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Universidade de Brasília IH – Instituto de Ciências Humanas Departamento de Economia Programa Especial de Treinamento (PET – ECO) Monografia para o Congresso do PET – ECO Capital Humano e Desenvolvimento Econômico Autor: Guilherme Tavares Mafra Orientador: Jorge Madeira Nogueira 2 SUMÁRIO Introdução ......................................................................................................03 01) O Capital Humano ..................................................................................05 02) Ignorando o Investimento em capital Humano ....................................08 03) As Visões Pessimistas a respeito da sustentabilidade da Terra ..........11 04) A Qualidade da População .....................................................................13 05) O Capital Humano e o Desenvolvimento Econômico ..........................17 06) A Natureza e a Substância dos Investimentos em Capital Humano ..21 07) O Capital Humano dos Indivíduos e Países Pobres .............................23 08) A Valoração do Capital Humano ..........................................................26 09) O Investimento em Capital Humano ....................................................28 Conclusão .......................................................................................................36 Referências Bibliográficas ............................................................................38 3 Introdução O capital humano é determinado pelo conjunto de qualidades, aptidões e saúde de um indivíduo. O capital humano representa o estoque de qualidade intrínseca aos indivíduos que deve ser visto como uma forma de investimento. Os indivíduos tomam deliberadamente e decisão de investir neles próprios, no intuito de aumentarem seu estoque de capital. Os gastos com educação saúde e nutrição representam formas de se ampliar o estoque de capital humano de indivíduos e países Os investimentos em capital humano permitem a ampliação da capacidade produtiva dos trabalhadores. Os trabalhadores mais produtivos são mais úteis ao processo produtivo. Os trabalhadores com maior quantidade de capital humano são mais produtivos e recebem maiores salários. Os investimentos em capital humano permitem que haja uma melhoria na distribuição de renda entre os indivíduos. O aumento do estoque de capital humano global da população pode propiciar aumentos da renda nacional. Os investimentos em capital humano são freqüentemente omitidos dos estudos econômicos. Diversos fatores, desde a dificuldade em se estimar precisamente o capital humano, até fatores éticos e sociais fazem com que muitas vezes economistas evitem tratar do capital humano em seus estudos. Os investimentos em capital humano são parcela substancial da renda nacional. O objetivo desse trabalho é discutir a respeito de aspectos econômicos do capital humano, sobretudo, considerando as implicações deste para o desenvolvimento. A primeira seção desse trabalho traz uma visão geral a respeito do capital humano, procurando mostrar o que ele viria a ser. A seção seguinte teça considerações a respeito do fato do capital 4 humano freqüentemente ser omitido de análises econômicas. Alguns motivos fazem com que os economistas normalmente evitem incluir a idéia de capital humano em suas análises. A terceira seção desse trabalho retoma a idéia da visão pessimista a respeito da insustentabilidade da Terra. Essa visão inspira-se nas visões malthusiana e ricardiana. A consideração da importância do capital humano faz com que essa visão possa ser refutada. A quarta seção trata da qualidade da população, tentando ressaltar como essa qualidade deve ser entendida e de que forma ela poderia ser modificada. A quinta seção mostra associações entre o capital humano e o desenvolvimento econômico. A sexta seção mostra a natureza da essência do capital humano. A sétima seção faz considerações a respeito do capital humano de países e indivíduos de países pobres. É comum a idéia de que o capital humano para os pobres teria algumas peculiaridades em relação ao capital humano dos países e indivíduos ricos. A seção seguinte mostra a valoração do capital humano, trazendo discussões a respeito de que maneira ele é importante e como sua importância poderia ser mensurada. A nona seção faz considerações a respeito do investimento em capital humano, ressaltando o investimento em saúde e em educação. Finalmente, são apresentadas algumas conclusões e considerações finais a respeito do capital humano e sua importância. 5 01) O Capital Humano As habilidades inatas e os conhecimentos adquiridos pelas pessoas são nitidamente uma forma de capital. Esse capital surge em função de um investimento deliberado no próprio ser humano. (Schultz, 1961) O investimento em capital humano deve ser entendido como o investimento apropriado em capacidade empreendedora, necessário para lidar com desequilíbrios presentes em economias dinâmicas modernas. (Schultz, 1987) O investimento em capital humano surge em função de um investimento deliberado. Os agentes efetivamente fazem tal investimento no intuito de obter a ampliação do estoque de capital de forma a assegurar maiores retornos no futuro. (Schultz, 1961) O investimento em pessoas e em conhecimento representa um fator decisivo para assegurar o bem-estar humano. A idéia de que a disponibilidade de espaço, energia, terras agricultáveis e outras propriedades físicas da terra seriam os elementos decisivos para determinar a realidade humana estaria equivocada. As habilidades adquiridas pelas pessoas, sua instrução, experiência, aptidões e sua saúde teriam papel bem mais importante para determinar o progresso econômico. (Schultz, 1987) A formação de capital é um dos principais requisitos para o progresso econômico. Ela é normalmente considerada em termos de aumentos nos estoques de capital físico na forma de instrumentos de produção reprodutíveis. O capital humano é freqüentemente omitido das estatísticas de formação de capital. O capital humano deve incluir o conhecimento, habilidades, atitudes, aptidões e outras traços adquiridos pelo humano que podem contribuir para a produção. A principal diferença entre o capital humano e o capital físico é que esse não pode ser comprado e vendido como uma propriedade qualquer. A 6 princípio, ambos os estoques de capital poderiam ser calculados em função do seu retorno esperado. (Goode, 