Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Direito Penal Material Teórico Responsável pelo Conteúdo: Prof. Dr. Reinaldo Zychan de Moraes Revisão Textual: Prof.ª Me. Sandra Regina Fonseca Moreira Culpabilidade • Introdução; • Culpabilidade; • Imputabilidade; • Potencial Consciência da Ilicitude; • Exigibilidade de Conduta Diversa; • Conclusão. · Conhecer o terceiro elemento do conceito analítico de crime: a culpabilidade. OBJETIVO DE APRENDIZADO Culpabilidade Orientações de estudo Para que o conteúdo desta Disciplina seja bem aproveitado e haja maior aplicabilidade na sua formação acadêmica e atuação profissional, siga algumas recomendações básicas: Assim: Organize seus estudos de maneira que passem a fazer parte da sua rotina. Por exemplo, você poderá determinar um dia e horário fixos como seu “momento do estudo”; Procure se alimentar e se hidratar quando for estudar; lembre-se de que uma alimentação saudável pode proporcionar melhor aproveitamento do estudo; No material de cada Unidade, há leituras indicadas e, entre elas, artigos científicos, livros, vídeos e sites para aprofundar os conhecimentos adquiridos ao longo da Unidade. Além disso, você também encontrará sugestões de conteúdo extra no item Material Complementar, que ampliarão sua interpretação e auxiliarão no pleno entendimento dos temas abordados; Após o contato com o conteúdo proposto, participe dos debates mediados em fóruns de discus- são, pois irão auxiliar a verificar o quanto você absorveu de conhecimento, além de propiciar o contato com seus colegas e tutores, o que se apresenta como rico espaço de troca de ideias e de aprendizagem. Organize seus estudos de maneira que passem a fazer parte Mantenha o foco! Evite se distrair com as redes sociais. Mantenha o foco! Evite se distrair com as redes sociais. Determine um horário fixo para estudar. Aproveite as indicações de Material Complementar. Procure se alimentar e se hidratar quando for estudar; lembre-se de que uma Não se esqueça de se alimentar e de se manter hidratado. Aproveite as Conserve seu material e local de estudos sempre organizados. Procure manter contato com seus colegas e tutores para trocar ideias! Isso amplia a aprendizagem. Seja original! Nunca plagie trabalhos. UNIDADE Culpabilidade Introdução Nos dois primeiros elementos do conceito analítico do crime, ou seja, no fato típico e na antijuridicidade, o foco principal é o que o agente fez e a contraposição de seu proceder com a lei. Já na culpabilidade o foco é a pessoa do agente, sendo que iremos proceder a um juízo de reprovabilidade de sua conduta. Se houver essa reprovação de suas ações ele receberá uma sanção penal. Vamos ver como tudo isso funciona! Culpabilidade A culpabilidade representa um juízo de reprovabilidade da conduta do agente perante o Direito. Também podemos falar que a conduta que causou o injusto penal se caracterizou como reprovável. Injusto penal é um conceito que abrange os dois primeiros elementos do conceito de crime. FATO TÍPICO ANTIJURIDICIDADE CULPABILIDADE INJUSTO PENAL Figura 1 Só haverá essa reprovabilidade se estiverem presentes os seguintes elementos: CULPABILIDADE IMPUTABILIDADE POTENCIAL CONSCIÊNCIA DA ILICITUDE EXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA Figura 2 Vamos conhecer cada um desses elementos da culpabilidade. 8 9 Imputabilidade O primeiro requisito da culpabilidade é a imputabilidade, que é a capacidade de compreender o caráter criminoso do fato e de se orientar de acordo com esse entendimento. · A capacidade de compreender o caráter criminoso do fato → signifi ca que o agente (que praticou o injusto penal) deve ter a capacidade de com- preender que sua conduta é contrária ao Direito, que aquilo que ele está fazendo é errado. É a capacidade de entender; · A capacidade de se orientar de acordo com esse entendimento → se refere à capacidade que as pessoas normalmente têm de não realizar condutas que elas sabem que são erradas, que são contrárias ao Direito. É a capacidade de querer. Aqui cabem duas observações importantes: · Nestes casos não se exige que a pessoa conheça a norma penal, ou seja, ela não precisa conhecer a forma como o Código Penal defi ne os crimes de