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See discussions, stats, and author profiles for this publication at: http://www.researchgate.net/publication/259311718 Projeto Amadeus: Criando Novas Experiências de Aprendizagem em uma Educação sem Distância CHAPTER · JANUARY 2012 3 AUTHORS, INCLUDING: Alex Sandro Gomes Federal University of Perna… 183 PUBLICATIONS 96 CITATIONS SEE PROFILE Dinani Amorim Universidade Estadual da … 6 PUBLICATIONS 20 CITATIONS SEE PROFILE Available from: Alex Sandro Gomes Retrieved on: 24 August 2015 http://www.researchgate.net/publication/259311718_Projeto_Amadeus_Criando_Novas_Experincias_de_Aprendizagem_em_uma_Educao_sem_Distncia?enrichId=rgreq-5a217031-fff3-4499-82c9-2b968c20073d&enrichSource=Y292ZXJQYWdlOzI1OTMxMTcxODtBUzoxMDMzODIyMzY3OTQ4ODlAMTQwMTY1OTY1NDQ2NQ%3D%3D&el=1_x_2 http://www.researchgate.net/publication/259311718_Projeto_Amadeus_Criando_Novas_Experincias_de_Aprendizagem_em_uma_Educao_sem_Distncia?enrichId=rgreq-5a217031-fff3-4499-82c9-2b968c20073d&enrichSource=Y292ZXJQYWdlOzI1OTMxMTcxODtBUzoxMDMzODIyMzY3OTQ4ODlAMTQwMTY1OTY1NDQ2NQ%3D%3D&el=1_x_3 http://www.researchgate.net/?enrichId=rgreq-5a217031-fff3-4499-82c9-2b968c20073d&enrichSource=Y292ZXJQYWdlOzI1OTMxMTcxODtBUzoxMDMzODIyMzY3OTQ4ODlAMTQwMTY1OTY1NDQ2NQ%3D%3D&el=1_x_1 http://www.researchgate.net/profile/Alex_Gomes2?enrichId=rgreq-5a217031-fff3-4499-82c9-2b968c20073d&enrichSource=Y292ZXJQYWdlOzI1OTMxMTcxODtBUzoxMDMzODIyMzY3OTQ4ODlAMTQwMTY1OTY1NDQ2NQ%3D%3D&el=1_x_4 http://www.researchgate.net/profile/Alex_Gomes2?enrichId=rgreq-5a217031-fff3-4499-82c9-2b968c20073d&enrichSource=Y292ZXJQYWdlOzI1OTMxMTcxODtBUzoxMDMzODIyMzY3OTQ4ODlAMTQwMTY1OTY1NDQ2NQ%3D%3D&el=1_x_5 http://www.researchgate.net/institution/Federal_University_of_Pernambuco?enrichId=rgreq-5a217031-fff3-4499-82c9-2b968c20073d&enrichSource=Y292ZXJQYWdlOzI1OTMxMTcxODtBUzoxMDMzODIyMzY3OTQ4ODlAMTQwMTY1OTY1NDQ2NQ%3D%3D&el=1_x_6 http://www.researchgate.net/profile/Alex_Gomes2?enrichId=rgreq-5a217031-fff3-4499-82c9-2b968c20073d&enrichSource=Y292ZXJQYWdlOzI1OTMxMTcxODtBUzoxMDMzODIyMzY3OTQ4ODlAMTQwMTY1OTY1NDQ2NQ%3D%3D&el=1_x_7 http://www.researchgate.net/profile/Dinani_Amorim?enrichId=rgreq-5a217031-fff3-4499-82c9-2b968c20073d&enrichSource=Y292ZXJQYWdlOzI1OTMxMTcxODtBUzoxMDMzODIyMzY3OTQ4ODlAMTQwMTY1OTY1NDQ2NQ%3D%3D&el=1_x_4 http://www.researchgate.net/profile/Dinani_Amorim?enrichId=rgreq-5a217031-fff3-4499-82c9-2b968c20073d&enrichSource=Y292ZXJQYWdlOzI1OTMxMTcxODtBUzoxMDMzODIyMzY3OTQ4ODlAMTQwMTY1OTY1NDQ2NQ%3D%3D&el=1_x_5 http://www.researchgate.net/institution/Universidade_Estadual_da_Bahia?enrichId=rgreq-5a217031-fff3-4499-82c9-2b968c20073d&enrichSource=Y292ZXJQYWdlOzI1OTMxMTcxODtBUzoxMDMzODIyMzY3OTQ4ODlAMTQwMTY1OTY1NDQ2NQ%3D%3D&el=1_x_6 http://www.researchgate.net/profile/Dinani_Amorim?enrichId=rgreq-5a217031-fff3-4499-82c9-2b968c20073d&enrichSource=Y292ZXJQYWdlOzI1OTMxMTcxODtBUzoxMDMzODIyMzY3OTQ4ODlAMTQwMTY1OTY1NDQ2NQ%3D%3D&el=1_x_7 Educação e Cultura Midiática Volume II Universidade do Estado da Bahia - UNEB Lourisvaldo Valentim da Silva Reitor Maria Nadja Nunes Bittencourt Diretora da Editora Conselho Editorial Delcele Mascarenhas Queiroz José Cláudio Rocha Josemar Rodrigues de Souza Márcia Rios da Silva Maria Edesina Aguiar Mônica Moreira de Oliveira Torres Wilson Roberto de Mattos Yara Dulce Bandeira Ataíde Suplentes Kiyoko Abe Sandes Liana Gonçalves Pontes Sodré Lynn Rosalina Gama Alves Ronalda Barreto Silva Lucila Pesce Maria Olívia de Matos Oliveira (Organizadoras) Educação e Cultura Midiática Volume II EDUNEB Salvador 2012 © 2010 EDUNEB Proibida a reprodução total ou parcial por qualquer meio de impressão, em forma idêntica, resumida ou modificada, em Língua Portuguesa ou qualquer outro idioma. Depósito Legal na Biblioteca Nacional Impresso no Brasil em 2012. Ficha Técnica Coordenação Editorial Ricardo Baroud Coordenação de Design e Capa Sidney Silva Projeto Gráfico, Editoração, Normalização e Revisão Grajaú Gráfica e Encadernadora Ficha Catalográfica - Sistema de Bibliotecas da UNEB Editora da Universidade do Estado da Bahia - EDUNEB Rua Silveira Martins, 2555 - Cabula 41150-000 - Salvador - Bahia Fone: + 55 71 3117-5342 www.eduneb.uneb.br editora@listas.uneb.br Educação e cultura midiática / Organizado por Lucila Pesce; Maria Olivia de Matos Oliveira. – Salvador: EDUNEB, 2012. 202 p. v. 2. ISBN: 978-85-7887-121-5. Inclui referências. 1. Educação - Inovações tecnológicas. 2. Inovações educacionais. 3. Tecnologia educacional. I. Pesce, Lucila. II. Oliveira, Olívia de Matos. CDD: 371.334 Educação e Cultura Midiática Sumário Apresentação 9 PARTE I: CULTURA MIDIÁTICA Educação, Música e Mídia 15 Jusamara Souza e Antonio Dias Interfaces entre Comunicação e Educação, através da Produção de Mídias Alternativas: possibilidades emancipatórias 37 Sandra Maria Loureiro de Souza Farias e Maria Olivia de Matos Oliveira Espaços Vividos e Jogos Digitais: ambientes propícios para produção de novas formas de letramentos e de conteúdos interativos pela geração C 65 Lynn Alves e Tânia Maria Hetkowski PARTE II: FORMAÇÃO ONLINE Projeto Amadeus: criando novas experiências de aprendizagem em uma educação sem distância 91 Ricardo Amorim, Dinani Amorim e Alex Sandro Gomes A Edificação dos Saberes para o Exercício da Tutoria a Distância: o caso dos professores-tutores do curso de pedagogia a distância da UERJ 121 Edméa Santos Nova Didática Mediada pelas Tecnologias Digitais 143 Iolanda Bueno de Camargo Cortelazzo Aulas Multimídias: um caminho possível para a autonomia intelectual dos educandos na rede municipal de ensino de Salvador? 169 Iza da Conceição Lopes e Célia Maria Silva de Souza Sobre os Autores 197 9 Apresentação Caro leitor, o segundo volume da coletânea que ora apresentamos reúne pesquisadores de distintas universidades brasileiras e trata de dois temas instigantes da sociedade contemporânea: cultura midiática e processos de formação desenvolvidos nos ambientes digitais. Os artigos que compõem a primeira parte deste livro – Cultura Midiática – revelam, na polissemia das vozes dos autores, uma unicidade nas reflexões sobre como a mídia se torna presente em todos os aspectos da vida cotidiana e como o discurso midiático participa do processo histórico de construção da identidade dos sujeitos, nas interações sociais, afirmando ou negando a nossa condição de cidadãos. Essas experiências corroboram com o entendimento de que se faz necessário explorar, da melhor forma possível, os ambientes virtuais e “o potencial educacional das mídias, considerando-se os seus aspectos positivos em cada modalidade de ensino e o uso de metodologias e tecnologias necessárias para tal”, no dizer de Ricardo Amorim, Dinani Amorim e Alex Sandro Gomes. Jusamara Souza e Antonio Dias Nascimento colocam que o desafio para a educação é permitir a convivência com o mundo digital; porém é papel da escola ajudar crianças e jovens na aquisição de um censo crítico que lhes permita fazer as escolhas certas, no que tange aos meios e conteúdos midiáticos. Uma nova geração surge, os nativos digitais que navegam na web, nos jogos eletrônicos, smart fones, GPS, PDA, celulares, buscam criar em diferentes telas, com a ajuda de técnicas computacionais e telemáticas, situações que se aproximem do real, das situações vividas nos lares ou 10 nos espaços cotidianos, como apontam Lynn Alves e Tânia Hetwovisk, no relato de uma pesquisa junto a um grupo de professores que utiliza o jogo Búzios: ecos da liberdade. Sandra Loureiro de Souza e Maria Olivia de Matos Oliveira apresentam uma introdução à temática das mídias alternativas e suas relações com a educação, a partir da possibilidade de emancipação e de ação do sujeito, através da compreensão das relações entre cultura e os processos de comunicação na sociedade contemporânea. O conjunto das reflexões inerentesaos capítulos que compõem a primeira parte do livro busca, portanto, discutir a importância de se conhecer o poder da mídia no cotidiano das pessoas, para a partilha conjunta de significados e compreensão crítica da contemporaneidade. Na segunda parte do livro – Formação online – os textos voltam-se para os distintos aspectos inerentes à formação veiculada nos dispositivos e interfaces digitais. As reflexões sobre as novas linguagens audiovisuais demandam dos docentes uma nova visão paradigmática capaz de ressignificar as atuais práticas educacionais, em sintonia com as emergências dos sujeitos que participam das atuais organizações societárias. Para apresentar a segunda parte do livro julgamos pertinente iniciar com as reflexões dos autores Ricardo Amorim (UNEB); Dinani Amorim (UNEB) e Alex Sandro Gomes (UFPE) que apresentam novas possibilidades de potencializar aprendizagens em ambientes virtuais e buscam, através do desenvolvimento do texto, saídas alternativas para a superação do impasse de uma educação a distância para uma educação sem distância. Também são abordadas questões relacionadas à docência, no contexto da cultura midiática. Edméa Santos apresenta dados de uma pesquisa sobre como são edificados os saberes para o exercício da tutoria a distância. A análise aborda as especificidades da docência online e os desafios da cibercultura, relacionando-os com os saberes de professores- tutores que atuam nos cursos de formação de professores da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. 