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Referência: BARBEIRO, Heródoto; LIMA, Paulo Rodolfo de. Manual de telejornalismo: Os segredos da notícia na TV. Rio de Janeiro: Campus, 2002. 185 p. ISBN 85-352- 0994-8. Capa Autores: Heródoto Barbeiro e Paulo Rodolfo de Lima Manual de Telejornalismo Os segredos da notícia na TV Como fazer uma reportagem e conduzir uma entrevista na TV Como elaborar uma pauta e produzir um programa de telejornalismo Técnicas específicas de redação e edição na TV Editora: Campus Página 1 Manual de Telejornalismo Os segredos da notícia na TV Página 2 Preencha a ficha de cadastro no final deste livro e receba gratuitamente informações sobre os lançamentos e as promoções da Editora Campus. Consulte também nosso catálogo completo e últimos lançamentos em www.campus.com.br Página 3 Heródoto Barbeiro Paulo Rodolfo de Lima Manual de Telejornalismo Os segredos da notícia na TV 2ª Tiragem Editora: Campus Página 4 2002, Editora Compus Ltda. — Uma Empresa Elsevier Science Todos is direitos reservados e protegidos pela Lei 5.988 de 14/12/73. Nenhuma parte deste livro, sem autorização prévia por escrito da editora, poderá ser reproduzida ou transmitida sejam quais forem os meios empregados: eletrônicos, mecânicas, fotográficos, gravação ou quaisquer outros. Editoração Eletrônica Futuro Copidesque Mariflor Brenlla Rial Rocha http://www.campus.com.br/ Revisão Gráfica Andréa Campos Bivar Jussara Bivar Projeto Gráfico Editora Compus Ltda. A Qualidade da Informação Rua Sete de Setembro, 111 — 16º andar 20050-002 Rio de janeiro RJ Brasil Telefone: (21j 3970-9300 FAX 21) 2507-1991 E-mail: info@campus.com.br ISBN 85-352-0994-8 C1P-Brasil. Catalogação-na-fonte. Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ B187m Barbeiro, Heródoto, 1946— Manual de telejornalismo/Heródoto Barbeiro, Paulo Rodolfo de Lima — Rio de Janeiro: Compus, 2002 ISBN 85-352-0994-8 1. Telejornalismo. 2. Redação de textos para televisão. 1. Lima, Paulo Rodolfo de. II. Título. CDD 070.19 CDU 070:654 172 65432 02-0134 03 04 05 Página 5 Nossa Proposta “O jornalismo é o exercício diário da inteligência e a prática cotidiana do caráter.” Cláudio Abramo Fazer com que o leitor (telespectador) entenda quais são os limites éticos do Jornalismo e cobre uma postura ética do Jornalista e dos veículos de comunicação. Incentivar o debate e a reflexão sobre a qualidade do jornalismo feito no país e as consequências das transformações tecnológicas para a profissão. Formar nova geração de jornalistas que coloquem em prática as questões relacionadas e outras que possam ser agregadas. Contribuir para que o meio publicitário, que sustenta economicamente as empresas de comunicação, conheça melhor o mecanismo e a ética jornalísticos e faça a distinção da qualidade do jornalismo feito entre uma emissora e outra. BOA LEITURA! Os Autores Página 7 “Acho que jornalismo na IV quase não existe mais. Tem muita técnica, atores lendo as chamadas, e só. Como tudo depende da imagem, os câmeras substituíram os repórteres. Mas eles não viraram jornalistas, e quase não há bons profissionais na TV americana esses dias. Eu jamais confiaria numa informação saída da TV sem checar: A maioria deles não tem a menor idéia sobre o que está fazendo.” Richard Reeves Escritor e teórico do jornalismo, em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo Página 8 Para os amigos da TV Cultura de São Paulo. Pela contribuição que deram para este livro compartilhando suas experiências de trabalho. Página 9 Apresentação “A nossa alma rende-se muito mais pelos olhos do que pelos ouvidos.” Padre Antônio Vieira “Um livro puxa o outro." Esta é a justificativa que usamos para a publicação deste Manual de Telejornalismo. A estrutura se apóia essencialmente no Manual de Radiojornalismo: Produção, Ética e Internet, que publicamos recentemente. O jornalismo eletrônico tem características comuns na TV; rádio e Internet. Obviamente que escrevemos capítulos inteiros dedicados apenas ao telejornalismo por suas características particulares, mas no capítulo que trata da ética apenas reforçamos e aprofundamos o tema com mais algumas reflexões. O avanço da tecnologia desde o advento da televisão até agora com a expansão da Internet, resultando no processo de convergência das mídias, vem provocando mudanças profundas nos rumos da humanidade. A sensação de que hoje a vida passa mais rápido do que antigamente tem relação direta com a TV: Notícias que antes demoravam semanas, dias e horas para chegar ao nosso conhecimento hoje são transmitidas ao vivo, o que aumenta consideravelmente a responsabilidade do jornalista. Dilemas técnicos e éticos da profissão são cada vez mais postos em xeque, daí a necessidade de uma ampla discussão dos rumos do jornalismo, não só por jornalistas e empresas de comunicação, mas por toda a sociedade. Esperamos que este livro seja uma contribuição. Página 11 Sumário Introdução 13 A Ética 19 O Jornalismo Público 35 O Bit da Boa Esperança e o Telejornalismo 39 O Diretor de Jornalismo 50 O Editor-Chefe 55 O Pessoal da "Planície" 60 O Coordenador de Rede 65 A Reportagem 67 O Videorrepórter 73 Apresentação de Programa Jornalístico 76 . Atores ou Jornalistas? 82 A Entrevista 84 A Produção 89 . O Texto 95 . A Edição 100 . O Esporte 107 A Pauta 111 A Central Informativa 115 A Prestação de Serviços 117 A Pronúncia 119 A Redundância 125 O Tracinho que Derruba o Editor 127 Onde Você e Eles Moram? 132 Miscelânea 138 A Redação 149 Página 12 Códigos de Ética 151 Os Pecados 153 Código de Ética da Radiodifusão Brasileira 155 Brasil 160 Estados Unidos 165 Portugal 170 Inglaterra 172 Suécia 176 Austrália 178 Declaração dos Deveres e Direitos do Jornalista 180 Os Deveres do Jornalista 182 Sugestões para Debate 183 Consultório Ético 190 Glossário 192 O Dia-a-Dia na TV 192 O Dia-a-Dia do Tempo: Sol, Chuva e Trovoadas 199 O Dia-a-Dia entre Juros, Inflação, PIB... 207 O Dia-a-Dia nos Hospitais e Prontos-Socorros 217 O Dia-a-Dia entre Juízes, Desembargadores e Ministros 224 O Dia-a-Dia nos Parlamentos 231 O Dia-a-Dia na Evolução da Sociedade 239 Bibliografia 247 Página 13 Introdução “Aquilo que escuto eu esqueço, Aquilo que vejo eu lembro, Aquilo que faço eu aprendo. " Confúcio ATV está profundamente mergulhada nas transformações sociais do início do século XXI e ao mesmo tempo em que sofre suas influências, contribui para que elas se processem. A televisão é a janela para o r eterno e o presente, registra cenas da história da humanidade imaginadas f apenas nos filmes de ficção. Os atentados terroristas contra Nova York e Washington reforçam o que vem acontecendo em coberturas ao vivo, mas nem todos os jornalistas se deram conta: a importância da reportagem construída a partir da imagem, sem a presença dos repórteres nos locais dos acontecimentos. Quando apareceu a imagem do World Trade Center em chamas a informação inicial era de um incêndio, em seguida que um avião teria se choca do contra um dos prédios mais altos do mundo. Alguns minutos depois a TV mostra, ao vivo, um Boeing se atirando contra a torre gêmea. A notícia mudou imediatamente, eram atentados, inclusive contra o Pentágono, que os telespectadores ficaram sabendo inicialmente por meio de textos em movimento na parte inferior da telinha. Durante as várias horas que se seguiram à tragédia, a imagem continuou sendo a única fonte da notícia. Não havia como se aproximar. Para espanto geral, uma das torres do World Trade Center desaba, produzindo uma quantidade maior de vítimas, eliminando de vez a possibilidadede a reportagem ir até o local. Os jornalistas de rádio, jornal e Internet tinham apenas as imagens e informações desencontradas de autoridades apavoradas. Página 14 O apresentador Silvio Santos foi feito refém em sua própria mansão em São Paulo. A polícia imediatamente cercou toda a região e não permitiu que ninguém chegasse perto da casa do empresário, nem os jornalistas. Ficaram contidos a 100 metros de distância, sem visibilidade do que se passava na residência. A polícia proibiu também que os helicópteros das emissoras de TV e rádio se aproximassem de um amplo espaço aéreo da mansão de Silvio Santos. Os repórteres na rua não tinham mais nada a dizer a não ser repetir a notícia de que seqüestrador e refém estavam trancados na sala de ginástica. Os helicópteros das TVs pairaram a cerca de 500 metros da casa e suas câmeras poderosas com zoom aproximaram de tal forma o local, que foi possível ver toda a movimentação de policiais, bombeiros, atiradores de elite, advogados, médicos e autoridades se deslocando de um lado para o outro na parte externa superior da mansão. Os jornalistas no estúdio passaram a narrar o que viam e o eixo da reportagem se inverteu. A notícia não vinha mais da rua; graças à imagem, a reportagem passou a ser feita do estúdio. As emissoras de rádio fizeram a mesma coisa usando as imagens da TV: A transmissão se apoiou basicamente na imagem, nos comentários do estúdio, subsidiados pelas informações apuradas pela centraI informativa e com poucas notícias enviadas da rua pelos repórteres. A imagem, pelo menos nesses dois episódios, venceu. São apenas duas situações do telejornalismo. Isso não quer dizer que a imagem suplanta a reflexão e ação crítica do jornalista. Há que se ficar atento para que não haja mistura entre informação e espetáculo, jornalismo e entretenimento, verdade e mentira. A utilização da imagem bruta, como nos dois exemplos citados, não pode prescindir da capacidade crítica de jornalistas e telespectadores. Mesmo ao vivo é possível manipular. A televisão foi o veículo do século XX e vai reinar ainda durante algum tempo neste século até que haja definitivamente