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POLÍTICAS SOCIAIS Autora: Rosimere de Souza Dados Pessoais Nome: _________________________________________________________ Turma:____________ Matrícula:__________ Curso: __________________ Endereço: _____________________________________________________ Cidade: _____________________________________ UF: _______________ CEP: ________________ Telefone: _________________________________ E-mail: ________________________________________________________ CENTRO UNIVERSITÁRIO LEONARDO DA VINCI Rodovia BR 470, Km 71, no 1.040, Bairro Benedito - Cx. P. 191 - 89.130-000 INDAIAL/SC - Fone Fax: (47) 3281-9000/3281- 9090 - www.uniasselvipos.com.br Programa de Pós-Graduação EAD Reitor: Prof. Dr. Malcon Tafner Diretor UNIASSELVI-PÓS: Prof. Carlos Fabiano Fistarol Coordenador da Pós-Graduação EAD: Prof. Norberto Siegel Equipe Multidisciplinar da Pós-Graduação EAD: Profa. Hiandra B. Götzinger Montibeller Profa. Izilene Conceição Amaro Ewald Profa. Jociane Stolf Revisão de Conteúdo: Prof. Alexandre Carlos de Albuquerque Santos Revisão Gramatical: Profa. Dinaê dos Santos Gelhardt Diagramação e Capa: Centro Universitário Leonardo da Vinci 361 S729p Souza, Rosimere de Políticas sociais / Rosimere de Souza. Indaial : Uniasselvi, 2012. 126 p. : il ISBN 978-85-7830-621-2 1. Políticas sociais. I. Centro Universitário Leonardo da Vinci II. Núcleo de Ensino a Distância III. Título CENTRO UNIVERSITÁRIO LEONARDO DA VINCI Rodovia BR 470, Km 71, no 1.040, Bairro Benedito Cx. P. 191 - 89.130-000 – INDAIAL/SC Fone Fax: (47) 3281-9000/3281-9090 Copyright © UNIASSELVI 2012 Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri UNIASSELVI – Indaial. Impresso por: PARCERIA ENTRE IBAM E UNIASSELVI No momento atual, em todos os países, em qualquer instância de governo, observa-se um movimento de revisão do papel do Estado, somado à exigência das populações por atuação governamental de qualidade. Esta tendência conduz à demanda expressiva para que se consolide a existência e o funcionamento de um sistema qualificado de Gestão para a implementação de políticas públicas. A institucionalização dos processos de gestão e a profissionalização dos servidores públicos passam a ser instrumentos estratégicos para alavancar condições de melhor execução de atividades e projetos, bem como dos meios de controle necessários para avaliação de resultados da atuação governamental. Inúmeras iniciativas são implementadas para dar consistência a este modelo de gestão governamental que se apoia na valorização da transparência, da participação e do controle social, que não podem existir sem instrumentos adequados e pessoas qualificadas. É neste contexto que se forma a parceria do IBAM com a UNIASSELVI. Aprimorar o sistema de gestão pública, apoiar a formação de profissionais que queiram ser ou já são do quadro do setor público e ampliar a informação para o cidadão sobre como deve funcionar o governo são os propósitos iniciais do MBA em Gestão Pública que passa a integrar o programa de pós-graduação da UNIASSELVI. A equipe de Professores Autores que o compõe se destaca pelo desempenho profissional em projetos da Administração Pública e como docentes universitários. A experiência da UNIASSELVI em processos educacionais em nível superior, aliada à do IBAM, que há 60 anos atua, em nível nacional e internacional, para o aprimoramento da administração pública, é composição de excelência para enriquecer o cenário que se quer alcançar. O IBAM e a UNIASSELVI desejam a todos os participantes uma boa jornada de estudos. Aos que se dirigem ao setor público, que consolidem sua formação; e, aos demais, que ampliem o nível de informação sobre governo e aprendam a articular-se com ele como cidadãos. Copyright © UNIASSELVI 2012 Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri UNIASSELVI – Indaial. Prof. Carlos Fabiano Fistarol Pró-Reitor de Pós-Graduação a Distância UNIASSELVI Paulo Timm Superintendente Geral do Instituto Brasileiro de Administração Municipal – IBAM Rosimere de Souza Mestre em Serviço Social (1997) e graduada em Serviço Social (1989), formada pela PUC – Rio de Janeiro. Tem Experiência na elaboração, implementação, supervisão e coordenação de programas e projetos sociais nas áreas temáticas de direitos humanos, direito da criança e do adolescente, meio ambiente, gênero, juventude, enfrentamento à homofobia, combate à violência, entre outros. Experiência com desenvolvimento de ações de mobilização de recursos: negociação com financiadores nacionais e internacionais, órgãos do governo de todas as esferas, empresariado, agências de cooperação e fundos internacionais, elaboração de propostas técnicas e orçamentárias. Experiência em construção e condução de metodologias de avaliação de programas e projetos sociais. Experiência com elaboração de relatórios técnicos. Experiência com moderação de grupos de discussão em exercícios de avaliação, planejamento e elaboração de projetos. Docência livre sobre temas relativos aos direitos humanos e direitos sociais. Sumário APRESENTAÇÃO ......................................................................7 CAPÍTULO 1 Política Social: Fundamentos e História ............................9 CAPÍTULO 2 Gestão de Políticas Sociais Públicas ............................... 39 CAPÍTULO 3 Financiamento das Políticas Sociais ................................ 77 CAPÍTULO 4 Sistemas de Planejamento, Monitoramento e Avaliação de Políticas Sociais Públicas ...................... 105 7 APRESENTAÇÃO Caro(a) pós-graduando(a): As políticas sociais compreendem um conjunto de temas de grande importância para a gestão pública. Elas consistem na resposta do Estado às demandas da população, principalmente no que diz respeito à saúde, à assistência social, à educação, ao trabalho e à geração de renda, à habitação e a outros direitos consagrados na Constituição Federal de 1988 – CF/88. Três políticas setoriais, a saber, as políticas de saúde, assistência social e educação, têm sido foco de análises que avaliam os seus resultados, a sua capacidade de responder a essas demandas, de buscar meios e estratégias para minimizar a pobreza e as desigualdades sociais em um mundo globalizado. Daí a sua relevância para o curso de Gestão Pública Municipal e para o aperfeiçoamento daqueles que atuam em uma das áreas aqui abordadas. Esta disciplina tem o objetivo de analisar o tema proposto, voltado às políticas setoriais de saúde, assistência social, educação e diversos aspectos afins, estruturado em 4 capítulos. No Capítulo 1 − POLÍTICA SOCIAL: FUNDAMENTOS E HISTÓRIA, são apresentados os principais aspectos teóricos, conceituais e os temas transversais, abrindo a discussão sobre as políticas sociais na atualidade brasileira e examinado-as no campo das políticas públicas. São abordados aspectos relativos às políticas sociais, tais como os seus fundamentos e história; o debate acerca das relações entre o Estado e a sociedade; a influência dos referenciais do campo dos direitos – direitos humanos e direitos de cidadania – nos processos de formulação e de organização das políticas sociais e o debate sobre o papel dessas políticas na erradicação ou redução das desigualdades sociais. O Capítulo 2, GESTÃO DE POLÍTICAS SOCIAIS PÚBLICAS, trata dos principais aspectos que permearam a definição das políticas de saúde, educação, assistência social e de seus instrumentos de gestão. Tais aspectos decorrem dos processos de modernização do Estado, mas também dos movimentos pela afirmação de novos direitos de grupos e segmentos populacionais, os quais direcionaram a criação de mecanismos, instrumentos e arranjos institucionais que deram forma às políticas como as conhecemos atualmente. Nesta análise, serão enfatizadas também as estratégias que promovem a intersetorialidade entre as políticas, resguardando-se as especificidades entre elas, mas destacando a complementaridade entre asatuais tendências das políticas sociais e as principais demandas dos diversos segmentos e grupos atendidos. 8 O Capítulo 3 − FINANCIAMENTO DAS POLÍTICAS SOCIAIS ocupa-se das noções básicas de financiamento das políticas sociais no Brasil e analisa os aspectos que caracterizam tal processo, com destaque para as políticas de saúde, assistência social e educação. Finalmente, no Capítulo 4 − SISTEMAS DE PLANEJAMENTO, MONITORAMENTO E AVALIAÇÃO DE POLÍTICAS SOCIAIS PÚBLICAS, o aluno é levado a conhecer as novas ferramentas de gestão de políticas públicas. Também se pretende apresentar a diversidade dos sistemas existentes para as políticas setoriais em foco neste estudo, destacando o papel do gestor nos processos e a articulação das dimensões públicas e da sociedade civil. CAPÍTULO 1 Política Social: Fundamentos e História A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes objetivos de aprendizagem: 3 Apresentar os principais aspectos teóricos e conceituais, bem como os temas transversais de discussão sobre as políticas sociais na atualidade. 3 Examinar as políticas sociais no campo das políticas públicas, bem como os referenciais teóricos e conceituais oriundos dos diversos campos do saber. 