roubo, furto, homicídio etc., pois todos sabem que roubar, furtar e ma- tar são condutas contrárias ao Direito; · Talvez o mais difícil é compreender como funciona a capacidade de querer – um exemplo bastante ilustrativo ocorre com os cleptomaníacos (pessoas que sofrem de um transtorno que faz com que elas tenham a necessidade incontrolável de praticar pequenos furtos), em muitos casos, essas pessoas sabem que essa conduta é errada, contudo, a doença afeta a capacidade de querer de tal forma que elas não conseguem deixar de realizar esse tipo de mania. Sobre a imputabilidade há uma regra geral que devemos conhecer. Importante! Todas as pessoas maiores de 18 anos são imputáveis, sendo que as exceções devem estar previstas na norma legal. Importante! Há, na verdade, três graus de aferição: · Os imputáveis, que são a regra geral, ou seja, as pessoas que possuem a capacidade de entender e de querer; · Os inimputáveis, que são aquelas pessoas que, por razões previstas em lei, possuem um elevado défi cit da capacidade de entender e/ou de querer; · Os semi-imputáveis, que são aqueles que possuem uma redução nes- sas capacidades. 9 UNIDADE Culpabilidade Requisitos da inimputabilidade Os requisitos para a caracterização da inimputabilidade são três: · Requisito Causal: somente uma causa prevista em lei é que pode ser aceita como apta para afastar a imputabilidade. Em nossa legislação essas causas são as seguintes: · doença mental; · desenvolvimento mental incompleto; · desenvolvimento mental retardado; · embriaguez completa proveniente de caso fortuito ou força maior. · Requisito Cronológico: as causas que levam à inimputabilidade devem existir e atuar quando da conduta do agente. Observe que em algumas do- enças mentais há uma alternância de momentos em que a ela se manifesta de forma mais intensa e momentos de quase normalidade, razão pela qual é necessário se apurar, no momento da conduta, como era o estado do autor. · Requisito Consequencial: a causa prevista em lei, que atuou no momen- to de sua conduta, deve trazer como consequência a perda completa da capacidade de entender ou da capacidade de querer. Requisitos da semi-imputabilidade Ao verificar a presença dos requisitos acima, podemos nos deparar com a seguinte situação: · O agente cumpre os requisitos causal e cronológico. · Contudo, a causa não lhe retirou totalmente as capacidades de entender e de querer, ou seja, não está totalmente presente o requisito consequencial. Neste caso, falamos em semi-imputabildiade. Este quadro não exclui a culpabilidade e, após análise do caso concreto, o juiz deve aplicar ao agente uma pena diminuída (redução de 1/3 a 2/3). Código Penal Art. 26 [...] Redução de pena Parágrafo único - A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, em virtude de perturbação de saúde mental ou por desenvolvi- mento mental incompleto ou retardado não era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. 10 11 Sistemas de aferição da inimputabilidade Para a verificação da presença dos requisitos da inimputabilidade foram criados sistemas baseados na lei de cada país. Esses sistemas podem ser de três tipos. Sistema Psicológico Esse tipo de sistema se apega somente à necessidade de verificação da possibili- dade do agente, quando de sua conduta, possuir ou não a capacidade de entender o caráter ilícito de sua conduta e de conduzir-se de acordo com esse entendimento. Se essas capacidades não estão presentes o agente será considerado inimputável, não havendo qualquer preocupação em relação ao requisito causal (causas previstas em lei que podem levar à imputabilidade). Esse sistema não foi adotado pelo sistemajurídico brasileiro, sendo que ele possibilita, por exemplo, que uma criança que praticou um fato típico e antijurídico seja considerada imputável, pois possuía, quando de sua conduta, a capacidade de entender e de querer. Sistema Biológico Nesse sistema há uma maior valorização do requisito causal para que o agente seja declarado inimputável, presumindo, de forma absoluta, os outros dois (cronológico e consequencial). Esse sistema é adotado no sistema jurídico brasileiro somente para os casos de menores de 18 anos (art. 27 do Código Penal e art. 228 