a convergência das mídias. A TV predomina porque é o meio de maior penetração na sociedade e, conseqüentemente, recebe a maior parte dos investimentos publicitários. Só ela abocanha mais da metade de todo o dinheiro, o. que possibilita contar com recursos consideráveis para investir em equipa mentos de última geração, capazes de captar e transmitir imagens e sons com rapidez e fidelidade cada vez maiores. Com o videofone, a TV entra definitivamente em uma área de atuação tradicional do rádio, passando a competir diretamente com um veículo reconhecido por sua agilidade. Página 15 A televisão é um fenômeno de massa de grande impacto na vida social. É um dispositivo audiovisual através do qual a sociedade pode divulgar os seus feitos, anseios, sonhos e crenças para toda a humanidade. A TV é o meio capaz de prender a atenção de todos os clientes de uma padaria, das pessoas que passam na frente de lojas de departamentos, e faz com que o trânsito das grandes cidades desafogue no momento em que a seleção entra em campo nos jogos da copa do mundo, e os motoristas que não foram para casa param no primeiro posto de gasolina ou bar para ficarem de olho na telinha. Por isso o seu acervo de obras importantes é tão grande quanto o acumulado por qualquer outro meio de comunicação. As emissoras que se dedicam exclusivamente ao jornalismo apresentam a todo momento na tela informações para serem lidas como um jornal eletronicamente impresso. Não é TV; não é rádio. É texto para ser lido. O exemplo mais conhecido é a Bloomberg, onde a imagem em movimento fica reduzida a um canto da tela e o que sobra são informações fixas e móveis. Nas grandes e longas coberturas, o texto eletrônico passou a ser usado como informações diferentes das mostradas pela imagem ou pelo áudio. A reportagem na TV; como mostraremos nos próximos capítulos, não se resume, obviamente, à força das imagens e às maravilhas da tecnologia. A televisão vive também de críticas e uma das mais duras diz que a estrutura do meio é entendida como tecnologia de difusão de empreendimento mercadológico, sustentadora do regime econômico e máquina de moldar o imaginário. Há quem diga, como o escritor e teórico do jornalismo Richard Reeves, das Universidades da Califórnia e Columbia, que o jornalismo na TV acabou. Ele argumenta que, como tudo depende da imagem, os câmeras substituíram os repórteres, que por sua vez se transformaram em atores leitores de chamadas. Mas não podemos esquecer que o jornalismo de cada época é feito com os meios, recursos e tecnologia disponíveis, no interior das estruturas econômicas e institucionais vigentes. Então por que não usar a imagem para informar que algo de interesse geral está acontecendo? Abrir a oportunidade para que o mais amplo leque de experiências diferenciadas seja buscar a qualidade do jornalismo e de outros programas. É preciso dizer que não se trata de reduzir o processo jornalístico às imagens, mas avaliar em que momento elas dão maior contribuição para a difusão das notícias. O discurso e a palavra são matérias-primas essenciais no jornalismo da TV: Basta lembrar das entrevistas, dos debates, depoimentos, os talking heads. Página 16 As imagens nesses momentos dizem muito pouco e as palavras tornam-se a matéria- prima principal. Que diferença faz, em uma situação dessas, escurecer a tela e acompanhar a entrevista apenas pelo áudio? A perda de informação é pequena. O essencial se preserva. Não se pode acompanhar os gestos, o semblante, os tiques do entrevistado, mas não se perde a notícia. Mesmo a crítica de que a TV molda o telespectador torna-se frágil se considerarmos que as pessoas não "lêem" o mesmo telejornal da mesma forma. Cada um lê de acordo com os seus valores e ideologias. A reprodução de telejornais em filmes cinematográficos de ficção dá mais veracidade à história que está sendo contada. São várias as vezes em que a CNN é citada ou seus repórteres aparecem nesses filmes; o cinema brasileiro também usa esse recurso. Antes da TV o rádio também fez o mesmo. O pânico provocado pela histórica Guerra dos Mundos, apresentada por Orson Welles, na década de 1930, tinha o formato de um radiojornal. A TV quebra a impessoalidade do jornal impresso e cria personagens que ficam familiares ao público como repórteres, apresentadores, comentaristas, âncoras, testemunhas, entrevistados, etc. A imagem deles se torna familiar e entra no rol das pessoas conhecidas e tem suas declarações reproduzidas no cotidiano. No dia-a-dia, portanto fora de longas reportagens ao vivo, o telejornal é composto de uma mistura de fontes de imagens, sons, gravações, filmes, fotos, arquivos, gráficos, mapas, textos, ruídos, músicas, locuções, etc. É o resultado da ação dos jornalistas sobre o aparente caos onde jazem os acontecimentos transformados em notícias para um telejomal. Ele se estrutura de forma semelhante em todos os lugares do mundo enfocando tomadas em primeiro plano de pessoas que falam diretamente para a câmera, sejam repórteres ou entrevistados. A presença da TV; ao vivo, no local e na hora que os fatos acontecem dão ao telespectador uma sensação de confiabilidade, ainda que imagens possam ser manipuladas e, em certos lugares do mundo, algumas pessoas ainda não acreditam que o homem esteve na Lua, por mais que as imagens tenham sido reprisadas à exaustão. Não podemos esquecer que o close, ou a câmera fechada em determinadas paisagens, é capaz de excluir outras informações intencionalmente ocultadas, como um discurso do presidente que mostre apenas o seu rosto não permite que manifestantes oposicionistas sejam mostrados. A própria seleção de imagens é feita no momento em que os fatosocorrem e também pode ser manipulada. A apresentação é sempre ao vivo e mesmo as reportagens gravadas passam para o telespectador a impressão que está ao vivo. Página 17 Este é o traço mais importante do universo audiovisual. A transmissão ao vivo, por si só, não é uma forma de manipulação. A velocidade da transmissão depende dos fatos que acompanha e não há como acelerar ou atrasa-la. O "ao vivo" não é necessariamente essencial para impactar a opinião pública. O andamento da guerra do Vietnã foi alterado por causa da cobertura dada pela tele visão, ainda que as reportagens fossem pré-gravadas por causa de inexistência, na época, de tecnologia. Na transmissão ao vivo o programa é editado no ar, o que dificulta, mas não impede, a manipulação. A tecnologia não pode imprimir o conteúdo e o ritmo das notícias, esta é uma atribuição dos jornalistas. Ela pode facilitar a sua difusão em âmbito mundial como através da Internet e do uso do videofone. Os grupos que não dominam veículos podem resistir através da Internet e difundir notícias que o monopólio tenta impedir. Com isso se preserva a individualidade e se impede o estabelecimento de uma censura pelo controle das emissoras de TV Diante da Internet, o homem permanece interativo. As imagens pesam mais do que as palavras, daí a conquista de público da televisão, o veículo mágico do século XX Mas é bom não esquecer que no noticiário uma não pode se contrapor à outra, sob pena de confundir o telespectador e abalar a credibilidade da televisão e do seu noticiário. A televisão deixa bem clara a individualização da notícia, usando falas dos personagens e nomeando-as oralmente ou em caracteres. Assim, a tarefa de construir o noticiário do dia é repartida entre os diversos personagens apresentados ao longo da edição. Ninguém desconhece que há uma verdadeira obsessão pela informação em tempo real, mas a televisão é mais do que isso. Página 19 A Ética “A ética é a obediência ao que não pode ser obrigatório. " Rushwordt Kidder “Todas as vezes em que você pensa que a IV atingiu o pior nível possível, um novo programa começa e espanta porque o poço tem cada vez mais fundo. " Art Buchwald “La ética no es una condición ocasional, sino que debe acompañar siempre ao periodismo como el zumbido al moscardón. " Gabriel García Marques A ética é uma reflexão crítica sobre a moralidade: um conjunto de princípios e disposições voltados para a ação, historicamente produzidos, cujo objetivo é balizar as ações humanas. A ética existe como uma referência para os homens em sociedade. Pode e deve ser incorporada por todos, sob forma de uma atitude diante da vida cotidiana, mas não é um conjunto de verdades críticas, imutáveis. Ela se altera historicamente, e sua compreensão exige conhecimento dos movimentos sociais. A ética não se confunde com a moral, que é regulação dos valores e comporta mentos considerados legítimos por uma sociedade em determinada época. É um fenômeno social particular que não tem compromisso com a universalidade, com o que é direito de todos os seres humanos. A moral é uma excelente servidora da ética, mas é uma péssima senhora dela. Entre moral e ética há uma tensão permanente: a ação moral busca uma compreensão e uma justificação crítica universal; e a ética exerce urna permanente vigilância crítica sobre a moral para reforça-la ou modifica-la. Página 20 A morte na fogueira da Inquisição foi considerada "nonnal" na Espanha do século XVI, no entanto é inaceitável hoje. A ética tem sido o principal balizador do desenvolvimento histórico cultural da humanidade, e sem ela é possível que a civilização não tivesse chegado com a face que tem hoje. Contudo, só o consenso e a espontaneidade de respeito a esses princípios garantem o seu cumprimento, por isso a ética não basta apenas como teoria. A falta de ética acentua a desigualdade e a injustiça social, portanto não se pode considerar os efeitos da conduta ética como abstratos. Ela é mais material do que algumas pessoas supõem. A aplicação dos