11 Política Social: Fundamentos e História Capítulo 1 Contextualização As políticas sociais compreendem um conjunto de temas de grande importância para a gestão pública. Tais políticas consistem na resposta do Estado às demandas da população, principalmente no que diz respeito à assistência social, à saúde, ao trabalho, à geração de renda, à educação, à habitação e aos outros direitos consagrados na Constituição Federal de 1988 – CF/88. Ao longo dos últimos anos, diversos acontecimentos em âmbito mundial vêm impactando a construção das políticas sociais. Destacam-se, por exemplo: • as transformações do capitalismo em tempos de globalização, em especial no que tange às novas exigências do mercado e, consequentemente, aos novos papéis exercidos pelos diversos atores (trabalhadores, Estados e empresários) que interagem na complexa relação de produção; • as conquistas de grupos e segmentos pelo reconhecimento de seus direitos por meio das políticas públicas. Por outro lado, as políticas sociais têm sido também foco de análises que avaliam os seus resultados e a sua capacidade de responder às demandas, de reduzir a pobreza e as desigualdades sociais em um mundo globalizado. Este capítulo tem como objetivos apresentar os principais aspectos teóricos e conceituais sobre o assunto, além de temas transversais da discussão sobre as políticas sociais na atualidade brasileira, examinando as políticas sociais no campo das políticas públicas, bem como os referenciais teóricos e conceituais oriundos dos diversos campos do saber. Aqui serão abordados aspectos relativos às políticas sociais, os quais abrangem os fundamentos e a história; o debate acerca das relações entre o Estado e a sociedade; a influência dos referenciais do campo dos direitos – direitos humanos e direitos de cidadania – nos processos de formulação e organização das políticas sociais; e o debate sobre o papel dessas políticas na erradicação ou redução das desigualdades sociais. Política Social: Fundamentos e História O que são políticas sociais? 12 Políticas Sociais Como se apresentam? Qual a sua finalidade? Quais são os seus resultados? Quais são os novos desafios para as políticas sociais na atualidade? Essas são as principais questões abordadas nos estudos existentes sobre as políticas sociais, as quais sugerem a análise do tema a partir de diversos aspectos e dimensões. Para aprofundar o estudo sobre as políticas sociais, consulte as produções dos seguintes autores, entre muitos outros: Vicente de Paula Faleiros, Elaine Rossetti Behring, Sônia Draibe, Wanderley Guilherme dos Santos e Luciana Jaccoud. De acordo com Behring; Boschetti (2011, p.25), as abordagens correntes sobre política social supõem sempre uma perspectiva teórico-metodológica, o que, por seu turno, têm relações com perspectivas políticas e visões sociais, na verdade, [...] impregnadas de política e disputa de projetos societários, apesar de algumas perspectivas analíticas [...] propugnarem de variadas formas o mito da neutralidade científica. São objetos da análise de tais estudos a natureza das políticas sociais e sua finalidade, como também as relações entre as instituições e a sociedade civil no seu processo de construção e implementação. O Estado, como instância de poder, sempre foi e é um espaço de diálogos, disputas e acordos em torno dos interesses comuns da sociedade. Daí a importância de se reconhecer e identificar as forças políticas em confronto e as posições tomadas por elas em relação aos temas em debate, haja vista que a atuação dos grupos é determinada pelos interesses da classe em que se situam. Isto significa compreender o papel do Estado na regulamentação Compreender o papel do Estado na regulamentação e na implementação das políticas sociais é entender a sua relação com os interesses das classes sociais, em especial na condução das políticas econômica e social. 13 Política Social: Fundamentos e História Capítulo 1 e na implementação das políticas sociais, buscando entender sua relação com os interesses das classes sociais, em especial na condução das políticas econômica e social. Vale destacar as sugestões de Behring; Boschetti (2011, p.44) para orientar a análise sobre o papel do Estado em relação à sociedade. As autoras sugerem que é importante identificar que papel cumpre o Estado por meio das políticas públicas: [...] dá mais ênfase aos investimentos sociais ou privilegia políticas econômicas; se atua na formulação, regulação e ampliação (ou não) de direitos sociais; se possui autonomia nacional na definição das modalidades e abrangência das políticas sociais ou se segue imperativos dos organismos internacionais; se investe em políticas estruturantes de geração de emprego e renda; se fortalece e respeita a autonomia dos movimentos sociais; se a formulação e implementação de direitos favorece os trabalhadores ou os empregadores. As autoras continuam sugerindo que se analise também as forças políticas que se organizam no âmbito da sociedade civil e interferem na conformação da política social, de modo a identificar sujeitos coletivos de apoio e/ou de resistência à determinada política social, bem como sua vinculação a interesses de classe, os quais podem estar situados no âmbito dos movimentos de defesa dos trabalhadores, e também no de defesa dos interesses de empregadores e empresariado, bem como de organizações não governamentais (BEHRING; BOSCHETTI; 2011, p.45). Matrizes de Pensamento que Influenciaram as Concepções Sobre Políticas Sociais Veja os principais aspectos das grandes matrizes do pensamento social que orientam as atuais abordagens sobre as políticas sociais: a perspectiva funcionalista e positivista, o idealismo e a tradição marxista. Importante enfatizar que essas idéias foram formadas no bojo dos debates travados entre filósofos, pensadores e economistas sobre as transformações que estavam em curso na Europa desde a metade do século XV. Inicia-se aí, em meados do século XV, uma 14 Políticas Sociais época de grandes transformações nas relações de produção e comercialização. A estrutura feudal assentada na agricultura dava lugar a um estágio também conhecido como pré-capitalista, no qual as forças em torno da produção estavam se reorganizando. Nesse momento, a vida nas cidades começa a se tornar mais complexa e dinâmica, e o Estado, como espaço de poder político, vai adquirindo novas funções e definições. a) A perspectiva funcionalista e positivista O principal expoente dessa matriz de pensamento é Émile Durkheim (1858- 1917), o chamado pai da sociologia, a partir do seutexto clássico Regras do método sociológico, 1895. Assim os processos sociais são definidos como fatos sociais, como coisas que devem ser analisadas por meio de procedimentos semelhantes aos utilizados para os fenômenos naturais. Para Durkheim, os fatos sociais possuem, sob essa óptica, uma natureza exterior e coletiva – a sociedade – e são reconhecidos por sua capacidade de exercer influência sobre as consciências individuais e por sua rigidez no que diz respeito aos processos de transformação. A análise dos fatos sociais parte dos “tipos sociais”, que são espécies que congregam determinadas características relevantes. Ou seja, existe uma pré-classificação na qual devem se enquadrar os fatos sociais que estão sob análise. Na concepção funcionalista e positivista, os tipos sociais são classificados como normais ou anômicos. A existência de um ou de outro explicaria o equilíbrio ou o desequilíbrio no funcionamento do organismo social, ou seja, a sociedade. A sociedade é definida como um organismo composto de órgãos que devem funcionar de forma harmônica. Deve-se, portanto, evitar a anomia, que significa o mau funcionamento dos órgãos. Nessa perspectiva se entende que as instituições teriam a função de coesão social. E a criação de órgãos de coesão e controle é fundamental para a manutenção do organismo. Essa é a função da política social: uma forma de instrumento de controle social. Para entender o funcionamento da sociedade (organismo), parte-se da ideia de que existem leis naturais que a regem, o que leva a conclusões conservadoras em muitas análises, uma vez que se considera a condição de imutabilidade dos fenômenos. Na concepção funcionalista e positivista, os tipos sociais são classificados como normais ou anômicos. 15 Política Social: Fundamentos e História Capítulo 1 Tal matriz de pensamento social influencia até hoje as análises sobre o capitalismo contemporâneo e as políticas sociais, contribuindo para as avaliações nesse campo, mas não consegue responder aos desafios impostos pelas desigualdades e iniquidades sociais, tampouco propor mudanças estruturais em razão da resistência às grandes transformações. b) O Idealismo Immanuel Kant (1724-1804), Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831), Maximilian Carl Emil Weber (1864-1920) são as principais influências desse modelo de pensamento social. A corrente de pensamento idealista se opõe à transposição da lógica das ciências naturais para as ciências sociais na análise dos fatos e fenômenos sociais. Possui uma perspectiva historicista que compreende as determinações históricas dos fenômenos culturais e sociais, a distinção entre os fatos sociais e os históricos, e a consideração do objeto e do sujeito como imersos na História. No processo de análise dos fatos e fenômenos sociais, Kant utiliza como referência o tipo ideal, que consiste em um sistema compreensivo de conceitos que descreve o movimento normativamente ideal de uma ação racionalmente dirigida a um fim e seu contraste com a realidade. O resultado dessa operação situa os fenômenos sociais com relatividade em relação ao tipo ideal. A abordagem sob esse foco tem influenciado o debate e a pesquisa comparada de padrões de proteção social no mundo. c) A tradição marxista Karl Heinrich Marx (1818-1883) é o principal mentor do marxismo, um conjunto de teorias elaborado por influência de todos os seus contemporâneos e antecessores com os quais ele debatia na época. O pensamento marxista ou dialético propõe a análise dos fenômenos sociais sob o enfoque do método da crítica à economia política. O método consiste em: [...] situar e analisar os fenômenos sociais em seu complexo e contraditório processo de produção e reprodução, determinado por múltiplas causas na perspectiva da totalidade, e inserido na totalidade concreta [...] a qual compreende a realidade nas suas intimas e complexas determinações, e revela, sob a superfície dos fenômenos, suas conexões internas. (BEHRING; BOSCHETTI: 2011 p.38-39). 