1959) O capital humano costuma crescer de forma bem mais rápida do que as outras formas de capital convencionais (não-humanas). Evidências mostram que o produto nacional de alguns países costumam crescer bem mais rápido do que a oferta de fatores de produção físicos. O investimento em capital humano é provavelmente a principal explicação para essa diferença. Os gastos com investimento em capital humano, além de auxiliar no crescimento econômico são extremamente importantes para explicar o crescimento dos ganhos reais de trabalhadores. (Schultz, 1961) Muito do s gastos que se costuma considerar consumo, representa na verdade investimento em capital humano. Os gastos em educação, saúde, e em migração interna em busca de melhores oportunidades de trabalho são típicos exemplos dessa situação onde aquilo que na verdade é investimento em capital humano é visto como consumo. Da mesma forma são investimentos em capital humano os ganhos que os estudantes já em idade produtiva ou os próprios trabalhadores deixam de auferir em função de estarem freqüentando a escola, ou qualquer outra espécie de curso. Entretanto, essa diferenciação normalmente não é considerada na formulação das Contas Nacionais. (Schultz, 1961) As pessoas efetivamente aumentam o seu potencial como produtores e como consumidores através de investimentos nelas mesmas. Isto implica que nem todas ascapacidades econômicas de uma pessoa estão determinadas no seu nascimento, aos quatorze anos quando se supões que um indivíduo poderia adentrar no mercado de trabalho, ou ainda em qualquer outra idade onde se tivesse completado os estudos. (Schultz, 1962) De fato, muitas das capacidades de uma pessoa são desenvolvidas através de atividades que possuem atributos de investimentos. Os investimentos em pessoas não 7 seriam triviais, pelo contrário, eles seriam de tal magnitude capaz de alterar radicalmente a forma usual de se mensurar a poupança e a formação de capital. Esses investimentos também afetam a estrutura de salários e recebimentos e de rendas relativas à posse de propriedades. (Schultz, 1962) As capacidades econômicas do ser humano são sobretudo resultado de um processo produtivo. Exceto para o caso de algumas habilidades inatas, a grande maioria das diferenças nos recebimentos dos agentes são conseqüência de diferenças dos investimentos feitos nesses próprios agentes. A estrutura de salários e rendas seria principalmente determinada pelo investimento em educação, saúde, treinamento da força de trabalho, busca de informações a respeito de oportunidades de emprego e gastos com a migração. (Schultz, 1962) O investimento em capital humano afeta a distribuição pessoal da renda. O aumento no investimento em capital humano proporcionalmente ao investimento em outras formas de capital não humano faz com que a renda proveniente do trabalho cresça em relação à renda proveniente da propriedade de outros bens. Os investimentos em capital humano também fazem com que a distribuição de renda tenda a ser mais igualitária entre os indivíduos. A distribuição de renda através da ampliação do investimento em capital humano dos indivíduos seria bem mais eficiente no sentido de melhora o bem-estar das camadas mais pobres da população do que outras políticas sociais como as de transferência de renda, taxação progressiva, ou redistribuição da propriedade privada. (Schultz, 1962) 8 02) Ignorando o Investimento em Capital Humano Os economistas há muito tempo já sabem que a qualidade das pessoas é importante para se determinar o desempenho das nações. Apesar disso, para alguns é difícil aceitar a concepção de que as pessoas efetivamente poderiam investir nelas mesmas e que esses investimentos seriam bastante significativos. Muitos estudos normalmente se mostram tímidos ao tratar os gastos que ampliam as capacidades e as qualidades do ser humano como uma forma de investimento. (Schultz, 1961) Os receios de ordem social e filosófica também fazem com que se recuse pensar em investimento em capital humano. A exploração econômica normalmente é vista como algo que deve servir aos homens livres, mais do que tratar deles em seus estudos. A mera idéia de investimento na qualidade humana se mostra ofensiva para muitas pessoas. Os valores e crenças humanas impedem que se aceite a visão de que as qualidades humanas poderiam ser bens de capital, a não ser no caso da escravidão, o que por sua vez é abominado por essas sociedades. (Schultz, 1961) A sociedade moderna esforçou-se muito para que os seres humanos se vissem livres da era da escravidão. Essa conquista é considerada extremamente valiosa pela sociedade contemporânea. A prática de considerar qualidades humanas como a saúde ou a educação do indivíduo como resultado de investimentos vai contra valores rígidos das sociedades. Para elas, isso seria como se o ser humano fosse reduzido a um mero componente material. (Schultz, 1961) A idéia de que a educação representa uma maneira de se criar capital para muitos pode parecer degradante para o ser humano e moralmente errada. A idéia de capital 9 humano parece repugnante para muitos indivíduos porque para eles a educação possuiria sobretudo propósitos culturais e não econômicos, como a Teoria do capital Humano pretende passar. A educação serviria apenas para transformar indivíduos em cidadãos competentes e responsáveis, que poderiam entender os valores das sociedades e a importância de suas próprias vidas. (Schultz, 1960) A idéia de que a educação também representa um processo de formação de capital não pretende contrariar a outra visão mais conservadora. A educação na verdade também serviria a propósitos culturais , entretanto algumas formas de educação podem efetivamente ampliar as capacidades humanas incrementando seu potencial de trabalho. A melhora do potencial de trabalho dos indivíduos efetivamente poderia levar a crescimentos na renda nacional. A educação supera o mero fornecimento de valores culturais, gerando adicionalmente benefícios econômicos que podem ser apropriadamente tratados como uma forma de capital que pode ser identificada e estimada. (Schultz, 1960) A linha de pensamento do main stream normalmente opta por deixar a idéia de capital humano de fora de suas análises. A falha em tratar os recursos humanos como uma forma de capital, fazendo parte de uma função de produção e como resultado de um investimento, está relacionada com a visão que se tem do trabalho. A