11 Célia Maria Silva Souza e Iza da Conceição Lopes, tendo como corpus de análise o Programa de Aulas Multimídias da Rede Pública Municipal de Salvador, consideram o desenvolvimento da autonomia intelectual, a partir de intervenções pedagógicas que possibilitem espaços de expressão, participação e criatividade. Questões relativas à educação veiculada nos dispositivos e interfaces digitais, como a fragilidade das interações entre a equipe conceptora e os tutores, o pouco investimento institucional no processo de formação continuada de professores para o exercício da mediação a distância são discutidos ao longo das nossas páginas, sobretudo nas linhas assinadas por Edméa Santos. Para compreender as concepções de aula e sala de aula na contemporaneidade é preciso, antes de tudo, entender aspectos relacionados à sala de aula presencial, bem como entender algumas atitudes docentes e da escola, que revelam resistência em reconhecer a inevitável inserção dos estudantes na cultura digital. Nessa perspectiva trazemos à baila as ideias de Iolanda Cortelazzo. Ao apresentar reflexões sobre uma nova cultura em que professores e alunos realizam interações colaborativas mediadas pelas tecnologias digitais, a autora, com propriedade, afirma: “Os hábitos de professores e alunos não mudaram substancialmente nesses dezoito anos, embora os suportes tecnológicos sejam significativamente diferentes”. Nessa miríade de reflexões finalizamos a apresentação do segundo volume da coletânea por nós organizada. Ao fazê-lo, apontamos mais dúvidas que certezas, mais interrogativas que afirmativas, porque as questões pendentes poderão ser esclarecidas ou aprofundadas, na interlocução de você, leitor, junto a cada um dos autores da presente obra. Lucila Pesce Maria Olívia Matos Oliveira Parte I CULTURA MIDIÁTICA 15 Educação, Música e Mídia Jusamara Souza (UFRGS) Antonio Dias Nascimento (UNEB) Introdução O uso abusivo dos meios eletrônicos de comunicação por regimes políticos discricionários que antecederam a Segunda Guerra Mundial e que a ela sobreviveu fez com que pensadores humanistas os vissem sempre com desconfiança quanto à sua função formadora. Adorno (1975) chegou a cunhar a expressão Indústria Cultural para expressar a grande distância que separava a cultura veiculada pela mídia, da cultura elaborada pelo povo. Do mesmo modo, Morin (1969) chegou a afirmar que o capitalismo, com o desenvolvimento da indústria cultural havia ultrapassado a última barreira a ser transposta – a alma humana. Com a redemocratização dos países centrais e com a emergência de novas democracias, no entanto, tornou-se possível o surgimento de muitas outras expressões midiáticas de tal modo a permitir aos indivíduos oportunidades de escolhas. Apesar de persistirem os usos mercantilistas e até mesmo a manipulação político-ideológica dos meios de comunicação, esses usos são obrigados a conviver também com usos voltados para a formação humana e até mesmo para a aproximação de povos. Assim, os meios de comunicação são vistos hoje como campos de disputa que 16 permitem, ao menos, a “reflexividade social” como denominou Giddens (1994) querendo expressar a possibilidade de ampliação do grau de informação dos sujeitos, resultante da atuação e do uso massivo dos meios eletrônicos de comunicação. Estudando o aprendizado da música pelos jovens através da sua relação com as mídias eletrônicas Kübler (2003 apud SCHIMELING, 2005, p. 21) assim se expressa: Hoje, crianças e jovens crescem convivendo com as mídias e estas representam um dos componentes importantes em suas vidas, na busca por identidade e por socialização. O conceito [de mídia] pretende abranger tanto as estruturas e mercados das mídias, como também o confronto subjetivo das crianças e jovens e sua assimilação. Com isso, o conceito implica componentes tanto objetivos como subjetivos. Conforme o autor, há uma profusão das mídia e dos seus produtos e diferenciam-se as maneiras de lidar com eles entre crianças e jovens, denotando assim uma multiplicidade, complexidade, falta de delimitação clara de previsibilidade nas interações destes grupos com as mídias. Diante disso, o que se coloca como grande desafio para a educação, tanto na família, como na escola, é o de como dotar tanto crianças, como jovens, de censo crítico na escolha dos meios e dos conteúdos com os quais se põem em interação. A ideia, portanto, é a de usufruto e convivência com o mundo virtual e não a de negá-lo ou a de evitá-lo. Se concordarmos com a visão de um mundo alcançado, observado, vigiado e controlado através do panóptico, como nos indicou Foucault (1987), com o acesso ao mundo virtual, tornamo-nos também observadores ativos e vigias do nosso tempo e do que ocorre ao redor do mundo numa velocidade espantosa e com 17 uma capacidade operativa nunca dantes experimentada, como pode ser observado, por exemplo, na educação musical. Nos últimos anos vimos discutindo no Brasil sobre os princípios epistemológicos que fundamentam as teorias e práticas de educação musical que vêm se configurando de forma ampla, não se restringindo mais aos processos de ensino-aprendizagem realizados na escola. Crianças e jovens hoje talvez “aprendam” música mais em seus ambientes extraescolares do que na escola propriamente dita. E mesmo a profissionalização ou a formação de professores de música ou profissionais que lidam com o ensino de música tem se realizado em espaços antes nunca pensados. Cada vez mais, pesquisadores buscam compreender os processos de aprendizagem (transmissão-apropriação) que se estabelecem em formas e práticas diárias de indivíduos envolvidos em realizações musicais fora da escola, em contextos extraescolares e suas possíveis articulações com a escola (ver, entre outros, PRASS, 1998, 2004; ARROYO, 1999; CORRÊA, 2000; RAMOS, 2002; FIALHO, 2003; ARALDI, 2004; SUBTIL, 2007). Em decorrência do processo de globalização da cultura e da informação, modificam-se cada vez mais as linguagens e meios técnicos de distribuição musical. Essas mudanças levam-nos a refletir sobre os desafios trazidos para o ensino da música na atualidade e da educação de modo geral. A música na vida cotidiana faz-se cada vez mais presente e sua massiva utilização por crianças e jovens indica o seu significado para a educação musical (SOUZA, 2000). Por isso nos interessam muito particularmente temas como novas práticas musicaise tecnologias de comunicação, o consumo, a recepção de música e a formação de identidades através dos meios de comunicação, músicas da mídia no cotidiano de crianças e jovens; culturas musicais das ruas (como hip hop), bem como a atuação e formação de professores 18 de música diante das novas questões trazidas pelas transformações da sensibilidade musical na contemporaneidade (CARVALHO, 1999). Esses temas são apresentados, num primeiro plano, de uma forma descritiva pelos dados empíricos disponíveis e, num segundo plano, de marco interpretativo, são desvendados contextos e estruturas condicionais para o ensino e aprendizagem de música. Num terceiro plano, mais abstrato, serão formuladas teorias sobre funções e significados das mídias para crianças e jovens como, por exemplo, a crescente autosocialização através das mídias (KÜBLER, 2003, p. 6). Vale ressaltar, como Toschi (2002, p. 267) alerta, que “[...] mídia não se confunde com recurso, com equipamento, por mais sofisticado e atual que seja, mas refere-se a meio tecnológico portador de conteúdos e, portanto, de sistemas simbólicos”. Como a autora explica: “Por se caracterizar como tecnologia e conteúdos, as mídias adquirem valor formativo, educativo. As mídias são criaturas culturais e criam cultura. Mídias são tecnologias, mas são também meio de divulgação de conteúdos, são, enfim, tecnologias midiáticas” (TOSCHI, 2002, p. 267-268). Integrando as atividades cotidianas dos indivíduos, os meios de comunicação não apenas promovem interações interpessoais, mas viabilizam novos conhecimentos, disponibilizando na sociedade um conjunto de materiais simbólicos. A linguagem midiática fornece símbolos, mitos e recursos que contribuem na formação de uma cultura representativa de um grande número de indivíduos. Para Kellner (2001, p. 10) trata-se de uma “pedagogia cultural”, isto é, uma fonte de informação e entretenimento que muitas vezes nem é percebida como tal, contribuindo para “[...] nos ensinar como nos comportar e o que pensar e sentir, em que acreditar, o que temer e desejar – e o que não”. 