16 Políticas Sociais A partir daí, os fenômenos sociais são entendidos como processos e resultados de relações complexas e contraditórias que se estabelecem entre o Estado e a Sociedade Civil. Tais acontecimentos, engendrados no âmbito dos conflitos e das lutas de classes, envolvem o processo de produção e reprodução do capitalismo. Essa perspectiva se opõe às visões unilaterais, seja do ponto de vista histórico, econômico ou político e nega a idéia de que a instituição das políticas sociais é uma iniciativa exclusiva do Estado para responder às demandas da sociedade e garantir a hegemonia. Diante disso, o Estado não é uma instância desprovida de interesses, completamente neutro em relação às demandas, mas revela a existência de um espaço de disputas por hegemonia política e econômica. Na mesma direção, também não entende a emergência das políticas sociais como decorrência única e exclusiva da luta e pressão da classe trabalhadora. Por fim, não concebe como função da política social a redução dos custos da reprodução da força de trabalho e nem a afirma como mecanismo de cooptação e legitimação da ordem capitalista pela via da adesão dos trabalhadores ao sistema, pois entende a política social como direito. Essa abordagem coloca em discussão as possibilidades das políticas sociais de produzirem bem-estar e de assegurarem justiça social e equidade no capitalismo. Contudo reconhece que “as políticas sociais podem ser centrais na agenda de lutas dos trabalhadores e no cotidiano de suas vidas, quando conseguem garantir ganhos para os trabalhadores e impor limites aos ganhos do capital”. (BEHRING; BOSCHETTI, 2011, p. 38). • Perspectiva adotada neste texto A noção de política social que orienta este texto parte da perspectiva dialética, originária do pensamento marxista, ou seja, baseia-se no entendimento de que as políticas sociais são processos históricos produzidos no contexto das relações entre o Estado e a sociedade em um determinado cenário político, econômico e cultural. As políticas sociais são iniciativas inscritas em um sistema de proteção social, que compreende diversas políticas públicas voltadas ao enfrentamento da exclusão social, da desigualdade e da pobreza, com justiça social e respeito à dignidade humana, não se resumindo apenas às políticas de educação, saúde, assistência social, previdência, mas abrangendo também a moradia, o trabalho, o meio ambiente, a cidade. Assim se evidencia que as políticas sociais resultam das relações dialéticas 17 Política Social: Fundamentos e História Capítulo 1 que se travam entre o Estado e a sociedade, a economia e a política, o capital e o trabalho, subjacentes ao estágio do capitalismo em um determinado momento histórico. E nesse contexto das relações entre o Estado e a sociedade não há neutralidade, não há despojamento de interesses, não há a harmonia perfeita e nem hegemonia. Verifica-se que as políticas sociais no contexto do capitalismo são dinâmicas, complexas e contraditórias ao mesmo tempo. A Emergência das Políticas Sociais no Contexto do Estado Capitalista A História nos mostra que as primeiras intervenções do Estado brasileiro na questão social ocorrem no início do século XIX, no campo da seguridade, seguidas por ações assistenciais. Porém ao analisarmos o seu desenvolvimento e aperfeiçoamento, observamos que os avanços se deram a passos largos. Veja o exemplo: A atenção institucional pública nas áreas de educação, saúde e trabalho se inicia na década de 1930. E somente no final da década de 1980, com a aprovação da CF/88, a assistência social foi alçada à condição de política pública e algumas demandas sociais vieram a ser reconhecidas como direitos e, portanto, como deveres do Estado. Do ponto de vista histórico, a expressão “questão social” possui papel determinante para o surgimento das políticas sociais na Europa ou no Brasil.Contudo esse tema – a questão social – deve ser analisado de forma distinta em relação ao seu surgimento na Europa e no Brasil, haja vista as condições que determinaram a sua formação no contexto capitalista, a saber: • Em primeiro lugar, pela passagem de um modo de produção (feudal) para o modo (capitalista) na Europa, diferentemente do Brasil que estava adaptando o sistema colonial aos novos tempos. • Em segundo lugar, porque, na Europa, a produção não era baseada na mão de obra escrava como no Brasil, o que influenciou A História mostra que as primeiras intervenções do Estado brasileiro na questão social ocorrem no início do século XIX, no campo da seguridade, seguidas por ações assistenciais. Segundo a perspectiva dialética, no contexto das relações entre o Estado e a sociedade não há neutralidade, não há despojamento de interesses, não há a harmonia perfeita e nem hegemonia. As políticas sociais no contexto do capitalismo são dinâmicas, complexas e contraditórias ao mesmo tempo. A questão social deve ser analisada de forma distinta em relação ao seu surgimento na Europa e no Brasil, haja vista as condições que determinaram a sua formação no contexto capitalista. 18 Políticas Sociais fortemente o nascimento do trabalho livre e o reconhecimento dos direitos das classes trabalhadoras. Diversos autores trataram do tema da questão social. Para se aprofundar no assunto, consulte, entre outros, os seguintes autores: Marilda Villela Iamamoto, Alejandra Pastorini, Amélia Cohan e Maria Encarnación Moya. Com a Independência do Brasil e o advento do Estado nacional, o País entra em um novo momento histórico, rompendo com as formas de produção concentradas na matriz agrícola e atraindo novos agentes econômicos. Esse Estado nasce com a tarefa de construir uma nova sociedade nacional, em meio à complexidade do processo de urbanização. A questão social já existente num país de natureza capitalista, com manifestações objetivas de pauperismo e iniquidade, em especial após o fim da escravidão e com imensa dificuldade de incorporação dos escravos libertos no mundo do trabalho, só se colocou como questão política a partir da primeira metade da década do século XX, com as primeiras lutas de trabalhadores e as primeiras iniciativas de legislação voltadas ao mundo do trabalho. (BEHRING; BOSCHETTI, 2011, p. 78). Dessa forma, os estudos sobre o surgimento das políticas sociais no Brasil concentram suas análises a partir da década de 1930, quando o Estado intervém, institucionalmente, no que começou a se delinear como a questão social. Até então, o assunto era tratado como caso de polícia. A expressão “questão social” surge para denominar o fenômeno do pauperismo da população trabalhadora. Ela resulta do capitalismo e do aumento da produção industrial, da concentração de renda e do monopólio do capital. É produto e expressão da contradição entre capital e trabalho e se corporifica por meio da conscientização da classe trabalhadora da exploração de sua mão de obra pelo capital. Em âmbito internacional, a década de 1930 é um período marcado pela 19 Política Social: Fundamentos e História Capítulo 1 expansão do Estado após a crise econômica de 1929 nos EUA e de incremento da intervenção estatal pela via dos processos de modernização, em sintonia com as tendências mundiais. Os projetos de saída da crise do capital, que no Brasil se seguiram até 1932, consolidaram-se como políticas sociais no período seguinte. As ideias de John Maynard Keynes (1883-1946) influenciaram bastante a política econômica nesse período. Keynes defendia o Estado intervencionista na economia e no campo social e, entre outras medidas, privilegiava as políticas sociais conforme o seu modelo. Seu programa era fundado em dois pilares estruturados: pleno emprego e igualdade social. A igualdade social poderia ser alcançada com o aumento da renda e a instituição de serviços públicos. Os efeitos da grande crise de 1929 e da Segunda Guerra Mundial (1939-1945) consolidaram a idéia da necessidade de regulação estatal para o enfrentamento dos processos de reconstrução econômica e social que sucederam esses eventos. O sistema de proteção social inglês – o Welfare State (o Estado de Bem-Estar) – surge, então, como uma proposta de expansão da intervenção do Estado sobre a questão social, ampliando o conceito de seguridade social e estruturando-se, pelo menos no sentido formal (na lei), a partir dos seguintes princípios: • Responsabilidade estatal na manutenção das condições de vida dos cidadãos. • Universalização dos serviços sociais, incluindo a saúde, a educação, a habitação, o emprego e a assistência aos idosos, às pessoas com deficiência e às crianças. • Implantação de uma rede de serviços de assistência social. Assim o Estado deveria garantir as mínimas condições sociais a todos os necessitados. Esse modelo de Estado inspirou fortemente o Brasil na conformação de sua intervenção no campo social e, atualmente, em 2011, parece coexistir ao lado de influências liberais e social-democratas que inspiraram a instituição de políticas sociais universais e cujos direitos sociais foram estendidos às classes médias [...]; esse modelo promove uma igualdade com melhores padrões de qualidade e não apenas de igualdade das necessidades mínimas (ESPINING e ANDERSENM 1991, p.109, citado por BEHRING; BOSCHETTI, 2011, p.100). 