noção clássica é a de que o trabalho representa a mera capacidade de se realizar tarefas comuns que exige muito pouco conhecimento ou habilidade. De acordo com essa noção, todo trabalhador seria igualmente dotado. (Schultz, 1961) A simples contagem dos trabalhadores e o seu agrupamento em uma mera quantidade de fator de produção representaria um equívoco equivalente ao que ocorreria se todos os tipos diferentes de máquinas fossem consideradas equânimes. Os trabalhadores 10 assim como as diferentes máquinas não podem ser vistos como um mero estoque de capital ou como um fluxo de serviços produtivos. (Schultz, 1961) 11 03) As Visões Pessimistas a respeito da Sustentabilidade da Terra As dúvidas e os temores em relação à capacidade do planeta Terra em suportar o aumento da população humana, devido às suas limitações de alimentos, energia, espaço e outras propriedades físicas foi expressada convincentemente no início do século XIX por David Ricardo e T R Malthus. Essa visão pessimista a respeito da declinante capacidade física da Terra pode ser refutada se leva-se em conta as aptidões do homem para lidar com mudanças nas propriedades físicas do planeta. As potencialidades humanas eram deixadas de lado nas avaliações de Ricardo e Malthus. (Schultz, 1987) Os aumentos nas aptidões das pessoas no mundo inteiro e avanços do conhecimento científico poderiam modificar a produtividade econômica dos recursos do planeta possibilitando um maior bem-estar humano. O investimento em qualidade da população e em conhecimento seria capaz de ampliar as futuras perspectivas da humanidade. Um vez que esses investimentos e seus resultados passam a ser levados em conta, as previsões a respeito do esgotamento dos recursos físicos da Terra devem ser rejeitados. (Schultz, 1987) A idéia de que a Terra possuiria uma disponibilidade de terras agricultáveis virtualmente fixa e de que o suprimento de energia para o cultivo da terra estaria sendo esgotado foi e talvez ainda seja bastante difundida. Essa opinião previa que seria impossível continuar produzindo alimentos suficientes que atendessem às necessidades da crescente população mundial. Essas idéias se encaixam dentro da visão natural da Terra. (Schultz, 1987) Uma opinião alternativa – a visão sócio-econômica- é a de que o homem tem capacidade e inteligência para reduzir a sua dependência de terras agricultáveis, da 12 agricultura tradicional e das declinantes fontes de energia. O ser humano seria capaz de reduzir os custos reais da produção de alimentos, permitindo o atendimento da crescente demanda mundial. A observação da história econômica mostra que a desanimadora visão natural da Terra não tem se concretizado de forma alguma,mostrando que podemos aumentar a disponibilidade de recursos através do investimento no ser humano e no conhecimento científico. (Schultz, 1987) “Por meio de pesquisas, descobrimos para as terras agricultáveis substitutos que Ricardo não podia ter previsto e, à medida que a renda cresce, os pais revelam preferência por menos filhos, substituindo a quantidade de filhos por qualidade, o que Malthus não podia ter previsto.” (Schultz, 1987, p.18) As diferenças na produtividade dos solos são incapazes de explicar porque as pessoas são pobres em determinada parte do planeta e ricas em outras partes. Os indianos são pobres há muito tempo, tanto no Planalto do Decão, onde a produtividade dos solos é baixa, como em terras altamente produtivas do sul da Índia. Da mesma forma, os africanos são igualmente miseráveis tanto nos solos improdutivos da região sub-saariana, como ao longo do rico Vale do Nilo. (Schultz, 1987) O fator mais importante para o desenvolvimento de uma agricultura dinâmica não é a mera disponibilidade de terras férteis. É mais importante que hajam incentivos e oportunidades para que as pessoas do campo possam aumentar o efetivo suprimento de terras por meio de investimentos que incluem as contribuições das pesquisas agrícolas e melhora nas aptidões humanas. O declínio da importância econômica das terras agricultáveis e uma elevação da importância econômica do capital humano (aptidões e conhecimentos) representa parte fundamental da modernização das economias de países de alta e de baixa renda. (Schultz, 1987) 13 4) A Qualidade da População O conceito de qualidade é bastante antigo em economia. As diferenças na qualidade das propriedades originais da terra já eram consideradas pela teoria ricardiana. A qualidade das terras agricultáveis, em especial sua produtividade, poderia ser aumentada por investimentos nesse sentido. Os fatores de produção e os bens e serviços produzidos invariavelmente diferem em sua qualidade. (Schultz, 1987) O capital humano pode ser identificado como os atributos da qualidade adquirida da população, que são valiosos e podem ser aumentados por um investimento apropriado. Os atributos de qualidade e as aptidões humanas podem ser equiparados a fim de se distinguir entre duas classes básicas de aptidões humanas. As aptidões e qualidades humanas podem ser aptidões inatas ou aptidões adquiridas. (Schultz, 1987) As aptidões inatas são determinadas pelo conjunto de genes que o ser humano herda de seus pais e possui ao nascer. Não obstante a diferença entre aptidões inatas de um indivíduo para o outro, é de se espera que nas populações grandes as distribuições de aptidões inatas fossem similares entre diferentes países. Daí, pode-se inferir que as diferenças na qualidade das populações entre países seriam conseqüência das diferenças em aptidões adquiridas. (Schultz, 1987) Os elementos de qualidade que um ser humano adquire após seu nascimento acarretam uma medida de custo. O incentivo para investir na qualidade da população surge sempre que seja compensador incorrer nesse custo. A qualidade da população pode ser obtida a partir de diferentes fontes, como a assistência prestada às crianças pelos pais, 14 principalmente pelas mães, a experiência obtida no lar e no trabalho, o ensino escolar e a assistência à saúde. (Schultz, 1987) A modernização econômica tem significativo efeito positivo na produção de novas oportunidades e novos incentivos para a aquisição de capital humano adicional. A modernização é uma fonte de muitas experiências novas. Essas experiências abrem possibilidade para aprendizagem de valiosas aptidões novas e a aquisição de informações de valor. (Schultz, 1987) Os efeitos positivos difusos do ensino escolar