princípios éticos valoriza e reforça a, pluralidade e a diversidade, porque plural e diversa é a condição humana. Os jornalistas, como outros profissionais, necessitam de um código de ética, um acordo explícito entre todos com o compromisso de realizar sua função social de um modo compatível com os princípios universais da ética. Ele se articula através de uma deontologia, onde está claro o desejo de cumprir seus deveres. É um instrumento frágil de regulação dos comporta mentos de seus membros e não pode, coercitivamente, obrigar seus membros a cumprir os preceitos do código. A pressão é apenas de ordem moral. A sua formulação deve ter a participação de todos, para que se compro metam com o que foi condensado. É preciso ter urna convicção dos jorna listas. O campo da ética não é o campo exclusivo das vontades e do livre arbítrio de cada jornalista, é urna construção consciente e deliberada de um conjunto de pessoas em sociedade. Assim, a ética é a aplicação pessoal de um conjunto de valores livremente eleitos pelos jornalistas em função de urna finalidade por eles mesmos estabelecida e que acreditam ser boa. Os jornalistas concebem uma deontologia ou conjunto de deveres quê regulamentam a prática do jornalismo. Por isso, é necessário fazer uma reflexão de tendência universalizante que se desenvolva ao.mesmo tempo numa cultura particular. Os jornalistas elegem um norte que possa guia-los através da sua frágil independência em suas relações com os diversos poderes, as negligências na verificação das informações sob a influência conjugada das leis do mercado, da velocidade da informação, da eficiência dos comunicadores. Apresentamos urna seqüência de sugestões para a conduta ética: 1. O jornalista só deve dizer a verdade e resistir a todas as pressões que possam desviá-lo desse rumo. Não guarda para sim informação de interesse público e tem a obrigação de buscar a isenção sempre. Página 21 A isenção deve ser encarada como uma luta diária. Acompanha as transformações contínuas da sociedade. Está submetida às leis que determinam o processo histórico. 2. Existem redações em que os jornalistas estão mais preocupados em manter o emprego do que em fazer jornalismo. Não se arriscam a questionar ordens superiores mesmo que elas sejam claramente conflitantes com as posturas éticas da profissão. O simples "cumprir a ordem " aos poucos se confunde com o comodismo e é um dos motivos do jornalismo de baixa qualidade, portanto antiético. A rígida hierarquia da redação contribui para que questionamentos não sejam feitos e anulam a capacidade crítica da equipe. Ninguém se exime da justificativa de que "apenas cumpriu ordens do chefe". 3. O mandonismo sub-reptício, não-explícito, não-escrito é a forma mais cruel de se impor uma linha editorial. É uma área cinzenta que incentiva a covardia e a autocensura. 4. É a honestidade do jornalista e do veículo de comunicação em que ele atua que assegura a fidelidade à verdade factual, sinceridade da análise e do comentário; a isenção para acompanhar, avaliar e fiscalizar as manifestações do poder. 5. Boatos e rumores não substituem o fato, logo o jornalista não pode acreditar em tudo o que ouve e vê. O jornalista tem o dever ético de duvidar sempre, não pode ser ingênuo aponto de não perceber que a maioria das notícias afeta interesses. 6. Quando rumores e fofocas são publicados como notícias precisas assumem vida própria; mesmo não tendo base factual, geralmente se constituem em um sofisma e colaboram para reforçar o denuncismo. 7. O jornalista deve saber quais são os limites de seu trabalho uma vez que a missão de informar também comporta limites. Tais limites, porém, não podem ser confundidos com cerceamento à liberdade de Imprensa.8. O jornalista deve ir além da busca dos dois ou mais lados da notícia. É preciso investigar, apurar e formar convicção acerca dos fatos relatados. Apenas ouvir o outro lado é uma forma preguiçosa de fazer jornalismo. Página 22 9. É obrigação do jornalista corrigir qualquer informação errada que divulgue. Não existe jornalista que não corneta erros por menores que sejam. Cabe a ele buscar a melhor forma de reparação. 10. A qualidade do trabalho jornalístico se completa quando reportagens que têm como base uma denúncia sólida apresentam provas confirmadas, fontes independentes e são levadas ao ar sem conclusões apressadas ou com aspectos tendenciosos. Isso contrapõe às matérias apresentadas como "reportagens investigativas", mas na realidade são baseadas em uma única fonte, rumores ou repetições de acusações não- confirmadas feitas por pessoas anônimas interessadas na divulgação desses fatos. É o caminho mais curto para transformar a redação em um "Tribunal de Inquisição" e a reportagem em um “Auto-de-Fé". É preciso evitar o uso da clandestinidade ou de outros métodos sub-reptícios de coleta de informações vitais para o público. O uso de tais métodos deve ser explicado como parte da reportagem. É preciso coragem e vigilância para responsabilizar aqueles que têm o poder. Negue tratamento favorável a anunciantes e aos chamados interesses especiais. Dê importância e voz àqueles que não as têm. 11. Gravar entrevista sem o conhecimento da pessoa, jamais, seja quem for. A busca da audiência incentiva o jornalista a usar a câmera escondida. É uma falsa atividade de jornalismo investigativo. Além de invasão de privacidade, essa atitude põe em risco a integridade dos personagens que são julgados pela opinião pública por frases isoladas ou declarações truncadas, fora do contexto dos acontecimentos. 12. A tentação de buscar o chocante pode invadir a privacidade dos outros. No afã de conseguir reportagens de impacto o jornalista às vezes divulga fatos que são irrelevantes para a notícia mas têm apelos emocionais. É comum pessoas acusadas de praticar um crime serem perseguidas em delegacias e obrigadas a dar declarações ou ter o rosto exibido na TV sem seu consentimento. O mesmo tratamento constrangedor não é aplicado a acusados pertencentes à "elite", protegidos por seus defensores. Se a "ocorrência" envolve um policial prevalece o espírito de corpo e o mesmo é preservado. As principais vítimas dessas situações são as pessoas de classes sociais inferiores. Há uma conivência entre policiais e jornalistas para que o acusado seja entrevistado contra a sua vontade. Os programas policiais de rádio e TV se aprofundam nessas coberturas em que o jornalista faz o papel de inquisidor. Página 23 13. O sensacionalismo é contra a missão pedagógica do jornalismo e o caminho mais curto para o preconceito. O sensacionalismo, aparentemente, é a maneira mais rápida de se conseguir audiência, principalmente com a exacerbação das emoções. Fundos musicais tenebrosos, apresentação da notícia aos gritos ou com inflexões dramáticas têm como objetivo a conquista da audiência a qualquer custo, mesmo que a história venha a ser desmentida no futuro. 14. É dever do jornalista combater o preconceito e procurar ao máximo a objetividade. A opção sexual das pessoas e a origem étnica têm de ser respeitadas sob pena de se incentivar o ódio contra as minorias. As pessoas têm de ser respeitadas em suas diversidades de origem, convicção ou opção comportamental. Cabe às autoridades, e não ao jornalista, julgar o que é ou não uma prática anti-social. Ações de policial ou juiz não fazem parte das atribuições do jornalismo. Ao jornalista cabe acompanhar e divulgar os fatos de interesse social. 15. O jornalista denuncia crimes à sociedade; quem apura e pune, se for o caso, é o Estado. O profissional de imprensa só relata um aconteci mento ao delegado, promotor ou outra autoridade quando a vida de alguém corre perigo. O jornalista acompanha o trabalho das autoridades, não coopera. O caso da Escola Base, em São Paulo, é emblemático. Jornalistas assediaram autoridades e assistiram a interrogatórios em que os direitos dos acusados foram violados e não divulgados à sociedade. Alguns jornalistas investiram-se de autoridades policiais e ajudaram a aprofundar as injustiças cometidas contra os acusados de pedofilia, que posteriormente provaram ser inocentes. A reviravolta só foi possível quando o jornalista Florestan Fernandes Jr., da TV Cultura, resolveu investigar a fonte primária da notícia: o delegado. 16. Qualquer pessoa acusada de delito goza da presunção da inocência até que a sua culpabilidade seja legalmente comprovada, ou seja, a condenação passada em julgado. Até então, há suspeitos, denuncia dos, indiciados, acusados ou réus. A reportagem não pode parar na porta da delegacia com a prisão do suspeito. Tem de acompanhar o desenrolar e a conclusão do inquérito ou do processo, se houver. Há críticas procedentes de que a imprensa não dá destaque para a inocência do acusado, como se tal fato não fosse relevante para a opinião pública. Página 24 17. A informação escandalosa sobre determinado delito atribuído a um acusado pode influenciar um júri popular e leva-lo a condenar um inocente. 18. Não se identifica etnia, crença religiosa, profissão, sexo, nacionalidade .e afiliação política das pessoas se tais particularidades forem constrangedoras ou nada acrescentarem à notícia. 19. Detalhes escabrosos de chacinas e crimes sexuais não devem ser divulgados. A omissão nesses casos não significa descompromisso com a informação, mas respeito às vítimas da violência e aos telespectadores. A facilidade das transmissões ao vivo, com o uso de helicópteros, leva as emissoras de TV a cobrirem rebeliões em que cenas horripilantes são mostradas no meio da tarde. 