20 Políticas Sociais Note que já se observa, nessas concepções sobre a política social, a noção de direitos associada ao conceito de políticas sociais. Contudo a abrangência em termos de escala e a universalização dos serviços não foram acompanhadas da garantia de direitos, não havendo alinhamento prático entre a política social e o direito social nesse período. Do mesmo modo, existe uma tensão entre a questão da cidadania e a política social. Esse é o foco para o qual se voltaram as iniciativas de Getúlio Vargas em seus dois mandatos como Presidente da República do Brasil, 1930–1937 e 1951– 1954, e na Ditadura – o Estado Novo, de 1937–1945: • cobertura de riscos a partir da regulação dos acidentes de trabalho, com a introdução das aposentadorias e pensões, auxílio-doença, auxílio- maternidade, auxílio-família e seguro desemprego; • criação do Ministério do Trabalho em 1932; • instituição da Carteira de Trabalho, que passa a ser conhecida como o documento da cidadania; • criação dos Institutos de Aposentadorias e Pensões (IAPs); • criação do Ministério da Educação e Saúde Pública, do Conselho Nacional de Educação, e o Conselho Consultivo de Ensino Comercial; • criação da Legião Brasileira de Assistência (LBA) em 1942, com a finalidade de atender às famílias dos pracinhas da Segunda Guerra Mundial e que, mais tarde, estendeu sua atuação para a população pobre a partir de zero de idade em diante; • criação do Serviço de Assistência ao Menor (SAM) em 1941; • criação da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) em 1943. Na segunda metade da década de 1940, foi aprovada a Constituição Federal da República de 1946, até então a mais democrática do País. No entanto, os anos seguintes foram de pouca expansão para as políticas sociais. Destacam-se apenas a separação do Ministério da Saúde e Educação e o início da discussão sobre a Lei Orgânica da Previdência Social, aprovada em 1960. Os acontecimentos e a intensa disputa pelo poder político no período entre 1946 e 1964 culminaram com o Golpe Militar de 1964, que inaugurou uma nova era nas relações entre o Estado e a sociedade. A forte coerção social e a centralização caracterizaram a ditadura militar, que durou 20 anos. 21 Política Social: Fundamentos e História Capítulo 1 Conforme Behring e Boschetti (2011, p.108): Estava, então, desenhada a arquitetura formal-legal da relação do Estado com a sociedade civil, e que marcou profundamente o períodosubsequente de expansão fragmentada e seletiva das políticas sociais, que segue até 1964, antes do Golpe Militar. No período pós-1964, o País entra em um processo de modernização do Estado, embora de cunho conservador, com o incremento da industrialização e a urbanização acelerada. Esse processo foi conduzido por uma lógica que privilegiava a concentração econômica, o que resultou no acirramento das contradições sociais com a radicalização das expressões da questão social. Marcado pela repressão, o contexto político fez surgir, em seu período final, um cenário de acentuada efervescência, tendo em vista as greves dos metalúrgicos paulistas, o ressurgimento dos movimentos sociais urbanos e do movimento estudantil, entre outros fatos. Pressionados por tais movimentos, são registradas, por parte da ação do Estado, medidas de expansão de direitos sociais em meio à recorrente restrição dos direitos civis. Assiste-se, nessa época, à expansão do aparelho estatal, à concepção e à condução de instâncias de gestão de políticas sociais centralizadas nacionalmente e com maior cobertura. As avaliações sobre tais políticas sociais evidenciam, no entanto, um híbrido de repressão e assistência, estratégia encontrada para conter o avanço e o recrudescimento da questão social. Diante das insustentáveis taxas de crescimento populacional, o período também assinala uma crise da ditadura e da economia. A redução dos fluxos de capitais decorrente da crise econômica mundial e a reorganização das forças de produção levaram a América Latina a um contexto econômico e social bastante crítico, o que assolou as condições de vida de muitas populações. Paralelamente, avançava um processo de abertura lenta e gradual do regime em direção à democracia. Desponta uma sociedade civil mais complexa, com uma agenda de lutas democráticas, e emergem, fortalecidas, novas identidades políticas com a ascensão ao poder de representações dos operários do ABCD paulista em fins da década de 1970 – os anos de ouro. A década de 1980 assinala o declínio dos anos de ouro da economia e a abertura democrática. O País atravessa um dos mais longos períodos de recessão econômica e de miserabilidade da população. Do ponto de O processo de reestruturação produtiva em escala mundial, a mundialização do capital e o neoliberalismo colocam a política social em uma nova condição e com uma nova função. 22 Políticas Sociais vista da economia e da acumulação do capital, os anos de 1980 ficam conhecidos como a Década Perdida. Em contrapartida, nesse período são alcançadas as maiores conquistas políticas consolidadas com a redemocratização e referendadas na CF/88, quando se inicia um processo constante de estabilização e institucionalização. O processo de reestruturação produtiva em escala mundial, a mundialização do capital e o neoliberalismo colocam a política social em uma nova condição e com uma nova função. As discussões sobre o papel e o tamanho do Estado se reacendem, e o campo de discussão sobre as políticas sociais é espaço de negociações e conquistas. Busca-se a instituição de um Estado Democrático de Direitos a partir da redefinição de regras políticas. O liberalismo é definido como um conjunto de princípios e teorias políticas cujo ponto principal é a defesa da liberdade política e econômica e da propriedade privada. Os liberais são contrários ao forte controle do Estado na economia e na vida das pessoas. Os adeptos dessa corrente acreditam na existência de um Estado de direitos onde todas as pessoas são iguais perante a lei, e as relações de mercado é que devem regular a vida social e econômica. O pensamento liberal teve sua origem no século XVII, através dos trabalhos sobre política publicados pelo filósofo inglês John Locke. Já no século XVIII, o liberalismo econômico ganhou força com as idéias defendidas pelo filósofo e economista escocês Adam Smith. O conceito de neoliberalismo surge na década de 1970, na Escola Monetarista do economista Milton Friedman, como uma solução para a crise que atingiu a economia mundial em 1973, provocada pelo excessivo aumento do preço do petróleo. Essa corrente defende a aplicação dos princípios liberais numa realidade econômica marcada pela globalização e por novos paradigmas do capitalismo. Do mesmo modo que o liberalismo, o neoliberalismo é um conjunto de idéias políticas e econômicas capitalistas que defende a não participação do estado na economia. De acordo com essa doutrina, a total liberdade de comércio (livre mercado) é o princípio básico de garantia do crescimento econômico e do desenvolvimento social de um país. São princípios do neoliberalismo, entre outros: 23 Política Social: Fundamentos e História Capítulo 1 • a política de privatização de empresas estatais; • a livre circulação de capitais internacionais e a ênfase na globalização; • a abertura da economia para a entrada de multinacionais; • a adoção de medidas contra o protecionismo econômico; • a desburocratização do Estado; • a diminuição do tamanho do Estado, tornando-o mais eficiente; • a posição contrária aos impostos e tributos excessivos. A democracia é um sistema em que as pessoas podem participar da vida política de um país. A participação pode ocorrer através de eleições, plebiscitos e referendos. Dentro de uma democracia, as pessoas possuem liberdade de expressão e podem manifestar suas opiniões. A maior parte das nações do mundo atual segue o sistema democrático. Embora tenha surgido na Grécia Antiga, a democracia foi pouco usada pelos países até o século XIX. Até então, grande parte das nações usava sistemas políticos que colocavam o poder de decisão nas mãos dos governantes. Já no século XX, a democracia passou a ser predominante no mundo. O Programa do Leite foi o carro-chefe da política social durante alguns anos. De acordo com alguns autores que concentraram suas avaliações sobre a política social desse período, tais como Sonia Draibe, Aldaíza Sposati e Elaine Boschetti, as políticas tinham caráter compensatório e seletivo, fragmentado e setorizado. O consenso em torno da CF/88 resultou na inserção de aspectos estruturados para as políticas sociais nos anos seguintes, por exemplo: 24 Políticas Sociais • a introdução do conceito de seguridade social, articulando as políticas de previdência, saúde e assistência social no tripé do sistema de Proteção Social do Estado. Nesse âmbito, destaca-se a instituição do Beneficio de Prestação Continuada (BPC) para idosos e pessoas com deficiência; a ampliação da licença-maternidade para as trabalhadoras rurais e as domésticas; o direito de pensão para os maridos e companheiros e mudanças nas regras de acesso à aposentadoria; • a criação de conselhos paritários de políticas e de direitos; • o reconhecimento de direitos sociais que devem ser respeitados, protegidos e garantidos a todos pelo Estado, conforme o artigo 6º, da CF/88. LEGISLAÇÃO O artigo 6°, da CF/88, que se encontra dentro do Título sobre os Direitos e Garantias Fundamentais, trata sobre os direitos sociais que devem ser respeitados, protegidos e garantidos a todos pelo Estado. 