e as melhorias na área de saúde são essenciais para explicar melhorias na qualidade da população. As oportunidades e os incentivos para investir em cada uma dessas formas de capital humano são interdependentes. A compreensão do investimento real em capital humano adquirido deve levar em conta as interações entre os vários processos que contribuem para a qualidade da população. A importância econômica da melhoria da qualidade da população se deve a contribuição do capital humano à produtividade e ao bem-estar das pessoas dos países de baixa renda. (Schultz, 1987) O processo recente de declínio nas taxas de mortalidade, e também nas taxas de natalidade de vários países de baixa renda deve ser vista como uma mudança social notável. Esses processos de declínios destas taxas não têm sido baixos para os padrões históricos. Os aumentos na esperança de vida nesses países geram implicações econômicas favoráveis. Uma vida mais longa implica um ganho real em bem-estar. A ampliação do período durante o qual as pessoas permanecem efetivamente na força de trabalho aumenta a sua produtividade geral. (Schultz, 1987) As pesquisas demográficas dependem basicamente de uma teoria quantitativa da população. Uma possível explicação para esse fato estaria relacionada à dificuldade de se 15 definir qualidade e de se mensurar qualidade. Aspectos qualitativos da população raramente são considerados. A razão básica para esse fato na verdade é a crença amplamente difundida e mantida de que o rápido crescimento demográfico nos países de baixa renda impediria a possibilidade de melhoria na qualidade de vida da sua população. (Schultz, 1987) O crescimento acelerado da população faria com que esses países fossem cada vez mais vulneráveis à fome, à desnutrição e à pobreza. A simples aritmética demográfica é utilizada para sustentar a crença de que a criação de empregos adicionais capazes de acompanhar o crescimento da força de trabalho se torna cada vez menos possível. Dessa forma, segue-se um desemprego cada vez maior. (Schultz, 1987) O crescimento demográfico também teria como efeito adverso, o de provocar o declínio na poupança para investimento como uma proporção da renda nacional. O rápido crescimento demográfico implicaria um maior consumo privado e exigiria maiores gastos públicos com programas de bem-estar, o que deixa menos renda nacional disponível para poupança. Esse argumento erra ao considerar o ensino escolar como mero consumo, quando ele na verdade é importante investimento na formação de capital humano. (Schultz, 1987) 4.1) Os Altamente Habilitados A análise da qualidade de uma população não pode deixar de considerar os aumentos no número de profissionais com nível superior e técnicos altamente qualificados. A quantidade de médicos, outros profissionais da área médica, engenheiros, economistas, administradores, contadores e profissionais de várias classes de cientistas pesquisadores e 16 técnicos é importante em estimativas da qualidade da população. A quantidade desses profissionais é de extrema importância, porque ela exerce influência na determinação do potencial de pesquisa e de geração de conhecimento produtivo útil dos países.(Schultz, 1987) O potencial de pesquisa de um certo número de países de baixa renda é impressionante. Nestes, há institutos especializados de pesquisa, unidades de pesquisa dentro de departamentos governamentais, pesquisas no setor industria e pesquisas universitárias contínuas. Um considerável número de cientistas e técnicos é continuamente formado nesses países, tendo alguns freqüentado inclusive universidades nos países desenvolvidos. 17 5) O Capital Humano e o Desenvolvimento Econômico A melhora na qualidade dos recursos humanos tem sido apontada por uma série de economistas como uma das principais fontes de desenvolvimento econômico. (Schultz, 1962) As evidências a respeito do processo de desenvolvimento no século XX mostram que países que investiram mais em capital humano obtiveram maiores taxas de crescimento. (Becker et al., 1990) Uma vez que seleva em conta o investimento em capital humano nas análises econômicas muitos paradoxos, quebra-cabeças e dúvidas a respeito de problemas econômicos podem ser solucionados. As diferenças salariais entre pessoas da mesma raça, idade e sexo podem ser explicadas por diferenças na qualidade de cada ser humano. Da mesma forma diferenças salariais entre pessoas de diferentes raças poderiam ser melhores explicadas a partir do momento que o capital humano passa a ser considerado. (Schultz, 1961) Os indivíduos de cor negra normalmente ganhariam menos do que os indivíduos de cor branca não pelo simples fato de serem de cores diferentes. Os brancos normalmente receberiam maiores salários porque na verdade intrinsicamente dispõe de uma quantidade maior de capital humano. A maior parte das diferenças de ganhos entre os indivíduos estaria refletindo as diferenças na qualidade entre eles. (Schultz, 1961) O crescimento econômico requer que haja um significativo processo de migração interna para que se possam aproveitar o surgimento de novas oportunidades de trabalho . A população precisa migrar para fazer frente às necessidades da economia que atravessa período de crescimento. Normalmente, homens e mulheres mais jovens tem uma maior 18 propensão a migrarem em resposta ao surgimento de novas oportunidades de trabalho, do que aquelas com idade mais avançada. Essa constatação faz sentido quando se considera que o custo de tal migração representa de fato uma forma de investimento no ser humano. (Schultz, 1961) Os jovens na verdade teriam um número maior de anos de vida pela frente nos quais eles poderiam perceber o retorno de tal investimento. Essa consideração é importante porque normalmente os investimentos em capital humano oferecem um retorno por um prazo longo de anos. A migração seletiva poderia dessa forma ser explicada sem a necessidade de se fazer referência a diferenças sociológicas entre jovens e pessoas com mais idade. (Schultz, 1961) A observação de estatísticas de vários países mostra que a renda nacional normalmente cresce mais rapidamente do que os recursos naturais desses países, o que pode ser uma situação de difícil explicação. A renda em muitos países, em especial para os países desenvolvidos, mostra em longos períodos da história taxas de crescimento bem maiores dos que as taxas de crescimento da disponibilidade de fatores de produção