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Resenha - Azevedo, Célia Maria Marinho. Onda negra, medo branco

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Onda Negra, Medo Branco: a resistência negra e a abolição da escravidão
Azevedo, Célia Maria Marinho de. Onda Negra Medo Branco, O Negro no Imaginário das Elites - Século XIX. São Paulo. Paz e Terra. 1987.
Moisés Bernardo da Conceição
 
 Célia Maria Marinho de Azevedo se graduou em jornalismo no ano de 1974 e em ciências sociais em 1983, ambas as graduações foram realizadas na Universidade de São Paulo (USP). Célia concluiu o mestrado em história em 1985 na Universidade Estadual de Campinas, M. Phil. Em 1991 e PHD em história em 1993, ambos pela Columbia University, de Nova Iorque. Ela é professora aposentada da UNICAMP e suas áreas de atuação são: história do racismo, história da escravidão, história comparada, teorias da história, história da maçonaria, história moderna, história contemporânea, história do Brasil e história dos Estados Unidos. 
Em seu livro "Onda Negra, Medo Branco", Célia aborda os debates que ocorriam entre os deputados da Assembleia Legislativa da Província de São Paulo que explicitam um embate de ideias políticas e, por conseguinte, uma disputa de projetos políticos para o Brasil. Três principais projetos estavam em debate: emancipacionista, imigrantista e abolicionista. Esses projetos surgiram da necessidade de se propor um novo modelo de sociedade, na qual a base do trabalho seria livre.
Desde o início do século XIX, o debate a respeito do projeto emancipacionista se dava frequentemente. Esse projeto consistia na integração dos pobres livres na sociedade por meio do trabalho. Devido ao fato de não precisarem trabalhar para assegurarem sua sobrevivência, parte dessa população não tinha um vínculo de trabalho formal. Assim, para a classe dominante essa população era vista como "vagabunda" e preguiçosa. Logo, para as elites era necessário combater a "ociosidade" dessa população por meio de um processo pedagógico e disciplinar que internalizasse nela o "amor ao trabalho", ou seja, a vontade de trabalhar e prosperar, para que ela incorporasse a dinâmica de vida social que atendia aos interesses das elites. Os defensores desse projeto pretendiam formar mais do que trabalhadores livres, objetivavam também formar uma nacionalidade adepta aos "valores do trabalho".
As elites do século XIX, viam o negro como um inimigo domiciliar, pois segundo elas, o negro espalhava a imoralidade e vícios na sociedade. A figura do negro também era associada a barbárie, preguiça, incapacidade para o trabalho livre e baixo desenvolvimento mental. A partir da década de 1870, com o aumento da população de escravos na Província de São Paulo devido ao tráfico interprovincial de escravos do nordeste para o sul, a quantidade crimes cometidos por escravos foram aumentando. Muitos escravos passaram a matar senhores, feitores e administradores no intuito de irem pra cadeia, pois viam nela uma forma de liberdade mesmo que sua prisão fosse temporária. Tais crimes assustavam os chefes de polícia da província de São Paulo e revelavam uma situação de caos social incontrolável. Enquanto na década de 1870 as revoltas escravas tinham uma tendência mais individual, na década de 1880 essas revoltas passaram a se dar de forma coletiva. Assim, se tornaram frequentes as rebeliões escravas coletivas, algumas delas até mesmo culminavam em conflitos com a polícia.
Com o caos social e clima de medo instaurado, o projeto imigrantista foi ganhando cada vez mais força entre os parlamentares. Esse projeto consistia em trazer imigrantes europeus para o Brasil, pois segundo seus defensores, os europeus eram os povos mais aptos a construírem a nacionalidade brasileira devido a sua racionalidade no trabalho e sua moralidade. Para os imigrantistas, as populações do Brasil precisavam da presença europeia para serem moralizadas e adquirirem os "valores de trabalho", pois sem a imigração o país estaria entregue a "vagabundagem" e a rebeldia escrava. As ideias que inspiraram o projeto imigrantista tinham base nas teorias raciais que passaram a circular no século XIX, tais teorias colocavam os povos de origem não europeia em posição de inferioridade. 
Célia é crítica à corrente historiográfica mais tradicional que defende a ideia de que a "ociosidade" dos negros era uma "herança da escravidão", no sentido de que para os negros a liberdade seria não trabalhar devido a um suposto trauma causado pelos anos de trabalho forçado, e que procura justificar a substituição da mão-de-obra nacional pela europeia. Segundo ela, essa corrente historiográfica utiliza a ideia imigrantista de "vagabundagem dos negros" trocando seu conteúdo racista que considerava o negro incapaz para o trabalho racional devido a sua origem africana por um "fator de herança da escravidão" que tenta explicar a "ociosidade negra" através de uma questão social.
Com o avanço do projeto imigrantista, o medo dos negros ociosos, rebeldes, imorais e perigosos, vai dando lugar a um certo imaginário de paz e progresso. Com isso, o projeto emancipacionista de inclusão da população subalterna na sociedade brasileira vai ficando cada vez mais de lado. As propostas de abolição da escravidão vão ganhando força. Parte dos defensores do projeto abolicionista defendiam também a substituição da mão-de-obra nacional pela estrangeira, no entanto, muitos deles visavam a inclusão da população subalterna na sociedade, assim como os emancipacionistas. Uma característica comum aos abolicionistas era o desejo em pôr um fim a escravidão, mas de forma ordeira para que os interesses políticos e econômicos da grande lavoura não fossem prejudicados. 