19 Na análise de Thompson (1998, p. 45-46) durante a recepção e apropriação dos conteúdos da mídia, os indivíduos encontram-se “[...] envolvidos num processo de formação pessoal e de autocompreensão – embora em formas nem sempre explícitas e reconhecidas como tais”. Ao incorporar as mensagens da mídia à própria vida, “[...] o indivíduo está implicitamente construindo uma compreensão de si mesmo, uma consciência daquilo que ele é e de onde ele está situado no tempo e no espaço” (THOMPSON, 1998, p. 45-46). Este capítulo pretende discutir algumas questões vinculadas às práticas pedagógico-musicais presentes na cultura jovem. Interessa-nos discutir práticas musicais de jovens realizadas pelos meios de comunicação tais como tocar um instrumento, apreciar ou ouvir música. Muito particularmente focamos em compreender a aprendizagem musical que aí se efetiva. Tomando o conceito de aprendizagem a partir das teorias do cotidiano nos interessamos pelos sujeitos imersos e envolvidos numa teia de relações presentes na realidade histórica que é prenhe de significações culturais. Logo, a aprendizagem não se dá num vácuo, mas num contexto complexo. Ela é constituída de experiências que nós realizamos no mundo. Dessa maneira, a aprendizagem pode ser vista como um processo no qual – consciente ou inconscientemente – criamos sentidos e fazemos o mundo possível. Mídias e aprendizagem musical As mídias estão cada vez mais presentes na vida das crianças e adolescentes que desde cedo dispõem de i-pods, CD-player, TV, DVDs e também computadores. Na literatura o termo “mundo das mídias” 20 (Medienwelten), já é consagrado. É um conceito necessário para dizer que hoje crianças e jovens crescem convivendo naturalmente com as mídias, que estas representam componentes importantes de suas vidas, de sua procura de identidade e de sua socialização. A inserção da música na vida de jovens, foge à relação abstrata que normalmente as escolas propiciam. Por isso mais do que “se limitar a um estudo da prática ou do consumo musical unicamente por seu conteúdo ou gênero de música apreciada ou escutada” a educação musical tem que se ocupar com o tipo de relação que os jovens mantêm com a música (GREEN, 1987, p. 95). Os jovens vivem experiências musicais diversificadas: tocam em bandas de rock, fazem parte de grupos de pagode, funk, hip hop (DAYRELL, 2002) participam de escolas de samba, cantam em corais de igrejas, tocam em bandas ou fanfarras. As preferências musicais dos adolescentes estão ligadas a gêneros musicais que para eles possuem um significado relacionado à liberdade de expressão e de mudança. Ou seja, a relação que mantêm com a música representa uma manifestação de uma identidade cultural caracterizada por dupla pertença: classe de idade e do meio social (GREEN, 1987, p. 100). Referindo-se aos gêneros musicais que são difundidos pela mídia, Green (1987, p. 100) acredita que estes “[...] fazem parte de um processo de socialização, através dos quais os adolescentes criam suas relações sociais”. Segundo a autora, esses gêneros musicais “revestem-se aos olhos dos adolescentes de uma importância superior àquelas que se ligam às relações ‘obrigatórias de família’. É por isso que o adolescente, que é quase sempre um aluno, sente uma impressão muito forte de liberdade com esses gêneros musicais” (GREEN, 1987, p. 100). 21 Pais (1993, p. 104) define a música como um signo juvenil geracional, pelo fato de os jovens atualmente se envolverem “[...] muito mais com a música do que as gerações mais velhas”. Em relação às preferências musicais dos jovens, o autor revela que estas “são acompanhadas de atitudes específicas que reforçam, – mas também ultrapassam – os gostos musicais”, apontando a questão das “escolhas emblemáticas”, tais como vestuário, cortes de cabelo, discotecas que tocam determinados tipos de música e que representam “[...] elementos de identificação dos grupos, dando suporte a uma certa ‘moral de convivência’ por conivência de gostos” (PAIS, 1993, p. 104). Apoiados nesses autores, pretendemos discutir como as novas mídias e a sua naturalização no dia a dia têm provocado outras maneiras de aprender música, ilustrando-a através de recortes dos dados empíricos recolhidos por pesquisas recentes1. O conceito de aprender nestas investigações incluiu não somente aprendizagem de conteúdos, geralmente atribuída à escola, mas também suas competências emocionais e sociais, uma vez que a experiência com os meios de comunicação considera os processos de impregnação cotidiana e a imitação, realizados no plano individual e no coletivo, normalmente no encontro com outras crianças em casa ou na escola. Privilegiando as abordagens qualitativas os estudos buscam compreender como as pessoas, sobretudo jovens e crianças, dão sentido às músicas que ouvem e vêem no dia a dia e que de, certa forma, lhes oferecem um sentido para si próprias. É incontestável que a onipresença da música através das mídias influencia a vida musical dos jovens. No entanto, como essa influência se manifesta, é uma discussão controvertida. A visão geral sobre diversas mídias em sua gênese histórica, suas características mais importantes e sobre 1 Aqui fazemos referências a trechos de entrevistas realizadas por Ramos (2002) e Schmeling (2005). 22 as formas de assimilação pelos jovens abre um espaço de possibilidades que quase não admite enunciados generalizados sobre as mídia. Ou seja, cada mídia teria sua especificidade e desenvolvimento ao longo da história. As mídias integram de maneira “natural” o contexto das crianças e dos jovens, observando que em seus quartos, “[...] não é possível perceber a realidade do mundo a não ser através de mídia [...] enriquecem o mundo dos sentidos. Tais como olhos e ouvidos, prestam seu serviço sem serem percebidos” (SCHLÄBITZ, 1996, p. 283). A investigaçãorealizada por Baacke et al. (1998), reflete sobre a popularidade e a multifuncionalidade da audição musical na vida dos jovens de hoje. Das 14 funções listadas pelos autores destacam-se: Sinais de reconhecimento para determinadas culturas juvenis que se destacam de outros através de determinadas preferências musicais; fonte de informações sobre novos estilos de vida, modas, formas de conduta, etc; delimitação diante de adultos que não aceitam a música Pop; estímulos para sonhos e anseios próprios; criação de identidades através da descoberta de movimento e corporeidade na dança; solicitação desafio para a ação, o ser-ativo, o protesto; possibilidade de isolamento do cotidiano, o que se torna possível pela colocação de fones de ouvido; possibilidade de identificação com figuras-padrão como astros de rock; expressão de protesto e oposição contra a cultura do cotidiano; recurso para alegrar-se, melhoria do ânimo, e controle da disposição (VOLLBRECHT et al., 1997, p. 37). A maioria dos jovens necessita da música não apenas como fundo musical, e sim, pode-se dizer, como elemento do cotidiano vivido, do qual ele não pode ser separado. 23 Ana: Quando eu estou de castigo, eu fico dentro de casa vendo televisão e escutando o rádio. Ainda mais quando o meu pai está trabalhando como agora, minha mãe também, as minhas irmãs ficam na rua, só fica eu e minha irmã. Tem vez que eu desligo a televisão e vou direto pro rádio... a gente arruma a casa, pega as vassouras e fica dançando. (RAMOS, 2002, p. 121). Temas escolares e também as diversões tornam-se difíceis, quase impossíveis, sem fundo musical. O argumento pedagógico da “distração” nas tarefas escolares pela música parece ter-se transformado no oposto: somente através do som acompanhante é favorecida a disposição e capacidade de concentração. Hoje eu até fui na coordenação e daí falei pra coordenadora: ´com todo respeito, eu vou te desrespeitar agora, e vou te informar que, apesar de ser proibido o uso no colégio de walkman, eu vou continuar ouvindo´. Falei pra ela: ´vou informar que eu vou continuar ouvindo.´Porque desde que eu sou pequeno eles dizem que é proibido, senão, a gurizada já ouve no meio da explicação, vira algazarra, quer pedir emprestado, que não sei o quê, me empresta fita, me empresta CD, não sei quê, meu fone tá estragado, claro que acontece isso, mas quando chega a hora de fazer um exercício [...] Bah, aquela barulheira em volta, [tu] bota teu fone, te fecha no teu mundo e faz teu trabalho. (SCHMELING, 2005, p. 68). Nesta situação, observa-se transformações na estrutura da percepção, já investigadas por alguns autores como a capacidade dos jovens de se concentrarem em “vários canais” ao mesmo tempo. Principalmente adolescentes utilizam o CD como um pano de fundo de determinadas 24 necessidades e interesses. Não o ouvem inteira, pelo contrário, predomina uma percepção motivada por experiências próprias, quer dizer: certas cenas e passagens são ouvidas de novo, enquanto outras nem são percebidas porque não lhes são de importância. A partir do que ouvem do conteúdo dos CDs pode-se tirar conclusões de seu estado de ânimo. Também as crianças frequentemente escutam rádio ao lado de outras atividades. As crianças aproveitam o rádio como meio de retração, ou em companhia de outras, quando assume a função de acompanhamento de outras atividades. Ver televisão e ouvir rádio simultaneamente lhes parece uma tarefa muito simples. Coloca a criança em situações de selecionar, escutar, cantar e dançar. Entrevistadora: Tu disseste que quando estás limpando a casa, tu ligas a televisão e o rádio, pra ficar escutando e ficar vendo, né? Elisa: É. Entrevistadora: E por que tu ligas os dois juntos? Elisa: Porque quando tá dando música boa no rádio, eu abaixo a televisão, e escuto o rádio e danço. E quando tá dando coisa boa, música boa assim na televisão, eu abaixo o rádio e levanto a televisão [...] (RAMOS, 2002, p. 122). As mídias auditivas estão firmemente ancoradas no dia-a-dia das crianças (RAMOS 2002; SCHMITT 2004). Em seu uso reflete-se principalmente a variedade de funções da música, à qual as crianças recorrem. Ela corresponde à necessidade de relaxamento, autodeterminação, movimento corporal e animação. Entrevistadora: Olha aqui, vocês ligam a televisão [...] Joel: Ligamos. 