como a terra, horas de trabalho humano ou o estoque de capital produtivo que são utilizados na produção da renda. A diferença entre as taxas de crescimento da renda e dos fatores de produção que fariam parte do capital físico tem se ampliado com o passar do tempo. Aqueles que atribuem essa diferença à mera produtividade dos recursos entre países estão mostrando grande ignorância. (Schultz, 1961) A discrepância entre as taxas de crescimento da renda nacional e do capital físico poderia até certo ponto ser explicada por dois tipos de fatores. O primeiro deles seriam os retornos de escala crescentes. As economias modernas têm indubitavelmente obtido ganhos em função dos retornos de escala crescentes. Os ganhos líquidos devido a retornos de 19 escala provavelmente seriam substanciais. Um segundo fator a ser considerado seria a melhoria na qualidade dos insumos de produção. As melhorias na qualidade dos insumos de proteção representam melhorias no capital não-humano. Entretanto, os prejuízos para a análise econômica em omitir os retornos de escala e a melhoria de insumos seriam insignificantes se comparados com as perdas da omissão do comportamento do capital humano. (Schultz, 1961) A introdução do capital humano nas análises de crescimento econômico vai mostrar que a produtividade marginal de todos os fatores de produção em relação à renda não é decrescente. Os fatores de produção como estruturas de instalações produtivas, máquinas e equipamentos e insumos tem se mostrado com uma proporção decrescente em relação ao total da renda. A explicação para a existência de taxas de crescimento econômico maiores do que as taxas de crescimento na disponibilidade de fatores de produção convencionais recai sobre o papel do capital humano. (Schultz, 1962) A consideração do capital humano também é bastante importante para explicarmos os significativos aumentos nos rendimentos dos trabalhadores. Os aumentos na remuneração dos trabalhadores seriam na verdade parte do retorno em função de investimento em capital humano. O aumento na produtividade por unidade de trabalhador seria conseqüência de acúmulo de capital humano pelos trabalhadores. Esses aumentos de produtividade permitiriam que os trabalhadores recebessem melhores salários. (Schultz, 1961) 20 5.1) Uma Evidência Histórica da Importância do capital Humano Um período histórico bastante relevante que mostra a importância do capital humano é o da recuperação de países europeus e do Japão no pós-guerra. Os países que presenciaram em seu território os conflitos armados durante a II Guerra Mundial se viram ao final do conflito com grande parte de sua estrutura produtiva física totalmente arrasada. Isso incluía a perda de fábricas, estradas, pontes, portos e às vezes até de cidades inteiras. (Schultz, 1961) Os economistas ao fazerem previsões a respeito da possibilidade de recuperação daqueles países após o término da II Guerra normalmente superestimaram o tempo para que suas perdas fossem revertidas. A explicação para esses erros parece estar no fato de que aqueles economistas haviam dado uma ênfase excessiva na importância que o capital físico destruído durante a Guerra poderia ter no processo de recuperação daqueles países. As análises feitas na época deixaram de levar em conta o capital humano daqueles países e a importância que ele teria para as economias modernas. (Schultz, 1961) De fato, o sucesso dos países europeus e do Japão no processo de recuperação de suas economias no período do pós-guerra se deve à grande disponibilidade de capital humano pré-existente. Esses países presenciaram nas décadas de 1950 e 1960 um extraordinário processo de crescimento econômico. O capital humano foi de suma importância para a ocorrência dos fenômenos que ficaram conhecidos como Milagre Europeu e Milagre Japonês. 21 6) A Natureza e a Substância dos Investimentos em Capital Humano Os recursos humanos obviamente têm duas dimensões, uma quantitativa e uma qualitativa. O número total de pessoas, a proporção de indivíduos que entram no mercado de trabalho e as horas efetivamente trabalhadas são essencialmente características quantitativas. Uma análise completa dos recursos humanos exige ainda que se leve em conta componentes como as habilidades, o conhecimento e atributos similares que afetam particularmente o capacidade humana de se realizar trabalho produtivo. (Schultz, 1961) A estimação da magnitude do capital humano normalmente é feita de forma similar a que se faz com bens de capital físico, através dos gastos feitos na formação do estoque de capital. Essa metodologia poderia ser eficiente também para a estimação da magnitude do capital humano, caso não houvesse uma distinção a ser feita. A estimação da magnitude do capital humano exige que se faça uma distinção adicional para se determinar que proporção desses gastos se destina a mero consumo e que proporção efetivamente se destinaria ao investimento. (Schultz, 1961) A distinção dos gastos em capital humano entre consumo e investimento envolve dificuldades práticas e conceituais. Os gastos dos indivíduos poderiam ser agrupados em três classificações: os gastos que satisfazem preferências do consumidor e não aumentam de forma alguma o potencial produtivo e as capacidades dos indivíduos; os gastos que ampliam o potencial produtivo dos consumidores e não tem nenhum efeito sobre suas preferências, representando puro investimento; e os gastos que têmos dois efeitos. A maior paste dos gastos relevantes em capital humano pertence a essa terceira categoria. Isso faz 22 com que seja um grande desafio de se mensurar a formação de capital em investimento humano, mais do que para o capital físico. (Schultz, 1961) Em suma devem ser consideradas cinco principais categorias de investimento em capital humano. Esses investimentos seriam capazes de efetivamente ampliar a capacidade humana de trabalho. As categorias do investimento em capital humano seriam: (1) serviços de saúde, que devem ser ampliados para incluir todos os gastos que afetem a expectativa de vida, a força, o vigor e a vitalidade das pessoas; (2) gastos com treinamento de força de trabalho; (3) gastos com educação formal, empregados na educação elementar, secundária e de nível superior; (4) programas de estudo para adultos que não são organizados pelas firmas, onde poderíamos incluir os programas de extensão notadamente na agricultura; (5) migração dos indivíduos e de suas famílias