CF). Constituição Federal Art. 228. São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, su- jeitos às normas da legislação especial. Código Penal Menores de dezoito anos Art. 27 - Os menores de 18 (dezoito) anos são penalmente inimputáveis, ficando sujeitos às normas estabelecidas na legislação especial. Duas observações são cabíveis: · Neste caso, por haver uma presunção absoluta criada pela lei, não são admissíveis provas em contrário – dessa forma, de nada valeria qualquer tentativa de se provar que um adolescente de 17 anos de idade possui, em um caso concreto, as capacidades de entender e de querer; · Para as situações que se enquadrariam como crimes envolvendo autores menores de 18 anos devem ser aplicadas as disposições do Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei n.º 8.069/90. 11 UNIDADE Culpabilidade Sistema Biopsicológico Neste sistema se exige a presença dos três requisitos para apuração da inimpu- tabilidade – causal, cronológico e consequencial, os quais possuem o mesmo valor nesse processo. REQUISITO CAUSAL REQUISITO CRONOLÓGICO REQUISITO CONSEQUENCIAL Figura 3 Esse sistema é o adotado pelo Código Penal, conforme consta de seu artigo 26. Código Penal Inimputáveis Art. 26 - É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvol- vimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. [...] Vamos destacar os trechos em que a lei se refere a cada um desses requisitos: · por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado → requisito causal1; · era, ao tempo da ação ou da omissão → requisito cronológico; · inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar- se de acordo com esse entendimento → requisito consequencial. 1. A embriaguez completa decorrente de caso fortuito ou força maior é prevista em outro dispositivo – o §1º do artigo 28 do Código Penal. 12 13 Embriaguez A embriaguez pode ser definida como sendo uma intoxicação aguda e transitória provocada pelo álcool ou substância de efeitos análogos. Quando falamos em substância de efeitos análogos nos referimos: · A drogas ilícitas, tais como a maconha, cocaína etc; · Substâncias lícitas (tais como remédios de uso controlado) que tiveram no corpo do agente uma reação que guarda semelhanças com a em- briaguez alcóolica. Graus de embriaguez O grau de intoxicação provocado pela ingestão de álcool ou outra substância, bem como a reação no corpo do agente podem fazer com que a embriaguez seja classificada como: · Completa: acarreta a perda total da capacidade de entendimento e autodeterminação; · Incompleta: causa a perda parcial da capacidade de entendimento e autodeterminação. Origem do estado de embriaguez Para efeitos penais, podemos classificar a origem do estado de embriaguez do agente como sendo não-acidental, acidental, preordenada e patológica. Não-acidental Decorre da própria conduta do agente e subdivide-se em: · voluntária ou dolosa: o agente quer se embriagar; · culposa: o agente quer ingerir a substância, mas não quer entrar em situ- ação de embriaguez. A embriaguez não-acidental, seja voluntária, seja culposa, não exclui a imputa- bilidade. O agente tinha plena liberdade para decidir se deveria ou não ingerir a substância, portanto, se em razão de sua ação perdeu a capacidade de avaliação, responderá pelas consequências. Nesses casos de embriaguez não-acidental deve ser aplicada a Teoria da actio libera in causa (ações livres na causa). Considera-se, assim, o momento da inges- tão da substância e não o momento da prática delituosa. 13 UNIDADE Culpabilidade Um cuidador tem que dar um remédio para um idoso às 23 horas, sendo que a aus- ência da dose aumenta, de forma drástica, as chances de o paciente ter um grave comprometimento de sua saúde que pode levar à sua morte. O cuidador, contudo, resolve às 22 horas, fazer a ingestão de várias doses de uma bebida alcoólica, sendo que, em razão de sua embriaguez (não-acidental) ele dorme, não dá o remédio ao idoso e este vem a morrer. Observe que em nosso exemplo: · No momento em que o remédio deveria ser administrado, ou seja, às 23 horas – o cuidador não estava consciente; · Apesar de, no momento da omissão, ele não estar consciente, ele respon- derá pelo crime, pois tinha