25 Entrevistadora: E ficam trocando de canal pra ver onde está dando música, se está dando música vocês param. Me conta como é que é essa história? Joel: A gente não sabe onde tem música. Aí a gente bota no canal que tem música, daí a gente sabe a música já canta, se abala, se levanta do sofá, da cama, de qualquer coisa, começa a cantar, dançar, daí a gente se abala demais. Vai trocando até achar a música. (RAMOS, 2002, p. 108). Os aparelhos de som, em especial, possibilitam uma disponibilidade a qualquer hora e uma utilização diferenciada, de acordo com o estado de ânimo. Os aparelhos estão embutidos no dia a dia e ritualizados a ponto de estar equiparado a outras possibilidades de lazer, não-midiais. Ana: Até na rua de vez em quando as minhas amigas ficam dançando. Ontem mesmo era o dia das mães, e elas estavam dançando aqui, fazendo umas apresentações. Na minha rua todo mundo dança e canta. Até essa casa da esquina, na maioria das vezes, eles estão com o rádio ligado. Hoje é um milagre eles não estarem com o rádio ligado. E ali na casa da minha vizinha, também é um milagre não estarem com o rádio ligado de manhã. Ela liga bem de manhã cedo quando acorda, só que ela espera a gente acordar, e depois ela liga pra não incomodar. Ela liga às 8 horas. (RAMOS, 2002, p. 74). Para além das mídias Os padrões de preferência dependem das próprias crianças e dos jovens, de acordo com as concretas situações e perspectivas de vida e de experiências individuais. 26 Entrevistadora: Gostas dessa música do Milton Nascimento? Duca: Não. Eu acho que é de criança essa música. Entrevistadora: E o que é uma música de criança? Duca: Música de criança é que [...] não sei como te dizer [...] eu gosto de música que tem realidade mesmo. Entrevistadora: O que é música que tem realidade? Duca: Realidade pra mim é negócio de drogas, de popozuda. (RAMOS, 2002, p. 84). A recepção dos produtos da mídia não se dá de forma passiva, mas sim através de um processo “ativo e criativo”, como propõe Thompson (1998). Ao receber novos conhecimentos e informações, os indivíduos estão interagindo e reinterpretando estes elementos conforme sua experiência, sua bagagem cultural e afetiva. Para este autor, “[...] o sentido que os indivíduos dão aos produtos da mídia varia de acordo com a formação e as condições sociais de cada um, de tal maneira que a mesma mensagem pode ser entendida de várias maneiras em diferentes contextos” (THOMPSON, 1998, p. 42). Ainda segundo o autor, a interpretação de uma mensagem, seu “significado” ou “sentido” deve ser avaliado como “[...] um fenômeno complexo e mutável, continuamente renovado e, até certo ponto, transformado, pelo próprio processo de recepção, interpretação e reinterpretação. O significado que uma mensagem tem para um indivíduo dependerá em certa medida da estrutura que ele ou ela traz para o sustentar” (THOMPSON, 1998, p. 44-45). 27 No campo da interação social TV, rádio e outras mídias podem levar crianças e adolescentes a participar da configuração afetiva do relacionamento e tornar-se relevante para a participação ou delimitação do círculo de amizades ou da família. Além disso, a TV e os transmissores de som oferecidos especialmente a crianças encerram um “capital” pedagógico que não deve ser subestimado. Entrevistadora: Parece que tu gostas de cantar junto com o Joel e o Jonas. Duca: Sim. Entrevistadora: E por quê? Duca: É que eu gosto de cantar porque eles sabem as músicas que eu sei cantar. Algumas não sei, só o Joel e o Jonas cantam essas músicas. Aí eles me ensinam.É que daí, sozinho, não consigo. Eu não fico com vontade de cantar. Só com alguém. Sozinho, não consigo. (RAMOS, 2002, p. 149). De acordo com a análise de Ramos (2002, p. 150), [...] para as crianças não existe um local específico para aprender. A relação da criança com a música estabelecida entre o mundo televisivo e o Escolar está no próprio ato de querer aprender e como aprender. O local não define a relação, o que define é a música que está presente nesses dois mundos. Existe o mundo televisivo, que se constitui das interações entre a criança, a música e a televisão. No mundo Escolar, as interações se estabelecem entre a criança, a música e outras crianças. Entrevistadora: A turma e a Escola são importantes pra tu aprenderes essas canções? Ana: São. Sem elas, professora, se a gente não tiver uma companhia, a gente nunca aprende, sempre tem alguém pra ajudar a gente. Entrevistadora: Tu gostas então? Ana: Gosto. 28 Entrevistadora: Aprendes lá em casa [...] Ana: Em qualquer lugar. Não tem lugar pra mim aprender [...] qualquer lugar. . (RAMOS, 2002, p. 150). O ouvir em conjunto, numa roda de amigos, oferece motivação de diálogo, de conversas, de trocas de experiências e da certeza e afirmação da mesma preferência/gosto musical. O uso individual espanta o tédio, por exemplo, durante os temas escolares, como já mencionado. Ela traz uma disposição emocional, por exemplo, durante a leitura ou serve para superar maus sentimentos, respectivamente para compensá-los. Entrevistadora: Tu cantas com teus amigos na Escola? Joel: Canto, porque todo mundo abala. Lembra quando tinha aquele palco ali onde a gente dançava? Entrevistadora: Sim. Joel: A diretora botava música, e daí todo mundo começa a cantar, dançar e chega uma, chega duas, e daí chega três, chega quatro, até bastante gente, e todo mundo dança. Entrevistadora: Isso é importante pra ti? Joel: É, porque já vê uma pessoa cantando, já se lembra, já dança, já abala. Todo mundo dança. Entrevistadora: E aí tu aproveitas e cantas com teus amigos? Joel: Canto. Entrevistadora: E a turma e os amigos que tu tens aqui na Escola são importantes pra tu aprenderes essas músicas? Joel: São. Eles cantam a música que eu não sei, depois no outro dia elas cantam de novo e aí eu já sei. (RAMOS, 2002, p. 148). De forma semelhante uma outra criança entrevistada revela: 29 Entrevistadora: Que tipo de música tu cantas na Escola? Diane: Às vezes no recreio. Na sala não dá pra cantar porque a professora não deixa, mas eu consigo. Entrevistadora: E no recreio, o que tu cantas? Diane: Eu canto um monte de músicas. Entrevistadora: Sozinha? Diane: Às vezes sozinha ou com minhas colegas. Nós sentamos num banco e cantamos. Eu gosto das minhas colegas porque são elas que me ensinam. Entrevistadora: E como é que te ensinam? Diane: Elas cantam e aí a gente senta num banco e elas vão me ensinando, aí eu aprendo. (RAMOS, 2002, p. 147). Essa identificação das crianças com seus pares parece ser uma referência que a escola insiste em relevar, como se o sentido unívoco do “estar na escola” estivesse fixada no conhecimento ou na aprendizagem de conteúdos. Tomar a vida escolar com suas contradições, interrupções que correspondem à vida cotidiana, à situação real em sociedade torna- se imperioso para que as experiências escolares permaneçam como experiências significativas (SOUZA, 2000, p. 177-178). Entrevistadora: Caso tu tenhas que conversar com a diretora sobre as músicas dos alto-falantes, o que tu falarias sobre elas? Ana: É que ela botou uma música que eu nem sabia como cantar. Era uma do Zeca Pagodinho [...] eu não sabia nem dançar. Eu ia pedir pra ela colocar uma música do É o Tcham, porque sei dançar quase todas. (RAMOS, 2002, p. 134). Entrevistadora: O que tu gostarias de perguntar para a diretora sobre as músicas dos alto-falantes? Joel: Eu perguntaria pra ela: ‘- Diretora, a senhora não gosta de música de funk?’. Daí ela: ‘- Sim eu 30 gosto’, ‘- Então porque a senhora não bota lá, todo mundo já sabe e aí a gente começa a abalá também, né? (RAMOS, 2002, p. 134). As crianças interpretam, atribuem significados e filtram o que circula pela mídia e, assim, inovam a partir de suas experiências e vivências reais e virtuais. No caso da televisão parte-se do pressuposto de que as crianças não recebam passivamente aquilo que esse aparato veicula. Ramos (2002) avalia que as crianças assistem à televisão, e dominam com maestria o controle do aparelho, e consomem com interesse programas não apenas destinados a elas, mas também aqueles dirigidos aos adultos. Ver televisão, não é um ato individual, mas social, porque os meios se encontram na dimensão do cotidiano infantil e o que circula por esse aparato suscita e alimenta as interações infantis com a família e com a escola. As crianças aprendem música a partir da sistematização frente aos programas de televisão. Elas selecionam os programas diários ou semanais de que cantores e grupos musicais participam. Os que aprendem se manifestam de uma maneira espontânea durante o recreio ou na sala de aula, ou seja, o que a criança aprende sozinha em casa é levado para a escola numa espécie de “assimilação coletiva” (LURÇAT, 1998). Ao falar com os colegas da escola sobre os programas que assistem à televisão, ou sobre algo que escutaram pelo rádio, interagem com os demais, adaptam-se, questionam, argumentam e percebem que há outros matizes sociais e culturais. Essa é uma das maneiras pelas quais elas conhecem o mundo a partir de vivências e experiências musicais comuns que se expandem e se transformam com e no seu grupo. Nessas interações, elas tentam decodificar o apreendido, quando misturam ou acrescentam a suas brincadeiras ou conversas as representações e o conhecimento sobre o mundo que observam em casa, na escola ou na televisão (RAMOS, 2002). 