em busca de melhores oportunidades de trabalho. (Schultz, 1961) 23 07) O Capital Humano dos Indivíduos e Países Pobres As pessoas pobres não são menos atentas à melhoria de sua sorte e de seus filhos, mesmo do que aqueles com nível de renda e vantagens incomparavelmente maiores. As pessoas pobres também não são menos competentes na obtenção do máximo de benefício possível que pode ser extraído de seus recursos limitados. A qualidade da população e a obtenção de conhecimento são fundamentais para que os pobres possam conviver com perspectivas econômicas favoráveis. É importante que essas perspectivas não sejam prejudicadas por políticas ou diretrizes governamentais equivocadas. (Schultz, 1987) Uma análise do setor agrícola em muitos países de baixa renda mostra que esses países tem capacidade econômica em potencial de produzir alimentos suficientes para a população ainda em crescimento, além de melhorarem a renda e o bem-estar das pessoas pobres. Os fatores decisivos para a melhoria das condições de vida das populações desses países não seriam de ordem física, como o espaço, energia e terras agricultáveis. A melhora no bem-estar desses indivíduos pobres poderia ser alcançada com aumentos na qualidade da população e do conhecimento científico. (Schultz, 1987) O conhecimento da experiência e das capacidades das pessoas pobres é de extrema importância para se compreender os problemas e possibilidades nos países de baixa renda. Essa compreensão seria bem mais relevante do que o conhecimento mais minucioso e mais exato a respeito da superfície da Terra e de seus recursos naturais. (Schultz, 1987) A terra por si só não pode ser tida como o fator fundamental para que se seja pobre, entretanto, o agente humano efetivamente o é. O investimento na melhoria da qualidade da população é capaz de aumentar significativamente as perspectivas econômicas e o bem- 24 estar dos mais pobres. A assistência à infância, o ganho de experiência no lar e no trabalho, a aquisição de informações e aptidões através do ensino escolar e outros investimentos em saúde e educação são capazes de melhorar a qualidade da população. (Schultz, 1987) Os investimentos em capital humano são capazes de ampliar significativamente a qualidade de vida da população em países de baixa renda. As pessoas pobres desses países não estariam necessariamente condenadas à situação de pobreza, a qual as economias nacionais seriam incapazes de romper. O aumento da qualidade do ser humano permitiria àqueles indivíduos pobres responder de forma positiva para que pudessem suplantar sua situação de pobreza. As pessoas pobres são efetivamente capazes de reagir a melhores oportunidades de forma eficiente. (Schultz, 1987) As expectativas dos agentes humanos envolvidos na atividade agrícola – trabalhadores e empreendedores– são moldadas por novas oportunidades e pelos incentivos aos quais estes reagem. Os incentivos para a esses agentes são determinados pelos preços que os agricultores recebem por seus produtos e pelos que pagam pelos bens de produção e de consumo e pelos serviços. Em alguns países de baixa renda, esses incentivos são distorcidos. Os efeitos dessas distorções podem provocar a redução da contribuição econômica que a agricultura é capaz de fornecer. (Schultz, 1987) A redução da mortalidade no século XX é talvez a mais notável evolução da humanidade atingida desde a Revolução Industrial. A partir da segunda metade do século XX tem havido uma nítida convergência entre as expectativas de vida dos países ricos e dos países pobres. A redução da mortalidade infantil de muitos países pobres foi bastante drástica nesse período, da mesma forma que havia sido para os países hoje desenvolvidos no início do século XX. Mesmo o lento progresso nos países pobres, no sentido de 25 melhorar a nutrição de suas populações, não deve ser subestimado como instrumento capaz de reduzir a mortalidade nesses países. (Schultz, 1993) As divergências a respeito do processo de aquisição de capital humano entre economista e especialistas em demografia geralmente aparecem quando se passa a considerar a realidade das pessoas pobres. As questões não solucionadas na área populacional normalmente dizem respeito sobre quem efetivamente quer qualidade da população e que está disposto a arcar com o ônus do processo de aquisição dessa qualidade. (Schultz, 1987) A literatura demográfica, em sua grande parte, deixa implícito que as pessoas pobres normalmente não são motivadas a adquirir capital humano. Para que a qualidade da população ser melhorada, acredita-se então que seja necessária a persuasão do governo para que ele conceba programas públicos que forcem a aquisição de qualidade pela população. (Schultz, 1987) A avaliação do comportamento das pessoas pobres feitas por estudiosos em demografia repousar-se-ia em bases insustentáveis. As pessoas dos países de baixa renda não são indiferentes a oportunidades que ofereçam valiosos incentivos para a realização de investimento em seu próprio capital humano. A crença de que os indivíduos de baixa renda são criaturas apáticas, de hábitos passivos, incapazes de perceberem novas oportunidades não está de acordo com seu comportamento. Os pobres seriam de fato agentes calculistas, e apesar de serem pobres, seriam eficientes na distribuição de seus recursos escassos, levando em conta inclusive custos e retornos marginais. (Schultz, 1987) 26 8) A Valoração do Capital Humano O valor do capital humano adicional depende do bem-estar adicional que os seres humanos podem extrair dele. O capital humano aumenta a produtividade do trabalho e contribui ainda para que se desenvolva a capacidade empreendedora, que é importante não só para a produção agrícola, como para outras atividades não-agrícolas. A capacidade empreendedora é importante também nas atividades domésticas, para definir o tempo e esforços que os estudiosos destinam a sua instrução, e na migração em busca de melhores oportunidades de emprego. (Schultz, 1987) A qualidade da população deve ser vista como um recurso escasso, implicando que ela tenha um valor econômico e que sua aquisição acarrete um custo. O comportamento humano que determina o tipo e o volume de capital humano adquirido com o passar do tempo depende dos retornos que o capital adicional pode oferecer e do custos em adquiri- lo. Uma vez que os retornos esperados excedem os custos de aquisição, a qualidade da população tende a