plena consciência de que realizar a ingestão da bebida poderia levar a essa consequência e, mesmo assim, prosseguiu descumprindo com seu dever. Em relação a essa forma de embriaguez, observe a seguinte disposição do Código Penal. Código Penal Art. 28 - Não excluem a imputabilidade penal: [...] Embriaguez II - a embriaguez, voluntária ou culposa, pelo álcool ou substância de efeitos análogos. Acidental É a que deriva de caso fortuito ou força maior, podendo ser completa ou incompleta. Nela não se aplica a Teoria da actio libera in causa, uma vez que o agente não teve a intenção de ingerir a substância e de colocar-se voluntariamente em estado de embriaguez. Como consequência: · na embriaguez acidental completa há a exclusão da imputabilidade, razão pela qual o agente não pode receber uma pena; · na embriaguez acidental incompleta, a pena será reduzida de 1/3 a 2/3. Sobre essas formas de embriaguez as disposições do Código Penal são as seguintes: Código Penal Art. 28 § 1º - É isento de pena o agente que, por embriaguez completa, pro- veniente de caso fortuito ou força maior, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. 14 15 § 2º - A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, por embriaguez, proveniente de caso fortuito ou força maior, não possuía, ao tempo da ação ou da omissão, a plena capacidade de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. Observe o seguinte exemplo: Em razão de um defeito no sistema de ar condicionado de uma empresa, os fun- cionários são expostos a um gás (invisível e sem cheiro) que faz com que eles percam completamente a capacidade de entender e de querer em razão de fortes alucinações. Um dos funcionários, estando em completo estado de embriaguez devido a essa substância, agride um outro funcionário, causando-lhe uma fratura em seu braço. Este é o caso de alguém que pratica um crime em estado de embriaguez acidental, completa e decorrente de caso fortuito. Uma pessoa é ameaçada por outra que lhe aponta um revólver e a força a realizar a ingestão de uma grande dose de bebida alcoólica, provocando um estado de completa embriaguez. A vítima, em seguida, é deixada em uma via pública e nesta acaba por discutir com uma terceira pessoa e, neste seu estado de completa embriaguez, acaba por agredi- la, causando a fratura de seu braço. Figura 4 Fonte: pixabay.com Neste caso, o autor da lesão corporal está em estado de embriaguez completa decorrente de força maior. Nesses dois últimos exemplos, os autores das lesões corporais não possuíam consciência quando da prática de suas condutas. Como não houve a voluntarie- 15 UNIDADE Culpabilidade dade em se colocar nesse estado de embriaguez, eles não irão responder pelos fatos provocados. Já se a embriaguez não for completa, nessas situações eles responderão pelos crimes praticados, mas com o direito a uma reduçãoda pena (1/3 a 2/3). Preordenada Nela o agente voluntariamente se embriaga para cometer o crime. Nesse caso, além de não excluir a imputabilidade, é considerada agravante genérica. São situações em que o agente se utiliza de bebidas alcoólicas, drogas proibidas ou outras substâncias para, por exemplo, “criar coragem” para realizar um roubo. São situações extremamente graves que aumentam o risco de ocorrerem conse- quências mais sérias para as vítimas, razão pela qual o legislador estipulou ser esta forma de embriaguez uma circunstância agravante – que deverá ser considerada pelo juiz quando do cálculo da pena. Código Penal Circunstâncias agravantes Art. 61 - São circunstâncias que sempre agravam a pena, quando não constituem ou qualificam o crime: [...] II - ter o agente cometido o crime: [...] l) em estado de embriaguez preordenada. Patológica É a embriaguez do alcoólatra e do dependente de substância química. Essas situações são classificadas pela medicina como doenças mentais e, assim, são passíveis de causar a inimputabilidade ou a semi-imputabilidade, conforme estejam presentes ou não os requisitos de aferição no caso concreto. 