20. Não se divulgam notícias que ensinem a cometer o crime, como construir bombas, assaltar bancos ou sonegar impostos. Notícias que ajudam a criar uma imagem simpática ou romântica de criminosos também não devem ser divulgadas. Vale o mesmo critério para valores de pagamentos de resgates. Em relação às drogas, divulgar o valor de um carregamento apreendido resulta em incentivo a que descubram nessa prática uma forma de enriquecer ilicitamente. O ideal seria divulgar quantas pessoas poderiam morrer com overdoses proporcionadas pelo carregamento apreendido. É uma mudança qualitativa no combate às drogas. 21. Noticia-se o suicídio como um fato social qualquer, não se dando a ele dimensão maior do que o acontecimento. Não há comprovação científica de que a divulgação de suicídios possa incentivar atentados contra a vida, mas há que o respeito ao ser humano também faz parte dos limites do jornalismo. Não se transmite suicídio ao vivo. 22. É preciso particular sensibilidade ao lidar com crianças e fontes inexperientes. Compaixão não atrapalha a divulgação da verdade. Livre-se do complexo de Torquemada, (líder da inquisição espanhola, perseguidor de hereges, judeus, bruxas etc). 23. A lei proíbe a divulgação de nome, apelido, filiação, fotografia, parentesco e residência de menores de 18 anos envolvido em atos infracionais. Também não é recomendável a divulgação de nomes de crianças e adolescentes em situação de constrangimento. A palavra "menor" não deve ser usada porque contém sentido pejorativo. Página 25 A própria mídia criou o termo "menor infrator", o que acabou generalizando crianças e adolescentes abandonados. As iniciais dos nomes também não devem ser usadas, nada acrescentam à notícia. O Estatuto da Criança e do Adolescente diz que é criança toda pessoa com idade até 12 anos incompletos, e adolescente toda pessoa com idade entre 12 anos completos e 17 anos incompletos. Os institutos que zelam por esses direitos costumam identificarcomo “jovem” o cidadão na larga faixa etária dos 15 aos 24 anos. Jornalisticamente é melhor chamar de "jovens" apenas aqueles já maiores de idade. 24. Tem direito ao anonimato toda pessoa vítima de violência e humilhação, como estupro, ou envolvida em situação infamante. Divulgar o nome é punir a vítima, exceto quando a pessoa abre mão espontânea mente dessa proteção ou quando há exigência excepcional de interesse público. 25. É preciso tomar cuidado com a história saborosa, sensacionalista sobre um conflito familiar que envolve promiscuidade sexual e suicídio de uma jovem. Isso pode se transformar em entretenimento para milhares de pessoas enquanto prejudica apenas a famI1ia da vítima na medida em que é forçada a ver os seus problemas mais íntimos divulgados publicamente. 26. Pessoas envolvidas em atividades ilícitas não têm direito à privacidade em assuntos relacionados a essa ocupação. 27. Cidadãos que têm vida pública perdem, pelo menos em parte, o direito à privacidade. O jornalista, porém, não deve avançar além do que for relevante para o conhecimento da sociedade. 28. O jornalista é um espectador da cena onde se produzem os acontecimentos. Portanto, está distanciado dos fatos e das histórias sem prejuízo da sua observação pessoal. A vedete é a notícia, não o jornalista. 29. O jornalista não coloca a vida das pessoas em risco. O direito à vida está acima de tudo, ainda que impeça a divulgação de uma reportagem. Prevalece o artigo da Declaração Universal dos Direitos do Homem que diz que todo indivíduo tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal... Casos de seqüestro, por exemplo, não devem ser divulgados quando houver pedido da família, autoridades ou a convicção de que a divulgação vai colocar em risco a vida da pessoa seqüestrada... Isso, porém, não deve ser motivo para que o jornalista abandone a apuração. Página 26 30. O jornalista não faz, no exercício da profissão, propaganda política ou declarações de apoio a líderes ou agrupamentos partidários e religiosos. É preciso separar as atividades pessoais das profissionais e distinguir em que momentos umas podem interferir nas outras. O jornalista, como qualquer outro cidadão, tem o direito de escolher sua religião, partido político, ideologia, time de futebol etc. Não deve esconder de ninguém suas preferências e não deve instrumentalizar nem permitir que outros o façam sob qualquer pena. 31. O jornalista deve recusar funções incompatíveis com o código de ética da profissão e ligações com o governo, empresários, publicidade, assessoria de imprensa, relações públicas e vínculos com poderes privados e oficiais que provoquem conflitos de interesse. Transgredir essa norma resulta em perda de credibilidade. É incompatível, por exemplo, repórter esportivo ser assessor de imprensa de clube de futebol ou analista econômico da emissora ser membro da associação comercial. Não se consegue noticiar contra o próprio patrão impune mente, seja ele formal ou informal. Um dos dilemas éticos mais comuns entre os jornalistas brasileiros é o conflito de interesses provocado pelo segundo emprego, geralmente em assessorias de imprensa públicas ou privadas. 32. Pedir favores pessoais para empresas públicas ou privadas pode contribuir para a perda da independência do jornalista. Se o telefone de sua casa não funciona, não ligue para o assessor de imprensa da companhia telefônica pedindo para facilitar o conserto. 33. O jornalista deve estar atento aos presentes que recebe. Brindes aparentemente inocentes podem criar uma relação de privilégio com o presenteador. O “jabá", jargão jornalístico para presentes, pressupõe troca. Aceitar convite para almoçar, sim, trocá-lo pela veiculação de uma notícia, não. Aceitar uma garrafa de vinho no final do ano, sim; trocá-la por uma entrevista, não. O mais importante é considerar que não há presentes desinteressados, uma vez que não há amizade possível entre fonte e jornalista. 34. O jornalista deve manter uma atitude independente e crítica perante I os poderes estabelecidos. Determinados setores dos poderes políticos e econômicos se esforçam para cooptar o jornalista. Página 27 Dispõem de instrumentos poderosos que vão da oferta de dinheiro, cargos e presentes até ameaças de perda de emprego. Ninguém que faz jornalismo pode negligenciar essas pressões, materializadas em sorrisos e olhares ameaçadores. O jornalista precisa administrar essa situação de forma que possa preservar sua independência. Em casos extremos, deve optar por mudar de profissão. É preciso refletir sobre a frase atribuída ao político Antônio Carlos Magalhães: "Não dê notícia a jornalista que quer dinheiro, e não dê dinheiro a jornalista que quer notícia." 35. O jornalista não promete a veiculação de reportagens em troca de publicidade. O critério para que uma reportagem vá ao ar é o interesse público. Fere a ética o jornalista que deixa o patrocínio afetar o conteúdo e a apresentação da notícia. Há que se resistir à pressão do departamento comercial, ainda que legítima. É bom lembrar sempre que o editorial não está à venda, e eventos comerciais merecem cobertura desde que contenham notícias. A troca de patrocínio por divulgação jornalística compromete a credibilidade. O limite entre o departamento comercial e o de jornalismo deve ser definido clara mente pela empresa. 36. A isenção da reportagem pode ficar comprometida se depender do suporte econômico de empresas patrocinadoras de eventos. Nas viagens feitas à custa de empresas privadas ou do governo, o jornalista deve informar ao telespectador oralmente, ou no gerador de caracteres, que a reportagem foi feita a convite de determinada pessoa ou instituição. 37. O texto publicitário não deve ser confundido com o texto jornalístico. O texto publicitário tem o objetivo claro de vender um produto. O texto jornalístico não vende produto nenhum a não ser a própria notícia. 38. Qualquer espaço que o departamento comercial venda deve estar isento de qualquer motivo exceto o de informar seus consumidores. 39. O jornalista não deve participar de comerciais nem empenhar sua credibilidade ou opinião para vender determinado produto, quer seja publicidade privada ou governamental. Isso não o impede de participar de campanhas de interesse social e comunitário sem fins lucrativos. Não se empresta a imagem e a voz para nenhum outro produto da emissora que não seja o jornalístico sob pena de comprometimento da credibilidade. Página 28 40. O jornalista não pode receber nenhum favor do Estado, seja na isenção de impostos, ofertas de empregos ou qualquer outro privilégio. Ainda que uma isenção de tributos possa parecer algo difuso, que não compromete individualmente ninguém, a opinião pública conhecedora do fato vai reagir negativamente. A Constituição de 1946, em seu artigo 206, isentava os jornalistas de pagarem imposto de renda. Há também exemplos de isenção de impostos para advogados, recolhimento de percentual de custas para a associação de magistrados etc. 41. A independência no jornalismo exige que se evitem os conflitos de interesse e mesmo a aparência de conflitos de interesse, principal mente aqueles que envolvam favorecimentos econômicos para si ou para a empresa que trabalha. Aceitar a cortesia do test drive por um mês é um conflito de interesse. 42. Não basta ter credibilidade, é preciso também aparenta-la. A aparência de conflito de interesses deve ser evitada uma vez que nela está a confiança do telespectador. Esses conflitos não são necessariamente absolutos. Um jornalista radicalmente religioso, que pode aparentar conflito em uma reportagem sobre a Igreja Universal do Reino de Deus, não se envolve necessariamente em conflito se cobrir outro acontecimento social. Para isso é preciso que o telespectador tenha conhecimentopara quem o jornalista trabalha e a que interesses serve. 