aumentar. A oferta e a procura em relação ao investimento em capital humano têm seus componentes tidos como recursos duráveis, escassos e valiosos durante certo tempo. As taxas de retorno podem ser aumentadas por reduções no custo de aquisição dos componentes do capital humano. (Schultz, 1987) O valor do capital humano é determinado pelo mercado que fixasalários para a força de trabalho em função de sua qualificação. Entretanto, essa não pode ser considerada uma maneira adequada de se mensurar o estoque de capital humano. A estimação do valor do capital humano seria útil para uma série de propósitos. (Weisbrod, 1961) 27 A definição de uma política de migração ou de planejamento familiar racionais exige que seja feita uma consideração do valor produtivo de pessoas adicionais. O direcionamento de recursos para a saúde pública, construção de rodovias ou controle de enchentes seriam determinados a partir do conhecimento do valor do capital humano que seria preservado através de tais gastos. Um dos benefícios de tais investimentos seria a redução dos índices de mortalidade, ou seja, a redução das perdas de capital humano, como resultado de doenças, acidentes de trânsito ou enchente. (Weisbrod, 1961) A estimação dos valores correntes do capital humano e das formas como esses valores poderiam ser alterados por diversos programas governamentais merecem grande atenção. A valoração do capital humano possui um problema prático e conceitual. Em primeiro lugar, deve-se determinar precisamente como se mede o valor de uma pessoa. É preciso determinar em que sentido o valor de uma pessoa deve ser considerado, e para quem esse valor é importante. (Weisbrod, 1961) Uma possível solução para a determinação do valor de uma pessoa seria atribuir um valor a uma pessoa em função da sua produtividade marginal em determinado período. A importÂncia dessa pessoa para sua família, por exemplo, seria desprezada. Isso não por se considerar tal tipo de importância como irrelevante, mas simplesmente pela dificuldade em mensurá-la. (Weisbrod, 1961) 28 9) O Investimento em Capital Humano A taxa de fertilidade de uma sociedade é afetada pelos preços, pela renda e pela formação de capital humano nas crianças. Também podemos notar que o volume de capital humano presente nos adultos, especialmente nas mulheres afeta a fertilidade e a oferta de mão-de-obra em uma sociedade. É importante notarmos que os pais obtêm satisfação e também serviços produtivos com os seus filhos. Os sacrifícios feitos pelos pais em função da necessidade de investimentos a serem feitos em cuidados, saúde e educação de seus filhos estão intimamente ligados a decisões conscientes dos pais. (Schultz, 1973) O processo reprodutivo estaria estritamente ligado às preferências dos pais por terem suas crianças. A decisão de ter filhos está ligada à disponibilidade de recursos dos pais e às formas alternativas de utilização de seus recursos econômicos. O custo dos gastos com filhos é medido em termos de custos de oportunidade que os pais estão dispostos a aceitar em troca da satisfação futura e serviços produtivos que eles esperam receber de seus filhos no futuro. A decisão de ter filhos baseia-se em considerações econômicas que levam em conta os seus custos marginais (sacrifício) e o retorno marginal esperado. (Schultz, 1973) O investimento em capital humano parte da proposição de que devem ser feitos gastos deliberadamente na criação de estoques produtivos, constituídos pelas habilidades humanas geradas, e que vão oferecer recursos no futuro. As crianças devem então ser vistas como uma forma de capital. Do ponto de vista do retorno esperado do investimento em filhos, existe uma nítida diferença entre países. Nos países ricos, os pais obtêm o retorno de seus gastos principalmente na forma de satisfação pessoal. Já nos países pobres, parte do 29 retorno do investimento dos pais é obtido através do aumento dos rendimentos auferidos por eles em função do trabalho doméstico e também rural realizado por seus filhos, ou ainda na garantia de uma fonte de sustento, quando os pais estiverem velhos e não puderem viver de sua própria capacidade produtiva. (Schultz, 1973) A aquisição e a manutenção de capital humano envolve um custo econômico e a promessa de um retorno futuro, que pode ser obtido em um período de vários anos. O desejo de se obter esse retorno futuro representa a principal motivação para o investimento em capital humano. Os investimentos na formação de capital devem ser entendidos como o emprego de recursos para aumentar os estoques de capital, não só físico, mas também humano. Os investimentos não incluem apenas as melhorias na terra, as construções de prédios e instalações, ou a aquisição de equipamentos duráveis, mas também os gastos de uma sociedade com saúde pública, educação, nutrição ou pesquisa científica. (Goode, 1959) O investimento em capital humano é pelo menos tão importante quanto o investimento em capital físico. Uma quantidade mínima de capital humano é necessária para que se possa pelo menos operar a quantidade de capital físico disponível. De nada adiantaria para uma sociedade formada por indivíduo sem qualquer educação, que ela tivesse à sua disposição grandes estoques de capital físico. Os indivíduos dessa sociedade atrasada seriam incapazes de utilizar produtivamente esse estoque de capital humano. Saindo desse caso extremo, e pensando em uma situação intermediária devemos pensar que quanto maior a disponibilidade de capital físico, maior será a necessidade prévia de um estoque de capital humano que permita que se opere esse capital físico. (Goode 1959) 30 9.1) O Investimento na Saúde O nível de saúde de todas as pessoas é visto pela Teoria do Capital Humano como um título financeiro. Uma parte da qualidade desse “título” seria herdada e parte adquirida. O seu valor perder-se-ia com o passar do tempo e a um ritmo crescente no final das vidas das pessoas. O investimento bruto em capital humano acarreta custos de aquisição e manutenção, inclusive assistência à infância, nutrição, roupas, habitação, serviços médicos e auto-assistência. (Schultz, 1987) O benefício auferido pelos proprietários do “título” nível de saúde seria devido à sua contribuição como serviços de saúde. O serviço que o capital de saúde fornece consiste em tempo de vida útil, onde as pessoas estariam livres de doenças. A ausência de enfermidades permitiria que os indivíduos não se