16 17 Emoção e Paixão Quando nos deparamos com pessoas que praticaram crimes, vemos, com algu- ma frequência, a seguinte situação: Figura 5 Fonte: pixabay.com A pessoa alega que: • Fiz aquilo, pois estava muito nervoso! Estava com muita raiva! Dessa forma, precisamos saber como o Direito Penal lida com esse tipo de emoção. A resposta está no inciso I do artigo 28 do Código Penal. Código Penal Emoção e paixão Art. 28 - Não excluem a imputabilidade penal: I - a emoção ou a paixão; 17 UNIDADE Culpabilidade Há, contudo, certos crimes em que fortes emoções podem causar a diminuição de pena (desde que associadas a certos requisitos). Isso ocorre, por exemplo: · No homicídio; Código Penal Homicídio simples Art. 121 [...] Caso de diminuição de pena § 1º Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço. · Na lesão corporal. Código Penal Lesão corporal Art. 129 [...] Diminuição de pena § 4° Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço. Além disso, elas podem ser enquadradas como atenuantes genéricas, podendo ser aplicadas no cálculo de pena para todos os crimes. Código Penal Circunstâncias atenuantes Art. 65 - São circunstâncias que sempre atenuam a pena: III - ter o agente: c) cometido o crime sob coação a que podia resistir, ou em cumprimento de ordem de autoridade superior, ou sob a influência de violenta emoção, provocada por ato injusto da vítima; Potencial Consciência da Ilicitude O segundo elemento da culpabilidade é a potencial consciência da ilicitude. Há duas situações diferentes que não podem ser confundidas: · Há uma presunção de que todas as pessoas conhecem a lei e não podem praticar condutas ilícitas alegando seu desconhecimento. Essa presunção é ab- 18 19 soluta, não admitindo prova em contrário. Dessa forma, nosso Direito não ad- mite o chamado erro de direito. Mas, não é esse o requisito da culpabilidade. Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro – Decreto-lei 4.657/42 Art. 3º Ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece. Código Penal Art. 21 - O desconhecimento da lei é inescusável. [...] · O que é requisito da culpabilidade é o potencial conhecimento da ilicitude do fato, ou seja, a possibilidade de o agente saber que aquilo que está fazendo é errado, que ele não deveria ter realizado determinada conduta, pois ela é incorreta. Veja o seguinte exemplo: Um vendedor de televisores sabe que tem a obrigação de entregar para os adquirentes desses aparelhos a nota fi scal e o termo de garantia. Contudo, poucos, de verdade, sabem que não entregar o termo de garantia adequadamente preenchido é uma infração penal prevista no Código de Defesa do Consumidor – art. 74. Se ele sabe que deve entregar o certifi cado e não o faz – ele tem potencial conhecimento da ilicitude de sua conduta, portanto, responderá pelo crime. Dessa forma, o que se exige é que o agente tenha um conhecimento leigo (não-técnico) de que sua atuação é injusta (que ela é errada). Com isso temos que todas as pessoas sabem que é errado matar outras pessoas, furtar seus bens etc., portanto, podem responder por homicídio, furto etc. se praticarem essas condutas. O que se deve buscar, na análise de um caso concreto, é se o agente tinha ou não condições de saber que sua conduta era errada. Há, contudo, situações em que ele não tinha como alcançar a consciência de que aquilo que ele fez é injusto, sendo caracterizado que ele agiu por erro. Essa forma de erro é chamada de erro de proibição. No erro de proibição, o agente pensa agir corretamente, mas na verdade, prati- ca um ilícito em razão de sua equivocada compreensão sobre o que é justo e o que é injusto. Situações que envolvem a potencial consciência da ilicitude ocorrem, por exem- plo, com estrangeiros que desconhecem diferenças culturais e de comportamento entre os seus países de origem e o que ocorre no Brasil, sendo que, dependendo da situação, esse desconhecimento pode acarretar o afastamento desse requisito da culpabilidade. 