31 Considerações finais Os meios de comunicação são fundamentais nas sociedades contemporâneas, integrando as atividades cotidianas dos indivíduos. Os meios não apenas promovem interações interpessoais, mas viabilizam novos conhecimentos, disponibilizando na sociedade um conjunto de materiais simbólicos. Neste sentido, os media são significativos no processo de circulação de saberes, de trocas de informações, de transmissão e apropriação de conhecimentos, de formas de viver e de se expressar, interferindo na formação dos indivíduos, reconstruindo diariamente, opiniões, percepções e desejos. Os usos da música transmitida pelos meios, é hoje, parte inquestionável do cotidiano dos jovens. Vemos também que novas ofertas midiáticas como i-pods são aceitas com extrema facilidade. No entanto a escola parece ainda ignorar as experiências musicais que são feitas pela mídia, fora do tempo-espaço da escola: Joel: Eu gosto de ouvir música no final de semana porque não tem aula e daí eu posso ouvir bastante. No colégio as professoras colocam às vezes uns radinhos com músicas só de romance, também não abala ninguém. Entrevistadora: A música tem que abalar, Joel? Joel: Tem que abalar, como é que a pessoa vai cantar morrendo? (RAMOS, 2002, p. 147). Com o desenvolvimento dos meios tecnológicos e sua consequente inovação das práticas musicais, parece importante ouvirmos as crianças e jovens para que possamos nos aproximar desse novo contexto, conhecendo assim suas necessidades, expectativas, ideias e conceitos. A nossa busca tem 32 sido descrever os fenômenos pedagógicos musicais com metodologias cada vez mais aperfeiçoadas e próprias da área. O desafio tem sido propor uma pedagogia musical coerente com a realidade, numa permanente atualização. No uso pedagógico de CDs e outras mídias no cotidiano, deve-se considerar que uma sensibilização do sentido auditivo (como parte de uma educação estética) geralmente é pensada a partir de uma perspectiva dos educadores. Porém é necessário não se distanciar do significadoque a música tem para crianças e adolescentes e ignorar as necessidades e as condições do cotidiano deles. Considerar os aspectos que levam as crianças e jovens a usar determinados CDs; e que são muito seguros de si quando compram o que gostam, aquilo que os satisfaz. Em relação à mídia e aprendizagem, Schläbitz (1996) afirma que hoje é mais importante saber compreender e manejar do que acumular conhecimento. Isso equivale a educar a sensibilidade para a diferenciação, ou seja, para a percepção individual. Não pode ser propósito substituir a pedagogia musical por entretenimento, de impor o gosto do educador à criança, mas sim entreter com fantasia e humor, a ponto de satisfazer a necessidade a qual elas têm direito; satisfazer na criança a necessidade de empolgação e relaxamento. Pois afinal de contas a criança quer se divertir com a música e não “aprender”. Músicas de filmes, histórias de aventuras, de piratas, de fantasmas, de contos de fadas, não são apenas ouvidas – são vivenciadas. A criança teme pelo herói que está em perigo, mas ao mesmo tempo sabe do happy end. Tensão sempre está ligada à tensão/relaxamento e isso para crianças são experiências muito agradáveis. Porém essas situações não são provocadas apenas através de conteúdos, mas também através de ruídos e do uso da música. 33 As transformações que as novas tecnologias trazem, e como os seus paradigmas afetam a educação musical e a educação em geral, têm sido objeto de estudo tanto de educadores musicais, como dos educadores de modo geral. Com os atuais meios de comunicação as crianças estão em contato com a música nas mais diversas situações. Como tem alertado Souza (2000, p. 176), “[...] embora normalmente essa vivência não seja acompanhada de reflexão, é extraordinário o potencial de uma aprendizagem musical efetiva que aí reside”. Por isso, acreditamos, como escreve Morduchowicz (2001, p. 94-95), que a escola deveria propor: Uma educação em meios não busca transformar o capital ou os consumos culturais dos alunos, mas explorar a relação que os meninos estabelecem com o mundo (Escolar e não Escolar) e ensinar a desnaturalizar as representações que o constroem, cuja compreensão afetará certamente a percepção que tem do universo, sua observação sobre a realidade e sua atitude ante o conhecimento. Referências ADORNO, T. W. A indústria cultural. In: COHN, Gabriel (Org.). Comunicação e indústria cultural. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1975. p. 287-295. ARALDI, J. Formação e prática musical de DJs: um estudo multicaso em Porto Alegre. 2004. Dissertação (Mestrado em Educação Musical) – Instituto de Artes, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2004. ARROYO, M. 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Acesso em: 07 jan. 2005. 37 Interfaces entre Comunicação e Educação, através da Produção de Mídias alternativas: possibilidades emancipatórias Sandra Maria Farias Loureiro de Souza (FTC/UNEB) Maria Olivia de Matos Oliveira (UNEB) Introdução A pesquisa ‘Interfaces entre ‘Educação e Comunicação através da Produção de Mídias Alternativas: Possibilidades Emancipatórias’ foi realizada como dissertação de mestrado, no Programa de Pós-Graduação em Educação e Contemporaneidade - PPGEduC, da Universidade do Estado da Bahia, defendida no ano de 2010. 38 O presente artigo pretende apresentar o percurso metodológico, os dados coletados e as conclusões resultantes das investigações e reflexões desenvolvidas durante a pesquisa que abordou a Oi Kabum! Escola de Arte e Tecnologia, programa não-formal do Oi Futuro, desenvolvido em Salvador – Bahia, pela organização não-governamental CIPÓ - Comunicação Interativa.1 Os processos investigados na referida pesquisa estão fundamentados na perspectiva das relações entre comunicação e educação, visando as possibilidades e limites para a participação e inclusão social de jovens de comunidades periféricas através da produção de mídias alternativas. O contexto teórico-conceitual da pesquisa A expansão tecnológica favoreceu a aproximaçãoe a interação com as TIC dos mais diversos públicos, mesmo aqueles com poucos recursos. Tornou-se cada vez mais barato adquirir aparatos tecnológicos como câmeras digitais de fotografia e vídeo, celulares com os mais diferentes recursos e mesmo computadores, scanners e impressoras, além do acesso à rede infomatizada – a internet. Através desses aparatos e do acesso à internet, esses públicos estão produzindo e disseminando mídias – textos e imagens – com diversidade de discursos para milhões de pessoas em todo o mundo. A centralidade das TIC e a produção de mensagens e sentidos por meio das técnicas e dos processos midiáticos vigentes no mundo 1 A CIPÓ - Comunicação Interativa é uma organização não-governamental, criada em 1999, em Salvador, BA, reunindo um grupo de profissionais de diferentes áreas: comunicação, educação e arte que tem como focos a democratização e qualificação dos meios de acesso, produção e veiculação de mídia e da comunicação; a utilização educativa das TIC; envolvimento de crianças, adolescentes e jovens na produção de mídia, como jornais, sites, animações, programas de rádio e TV, vídeos, coletâneas fotográficas, entre outros. 39 contemporâneo são procedimentos que funcionam como mobilizadores de interações sociais, padrões de comportamento, de consumo e de vida. Neste movimento ativam também um impulso dialético que estimula o potencial humano para as transformações, pois tanto podem veicular em larga escala mensagens e conteúdos que se destinam a manter o status quo, como também se configuram em terreno fértil para a veiculação de diferentes discursos, imagens e sons, já que os meios técnicos estão presentes de forma intensa no cotidiano de todos. Essa condição dialética é analisada por autores como Santos (2007) e Martin-Barbero (2006), que reconhecem a violência da informação no mundo globalizado, e que, como afirma Santos (2007, p. 39), “[...] o que é transmitido à maioria da humanidade é, de fato, uma informação manipulada que, em lugar de esclarecer, confunde”. O referido autor avança ainda mais nesta reflexão ao afirmar que esta informação manipulada “se apresenta como ideologia”. Dessa forma, ao considerarmos os sistemas contemporâneos de produção-recepção-disseminação, observamos que há um movimento que faz a informação circular, produz novas ideias, reflexões e discussões, além de possibilitar uma maior socialização do conhecimento. No campo da educação, cada vez mais são promovidas reflexões e discussões acerca do alcance das TIC, tanto em termos de influência que exercem sobre os sujeitos, instituições, relações e representações sociais, como em relação às estratégias para se lidar com as transformações que afetam os modos de acessar e elaborar informações, ideias e conhecimentos. Evidentemente, as relações educacionais e escolares e as mediações pedagógicas estão intensamente impregnadas por esse novo mundo tecnologizado, pois os processos educativos, sejam eles formais ou não- formais – não estão isolados dos acontecimentos mundanos e, dessa forma, reconhece-se que é extremamente difícil estabelecer os rumos que serão 40 traçados nas próximas décadas para a educação frente aos desafios que ainda precisam se vencidos. Nesse âmbito, os fenômenos midiáticos da vida cotidiana, abordados em um contexto educativo, relacionados à realidade dos educandos, assumem outra dimensão. Considera-se que o caráter multilateral, proporcionado pelo acesso às TIC, pode se constituir em fomentador de crítica, de reflexão e de ação em torno de outras visões de mundo e de