1. Direito à educação: direito de cada pessoa ao desenvolvimento pleno, ao preparo para o exercício da cidadania e à qualificação para o trabalho. 2. Direito à saúde: direito ao acesso universal e igualitário às ações e aos serviços para promoção, proteção e recuperação da saúde, bem como à redução do risco de doença e de outros agravos. 3. Direito ao trabalho: direito a trabalhar, à livre escolha do trabalho, a condições equitativas e satisfatórias de trabalho e à proteção contra o desemprego. • Direito à moradia: direito a uma habitação permanente que possua condições dignas para se viver. 4. Direito ao lazer: direito ao repouso e aos lazeres que permitam a promoção social e o desenvolvimento sadio e harmonioso de cada indivíduo. 5. Direito à segurança:direito ao afastamento de todo e qualquer perigo e garantia de direitos individuais, sociais e coletivos. O consenso em torno da CF/88 resultou na inserção de aspectos estruturados para as políticas sociais nos anos seguintes. 25 Política Social: Fundamentos e História Capítulo 1 6. Direito à previdência social: direito à segurança no desemprego, na doença, na invalidez, na viuvez, na velhice ou noutros casos de perda de meios de subsistência por circunstâncias independentes da sua vontade. 7. Direito à maternidade e à infância: direito da mulher, durante a gestação e o pós-parto, e de os todos os indivíduos, desde o momento de sua concepção e durante sua infância, à proteção e à prevenção contra a ocorrência de ameaça ou violação de seus direitos. 8. Direito à assistência aos desamparados: direito de qualquer pessoa necessitada à assistência social, independentemente da contribuição à seguridade social. Fonte: Disponível em: <http://www.direitosociais.org.br/ secoes_detalhes.php?id=82>. Acesso em: 13 dez. 2011. Vale destacar que o conjunto das políticas sociais abrange também outros direitos não detalhados no artigo 6°, da CF de 1988, como o direito à moradia, à segurança alimentar, etc. O período que decorreu após a aprovação da Constituição Federal até os dias atuais, no que diz respeito à regulamentação de artigos, é marcado por produções normativas que orientam a organização das políticas públicas nas diversas áreas, a saber: • aprovação do Sistema Único de Saúde; • aprovação da Lei Orgânica de Assistência Social; • aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação; • aprovação do Estatuto da Criança e Adolescente; • aprovação do Sistema Único de Assistência Social; • aprovação do Estatuto das Cidades; • aprovação do Estatuto do Idoso. Os anos de 1990 configuram um importante período de análise para as políticas sociais, quando se observa uma forte tensão entre as conquistas asseguradas na CF/88 e a realidade das políticas sociais. As condições econômicas e os interesses nacionais e internacionais em jogo têm sido extremamente desfavoráveis para a implementação das conquistas consolidadas na Carta Magna. 26 Políticas Sociais Entretanto, a instauração de medidas de ajuste fiscal e a criação do Plano Real (1994) fazem parte de um novo processo de reformulação do papel do Estado, que consolida a redução do gasto público como elemento fundamental ao combate à inflação e à conquista da estabilidade econômica. Esse conjunto de medidas baseia-se no processo de descentralização extragovernamental, com a transferência ou delegação de responsabilidades do Estado para setores empresariais e para a sociedade. Trata-se de uma tendência muito combatida na época, mas ainda presente, de privatização das empresas e serviços públicos. O mesmo processo caracterizado pela terceirização de serviços públicos também ocorreu por meio do fomento à criação de organizações sociais, que assumiram o lugar do Estado na prestação de serviços em diversas áreas setoriais, em especial na saúde, educação e assistência social. É o tempo em que surgem as definições e regulamentações no e sobre o Terceiro Setor, o estímulo à solidariedade civil e à realização do bem comum pelos indivíduos. Observa-se, a exemplo da concentração de renda, uma defasagem entre direito e realidade, em razão da rigidez dos indicadores econômicos ao longo da década. Para Behring e Boschetti, na década de 1990, essa estratégia desencadeia uma melhora dos indicadores sociais, mesmo que lenta, mas também a pauperização das políticas sociais e a não consolidação de uma lógica de integração no campo da seguridade social, assegurada na CF/88, pois: as políticas de saúde, previdência e assistência social seguem geridas por ministérios e orçamentos específicos [...] cada uma das políticas possui seus fundos orçamentários próprios, conselhos e conferências também específicos (BEHRING; BOSCHETTI, 2011, p.163). Ressaltam-se, ainda, as profundas transformações promovidas no contexto das relações de produção decorrentes do advento da globalização das tecnologias. Hoje se tem a informação imediata sobre um fato que acabou de acontecer em algum lugar do outro lado do mundo. Em poucos minutos, também é possível comprar produtos pela internet sem ao menos falar com alguém, pagar contas e conversar com amigos. É possível aderir a uma campanha para salvar alguma espécie de animal em extinção em algum lugar na África. Nesse cenário, a discussão do Estado e das políticas sociais torna-se cada vez mais premente, tendo em vista os novos excluídos Na década de 1990, surgem as primeiras definições e regulamentações sobre o Terceiro Setor. Nesse processo, a sociedade civil é estimulada ao voluntariado com base nos princípios da solidariedade civil e da realização do bem comum pelos indivíduos. 27 Política Social: Fundamentos e História Capítulo 1 e os novos padrões de desigualdade que se colocam como desafios a serem enfrentados. Direitos Humanos e Cidadania A política social está intimamente relacionada à noção de cidadania. Como um campo de reconhecimento e viabilização do acesso aos direitos, um campo de correlação de forças e de aperfeiçoamento da democracia. Fundamentado no modelo inglês do Welfare State, Thomas Humprey Marshall (1893-1981) elabora sua concepção de cidadania que vem a ser um dos pontos de partida de diversos estudos sobre o tema, uma vez que projetou um novo patamar civilizatório nos marcos do capitalismo. Para o autor, a cidadania comporta os direitos civis, as liberdades individuais; os direitos políticos, de votar e ser votado e de livre organização política sindical e partidária; e os direitos sociais, caracterizados como o acesso a um mínimo de bem-estar e de segurança. A associação da noção de cidadania às políticas sociais vem sendo desenvolvida principalmente a partir da década de 1970, com o surgimento dos movimentos sociais que lutam por uma agenda democrática e por direitos sociais universais. Os anos de 1970 representam um período histórico marcado por um regime ditatorial em declínio, no qual as liberdades individuais e políticas são restritas, e a economia cresce em ritmo galopante. Em seguida, na década de 1980, assiste-se a uma época de grave crise econômica que revela as desigualdades e as condições miseráveis de vida de um grande contingente populacional. No entanto, abrem-se espaços para grandes conquistas: a anistia política, o voto direto para presidente, o reconhecimento de grupos sociais e de novos direitos consolidados na CF/88. Na década de 1980, o desafio que se coloca para o Estado e a sociedade, no contexto político, econômico e social, é assegurar, com justiça e equidade, que os direitos sejam universalizados, que as políticas sejam efetivas na solução de problemas estruturais que comprometem as condições de vida da população e que acirram as desigualdades sociais. 