43. Assessores de imprensa não praticam jornalismo, ainda que tenham título. Estão apenas compromissados com a empresa que trabalham, não com a opinião pública. Não é possível isenção quando o objetivo é o de divulgar apenas fatos favoráveis à imagem de pessoas e instituições privadas ou públicas ou amenizar os danos provocados por denúncia comprovada. 44. O jornalista não agradece o recebimento de convites no ar nem diz que foi convidado para isso ou para aquilo. Agradecimentos só em casos excepcionais, em nome da emissora. A divulgação de nomes de empresas, instituições e pessoas só deve ser feita se estiverem ligados à reportagem. Nessas questões, que não têm regras rígidas, deve-se sobrepor o critério jornalístico e também o bom senso. Página 29 45. O som e a imagem podem enganar as pessoas. Não é ético usar recursos sonoros ou audiovisuais para induzir a pessoa a acreditar em alguma coisa que não está acontecendo. 46. Não se admite alteração ou distorção no conteúdo da fala ou imagem do entrevistado. As correções devem ser limitadas aos erros efetivos ou falhas na gravação. 47. A manchete de urna reportagem deve corresponder ao fato. Não se pode anunciar um conteúdo inexistente apenas para prender a atenção das pessoas e aumentar a audiência. 48. Há técnicas para divulgar notícias que tentam esconder a informação. Uma delas é a manchete às avessas, ou seja, destacar o que interessa ao poder, notícias encomendadas para divulgar ações de grupos políticos e econômicos, cifras enganosas que os jornalistas não conseguem identificar. Lead às avessas, ou seja, deixar o essencial para os últimos segundos da matéria, deixar propositadamente de lado aspectos negativos e pinçar um lado positivo para dar destaque a ele, ou desenvolver amplas matérias sobre o positivo para que o que seja considerado negativo não tenha tempo nem espaço para ser levado ao ar. 49. O jornalista deve ser claro na distinção entre fato e comentário. O veículo tem de ser honesto com o telespectador, ainda que a linha editorial seja marcadamente favorável a determinado fato ou opinião. 50. Não se admitem vetos de qualquer ordem que impeçam a participação nos programas de pessoas diretamente envolvidas no noticiário ou reportagem. O espaço deve ser aberto a todos os que têm notícia para dar ou são parte dela em reportagens. 51. A separação entre notícia e entretenimento deve ser clara. O compromisso do jornalista é com a notícia correta, de qualidade, portanto ética, e não com o entretenimento que deve ser objeto de outros programas da emissora. 52. O jornalista não pode dizer que está onde não está. Não depõe contra a reportagem dizer que determinada informação ou narração de evento está sendo feita em off tube, ou seja, quando a informação é dada apenas com base nas imagens que chegam ao estúdio, sem que o jornalista esteja no local do fato... Página 30 53. Ofensas contra autoridades são levadas ao conhecimento do público através de declarações diretas dos entrevistados. O texto ou off do repórter não deve reproduzir frases ofensivas mesmo que explique se tratar de um slogan. Imagine se a pessoa liga a TV ou o rádio e toma conhecimento da seguinte frase: "presidente ladrão, a empresa é patrimônio da nação". Pode ficar a impressão de que o jornalista ou a emissora está assumindo a paternidade do que é atribuído a outras pessoas. 54. Uma das missões do jornalismo é promover o debate de idéias no espaço público. E para que isso seja possível precisa lançar mão do racionalismo, uma vez que a emoção exacerbada é inimiga da informação de qualidade. Quando da queda do avião da TAM, em São Paulo, vários jornalistas de rádio e TV se emocionaram tanto logo depois da queda do avião que muito pouca matéria informativa era percebida no meio das lamentações e hipóteses apressadas e por isso absurdas. O mesmo se deu quando o governo Collor confiscou a renda nacional, e na entrevista coletiva, os jornalistas tomaram consciência de que também tiveram o dinheiro bloqueado. Foi uma confusão geral e ninguém entendeu mais nada do que a ministra da Economia, Zélia Cardoso de Mello, e outros ministros queriam explicar. Foi um show de desinformação. A emoção colaborou muito para isso, tanto dos entrevistadores como dos entrevistados. 55. É dever do jornalista contextualizar a informação. O conhecimento da metodologia das ciências sociais ajuda a praticar a contextualização. Os fatos devem ser relacionados com a realidade e ambientação histórica onde ocorreram. Não respeitar essa prática conduz, por culpa ou dolo, a distorções com prejuízos tanto para a notícia como para os personagens. Não é justo condenar os alemães hoje pelo que os nazistas crirninosamente fizeram durante a Segunda Guerra Mundial. O raciocínio sociológico deve ser sempre exercido para se obter melhor compreensão dos fatos. A reportagem não pode se resumir apenas à sucessão de fatos e datas, que por si só não explicam os acontecimentos. 56. Tentar fechar o noticiário a qualquer custo para que vá ao ar não justifica o abandono das regras éticas. Não se faz jornalismo dessa forma. 57. A apropriação de uma reportagem exclusiva de outro veículo de comunicação sem dar o crédito ao veículo e ao jornalista é pirataria. Citar o concorrente não desprestigia o veículo nem promove o concorrente. Página 31 A divulgação da expressão "determinado jornal publicou" pode provocar uma imprecisão indesejável. Há grupos de comunicação que impedem a citação de outros veículos concorrentes, o que só contribui para o desprestígio de todos. Jornais e TVs também usam o expediente de atribuir a notícia a "uma emissora da cidade", o que é a mesma coisa. Notícias de domínio público não precisam ter suas fontes necessariamente divulgadas. 58. Plagiar é o mesmo que roubar. 59. Omitir nomes de empresas, órgãos governamentais e entidades em reportagem jornalística é demonstração de fraqueza e falta de ética. Não é a omissão que vai determinar o fracasso ou sucesso de qual quer um deles. 60. A omissão é mais grave quando atinge pessoas autoras ou objetos de ações noticiadas. Não se pode dizer, por exemplo, que "um certo deputado" é suspeito de envolvimento com o narcotráfico. A generalização atinge pessoas inocentes. A omissão também pode ter a intenção de querer preservar o nome de pessoas e instituições, especialmente quando são alvo de notícias desfavoráveis. É preciso ter a coragem de divulgar o nome correto. 61. Omissões são aceitáveis em casos especiais, como a de proteger um inocente ou situações que não permitam a divulgação de determinado nome. 62. Em princípio não se divulga notícia não confirmada. O veículo eletrônico proporciona a possibilidade de divulgação imediata da notícia, mas o desejo de dar um furo (atrativo a que muitos jornalistas não resistem) pode comprometer a credibilidade da emissora se a informação não for checada. Mesmo informação atribuída a outro veículo ou agência de notícias deve ser checada antes de levada ao ar. Lembre-se de que o furo em veículo eletrônico dura o tempo suficiente para que outro faça a escuta, confirme e também divulgue. É preciso critério com a utilização de vinhetas como PLANTÃO, URGENTE, NOTÍCIA EXCLUSNA etc. O uso indiscriminado dessas vinhetas leva a emissora ao ridículo e acarreta perda de credibilidade. Quando a pessoa vir ou ouvir a vinheta de um plantão informativo deve ter a certeza de que algo realmente importante está acontecendo. Página 32 63. Transformar entrevistas coletivas em exclusivas é maquiar a reportagem. No final do ano o presidente manda chamar todos os repórteres setoristas e lhes concede uma "entrevista exclusiva". É um conluio de quem quer estar na mídia como quem precisa apresentar aochefe, e não ao público, uma entrevista com o presidente. 64. Não é possível exercer jornalismo sem receber críticas. Considera-se crítica uma análise do material jornalístico em que o autor aponta o que considera erros e acertos, propõe outras idéias ou saídas para os problemas. Não se confunde crítica com fofoca ou ato de desacreditar o trabalho alheio. Não é a crítica pela crítica. 65. Críticas não podem ser genéricas. Não se pode admitir críticas iniciadas com frases de sujeitos indeterminados: disseram, reclamaram, ouviram etc. Nem mesmo qualitativos como reportagem vazia, texto ruim, cobertura pífia. Quem ouve estes termos no seu trabalho tem o dever profissional de questionar o pseudocrítico. Qual é a sua sugestão? 66. É comum que surjam dúvidas se uma decisão jornalística foi moral ou ética. Para dirimir tal dúvida deve-se perguntar se o princípio que norteou a decisão deveria ser uma lei universal. U ma decisão é ética quando os jornalistas se baseiam em um princípio que se dispõe universalizado. 67. A justiça cuida da observância das leis penais e civis do país. Não interfere no código de ética. Contudo, quando houver dano moral ou material provocado pela inobservância de determinação ética, e, ao mesmo tempo, da legislação vigente, não se pode abrir mão da justiça para que a verdade se restabeleça e os ofendidos sejam reparados moral e materialmente. 