outros projetos de vida. As mídias alternativas configuram-se em processos de produção midiática que se identificam com processos de resistência, e podem configurar-se como possibilidades de transformação social, e mesmo de subversão das relações de produção e recepção. Downing (2002) trata da temática das mídias alternativas por meio de uma ampla reflexão acerca do potencial intrínseco que essa produção pode oferecer, no sentido de romper com as relações hegemônicas estabelecidas no mundo contemporâneo pela forte incidência das mídias. Traça um panorama através do qual procura demonstrar que as mídias alternativas sempre tiveram lugar na história da humanidade, atestando o caráter não-conformista e a vocação para a resistência por parte dos sujeitos. O referido autor alerta para as possibilidades que se apresentam ao se reconhecer e fomentar essas produções consideradas alternativas, autônomas, experimentais e mesmo marginais, que são potencializadas pelo extensivo alcance das Tecnologias da Informação e da Comunicação (TIC) que vivenciamos em escala global. Essa discussão é perpassada por uma problemática crucial: o papel emancipador da educação. O entendimento acerca do trabalho educativo como prática política, assim como defendido por Giroux (1983), que se alinha a Freire (2007), o qual relaciona cultura política, educação 41 e transformação, em uma perspectiva por meio da qual a educação é concebida como um projeto de vida pessoal e coletivo e parte das demandas sociais e culturais dos sujeitos, sobretudo aquelas relacionadas à educação das camadas populares. O sujeito, ao vivenciar processos educativos mais implicados com uma visão política e com uma leitura crítica do mundo seria, consequentemente, levado a uma concepção mais crítica e estaria mais apto a fazer escolhas voltadas para seus reais interesses, baseados em projetos dimensionados pessoal e coletivamente. A educação, nesta perspectiva, cumpriria o papel de articular a reflexão com a ação, ao realizar a mediação entre informação, conhecimentos, ideias e valores veiculados pelas mídias. Este papel consistiria em atuar como agente de elaboração, transformando informações em conhecimento, ao desenvolver uma visão crítica das produções e mediações midiáticas, que estão presentes em todos os setores da vida. Um processo de ressignificação de ideias, conceitos, valores e propósitos através da reflexão crítica e da criação de um discurso próprio, como educandos e como sujeitos históricos. Silva (2006, p. 68), ao refletir sobre os desafios contemporâneos da educação frente à comunicação afirma: A escola não se encontra em sintonia com a emergência da interatividade. Encontra-se alheia ao espírito do tempo e mantém-se fechada em si mesma, em seus rituais de transmissão, quando seu entorno modifica-se fundamentalmente em nova dimensão comunicacional. Para Martín- Barbero, um dos pesquisadores mais atentos à inter- relação comunicação e educação, pode-se falar em ‘esquizofrenia entre modelo de comunicação que configura uma sociedade progressivamente organizada sobre informação e o modelo hegemônico que subjaz o sistema educativo’. 42 É certo que os alunos trazem um conhecimento, construído social e culturalmente, em grande parte, permeado pela mídia. A percepção dessa dinâmica pode vir a trazer um novo sentido às relações educativas. Faz-se necessário reconhecer o que é trazido pelo aluno para os espaços de conhecimento e conferir significado a uma produção socialmente construída, e que, via de regra, é considerada como fora do espaço escolar. Uma produção marginal. Ressignificar esse conteúdo para o aluno, ao estabelecer as relações desse conteúdo com a vida, talvez seja um ponto de partida para uma mediação pedagógica que leve em consideração a vida cotidiana e as necessidades e demandas sociais dos sujeitos implicados. Nesse contexto, a construção do conhecimento deixa de ser apenas uma ação cognitiva, e passa a ser reconhecida também como uma produção social (a qual já é, de fato), mediada por sistemas simbólicos dos quais os sujeitos dispõem e podem mobilizar a seu favor, como forma de interagir com mais significado com as diversas vertentes do saber e do conhecimento humanos. Nessa perspectiva, a mídia atuaria não apenas como produtora- reprodutora de cultura, mas também como espaço de luta simbólica. Um espaço ondeos sujeitos, através de uma visão crítica do conhecimento e da educação para a vida, teriam a oportunidade de rever seu papel no mundo, como possíveis participantes, construtores e sujeitos desse mesmo conhecimento. O problema da pesquisa O problema principal desse estudo procurou reconhecer os processos comunicacionais e tecnológicos presentes na experiência em produção midiática realizada pela Oi Kabum! Escola de Arte e Tecnologia, através das TIC, buscando identificar possibilidades e limites para a inclusão social de jovens de comunidades populares. 43 Assim, foram propostos os seguintes pontos para questionamento, reflexão e discussão, a partir do problema: 1. Quais as demandas socioculturais requeridas pelos sujeitos da pesquisa em termos de informação, educação e comunicação? 2. Quais as conexões entre a formação dos jovens no programa em estudo e a apropriação, uso das mídias e das TIC e as possibilidades e limites para a inserção social? Como objetivo geral, este estudo buscou analisar os processos educacionais, comunicacionais e tecnológicos, visando identificar possibilidades e limites para a inclusão social de jovens de comunidades populares, através das análises dos conteúdos presentes nas comunicações e depoimentos colhidos dos jovens egressos do referido programa educacional. Para isso, foram propostos os seguintes objetivos específicos: identificar junto aos sujeitos da pesquisa as demandas socioculturais por informação, educação e comunicação; identificar conexões entre a formação de jovens de comunidades populares em um programa educativo, a apropriação e uso desse conteúdo por esse público-alvo e as repercussões na vida desses sujeitos; caracterizar as formas de participação, apropriação e disseminação da produção e do uso da tecnologia por parte desses sujeitos. As reflexões, análises e discussões tiveram como fonte as relações presentes na interface educação/comunicação/produção midiática/ tecnologias, que levou em consideração as contradições presentes nesta relação tão complexa. Os processos investigados têm como fundamentos a leitura crítica das mensagens midiáticas que circulam na sociedade, por meio da leitura crítica do mundo e da mídia, a produção midiática (no processo educativo e fora dele) e a participação em processos educativos e interativos por meio das TIC, que são as bases da metodologia educativa pesquisada. 44 Os sujeitos da pesquisa O público-alvo para o qual se volta o programa educativo investigado é formado por adolescentes e jovens em fase de escolarização e preparando- se para o mundo do trabalho. Cada turma é formada por jovens que podem estar no final do Ensino Fundamental (a partir do 7º ano), cursando um dos três anos do Ensino Médio ou são recém-egressos do 3º ano. São estudantes de escola pública e moradores das regiões periféricas do Nordeste de Amaralina e do Subúrbio Ferroviário. Recentemente, passaram a integrar o programa, adolescentes e jovens do Centro Histórico de Salvador. Comunidades como o Subúrbio Ferroviário, formado por cerca de 30 bairros e com uma população em torno de 600 mil pessoas e o Nordeste de Amaralina, com uma população de cerca de 100 mil habitantes e composto por quatro bairros, surgidos através da ocupação desordenada, apresentam condições ainda precárias de urbanização e de qualidade de vida. Os adolescentes compõem grande parte da população desses bairros. São jovens que buscam alternativas para as situações de exclusão em que vivem, e buscam participar de atividades culturais e artísticas, porém o que lhes é oferecido não dá conta de mantê-los distantes das situações de criminalidade e violência que são características desses bairros. A trilha metodológica A abordagem para apreensão e análise tem por base a concepção dialética, levando em consideração que um campo de grandes conflitos, em diferentes níveis, se apresenta e demanda a possibilidade de confrontarmos elementos contraditórios, em busca de uma síntese. Essa síntese precisa levar em conta aspectos sociais, econômicos, culturais, históricos, mas que 45 não se anulem as subjetividades presentes e que seja possível privilegiar a complexidade humana e suas possibilidades/potencialidades de emancipação. A opção pelo estudo de caso (GOLDENBERG, 1998) visou conhecer o mais profundamente possível o funcionamento da proposta educativa e suas relações com os contextos relacionados, nos aspectos sociocultural, tecnológico, comunicacional e educacional, para assim ser possível identificar uma contribuição mais efetiva das possibilidades oferecidas e dos seus limites. Nas análises desenvolvidas acerca dos objetivos e das ações do programa, procurou-se descrever e fazer a reflexão sobre quais seriam as lógicas identitárias implicadas nos processos e relações entre os diversos elementos presentes, qual o conteúdo crítico que emerge no trabalho e nas atividades pedagógicas e como esse conteúdo está relacionado e pode contribuir para uma aprendizagem significativa dos envolvidos, por meio das mediações