28 Políticas Sociais Ao mesmo tempo em que erguem novos patamares do ponto de vista democrático, a mundialização do capital, o neoliberalismo e a globalização da informação renovam a conjuntura social, política, cultural e, principalmente, econômica. Nesse sentido, surgem outras referências conceituais e teóricas para se pensar a construção de políticas com a perspectiva da garantia de direitos sociais e humanos. As novas idéias sobre cidadania e direitos civis, políticos e sociais trazem para o debate a existência de um rol de direitos fundamentais universais, inerentes a todos e a qualquer ser humano, independentemente de sua condição ou classe social, gênero, cor, origem, orientação religiosa, entre outros aspectos, e a responsabilidade do Estado em assegurar e garantir o acesso a esses mesmos direitos. Para aprofundar a discussão sobre cidadania e direitos humanos, leia a produção de: SORJ, Bernardo. A Democraciainesperada: cidadania, direitos humanos e desiguldade social. Rio de Janeiro. Jorge Zahar, 2004. A presente matriz ideológica evolui de forma rápida e paradoxal em um contexto cada vez mais acirrado de acumulação capitalista que, simultaneamente, exige desse mesmo Estado menos intervenção na regulação das relações de mercado em que se definem os acordos entre o capital e o trabalho. Essas ideias, inicialmente consideradas subversivas, são acolhidas por igrejas, com os movimentos eclesiais de base, por organizações da sociedade civil que começam a surgir e por alguns grupos específicos em busca da afirmação de seus direitos no contexto global, como os negros, as mulheres, as pessoas com deficiência. Deve-se enfatizar que muitos movimentos pautados nas demandas de grupos específicos – formados por mulheres, negros, crianças e adolescentes, deficientes, etc. – assumiram uma postura de interiorização, um comportamento endógeno para a compreensão de suas necessidades e a afirmação de seus 29 Política Social: Fundamentos e História Capítulo 1 direitos. E tal fato é uma decorrência de seu processo de luta, apesar de estarem sob a mesma égide no que diz respeito a alguns valores universais, como a igualdade de direitos civis, políticos e sociais. Como resultado dessa iniciativa, ao longo da História se observa o avanço de algumas conquistas a partir de determinados grupos sociais. A CF/88 expressou em seus dispositivos a diversidade de demandas dos diferentes grupos em disputa e consolidou os direitos universais que alcançam a população em maior escala, por isso denominada de Constituição Cidadã. Destaca-se que a CF/88 reconhece os direitos de alguns segmentos antes ignorados ou pouco contemplados: idosos, crianças e adolescentes, pessoas deficientes, indígenas, entre outros. Também é importante lembrar que essa Constituição reconhece a assistência social como uma política pública, a moradia como um direito social, além de estabelecer valores mínimos a serem aplicados pelos entes federados nas políticas de educação e saúde. Na direção do aperfeiçoamento do Estado e no sentido de assegurar e garantir que os direitos dispostos sejam de fato atendidos, a CF/88 amplia e afirma a independência administrativa, política e financeira dos municípios em relação aos estados e à União. Todo o período que decorreu após a aprovação da CF/88 na direção da regulamentação de seus artigos foi marcado por produções normativas que orientam a organização das políticas públicas nas diversas áreas. Após a elaboração de importantes tratados e pactos internacionais de direitos humanos, as décadas de 1980 e 1990 consolidaram a transformação efetiva do tema dos Direitos Humanos conforme um novo paradigma internacional. Esse processo ocorreu paralelamente a diversos acontecimentos mundiais, tais como: • reações às ditaduras militares na América Latina; • reconhecimento de novos sujeitos sociais; • derrocada do bloco socialista no Leste Europeu; • globalização da economia e da informação; • globalização da economia e da tecnologia da informação (inclusive incorporando países comunistas, como a China, que se integraram ao capitalismo global). Signatário de inúmeros pactos e tratados, contagiado pela implementação A CF/88 reconhece a assistência social como uma política pública, a moradia como um direito social, além de estabelecer valores mínimos a serem aplicados pelos entes federados nas políticas de educação e saúde. Após a elaboração de importantes tratados e pactos internacionais de direitos humanos, as décadas de 1980 e 1990 consolidaram a transformação efetiva do tema dos Direitos Humanos conforme um novo paradigma internacional. 30 Políticas Sociais dos Direitos Humanos como paradigma internacional, o Brasil elaborou, sob a coordenação do Ministério da Justiça, o seu 1º Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH I) em 1996. A elaboração do Programa foi a primeira iniciativa de reunião entre a sociedade civil e o Estado em torno dessa temática e da construção de um instrumento que permitisse o aperfeiçoamento das políticas públicas em direção a uma maior equidade civil, política, econômica, cultural e social no País. Faz parte das propostas contidas no Programa: • o estímulo ao desenvolvimento de pesquisas, à produção e à divulgação de informações em diferentes campos e setores; • a criação de programas de proteção, prestação de serviços e atendimento para crianças e adolescentes, mulheres, negros, indígenas, estrangeiros/ refugiados, idosos e pessoas com deficiência. Ressalta-se, ainda, a atenção concedida a programas de capacitação em direitos humanos para policiais, funcionários públicos, agentes penitenciários e demais operadores do direito em geral, como estratégia de criação e consolidação de uma almejada cultura de direitos humanos. O Programa Nacional de Direitos Humanos II (PNDH II), elaborado em 2002 a partir de processo análogo ao da confecção do PNDH I, traz novas questões de modo a conferir concretude às premissas da universalidade, indivisibilidade, indissociabilidade e interdependência associadas ao paradigma dos direitos humanos. Os direitos humanos são universais porque a condição de pessoa é o requisito único para a titularidade de direitos, independentemente de cor, sexo, religião, idade, condição social, entre outros. Os direitos humanos são indivisíveis porque os direitos civis, políticos, sociais, econômicos e culturais devem ser vistos como um todo e não separadamente. Por exemplo, não há verdadeira liberdade sem igualdade, e nem tampouco há verdadeira igualdade sem liberdade. Não há hierarquia entre os direitos compreendidos em cada uma dessas dimensões, estando todos equitativamente balanceados, em pé de igualdade. 31 Política Social: Fundamentos e História Capítulo 1 Os direitos humanos são interdependentes ou inter-relacionados porque não podem ser analisados e assegurados de forma isolada. Não se pode dizer que a realização de apenas um direito significa a atenção aos direitos humanos em sua totalidade, pois um está sempre relacionado ao outro. Ao promover um balanço entre os avanços e os problemas resultantes da elaboração e da aplicação do primeiro instrumento, o PNDH II se mantém centrado na necessidade de combate à violência, mas incorpora uma série de ações específicas nos campos da educação, da saúde e da previdência, da assistência social, do trabalho e da moradia. O programa apresenta os resultados de algumas outras avaliações e revisões: • incorpora novos segmentos sociais como sujeitos de direitos (gays, lésbicas, travestis, transexuais e bissexuais – GLTTB –, ciganos e migrantes, etc.); • define uma secretaria de governo específica, com status de ministério – a Secretaria Especial dos Direitos Humanos – SEDH, criada em 1997, no âmbito da Presidência da República, logo após a promulgação do PNDH I. Embora não se esteja defendendo a consideração das arquiteturas institucionais como elementos suficientes à efetiva inserção dos direitos humanos no quadro das políticas públicas, deve-se atentar para o fato de que a alocação da política em uma estrutura com dotação orçamentária particular e técnicos exclusivamente a ela vinculados pode constituir um relativo avanço no tratamento da temática e no acompanhamento dos seus resultados. Para aprofundar essa discussão, leia o texto “(Re) modelagem institucional – um caminho para a garantia de direitos?” IN GERSHON, Débora; ALTO, A. Mauricio; SOUZA, Rosimere de. Gestão pública municipal e direitos humanos. Rio de Janeiro: IBAM/DES, 2005. A alocação da política de Direitos Humanos em uma estrutura com dotação orçamentária particular e técnicos exclusivamente a ela vinculados pode constituir relativo avanço no tratamento da temática e no acompanhamento dos seus resultados. 32Políticas Sociais De 1996 a 2002, destaca-se o intenso esforço do governo no sentido de aperfeiçoar as políticas públicas na perspectiva dos direitos humanos. Diversos programas estaduais de direitos humanos e alguns (poucos) municipais foram elaborados sob a inspiração dos planos nacionais. A intensificação do debate no Brasil a respeito do papel do Estado na promoção e na garantia dos direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais, entre outros, vem trazendo novamente à cena algumas discussões sobre as competências particulares da União, dos estados e municípios, bem como sobre os modelos organizacionais capazes de sustentar, de forma qualificada, a produção e o desenvolvimento de uma política de direitos humanos. Promover os direitos humanos a partir da perspectiva local é um campo de experimentação para novas práticas políticas, sociais, econômicas, visando superar profundas desigualdades sociais e territoriais que fazem emergir vulnerabilidades que afligem grande parte da população do País. Diante disso, o município deve ser capaz de produzir políticas públicas focadas nos direitos humanos. É importante começar estrategicamente pela compreensão do que são os referenciais políticos e jurídicos, os valores, os princípios, e quais são as normativas dos direitos humanos que orientam a organização de políticas com a perspectiva da universalização dos direitos. O município também deve identificar as demandas de implantação de políticas afirmativas, isto é, aquelas políticas voltadas a determinados grupos ou segmentos para os quais se destina a compensação das defasagens educacionais, culturais, de renda, profissionais, em razão de alguma característica distintiva (sexo, cor, orientação sexual, etc.) que impacta a sua inserção em determinados