19 UNIDADE Culpabilidade O erro de proibição possui dois tipos: · Erro de proibição inevitável: o agente não tinha condições de conhecer a ilicitude do fato em face das circunstâncias do caso concreto – sua consequência é a exclusão da culpabilidade e a absolvição. · Erro de proibição evitável: embora o sujeito desconhecesse que o fato era ilícito, ele tinha condições de saber, dentro das circunstâncias, que contrariava o ordenamento jurídico (tinha potencial consciência da ilicitude). O agente será condenado, mas com a pena reduzida de 1/6 a 1/3. Código Penal Erro sobre a ilicitude do fato Art. 21 - O desconhecimento da lei é inescusável. O erro sobre a ilicitude do fato, se inevitável, isenta de pena; se evitável, poderá diminuí-la de um sexto a um terço. Parágrafo único - Considera-se evitável o erro se o agente atua ou se omite sem a consciência da ilicitude do fato, quando lhe era possível, nas circunstâncias, ter ou atingir essa consciência. Exigibilidade de Conduta Diversa O último requisito da culpabilidade é a exigibilidade de conduta diversa, ou seja, a expectativa social de que o agente tenha outro comportamento e não aquele que se efetivou. Por outro lado, o Direito reconhece que há certas circunstâncias em que todos poderiam incidir e praticar crimes, razão pela qual há hipóteses em que esse ele- mento da culpabilidade pode ser afastado. No Código Penal há duas causas expressas que afastam este requisito: a coação moral irresistível e a obediência hierárquica. Coação Moral Irresistível A coação moral irresistível é a grave ameaça contra a qual o homem não conse- gue resistir – ela incide sobre o próprio agente ou em pessoa que lhe seja próxima. Ela não exclui a conduta, pois resta um resquício de vontade, mas exclui a cul- pabilidade, pois afasta a exigibilidade de conduta diversa. Um gerente de banco tem sua filha de 5 anos sequestrada por uma quadrilha que promete matá-la se ele não abrir o cofre da agência sem alertar à segurança. Se ele abrir o cofre e entregar os valores para os autores do crime, ele estará abriga- do pela coação moral irresistível, que afasta a sua culpabilidade. Em uma situação como esta, não é exigível que o gerente do banco faça algo diferente. 20 21 Contudo, se a coação moral, apesar de séria, for resistível, não estará eliminada a culpa, estando presente somente uma circunstância atenuante (artigo 65, inciso III, alínea “c”, primeira parte, do Código Penal). ObediênciaHierárquica A obediência à ordem não manifestamente ilegal de superior hierárquico, torna viciada a vontade do subordinado e afasta a exigência de conduta diversa. Se o subordinado cumprir ordem ilegal, conhecendo sua ilegalidade, responde pelo crime praticado. É o caso de um enfermeiro que, como de costume, aplica uma injeção com um medicamento prescrito pelo médico. Ocorre que, neste caso, o médico deseja matar o paciente e receitou uma medicação que causará um irremediável comprometimento de seu coração. Não poderia ser exigível do enfermeiro uma conduta diferente da que teve, assim, ele não responderá pelo crime. Código Penal Coação irresistível e obediência hierárquica Art. 22 - Se o fato é cometido sob coação irresistível ou em estrita obediência a ordem, não manifestamente ilegal, de superior hierárquico, só é punível o autor da coação ou da ordem. Conclusão O estudo da culpabilidade é essencial para entendermos o que é um crime, pois, ao contrário dos primeiros elementos (o fato típico e a antijuridicidade), o seu foco maior é na pessoa do agente. Como vimos, há uma série de situações que, por afastarem a culpabilidade, permitem que o agente não seja penalmente responsabilizado ou tenha a sua sanção diminuída. Concluída a análise da culpabilidade temos condições de, definitivamente, afir- mar se o crime ocorreu ou não. 21 UNIDADE Culpabilidade Material Complementar Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade: Sites Constituição Federal https://goo.gl/Venhdk Código Penal https://goo.gl/7JHg9n Código de Processo Penal https://goo.gl/wBCC8K Lei das Contravenções Penais https://goo.gl/HepSFy 22 23 Referências BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral. v. 1. 24. ed. São Paulo: Saraiva, 2018. GONÇ ALVES, V. E, R. Curso de direito penal: parte geral. São Paulo: Saraiva, 2015. (e-book) ISHIDA, V. K. Curso de direito penal. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2015. (e-book) MORAES, Alexandre. Direito Constitucional. 34. ed. São Paulo: Atlas, 2018. SARLET, Ingo Wolfgang. MARIONI, Luiz Guilherme. MITIDIERO, Daniel. Curso de direito constitucional. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. 23
Compartilhar