realizadas durante as atividades. Além disso, quais seriam as relações que se estabelecem frente ao uso da tecnologia para esse processo educativo. Que reflexões e posicionamentos críticos foram provocados nos participantes e qual a relevância para o contexto de vida dos jovens e para suas demandas por conhecimento, comunicação e educação, ou seja, para sua inserção social. O processo de observação das atividades foi fundamentado a partir de algumas questões centrais. Esta observação foi realizada pela pesquisadora durante a sua própria atuação enquanto coordenadora pedagógica do programa, não sendo possível determinar o número de horas dispendido no processo. As atividades observadas possuíam como um dos focos principais a leitura crítica da mídia. Um ponto importante a ser observado, referiu- 46 se às práticas educativas descritas e como estas estimulariam formas do educando estabelecer relações com suas vivências e com uma visão de mundo mais ampla. Por outro lado, tentou-se estabelecer uma ligação entre o potencial de aprendizado e a análise crítica da produção midiática, tanto aquela oriunda da mídia oficial, como a produzida durante o processo educativo. A produção midiática desenvolvida pelos jovens foi descrita destacando as mediações presentes nas atividades para a criação dos produtos, e também nos planejamentos e nas estratégias de pesquisa desenvolvidas pelo programa educativo, que são base para a elaboração pelos jovens dos produtos midiáticos, tanto em relação aos conteúdos, quanto a formatos, contemplando a elaboração de textos e registro de imagens. Foram também descritos os processos relacionados à apropriação das tecnologias, presentes nos processos de desenvolvimento das atividades e utilizadas no desenvolvimento dos produtos midiáticos. É importante ressaltar que, neste contexto específico, entende-se o produto como a concretização da aprendizagem, resultado do processo e totalmente implicado com ele. Não se pretende estabelecer aqui uma relação de produto enquanto lógica de mercado. O produto, neste caso, seria o reflexo das mediações presentes no processo, a partir da análise do perfil dos sujeitos, dos conteúdos críticos relacionados com esses sujeitos e as representações identitárias contidas nesta produção. A partir das entrevistas realizadas, tentou-se traçar uma conexão entre os processos de aprendizagem e os resultados para os jovens acerca da inserção social através do mundo do trabalho. Afinal, a formação tem como um dos objetivos principais a formação técnica e uma possível inserção no mundo do trabalho. 47 Um ponto de ancoramento, fio condutor das análises, foi a discussão que se estabeleceu entre a formação e a participação social dos jovens, principalmente em seus entornos - comunidade. Nessa perspectiva, uma questão observada foi a articulação ou não entre as práticas educativas com os processos potenciaisde emancipação presentes na proposta educacional pesquisada. Que potencialidades e limites se apresentaram, de forma explícita ou implícita no Programa Oi Kabum! e com quais oportunidades e aprendizados os adolescentes foram confrontados? Como a proposta em questão se articula com as reflexões da presente investigação? Quais os resultados da formação dos jovens frente aos desafios que enfrentam? Foram usados diferentes métodos e instrumentos de coleta de dados: entrevista semiestruturada; análise de documentos e materiais produzidos sobre o processo formativo desenvolvido, como fichas de inscrição, relatórios, planejamentos e avaliações; observação e participação em atividades e procedimento pedagógicos, que ocorreram durante a própria atuação da pesquisadora como coordenadora pedagógica do programa educacional. Consideramos de grande importância, para a análise, essa participação. A pesquisa foi estruturada da seguinte forma: foram entrevistados 30 jovens da Turma I (2004 – 2006), sete jovens da Turma II (2006 – 2008), somando 37 jovens no total; foram coletados os dados atualizados referentes à idade, à escolaridade e inserção no Mundo do Trabalho dos 30 jovens da turma I e dos sete jovens da Turma II. Procurou-se, nas entrevistas, identificar as expectativas e as repercussões da formação para as escolhas e trajetórias desses jovens. Em relação aos dados quantitativos, relacionados à faixa etária, à escolaridade e à situação de trabalho, foram elaborados gráficos para que ficasse visível parte da trajetória desse grupo. Nestes gráficos constam os 48 números referentes à conclusão do Ensino Médio, acesso à universidade e situação atual de trabalho dos 37 jovens. Os nomes dos jovens foram preservados para garantir o anonimato. O método de análise dos dados buscou inferir as mensagens contidas nas falas e expressões dos sujeitos das pesquisas, por meio da análise das comunicações e diálogos estabelecidos no processo de coleta. Para a análise qualitativa dos dados, foram consideradas relevantes as categorias presentes nas comunicações dos sujeitos, previamente definidas a partir dos objetivos e das propostas dos programas investigados. Assim, dentre as diversas técnicas de Análise de Conteúdo de Bardin (2009, p. 199), foi escolhida a análise por categorias que: Funciona por operações de desmembramento do texto em unidades, em categorias segundo reagrupamentos analógicos. Entre as diferentes possibilidades de categorização, investigação dos temas, ou análise temática, que é rápida e eficaz de se aplicar a discursos diretos (significações manifestas) e simples. Em consonância com a técnica escolhida, as respostas às entrevistas, tratadas como texto, foram separadas em unidades de registro. As unidades de registro podem ser divididas em palavras ou em temas. Esses temas são “unidades de significação que se libertam do texto analisado segundo certos critérios relativos à teoria que serve de guia de leitura” (BARDIN, 2009, p. 131). São também “núcleos de sentido”, que correspondem ao teor das comunicações. São analisados em termos de “frequência de aparição” e “podem significar alguma coisa para o objetivo analítico”. A técnica que 49 enfatiza a análise temática é apropriada para as análises que buscam deduzir a partir de hipóteses, em direção a novas hipóteses. Para a aplicação desta técnica foram definidas algumas categorias para as análises, baseadas nos próprios objetivos do programa pesquisado: • Contribuir para a melhoria da imagem dos bairros, de forma a ampliar a autoestima dos seus moradores e diminuir o estigma a que estão associados; • Formar adolescentes de bairros populares para participarem ativamente da melhoria de suas comunidades, utilizando a comunicação e a arte como ferramentas da transformação social; • Promover a inserção qualificada de jovens no mundo do trabalho; • Produzir materiais de arte e comunicação com qualidade técnica, conceitual e estética com e para adolescente sobre temas relevantes para os jovens e para as comunidades onde residem. Como diretrizes gerais para a análise dos dados: 1. Objetivos do programa educativo ao realizar suas ações e atividades. 2. A fundamentação teórica que medeia a discussão e a análise dos dados. 3. As comunicações feitas pelos sujeitos da pesquisa. 4. Os dados levantados pela pesquisa. 50 Análise dos dados: possibilidades emancipatórias Para realizar as análises considera-se relevante partir das seguintes questões: qual a contribuição social do referido programa educacional para as comunidades dos jovens participantes e qual o olhar desses jovens acerca do referido programa? Para além dos objetivos declarados em seus documentos institucionais, qual é a avaliação feita pelos jovens em relação à contribuição do programa para uma maior participação social e intervenção comunitária? Ao serem perguntados se acreditavam “que o aprendizado desenvolvido durante o programa educativo contribuiu para modificar a atuação em relação à comunidade e de que forma aconteceu essa modificação”, a maioria das respostas aponta para uma visão individualizante do programa: Comunidade..., não mudou significativamente, pois um projeto como este não é abrangente a todos os jovens da comunidade, e enquanto papel de multiplicador nas comunidades por conta da vida corrida que todos levamos, ingresso no mercado de trabalho e formação acadêmica, não houve iniciativa da minha parte juntamente com a falta de projetos voltados para este fim na comunidade, no qual eu pudesse fazer em paralelo os dois papéis, multiplicador e tirar o sustento. (Jovem da Turma I - 2004 – 2006). Ou ainda: O olhar mudou de apenas reclamão para crítico, mas nunca quis me envolver numa atuação mais direta em prol da comunidade. (Jovem da Turma I - 2004 – 2006). 