campos e o acesso a serviços e direitos. Muitas vezes, são situações originárias de desvantagens historicamente herdadas, por exemplo, a negação da cidadania aos afrodescendentes e às mulheres por um longo período. As Políticas Públicas de Afirmação de Direitos Humanos devem caminhar de forma integrada com as chamadas Políticas Sociais Setoriais, como as de Saúde, Educação, Assistência Social, etc, complementando-as. Ou seja, o foco de conquista dos direitos de cada segmento social deve encontrar seu recorte específico no âmbito das políticas sociais tradicionais. Por exemplo, as necessidades específicas das mulheres devem ser contempladas nas políticas de saúde, de educação e de seguridade social, da mesma forma, os processos 33 Política Social: Fundamentos e História Capítulo 1 de promoção e integração de segmentos étnicos desfavorecidos também devem encontrar tratamentos específicos nessas políticas mais amplas ou nas políticas de trabalho, emprego e assim por diante. Gershon; Alto; Souza (2005) afirmam que esse olhar estratégico, sob a óptica dos direitos humanos, deve ser capaz de traduzir políticas locais com três enfoques distintos, a saber: • políticas de promoção – com o objetivo de efetivar os direitos ou de criar condições para tal, ou seja, garantir a realização plena por meio das políticas sociais, em especial, na área de saúde, assistência social e educação; • políticas de proteção – com o intuito de defender direitos, devem existir políticas que levem em conta as diferenças entre os distintos grupos sociais, no sentido de evitar violações e garantir a proteção aos grupos expostos a situações de exclusão; • políticas de reparação – visam repor, de alguma maneira, a suspensão ou o impedimento da garantia dos direitos de grupos ou pessoas em relação a outros grupos ou pessoas. Atividade de Estudos: 1) A CF/1988 trata dos direitos humanos como uma dimensão fundamental para o alcance do bem comum. Em que partes do texto a CF/1988 aborda o tema dos direitos humanos? E para você, o que mais chamou a sua atenção? ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ 34 Políticas Sociais ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ Desigualdades Sociais e Políticas Sociais A redução da pobreza e das desigualdades sociais é um tema importante associado à discussão das políticas sociais. Espera-se que as políticas sociais possam apresentar resultados positivos em relação à redução da exclusão social. O conceito e as expressões da pobreza vêm assumindo contornos diferenciados ao longo dos anos no Brasil e no mundo. Estudos sobre esse tema reconhecem que um dos pontos de partida para explicar o surgimento da pobreza no País leva em conta os efeitos da Lei do Ventre Livre (1871) e da Abolição da Escravatura (Lei Áurea − 13 de maio de 1888). A Lei do Ventre Livre, apesar de estabelecer em seus dispositivos que as crianças e os adolescentes não seriam mais escravos a partir de sua promulgação, não garantiu a liberdade de seus destinatários, haja vista que os pais ainda eram escravos. Vale lembrar as dificuldades de implantação do capitalismo no Brasil, no início do século XX, em virtude da coexistência de trabalhadores livres, oriundos de outros países, e de outro grupo de trabalhadores, a quem se negava, na realidade, o direito à liberdade e, além disso, as implicações das características distintas da mão de obra no Brasil. São os acontecimentos do período de 1960 a 1980 que oferecem as melhores perspectivas para a compreensão da pobreza em sua forma mais explícita e mundial, segundo os conceitos de desigualdade e exclusão social. Vamos relembrar esse período: • Caracteriza-se pela existência de regimes políticos ditatoriais que restringem os direitos e a liberdade na América Latina e pelo crescimento econômico Atribui-se às políticas públicas no campo social a função de reduzir a pobreza e as desigualdades sociais. A Lei do Ventre Livre (1871), apesar de estabelecer em seus dispositivos que as crianças e os adolescentes não seriam mais escravos, a partir de sua promulgação não garantiu a liberdade de seus destinatários, haja vista que os pais ainda eram escravos. 35 Política Social: Fundamentos e História Capítulo 1 (décadas de 1960 e 1970), mas também pelo declínio dos regimes ditatoriais e do crescimento econômico em decorrência de transformações na política mundial, na economia e de medidas de ajuste fiscal impostas aos países periféricos ou do terceiro mundo, entre eles o Brasil. Muitos estudos foram publicados para auxiliar a compreensão das razões da pobreza, das desigualdades e suas dimensões, bem como para definir estratégias e medidas a fim de conter ou erradicar os seus avanços, por exemplo, os Censos Demográficos, as Pesquisas por Amostragem de Domicílios − PNADs, os documentos internacionais divulgados com a comparação dos Índices de Desenvolvimento Humano – IDH − nos países. Tais estudos oferecem indicadores consistentes para o planejamento e o monitoramento das ações direcionadas no sentido de erradicar ou reduzir a pobreza e das desigualdades sociais. Também foram criados sistemas de avaliação, indicadores, índices, instrumentos de acompanhamento e seusresultados subsidiaram os debates e as ações de enfrentamento da pobreza. Os indicadores que mensuram o acesso à educação de qualidade, o acesso à renda e à inserção no trabalho são os que melhor retratam a pobreza e permitem a comparabilidade com outras realidades, outros países e culturas. Analisados sob as perspectivas de cor e sexo, esses mesmos indicadores revelam que a pobreza no Brasil é negra e feminina. Apesar de possuir grande número de pessoas pobres, o Brasil não é um país pobre, mas tem que superar um quadro de injustiça social e desigualdade. As desigualdades sociais estão visíveis e presentes, o que se reflete na posição intermediária ocupada pelo Brasil no ranking de países, de acordo com o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). Isso significa que ainda há muitas dificuldades a serem superadas nas áreas de educação, assistência social, saúde, distribuição de renda e emprego. A pobreza e a exclusão social vêm sendo gestadas principalmente a partir da década de 1970 e se expressam de formas multidimensionais e passíveis de mudança em função de diversidades regionais, de fatores culturais, das condições da economia e do momento histórico. Diante desse formato multidimensional, não se pode atribuir a tarefa de reduzir a pobreza e as desigualdades sociais apenas às políticas sociais, pois, ao analisarmos os contextos históricos, observa-se que as razões da desigualdade encontram-se, principalmente, no campo fiscal, econômico e cultural. Se o cerne dessas questões não for atingido em sua totalidade não se alcançará a redução da pobreza. As desigualdades econômicas e educacionais no Brasil estão fortemente relacionadas à cor da pele e ao sexo. 36 Políticas Sociais Todavia, em contraponto, a integração entre as políticas sociais e as conquistas de direitos tem evoluído em muitas localidades do País. A força reivindicatória das redes sociais realça a presença de um novo ator nesse cenário que, inevitavelmente, mobiliza hoje esforços governamentais, de empresas e organizações do terceiro setor que podem e devem orientar a busca de novos rumos em cada localidade ou região do País. Atividade de Estudos: 1) A CF/1988 define, no artigo 6º, os direitos sociais. Alguns desses direitos já foram tratados em constituições anteriores. Quais os direitos sociais que já constavam em constituições anteriores? Em sua opinião, o que a CF/88 traz de novo para as políticas sociais? ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ 37 Política Social: Fundamentos e História Capítulo 1 Algumas Considerações Este capítulo buscou, de forma dialética, apresentar alguns aspectos introdutórios para orientá-lo na compreensão das políticas sociais no contexto das políticas públicas. Esperamos que você tenha compreendido basicamente as seguintes questões: • As análises das políticas sociais são orientadas por matrizes de pensamentos gestadas desde o século XVIII, de acordo com as seguintes perspectivas: funcionalista e positivista, idealista, dialético marxista. • A análise crítica sobre as políticas sociais leva em conta o contexto do capitalismo e afirma que as mesmas são resultantes das relações entre o Estado, a sociedade e o mercado, conforme a exposição ao longo do texto. Essa relação paradoxal levanta questões sobre a eficácia da política social no Estado capitalista e neoliberal no sentido de erradicar ou reduzir a pobreza e as desigualdades sociais de fato, posto que as políticas emanadas desse contexto afirmam um modelo de desenvolvimento econômico baseado na acumulação do capital, na verdade sem chegar ao cerne da questão social. • Nos últimos 30 anos, o País passou por transformações significativas no campo social a partir da sua inserção no Sistema Internacional de Direitos Humanos, haja vista que assumiu o compromisso de assegurar e garantir direitos fundamentais a todo ser humano e, além disso, envidou-se em provar sua capacidade para cumpri-lo. Assim ocorreram mudanças no conjunto das leis, no âmbito institucional do Estado e na organização de programas pautados na implementação de ações voltadas aos direitos humanos. No capítulo seguinte, vamos aprofundar um pouco mais os elementos tratados nessa unidade, discorrer sobre os direitos sociais garantidos na CF/88 e o conjunto das políticas sociais que abrangem também a habitação e a saúde, bem como abordar os aspectos legais e institucionais das políticas sociais vigentes. 