68. A liberdade de imprensa não se confunde com a liberdade de expressão. Em uma sociedade democrática, com a pluralidade dos veículos de comunicação, é possível saber de tudo o que acontece em várias versões. A pressão sobre determinado veículo para que não se divulgue uma notícia não impede que outros o façam. A omissão de um veículo em sociedade aberta apenas enfraquece e faz perder a credibilidade, haja vista que outros estão divulgando. Os "interesses da casa" ou "empresas do grupo", "visão do chefe" não podem e não devem ser poupados de divulgação. É preferível sair na frente e divulgar corretamente para evitar que concorrentes o façam. A ética da empresa também é mostrar a verdade e não esconder possíveis falhas, sob pena de sofrer o mesmo desgaste que sofrem empresas de outras atividades. Página 33 69. O jornalista não deve esquecer que exerce a liberdade de expressão, por delegação da empresa que trabalha. Portanto, são estes que detêm a real liberdade de imprensa. As empresas precisam ser socialmente pressionadas para praticar tanto a liberdade de expressão do pensa ' mento e da consciência, uma vez que elas também são a base do regime democrático. Todas as empresas comprometidas com a democracia devem agir desta forma. 70. Jornalistas e meios de comunicação não são simples espelhos da sociedade, mas sim seus agentes estruturadores da realidade. A objetividade é um mito, uma vez que os jornalistas apreendem os fatos a partir de sua própria subjetividade. Uma prova disso é que alguns fatos são reproduzidos, e outros, abandonados. O jornalista e as fontes 71. O jornalista não pode ter amizade pessoal com a fonte. Quem se envolve em amizade pessoal com suas fontes corre o risco de ficar limitado ou influenciado por ela. 72. O uso de fonte identificada, desde que não haja necessidade de protegê-la, é fundamental para a credibilidade da imprensa. 73. Prometer anonimato à fonte é um ato para ser cumprido. Antes de empenhar a palavra o jornalista deve questionar os motivos que levam a fonte a pedir o anonimato. 74. A identificação de uma fonte que em princípio deve ser protegida só é feita se ela, por dolo ou má-fé, gerar uma notícia falsa. 75. O jornalista é responsável por suas fontes e personagens de suas reportagens. No interesse de dar maior credibilidade à reportagem, é comum se recorrer a generalizações que, mesmo sem a intenção do jornalista, prejudicam a fonte e pessoas próximas a ela. Afirmar, por exemplo, que a informação foi obtida de "um enfermeiro" em deter minada ala do hospital coloca todos os demais sob suspeita. Quando o jornalista está em condições de assumir uma informação e divulgá-Ia não há necessidade de justificar com as habituais retóricas e desacreditadas fórmulas do gênero: "uma fonte segura", "uma fonte digna de crédito", "uma fonte do Palácio do Planalto" etc. Página 34 76. O relacionamento com a fonte é uma via de duplo sentido cuja ligação primordial é a confiança entre as partes. 77. É preciso cuidado no relacionamento com as fontes. Vez por outra no exercício da profissão o repórter pode desagrada-Ia. O jornalista não divulga notícias para agradar ou desagradar suas fontes. Seu compromisso é com a verdade. 78. A fonte é uma das matérias-primas que constituem a reportagem. Há que se tomar cuidado para não se praticar o fontismo, ou seja, eleger determinada pessoa como única fonte para o desenvolvimento de um assunto. 79. As fontes têm dimensões diferentes no jornalismo impresso e eletrônico. A informação em off subsidia mais a reportagem escrita do que a eletrônica. 80. O jornalista deve sempre avaliar qual a sua ascendência sobre as fontes. Muitas vezes ele é atendido por uma pessoa importante mais por causa do veículo que representa do que pelo seu próprio nome e prestígio. 81. A fonte não é estática. Muda de acordo com seus interesses pessoais e os fatos que se sucedem. Em determinada situação pode ser um ministro ou um enfermeiro. 82. O jornalista deve tentar contato com a fonte ou entrevistado seja qual for a sua importância social. A tentativa deve ser feita ainda que a pessoa possa, à primeira vista, ser alguém inatingível. 83. Fontes podem gerar furos de reportagem, mas o jornalista tem a obrigação de checar a informação antes de divulgá-la. 84. O jornalista deve ter compaixão por aqueles que são afetados por seu trabalho e nunca esquecer que as pessoas particulares têm direito maior de controlar as informações sobre sua privacidade do que as pessoas públicas que buscam poder, influência ou espaço na mídia. 85. Utilizar o anonimato da fonte para embutir opinião pessoal ou para abrigar interesse escuso é uma frontal violação ética. Página 35 O Jornalismo Público “O oficialismo é a característica geral do jornalismo brasileiro, que privilegia fontes oficiais ou detentores de algum grau de autoridade.” Bernardo Kucinski As empresas públicas de comunicação que se dedicam ao jornalismo são conhecidas mundialmente pela excelência de sua produção. O exemplo mais conhecido é o da BBC British Broadcasting Company. Outros exemplos são a japonesa NHK Nippon Hoso Kyokai , e a americana PBS Public Broadcasting System. No Brasil, é a Rede Cultura de São Paulo. Essas emissoras possuem redes de televisão e rádio de alcance mundial graças à Internet, aos satélites e à transmissão via cabo. A principal característica dessas empresas é o comprometimento com o interesse público considerando o telespectador ou ouvinte um cidadão e não apenas um consumidor de notícias como um outro produto qual quer. Não se trata de "satanizar" as emissoras privadas produtoras de notícias. É apenas o entendimento da natureza de cada empresa. A emissora particular tem a preocupação, em última análise, de gerar resultados. Um dos caminhos é a obtenção de audiência e isso pode custar a produção de programas de baixo nível cultural ou de comprometimento social e político. A programação de uma empresa privada não é necessariamente de má qualidade, mas tem seus limites estabelecidos pelos acionistas e pela publicidade. Não se trata também de varrer a publicidade da emissora pública, mas contar com ela em percentual que não comprometa sua essência, e seja entendida como parte contributiva da sociedade. Não se deve crer na simplificação de que no interesse público o valor que se opõe é o interesse particular. Nãoé uma luta do Bem contra o Mal, como teorizou o pensador Zoroastro alguns séculos antes de Cristo. Página 36 O interesse público vez por outra se manifesta e potencializa na afirmação de interesses particulares. Pode-se até afirmar, como diz Carlos Chaparro, que o padrão de qualidade do interesse público se mede e se constrói pela qualidade de atendimento dos poderes particulares. Sem nenhuma autonomia econômica e financeira não se pode fazer jornalismo público, por isso a decisão de amparar economicamente uma emissora pública deve ser da sociedade, que em última análise paga com tributos, doações ou mesmo adquirindo os produtos e serviços anunciados. As empresas públicas de comunicação difundem o jornalismo de re flexão e não de reflexo, como objetivo de aprofundar o conhecimento da realidade, proporcionando o desenvolvimento do espírito crítico e estimulando uma participação política e social ativa. É uma contribuição para que o cidadão seja o sujeito e não o objeto da História. A sociedade espera que a ação jornalística não se vincule a algum interesse particular, e pune com a perda da credibilidade os veículos que se distanciam do interesse público e se atrelam a este ou aquele particularismo. E a prova mais evidente para o telespectador é a livre divulgação dos conflitos particulares. Os interesses conflitantes precisam ser amplamente conhecidos para que haja uma remodelação constante da opinião pública, que se manifesta no sistema democrático. Em resumo: 1. As emissoras públicas de TV não se confundem com as estatais, que dependem econômica e politicamente de governos e podem ser manipuladas por eles. 2. A condição de não depender fundamentalmente de verbas publicitárias e consequentemente buscar a audiência que justifique esses investi mentos, permite que a emissora pública tenha um ritmo próprio de produção de reportagens que incitam à reflexão. Obviamente a TV pública quer audiência, mas não faz concessões ao sensacionalismo como algumas empresas privadas de comunicação. 3. O jornalismo público não prevê a intermediação de demandas populares para órgãos administrativos do governo. Por sua característica de vinculação social, a TV pública pode avançar jornalisticamente em campos onde emissoras privadas encontram o obstáculo dos patrocínios publicitários. O jornalismo público tem a obrigação de ir além dessas barreiras, uma vez que é sustentado economicamente pela sociedade. Página 37 4. A TV pública não se confunde com a estatal, que é refém do Estado. A TV Cultura, por exemplo, recebe a maior parte de sua verba de manutenção do Estado, mas é uma entidade de direito privado, autônoma, e é dirigida por um conselho de larga representatividade social. 5. As TVs públicas como a BBC e a NHK têm audiência considerável tanto nos seus países de origem como no exterior, porém entendem r esse alcance como um processo lento, gradativo, e que reflete a credibilidade que o veículo vai conquistando ao longo do tempo. 6. A TV pública tem que lançar mão de todos os atrativos do bom jornalismo para conquistar audiência, como objetividade, leveza, profundidade e agilidade. Seus programas devem atrair o telespectador com notícias que contenham relevância, novidade, surpresa, beleza, enfim, tudo o que se possa fazer para que ele seja cativado por uma programação comprometida com a cidadania. 7. A programação da TV pública contribui para a formação complementar do homem e para o exercício pleno da cidadania. 8. O jornalismo público busca fontes alternativas e autônomas de saber para fundamentar as reportagens. 9. O hard news não dá lugar para a análise. O jornalismo público se orienta por uma pauta pluralista. 10. A reafirmação da TV pública não é uma "demonização" das TVs comerciais, mas, sim, uma alternativa no conjunto dos meios de comunicação eletrônicos. 11. A TV pública persegue o interesse público regido pela ética do cidadão. 