vissem constrangidos por qualquer limitação física. Dessa forma, as pessoas poderiam executar independentemente atividades de trabalho, consumo e lazer. O capital de saúde além de livrar de privações também ofereceria qualidade de vida para as pessoas. (Schultz, 1987) A melhoria na saúde de uma população pode, por exemplo, ser identificada no aumento da expectativa de vida. O aumento da duração de vida de muitos países de baixa renda têm sido, sem dúvida, o avanço mais importante na qualidade de vida da população. A expectativa de vida ao nascer aumentou significativamente em muitos desses países no pós-guerra. O declínio da mortalidade infantil, da mortalidade entre jovens, adultos e idosos também representa parte dessa evolução. (Schultz, 1987) O aumento na duração de vida dos indivíduos efetivamente possui implicações econômicas favoráveis. A utilidade adicional extraída do aumento do tempo de vida levaria a um substancial aumento da renda pessoal. Incentivos adicionais para a aquisição de de 31 mais instrução para a aquisição de futuros ganhos surgem com durações de vidas mais longas. Os pais costumam investir mais nos filhos, e o treinamento adicional no trabalho se torna compensador. (Schultz, 1987) O capital de saúde adicional assim como outras formas de capital humano provocam aumentos da produtividade dos trabalhadores. Uma vida mais longa faz com que o trabalhador possa participar por mais tempo da força de trabalho, e reduz o seu “tempo com doença”. A melhoria da saúde e o aumento da disposição do trabalhador fazem com que a sua produtividade seja maior para qualquer atividade que ele venha a desempenhar. (Schultz, 1987) As melhorias na saúde podem efetivamente afetar salários, a ofertano mercado de trabalho, a fertilidade e a renda pessoal dos indivíduos. A melhora na saúde é extremamente importante para aumentar a produtividade do agente humano. A ocorrência de doenças agudas ou crônicas faz com que os indivíduos sejam mais produtivos devido à sua redução da capacidade de trabalho. Um ser humano saudável é importante para que seu potencial produtivo seja empregado ao máximo e isso possa contribuir não apenas para si, como para sua empresa e para seu país. (Schultz, 1993) A nutrição também é um fator importante para determinar o capital humano de um indivíduo. Microevidências mostram crescentemente que a nutrição e o controle de doenças não é importante apenas para a redução da mortalidade infantil. Essas variáveis também seriam importantes para assegurar os próprios indivíduos adultos tenham uma altura e um peso maior, e provavelmente para aumentar a produtividade e o bem-estar tanto de homens como de mulheres. (Schultz, 1993) 32 9.2) O Investimento na Educação A educação deve ser tratada como uma forma de investimento no ser humano e o resultado desse investimento como uma forma de capital. A educação se torna parte do próprio indivíduo na forma de capital humano. Uma vez que a educação passa a ser parte integrante das pessoas, ela não pode mais ser vendida ou comprada através das instituições de mercado convencionais. A educação é uma forma de capital que rende um serviço produtivo para a economia. Essa visão da educação sugere que parcela substancial dos aumentos na renda nacional sejam resultados de incrementos nessa forma de capital. (Schultz, 1960) A formação de capital através da educação não é proporcionalmente pequena e também não é constante em relação à formação de capital não-humano. A educação pode ser mero consumo ou mero investimento, ou ainda uma combinação de ambos. Uma quantidade substancial de recursos costuma ser destinada à educação. Esses recursos são formados por dois componentes: os rendimentos que os estudantes deixam de ganhar enquanto freqüentam a escola; e os recursos necessários para garantir o funcionamento das escolas. (Schultz, 1960) Os rendimentos que os estudantes deixam de ganhar ao freqüentarem suas escolas são de grande importância para o cômputo dos gastos totais com educação. Mais da metade de todos os recursos envolvidos no ensino secundário e superior representam na verdade os gastos com o tempo e esforço despendidos pelos próprios estudantes. (Schultz, 1960) A construção de uma linha divisória arbitrária entre o ensino primário e o ensino secundário parece ser conveniente para se analisar os rendimentos que os estudantes deixam de auferir freqüentado suas escolas. Pode-se pensar que os estudantes não estariam 33 deixando de receber qualquer renda ao freqüentarem o ensino primário. Somente a partir do primeiro ano do segundo grau esses rendimentos seriam importantes. (Schultz, 1960) A educação responde por grande parte dos ganhos na qualidade de vida da população. O cálculo do custo do ensino escolar exige que se leve em conta o valor do trabalho que as crianças poderiam vir a desempenhar para seus pais. Os pais arcam com o custo de manter seus filhos na escola. (Schultz, 1987) Uma discussão a respeito da formação de capital através da educação merece algumas considerações. Em primeiro lugar, os estudantes ao freqüentarem suas aulas estão na verdade desempenhando um trabalho que entre outras coisas visa ajudar na formação de capital humano. Os estudantes na verdade estariam se auto-empregando na formação de capital, e não meramente consumindo serviços educacionais. (Schultz, 1960) Em segundo lugar, deve-se assumir que caso os estudantes não estivessem freqüentando a escola eles poderiam estar empregados em qualquer outra atividade produtiva de bens e serviços, que teriam valo para a economia. Ao desempenhar serviços produtivos para a economia os estudantes estariam sendo pagos pelos seus trabalhos. Deve- se considerar então que efetivamente existe um custo de oportunidade para aqueles que freqüentam a escola. (Schultz, 1960) Uma outra consideração a ser feita é a de que os rendimentos correntes daqueles homens e mulheres jovens com idades semelhantes daqueles que estão freqüentando a escola representa uma maneira alternativa para se mensurar o valor produtivo do tempo e esforço dedicados pelos estudantes. Por último, deve-se assumir que os custos de vida dos estudantes e não estudantes pode ser considerado equivalente, uma vez que haveriam apenas pequenas diferenças entre as cestas de consumo de cada um dos grupos. (Schultz, 1960) 34 Os custos dos serviços prestados pelas escolas constituem de um fluxo anual dos recursos empregados na educação. