorias, como é o caso dos homossexuais ou das mulheres por exemplo. O próprio autor cita que a Lei Maria da Penha, infelizmente não conseguiu reduzir tão significamente como o esperado os casos de violência doméstica contra a mulher, mesmo com a significativa “queda do patriarcado” os velhos hábitos ainda são muito fortes na sociedade brasileira, e é importante refletir sobre a sociedade que queremos de fato. REFERÊNCIA PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Direito de família : uma abordagem psicanalítica. 4º edição. Rio de Janeiro Forense 2012 ISBN 978-85-309-4413-1.
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