12. O jornalismo público não objetiva a conquista do mercado, uma vez que não é um produto que está à venda como nas emissoras comerciais. Por isso, pode se comprometer com o conjunto da sociedade em exercer a busca do interesse público. 13. O jornalismo público não se confunde com o assistencialismo e com a filantropia. Página 38 14. As reportagens públicas são aquelas que superam os interesses priva dos, mercadológicos e partidários. 15. As empresas públicas de comunicação são comprometidas com as grandes causas da sociedade, como a participação ativa em coberturas que visem a proteção de crianças, o incentivo da participação comunitária, a preservação do meio ambiente, do patrimônio histórico e cultural, entre outras iniciativas. Página 39 O BIT da Boa Esperança e o Telejornalismo “Para ter valor, a informação precisa ser seletiva. Senão acabaremos vidiotas ou internéscios.” José Paulo Paes O título é apenas um trocadilho com a façanha de Bartolomeu Dias, que depois de muito esforço, conseguiu sair do Atlântico e mergulhar no Índico. Mais do que uma conquista geográfica, a aventura foi a supera ção de uma etapa, o auge de um processo que desaguou em outro e, por sua vez, gerou novos desafios e contradições. O advento da tecnologia informacional no jornalismo é o encontro de um novo oceano, que precisa ser explorado, compreendido, pesquisado e venci do. Como lembra Peter Drucker, o que chamamos de revolução da informação é a quarta do mundo depois da escrita, do livro e da impressão. Novas posturas são introduzidas no dia-a-dia e vão do uso de um e-mail interno entre dois jornalistas, ou, por mais que pareça contraditório em uma redação, do chefe que não quer que falem com ele a não ser através da intranet; ou ainda uma pesquisa solitária de um jornalista na Internet para completar as reportagens do telejornal. O telejornalismo já não é o mesmo na sociedade informacional, e o jornalista tem que se preparar para uma nova época em construção e não em extinção. A polêmica nos remete à discussão se o jornalismo de hoje se faz no que alguns chamam de era do conhecimento ou na era da ignorância. A era do conhecimento, segundo seus formuladores, é um conceito que des rende da Revolução da Informática, da Era da Informação e do choque da Terceira Onda que varreu o mundo provocando transformações profundas. Página 38 A Tecnologia e a mão-de-obra Há quem acredite que as mudanças infra-estruturais modificaram de tal forma o capitalismo no final do século XX que o conhecimento passou a ser uma commodity. Obviamente que quem a exporta e detém são os países do Primeiro Mundo que tiveram capital e outras condições de desenvolver uma tecnologia avançada capaz de se constituir em si mesma em uma mercadoria a ser vendida em regime de monopólio, como os softwares de acesso à Internet, ou de cartel, como os hardwares do mercado. Os grupos econômicos, não importam onde estejam estabelecidos, ou fabriquem seus produtos, induzem as mudanças com grande velocidade e criam novas necessidades que só eles mesmos são capazes de atender. Mal começamos a dominar uma máquina e ela já é superada por outra, e por outra e assim num turbilhão sem fim. As transformações tecnológicas têm seus reflexos no mercado de trabalho. Para conquistar as melhores oportunidades, mesmo sem vínculo empregatício, profissionais das mais diversas áreas buscam a atualização constante. São pessoas munidas pela ambição da acumulação sem limites que se movimentam no meio empresarial. A nova organização econômica permite a retomada do agente autônomo dentro do turbilhão de negócios das empresas aceleradas pelas novas tecnologias que abrem amplas possibilidades para as transações especulativas em qualquer ponto do planeta. Quem não se lembra de Charles Chaplin, no filme Tempos Modernos, apertandoparafusos como se fosse parte de uma imensa máquina? O jornalista na era da informática não está arriscado a reproduzir essa cena na frente do computador, mas está arriscado a ser uma peça do sistema que determina não só os produtos consumidos pela massa como o próprio jornalismo. Se depender da ideologia do mercado o poder vai estar nas mãos do telespectador, uma vez que ele é o consumidor. O telespectador poderá escolher quais programas jornalísticos irá comprar e instantaneamente fazer a comparação com os programas de outras emissoras. Confusão à vista Há o perigo de as novas ferramentas tecnológicas ocuparem o centro da cena e pôr o jornalista, agente da difusão da notícia, para escanteio? Sim, há o perigo de que o fascínio provocado pela informática e o pretenso jornalismo instantâneo, ao vivo, ocupem o centro da cena. Isso tem muito mais a ver com as necessidades da organização da nova ordem econômica mundial do que com a condição da satisfação de um ideal, de uma utopia humana de desenvolver um jornalismo comprometido com o bem estar geral de todos e o respeito aos direitos humanos. Página 41 No que a velocidade das notícias contribuem para melhorar a capacidade cognitiva ou o espírito crítico das pessoas interessadas em notícias? Os jornalistas não podem confundir a exata significação das palavras, informações, conhecimentos e dados. Os dados são abstrações formais quantificadas e armazenadas em arquivos informáticos e estão à disposição dos jornalistas para subsidiar as reportagens que escrevem, são necessários, mas não falam por si só. São as commodities. A exibição pura e simples de uma tabela comparativa entre inflação e crescimento do PIE não explica o que é desenvolvimento auto-sustentável. Informações também podem ser armazenadas em um arquivo informático, mas elas contêm um significado para alguém, e são comunicadas através de palavras, sons ou imagens. Elas são abstrações informais que não podem sofrer um reducionismo contido nos dados. Pressupõem uma elaboração intelectual que o computador não é capaz de desenvolver, mas apenas de armazenar ou transmitir para uma ou mais pessoas. Logo, informações não podem ser processadas como dados. De outro lado, o conhecimento não pode ser armazenado, uma vez que é uma abstração interna e pessoal gerada a partir de uma experiência também pessoal, como diz o professor Valdemar Setzer, da Universidade de São Paulo. O conhecimento não pode perder estas características sob pena de se converter em informação, ou mesmo dados. A divulgação do conhecimento, ainda que não atinja a sua totalidade, é um atributo do ser humano, do jornalista, e não do computador. Portanto, as ferramentas informáticas são capazes de subsidiar, mas não de elaborar uma comunicação jornalística, por mais que alguns endeusem as possibilidades inesgotáveis dos bits. Se isso fosse possível o jornalismo poderia dispensar a elaboração intelectual para se completar, como querem alguns homens de negócios interessados em expandir suas empresas com o menor custo possível. Há quem afirme que a informação nobre é candidata a ser uma commodity. Nascem os mitos O conhecimento da informática, até pouco tempo apontado como um diferencial no currículo, hoje é uma obrigação para o jornalista. Uma pessoa de mediana capacidade intelectual é capaz de em algumas horas de treinamento obter o mínimo de "conhecimento informático" exigido por empresas de jornalismo para poder exercer a profissão. Página 42 Portanto, o que parece à primeira vista uma verdadeira Hidra de Lema, é na verdade um tigre de papel, ou melhor de bits, nada além de banais exigências de treinamento técnico. Isso não é desconhecer o valor dessa ferramenta que nos possibilitou um salto há menos de 20 anos, o mesmo que a Revolução Agrícola nos proporcionou há 10 mil anos, a Ciência há 300, e a Revolução Industrial há 200 anos. Os consultores, novos ideólogos da sociedade informacional, receitam ao mesmo tempo intenso treinamento nas técnicas de uso do computador e desenvolvimento de processos cada vez mais criativos, flexíveis e independentes. É verdade que não são coisas excludentes, mas não se pode misturar desenvolvimento de espírito crítico e reflexão com adoção de técnicas repetitivas e desprovidas de aprofundamento intelectual. O tal diferencial humano que tanto propagam e que é o fator que pode determinar o sucesso ou fracasso de uma empresa jornalística está na habilidade do uso da informática ou na capacidade criativa e de superação de dificuldades? Jornalistas precisam estar informados e formados. Ao mesmo tempo em que colhem notícias têm que exercer uma atividade intelectual que exige conhecimento, discernimento, reflexão, bom senso e habilidades que nada têm a ver com apertar botões e repetir, infinitas vezes, as mesmas operações. Aliás, o computador só consegue fazer sempre as mesmas operações!!! O computador prende o jornalista à lógica desenvolvida por Aristóteles e Descartes, ou seja, linear, que nem sempre é capaz de se tornar um instrumento eficaz de análise da realidade. Falta o contraditório, a antítese e a síntese, um método desenvolvido por filósofos como Heráclito e Hegel, que é incompatível com os computadores existentes nas redações que não são capazes de incorporar crítica e questionamento político. Há quem acredite que o computador quântico será capaz de superar o "isto ou aquilo" das máquinas atuais e portanto desenvolver novas possibilidades. O cientista indiano radicado nos Estados Unidos, Amit Goswami, afirma que trabalha na construção de um computador quântico que, em vez de usar um algorit mo ambíguo, usa uma superposição de possibilidades, e dessa forma seria muito mais rápido do que os atuais computadores convencionais. Segundo Goswami, o cérebro processa os pensamentos de forma quântica, mas isso não garante que um computador seja capaz de "pensar". O que é mais importante para o processo de produção de