38 Políticas Sociais Referências BEHRING, E. R; BOSCHETTI, I. Política Social: fundamentos e história. 9ª. Ed. Rio de Janeiro: Cortez Editora, 2011. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso em: 27 set. 2011. GERSHON, Débora; ALTO, A. Mauricio; SOUZA, Rosimere de. Gestão pública municipal e direitos humanos. Rio de Janeiro: IBAM/DES, 2005. CAPÍTULO 2 Gestão de Políticas Sociais Públicas A partir da concepção do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes objetivos de aprendizagem: 3 Discutir as tendências das ações que caracterizam as políticas sociais na atualidade, bem como enfatizar as questões temáticas relativas aos novos direitos conquistados por grupos e segmentos que despontaram no cenário das políticas públicas nos últimos anos. 3 Analisar o papel do município na implementação de políticas públicas. 3 Distinguir as complementaridades entre as atuais tendências das políticas sociais e as principais demandas dos diversos segmentos e grupos atendidos. 41 Gestão de Políticas Sociais Públicas Capítulo 2 Contextualização A modernização do Estado brasileiro foi acompanhada pela expansão do setor público no que diz respeito à afirmação de seu papel crescente como provedor e gestor de políticas sociais. Vale lembrar que a Constituição Federal de 1988 – CF/88 – consolidou a emancipação dos municípios à condição de entes federados, ao lado da União e dos estados, conferindo-lhes maior autonomia. Inserido em um novo cenário e com grandes oportunidades, o município também teve que enfrentar maiores desafios e responsabilidades. Era preciso, então, criar as condições necessárias para que o novo ente fosse cada vez mais capaz de equacionar as demandas que surgiram no contexto das políticas públicas pós-CF/88, orientado para o alcance dos objetivos fundamentais da República Federativa. LEGISLAÇÃO Art. 3°da CF 1988 – Objetivos Fundamentais da República Federativa: I – construir uma sociedade livre, justa e solidária; II – garantir o desenvolvimento nacional; III – erradicar a pobreza e a marginalização, reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Com efeito, o período pós-promulgação da CF/88 foi marcado pelo surgimento de diversos mecanismos normativos que contribuíram para o avanço das políticas no sentido de suaefetividade, causando impactos positivos, em especial as políticas sociais nas áreas de saúde, educação e assistência social. Esse capítulo tem o objetivo de tratar dos principais aspectos que permearam a definição dessas políticas e de seus instrumentos de gestão. Além disso, são abordadas as ações decorrentes dos processos de modernização do Estado, mas também dos movimentos pela afirmação dos novos direitos de grupos e segmentos populacionais, os quais direcionaram a criação de mecanismos, instrumentos e arranjos institucionais que deram forma às políticas como as conhecemos atualmente. 42 Políticas Sociais Na presente análise, serão enfatizadas também as estratégias que promovem a interação entre os setores das políticas, resguardando as especificidades, mas destacando as complementaridades entre as atuais tendências das políticas sociais e as principais demandas dos diversos segmentos e grupos atendidos. Gestão de Políticas Sociais O Brasil experimentou anos de centralização político-administrativa na sua recente história de governos militares (1964 – 1985). A CF/88, também chamada de Constituição Cidadã, trouxe não só uma grande rede de valores humanos (individuais e sociais), mas também diretrizes de engenharia político-administrativa que deveriam ser constituídas justamente para garantir esses mesmos elevados valores constitucionais. A CF/88 inovou, na história constitucional brasileira, ao reconhecer o município como ente da federação, ao lado da União, dos estados e do Distrito Federal. Essa determinação veio acompanhada da afirmação da autonomia política, legislativa, administrativa e financeira para os municípios. LEGISLAÇÃO A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos estados, municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado democrático de direito (Art. 1º da CF de 1988). A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os estados, o Distrito Federal e os municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição (Art. 18 da CF/88). É evidente que essa autonomia gerou, além da capacidade de autogoverno, novos deveres e obrigações. O município passou a desempenhar papel ativo dentro da ordem jurídica nacional, passou a ser um elo fundamental na máquina administrativa, vista desde a sua lógica de unidade, deixando de lado o antigo papel figurativo e eminentemente burocrático. Reconheceu-se, com essa decisão jurídica que os municípios constituem o lócus privilegiado para a prestação dos serviços públicos e para a concretização do desenvolvimento sustentável e integrado. 43 Gestão de Políticas Sociais Públicas Capítulo 2 União, estados, municípios e Distrito Federal ganharam linhas de atuação comuns e privativas, conforme se pode observar nos artigos 23 e 30 da CF/88. Nessa perspectiva, o sistema que a CF/88 realçou foi o das relações intergovernamentais, abrindo amplas possibilidades de cooperação entre os distintos níveis de governo para o trato de assuntos de interesse comum. É o chamado federalismo cooperativo que busca evidenciar as relações técnico- administrativas e político-institucionais, pretendendo um trabalho conjunto de governos para a prestação mais justa de serviços à população. LEGISLAÇÃO Art. 30. Compete aos Municípios: I − legislar sobre assuntos de interesse local; II − suplementar a legislação federal e a estadual no que couber; III − instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei; IV − criar, organizar e suprimir Distritos, observada a legislação estadual; V − organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial; VI − manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programas de educação pré-escolar e de ensino fundamental; VII − prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população; VIII − promover, no que couber adequado, ordenamento territorial mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano; IX − promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual. (BRASIL, 1988). Por sua vez, os processos de descentralização, de reformas do Estado, de redistribuição de papéis entre as distintas instâncias de governo e entre o Estado e a sociedade estão claramente espelhados no cenário institucional que vem sendo construído no Brasil, desde o período da redemocratização. 44 Políticas Sociais Esses processos moldam tanto as alterações ocorridas na forma de prestação de serviços de atenção social − saúde, educação e assistência social − quanto a concepção de iniciativas inovadoras implementadas em alguns municípios na direção do desenvolvimento integrado e sustentável. Envolvem a implementação de políticas específicas ou de inclusão social de determinados grupos, orientadas para a promoção dos direitos humanos. Com a gradativa transferência da execução das políticas públicas da esfera federal para as esferas estaduais e municipais, começam a surgir e a se desenvolver os diversos pilares que dão sustentabilidade às formas de gestão descentralizadas, a saber: • os aspectos legais estabelecidos pelas leis complementares que instituem e regulamentam as políticas públicas e suas descentralizações − como a Lei nº 8080/1990, que institui o SUS (Sistema Único de Saúde), a Lei nº 8.742/1993 (alterada pela Lei n° 12435/2011) ou LOAS (Lei Orgânica de Assistência Social), que dispõe sobre a organização da Assistência Social e institui o Sistema Único de Assistência Social e a Lei nº 9.394/1996 ou LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação). Além dessas leis que dão suporte ao sistema, destacam-se as resoluções dos respectivos conselhos das áreas afins, as portarias (incluindo as interministeriais) e as Normas Operacionais. • os diversos arranjos institucionais destinados à prestação dos serviços públicos, tais como as secretarias de governo, as coordenadorias, as unidades de atendimento, os programas voltados à territorialidade, entre outros, criados no intuito de ampliar a participação da sociedade na gestão das políticas públicas, a exemplo das comissões municipais, dos conselhos setoriais, conselhos de programas e temáticos. • os mecanismos e instrumentos de gestão, planos setoriais; consórcios intermunicipais ou regionais; pactos de adesão, entre outros. Em seguida, cabem algumas reflexões sobre o tema da gestão de políticas sociais a partir do marco referencial das políticas de saúde, assistência social e educação. As ações desenvolvidas nessas áreas são reconhecidas como aquelas com maior capacidade de produzir impactos positivos no que diz respeito ao desenvolvimento social e humano de uma população. A descentralização das formas de gestão e de execução das políticas públicas tem representado papel estratégico no processo de desenvolvimento social. 45 Gestão de Políticas Sociais Públicas Capítulo 2 Atividade de Estudos: 1) Quais os pilares das novas formas de gestão de políticas descentralizadas? ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________
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