51 Estou vivendo aquele ditado, ‘casa de ferreiro, espeto de pau’; ainda não tive a oportunidade de passar para a galera da minha comunidade o que aprendi durante esses 3 anos. (Jovem da Turma II - 2006 – 2008). Esses são alguns exemplos das respostas dadas a essa proposição. Dos 37 depoimentos colhidos, dentre os jovens das duas turmas formadas, apenas 4 jovens demonstraram ter realizado ações continuadas nas comunidades. Ou seja, praticamente 90% dos jovens entrevistados não atuam nas comunidades como multiplicadores de conhecimento ou mobilizadores sociais. No entanto, grande parte dos jovens declara que o programa fomentou uma visão crítica sobre a comunidade, sobretudo ao reconhecer as qualidades positivas, a cultura local e o valor de seus moradores: Vejo a comunidade de forma mais construtiva e acolhedora, mas me sinto de mãos atadas para uma intervenção mais direta em prol da comunidade. Tudo isso devido à dinâmica da vida atual: trabalho, estudo etc. (Jovem da Turma I – 2004 – 2006) [....] a comunidade tem cultura. [...] a gente tem tipo... é uma coisa nossa ali, sabe? É uma cultural local, então é legal a gente tá mostrando isso, porque tem coisas que a gente faz lá que ninguém conhece, isso é meio mirabolante assim, mas é uma cultura nossa, então. Acho que é legal e a Kabum me ensinou isso, a ver essa cultura, por mais que todo lugar tenha problema, eu acho que tem aquela parte bonita, então porque não aproveitar aquela parte bonita e mostrar? (Jovem da Turma II - 2006 – 2008). Pode-se inferir desses depoimentos que, de forma geral, através dos jovens, moradores das comunidades, o programa cumpre seu objetivo 52 explicitado de “contribuir para a melhoria da imagem dos bairros, de forma a ampliar a autoestima dos seus moradores e diminuir o estigma a que estão associados”. Os depoimentos são apoiados pela própria produção autoral dos jovens, por meio de vídeos, fotografias e materiais gráficos. Esta produção, elaborada durante a formação e com desdobramentos em projetos multimídia desenvolvidos no Núcleo de Produção e também em participação em editais de fomento à produçãoaudiovisual e em festivais, demonstram a capacidade dos jovens de criar e veicular imagens e sons baseados nesta valorização da cultura local. Não há um temor nem vergonha de mostrar as comunidades e seus moradores e valorizar a produção cultural local. Um depoimento de um jovem morador do Subúrbio Ferroviário, formado na Turma II (2006 – 2008) atesta o valor e a relevância desse conteúdo da formação: Eu produzi o vídeo ‘Candomblé Visão Jovem’, que falava um pouco sobre a vida do jovem, como ele se insere dentro do Candomblé, então isso foi uma história do jovem dentro de um terreiro que ele participava. [...] quando a gente tava na Kabum a gente produziu o vídeo ‘A Cidade de Plástico’ que foi uma experiência nossa. Então a gente tava convivendo no dia-a-dia com aquelas pessoas, as pessoas tavam fazendo suas casas de plástico dentro da comunidade, então nos interessou isso. Não teve nenhum custo, nem nada, apenas a Kabum nos ajudando. Esse vídeo ganhou (o festival).2 2 O vídeo-documentário ‘Candomblé Visão Jovem’ foi realizado através de edital interno promovido pelo Núcleo de Produção Kabum! Novos Produtores e foi selecionado para o Festival Olhar Circular de Cultura Livre 2009, em Alagoas. ‘A Cidade de Plástico’ foi um vídeo- documentário realizado por jovens da Turma II (2006 -2008) da Oi Kabum!, que mostra a ocupação pelo MSTS (Movimento dos Sem Teto de Salvador) de uma área baldia, próxima à Lagoa da Paixão, que denominaram A Cidade de Plástico, localizada no Surbúbio Ferroviário no bairro de Periperi, Salvador, Bahia. O vídeo recebeu o prêmio da IV Mostra Baiana de Videoclipes 2008, foi selecionado para o Goiânia Mostra Curtas 2008, para o Festival Olhar Circular de Cultura Livre 2009 – Alagoas, e para o Festival Imagens da Cultura Popular, promovido pela ONG ‘Favela é Isso Aí’, de Belo Horizonte. Pode ser acessado no site de vídeos <www.youtube.com>. 53 Segundo Martín-Barbero (2006, p. 15): [...] a comunicação e a cultura constituem hoje um campo primordial da batalha política: estratégico cenário que exige que a política recupere sua dimensão simbólica – sua capacidade de representar o vínculo entre cidadãos, o sentimento de pertencer a uma comunidade – para enfrentar a erosão da ordem coletiva. Contudo, a partir das falas dos jovens, percebe-se que os mesmos não se dão conta plenamente desse potencial mobilizador da comunicação, através da produção de mídias. Reconhecem a identificação com os fatos que acontecem nas comunidades, mas apenas intuem as relações que se estabelecem entre estes fatos e a participação social e política. Essa dicotomia é expressa por declarações em que os jovens, mesmo estando em condições de produzir e inserir seus produtos midiáticos, não se vêem como agente de mudanças fundamentais. Como constatado, a quase totalidade dos jovens entrevistados declara não estar contribuindo com a comunidade e que, em suas palavras, neste sentido: “estão de ‘mão atadas’”, “na fase do ‘eu sozinho’”, de “não contribuir diretamente com a comunidade em que vive”. Assim, em relação a um dos principais objetivos da Kabum “Formar adolescentes de bairros populares para participarem ativamente da melhoria de suas comunidades, utilizando a comunicação e a arte como ferramentas da transformação social”, não foi possível detectar articulações diretas significativas, levando-se em consideração as falas dos jovens entrevistados. Ao se retornar à descrição das atividades educativas do Capítulo 2, constata-se que há um movimento em direção a uma reflexão sobre o mundo contemporâneo. Segundo afirmação dos educadores, nos relatórios de ações, os jovens, a partir das atividades de leitura crítica da 54 mídia, demonstravam perceber a forma estereotipada como determinados programas veiculam a imagem das comunidades populares, porém, não sabiam analisar criticamente as razões para isso: A partir de atividades que trataram do tema das representações sociais construídas pela mídia, os jovens puderem perceber que a periferia é vista e retratada, na maioria das vezes, de forma exótica ou fatalista, mas desconhecem as razões para isso. A atividade buscou ampliar a compreensão sobre os interesses envolvidos na manutenção do discurso amedrontado sobre a periferia, refletindo como as representações correspondem e alimentam as relações de poder da sociedade. (Educadora de Vídeo. Relatório Parcial de Atividades da Turma II da Kabum, 2007). Dentre as atividades realizadas, os jovens analisavam notícias e reportagens e discutiam critérios de noticiabilidade, estrutura do texto jornalístico e relação imagem-texto. Também discutiam como se compõe a prática jornalística, o que caracteriza a linguagem jornalística, quais são os gêneros jornalísticos e qual o alcance de um jornal comunitário. A reflexão sobre os interesses da sociedade e os interesses do jornal enquanto empresa comercial também era discutida nas atividades. As estratégias que os jornais usam para chamar atenção das pessoas foi outra questão explorada durante as discussões acerca da mídia. Observando-se o desenvolvimento das atividades, percebe-se que o programa educativo não tem apenas o foco na produção, esvaziada de sentido. A produção midiática proposta pelos educandos é confrontada com a produção da mídia tradicional, com a qual convivem intensa e cotidianamente, como base para reflexão e discussões de temáticas fundamentais. Ao se pronunciar sobre como o programa influenciou sua vida e sua visão de mundo, um dos jovens do programa declarou: 55 Eu assistia à televisão, via as matérias no jornal sem pensar se o que estavam dizendo era verdade ou não. Para mim era tudo verdade. Eu não imaginava que podiam estar passando as informações por causa de interesses econômicos ou políticos. Na Kabum eu passei a entender melhor a mídia, suas intenções (Jovem educando de vídeo – Turma II – 2006/ 2008). Ao se analisarem os procedimentos e estratégias para o desenvolvimento dos produtos realizados no contexto pedagógico descrito, verifica-se que os mesmos são tratados como materiais educativos. Possuem como intenção a mobilização dos educandos em torno de temas do seu interesse, porém relacionados a um plano mais amplo de conhecimento e aprendizagem. O objetivo é que sejam provocadores e promovam a reflexão, por meio dessa aprendizagem, no sentido de uma possibilidade de mudança. Seriam assim, potencialmente, agentes de emancipação, no sentido de levar o jovem a uma compreensão mais crítica do seu entorno social. Estes produtos midiáticos se configurariam como estimuladores de novas indagações e de práticas educativas que geram produtos midiáticos e produtos midiáticos como meios para a aprendizagem. Contudo, ao se analisarem as falas dos jovens, ao descreverem seu posicionamento frente às comunidades e às possibilidades de participação social, percebe-se que os mesmos, em sua maioria, não se sentem provocados para a atuação comunitária, um dos importantes objetivos do programa. Neste sentido, retornamos a Freire (2007) e Giroux (1983), ao destacar o caráter político e emancipador da educação, ao entender o trabalho educativo enquanto prática política, que não pode ser abstraída do seu entorno e implicações sociais. A educação, nessa perspectiva, passa a ser entendida como a construção e implementação de um projeto de vida pessoal e coletivo. Na concepção do presente trabalho, o programa educacional pesquisado de fato promove a inserção social desses jovens, 56 oriundos de comunidades populares, que se qualificam e se apropriam das oportunidades de trabalho e continuidade dos estudos, como demonstram os dados. Porém, se não há uma dimensão coletiva, social, no que diz respeito à amplitude de suas ações, o efeito é pontual, que gera um impacto reduzido à esfera individual. Ao se colocar em evidência o potencial mobilizador da produção de mídias, por meio da apropriação das tecnologias e do acesso ao conhecimento, inevitavelmente
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