notícia: a criatividade ou operar um computador? Página 43 De que lado você está? No que depender dos "adoradores de bits" a sociedade caminha para uma nova divisão. Além da elite e dos que vivem na exclusão, o mundo será dividido entre os on tine e off line .Os on tine vão dominar e dispor das novas tecnologias; serão os "inteirados" com o simultâneo do mundo globalizado. Os off line serão chamados de lentos, ultrapassados, presos ao tempo linear e portanto obstáculos para a implantação da Nova Ordem. Os jovens jornalistas saem hoje das escolas com conhecimentos básicos de informática e inglês. Mas quantos são capazes de fazer um comentário crítico, uma reflexão sobre um fato social, um livro, ou uma obra de arte? Queremos conhecimento em si ou a ascensão social que o conhecimento pode nos dar? A sociedade informacional nos coloca diante de dilemas falsos ou verdadeiros. Um deles é o tempo, totalmente subvertido pelo uso do computador. Ninguém mais lembra do adágio que a pressa é inimiga da perfeição, ou do jornalismo ético e de qualidade. Apressa é um fim em si mesma, não importa que profundidade ela possa tirar da notícia. É preciso ser rápido, se antecipar aos fatos mesmo que não haja acurácia no que está sendo noticiado. E os leitores, telespectadores, ouvintes, internautas, devem consumir rapidamente essas notícias para estarem aptos a deglutirem mais uma fornada, que é sempre a penúltima. E às vezes a pressa exagera a exalta ção das palavras. Há quem afirme que isso faz parte da natureza da própria mídia. No entanto, deve-se usa-la com cuidado, com o respeito pelos seus significados precisos, pelas suas nuances e com referências no seu poder. Os cultivadores da pressa pela pressa devem ter consciência de que palavras podem matar, destruir tanto pessoas como bens. O jornalismo informacional cavalga no tempodos eventos imediatos, simultâneos e ações sincronizadas. Segundo a pesquisadora Maria José Tonelli, a antiga noção de tempo como uma sucessão de períodos indivisíveis parece estar sendo substituída rapidamente por uma idéia de tempo circunspecto e repetitivo: o tempo dos MIPS, ou seja, milhões de instruções por segundo. Esta é a medida de capacidade dos computadores que alguns suspeitam que vão tomar o centro do processo de geração do jornalismo. Os que aceitam essa tese se baseiam no conceito de Gordon Moore, que previu que o poder de processamento de um chip de silício iria dobrar a cada 18 meses. O que implicaria essa mudança? Página 44 O tempo linear, como conhecemos hoje, permite a reflexão, já o tempo simultâneo digital é o tempo do reflexo, por isso não se pode desconhecer que vivemos uma nova noção do tempo que é, indiscutivelmente, a mais importante característica da sociedade humana. Mas como se processa o jornalismo? Por reflexão ou por reflexo? Outra indagação: É possível conciliar as duas coisas? É possível acreditar que a "sabedoria tecnológica", baseada no acúmulo de informações, seja totalmente ineficiente na resolução de um problema básico da humanidade que é criar um relacionamento entre o presente e o futuro? Há formas conhecidas de se desenvolver o jornalismo fora desses parâmetros? Não, uma vez que o jornalismo não é apenas uma sucessão de fatos e de datas. Nunca como hoje a noção de perda de tempo passou a fazer parte do dia-a-dia das redações numa busca frenética de fatos para serem incluídos nas matérias, o que por sua vez é uma outra luta: aproveitar o tempo das reportagens contados em frames ou uma das 29 partes que se divide o segundo nas máquinas de edição. É o culto da velocidade que migrou dos aviões e carrões para a informação através dos computadores. De volta ao passado Mesmo com toda a tecnologia digital disponível o jornalismo depende da velha e boa reflexão, investigação, acurácia e divulgação. Essa barreira qualitativa não foi e não será rompida porque faz parte da própria essência do jornalismo, ainda que as mudanças quantitativas continuem aceleradas e mal percebidas por quem as endeusa. O professor Ciro Marcondes Filho lembra que o computador atua como um superpatrão que exaure mais os jornalistas, pois tem o total controle de sua produção nas redações. Os jornalistas trabalham mais pelo mesmo dinheiro, se esgotam mais e estão mais sujeitos ao estresse e à estafa. Mas quem se importa com isso? O produto tem que ficar pronto para a venda e o consumo. É preciso avaliar corretamente essa escalada da tecnologia contra a reflexão, a investigação e a divulgação, uma vez que a utilização da nova tecnologia não exime o jornalista de questionamentos, aprofundamentos nas reportagens que desenvolve e o compromisso com o que julga ser o certo, o bom e o justo. A sociedade informacional, que está sendo construída precisa ser direcionada para o trabalho qualitativo e entre as suas características estão a abstração, a virtualidade e a conectividade. A televisão e o telejornalismo são as vias mais identificáveis desse conflito. Página 45 Não basta ser 24 horas de notícias, tem que conter o maior número possível de dados em uma sucessão que de ao telespectador a sensação de ser informado pela velocidade com que os acontecimentos são apresentados, isentando-o de qualquer atitude crítica, como se a velocidade da apresentação fosse um fim em si mesma. A facilidade de obtenção e tráfego de imagens fazem do telejornalismo o arauto das notícias. A imagem é um chamariz para a audiência, mas quem quiser se aprofundar vai ter que recorrer a outras mídias, talvez as impressas, f para conhecer melhor o que a TV apenas apresentou na forma de um petisco. Um dos atributos da superficialidade contida no processo é a desinformação. Não há como separá-Ias, uma vez que uma contém a outra. Essa avalanche arrasta consigo uma boa parte dos jornalistas que, por desconhecimento, comodismo ou necessidade da dupla jornada, abandonam o desenvolvimento de uma base intelectual que suporte as mudanças socioeconômicas que se abatem sobre a profissão. Não se trata aqui de exigir esse cuidado apenas dos jovens jornalistas, recém saídos das faculdades, mas também dos experientes, que teoricamente têm a obrigação de desenvolver mais e mais a capacidade de discernimento e julgamento. Em suma, saber pensar e distinguir as diferentes visões do mundo, todas respeitáveis, ainda que algumas antagônicas. Daí chega-se ao ponto da escolha dos jornalistas que produzem e dirigem os programas: Quais são os critérios usados? O do preparo intelectual, emocional, de credibilidade, ou o da simpatia e da preferência popular? Há como concilia-los? Sim, mas isso interessa os veículos que divulgam essas informações? O jornalismo informacional empurra os jornalistas em direção à perda da curiosidade justificada pela falta de tempo em função da grande quantidade de dados disponíveis colaborando decisivamente para a unanimidade de interpretação. Os que divergem são considerados um estorvo ao processo produtivo de notícias e quase sempre descartados, não têm lugar no jornalismo veloz e reflexivo. A sintonia com o mercado reforça ainda mais a unanimidade através da subserviência dos jornalistas ao poder constituído, seja o Estado ou não, e isso é mais perceptível nos comentaristas econômicos e políticos que não se aprofundam em seus trabalhos divulgando nos telejornais dados que acreditam ser mais importantes ao telespectador do que qualquer interrogação ou divergência com a orientação oficial. Os comentários são redigidos muito mais nos dados obtidos facilmente através da Internet da redação do que na construção de pensamentos mais elaborados. Há sempre uma pitada de humor para alegrar o telespectador e o instituto que mede a audiência. O ideal é eliminar qualquer raciocínio complexo que possa "dificultar" o entendimento do telespectador. Página 46 Tudo deve funcionar como um videogame semelhante ao computador que o telespectador tem em casa. Afinal o telejornal é feito para informar ou para distrair? É possível conciliar os dois? A TV contém o computador A interação entre a TV e o computador vai levá-los junto para a nova máquina. Estamos caminhando para o reconhecimento de que logo será possível qualquer experiência, para qualquer um, em qualquer lugar, instantaneamente, sem barreiras de conveniência ou custo. Em um primeiro momento a TV vai dar a.cesso ao e-mail e à Internet, por isso não será necessário comprar um computador. O telecomunicador internético vai custar menos de US$300. Há investimentos pesados na exploração da TV interativa, que de forma abrangente é a utilização do vídeo sob encomenda e gravadores digitais de vídeo até o comércio pela televisão. Os telespectadores podem utilizar seus televisores para apostar em corridas, mudar ângulos de câmeras em eventos esportivos, interagir em game show e obter mais informações sobre o que estão assistindo. Graças à TV interativa, as corridas de cavalo aumentaram a receita do governo na Espanha. Nos Estados Unidos, os telespectadores checam regularmente os boletins do tempo antes de viajarem. Na Grã-Bretanha, há um conteúdo interativo de enorme variedade de programas, incluindo documentários educativos, eventos esportivos e reality shows. Há algum tempo os fãs de futebol podem assistir a jogos optando por uma série de ângulos de câmera, incluindo as que seguem um atleta específico. Os telespectadores podem pedir estatísticas do jogo em tempo real e acionar seus próprios replays instantâneos. Esta fase da TV antecede a sua utilização no computador. E uma nova etapa de grandes transformações que vão resultar na confluência de todas as mídias num só eletrodoméstico. A TV interativa vai aposentar os DVDs e
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