Em finais da década de 1880 a escravidão era um sistema em descredito e seu fim era tido como inevitável. Os ideais abolicionistas chegavam aos ouvidos dos escravos que passaram a demonstrar cada vez mais sua insubordinação, quer pelas fugas das fazendas, quer pelo crime de homicídio contra seus senhores ou demais autoridades. Nas cidades, os setores médios, compostos por profissionais liberais e trabalhadores livres, apoiaram os escravos em seu processo de fuga. Os abolicionistas se articulavam por meio de jornais, o mais famoso deles era o "A Redempção", através dele um grupo de trabalhadores livres, denominados "caifazes", encaminhava os escravos que fugiam das fazendas do interior da Província de São Paulo para um quilombo criado pelos abolicionistas na cidade de Santos, para que assim esses escravos pudessem ser encaminhados para fazendas, mas para trabalharem de forma assalariada.
Logo, infere-se que nessa obra Célia sustenta a argumentação de que a resistência dos escravos através de sua recusa a se enquadrar no regime de trabalho almejado pelas elites, das fugas e rebeliões violentas, colocou o país em um quadro de instabilidade, incerteza e medo. Assim, forçando a sociedade a debater projetos políticos para o país em alternativa ao sistema escravista. Para a autora a resistência escrava que engendrou o medo foi o grande agente responsável pela ruptura com o escravismo.
A autora utiliza como fonte relatórios de deputados da assembleia legislativa de São Paulo para fazer suas interpretações a respeito dos embates de ideias e projetos políticos para o país que estavam em debate. Assim como também utiliza relatórios dos principais chefes de polícia da Província de São Paulo do período para visualizar o quadro de conflitos sociais existentes e interpretar as formas de resistência dos escravos.
Nessa obra, Célia faz uma análise de tendência marxista a respeito do imaginário das elites brasileiras de finais do século XIX. A autora faz uma análise voltada às questões sociais, políticas e de mentalidade. Ela interpreta o processo que levou a abolição da escravidão com foco na luta de classes. Célia coloca que o processo de abolição foi possível devido à resistência dos escravos à dominação de classe realizada por seus senhores.
Célia faz duras críticas a Florestan Fernandes, que em sua obra "A Integração do Negro na Sociedade de Classes", segundo ela, coloca o negro como agente passivo no processo de abolição, como se o negro tivesse sido resgatado das trevasda escravidão pelos abolicionistas. Segundo Célia, para Florestan as formas de resistência dos escravos não passaram de atos irracionais e politicamente sem efeito.
Célia expõe as ideias do abolicionista Joaquim Nabuco, ideias essas que no início de sua trajetória eram marcadas pela defesa de um "paraíso racial", ou seja, Nabuco acreditava que no Brasil não existiam preconceitos raciais no sentido de não haver ódio entre negros e brancos. A defesa dessa ideia remete também ao conceito de "democracia racial", criado décadas a frente por Gilberto Freyre. A autora confronta essas ideias de que não haviam preconceitos raciais no Brasil ao expor os projetos políticos que de forma notória evidenciam o olhar racista das elites para com a população negra, quer através dos processos de disciplinarização dessa população, quer com a defesa da necessidade de substituição da mão de obra.
A autora também dialoga com Sérgio Buarque de Holanda ao abordar a questão dos embates entre o movimento abolicionista de cunho urbano e a aristocracia rural ressaltando um conflito entre tempos históricos. Para Sérgio, o primeiro movimento representava o progresso e desenvolvimento político e social, a resistência da aristocracia rural representava o retrocesso e a paralisia, e a abolição seria um marco entre duas épocas.
Célia realiza uma análise do imaginário das elites muito regionalizada, ou seja, restrita à Província de São Paulo. No segundo capítulo do livro, a autora cita brevemente a chegada em massa de escravos nas décadas de 1860 e 1870 em São Paulo, provenientes da região nordeste, e analisa seus impactos sociais e como eles ecoaram nos ouvidos das elites cafeeiras paulistas. No entanto, ela ignora o que se passa no imaginário das elites nordestinas, que com o enfraquecimento da importância da economia açucareira frente ao crescimento da cafeeira, passa a vender seus escravos para os fazendeiros paulistas. As elites fluminenses e mineiras, que eram também ligadas a atividades cafeeiras e que detinham grande poder econômico e político, foram completamente ignoradas da obra. 
A autora coloca a ação individual dos escravos, através dos processos de resistência, como o único fator da abolição. Essas ações individuais engendraram o medo branco que é colocado por ela como a principal alavanca das transformações históricas e sociais. Assim, ela ignora outros elementos que deveriam ser levados em consideração para a análise da questão. Célia também coloca as lideranças abolicionistas como racistas e engajadas no controle da "onda negra" por meio de projetos que visavam disciplina-la impondo a população negra um modelo de vida que atendia aos interesses das elites. Sendo que, em finais do século XIX, esperar que os abolicionistas tivessem um posicionamento de cunho mais progressista é cair em anacronismo, pois projetos de orientação mais jacobina não tinham viabilidade naquele contexto.
A obra de Célia é de grande importância para a historiografia brasileira pois evidência o que sempre foi deixado de lado na historiografia a respeito da abolição da escravidão no Brasil, que é a participação dos escravos de forma ativa nesse processo. Assim, a autora evidência que os escravos ao recusarem se enquadrar no modelo de sociedade burguesa, ao entrarem em conflito com seus senhores e realizarem fugas, estavam fazendo sua resistência política às opressões da classe dominante.

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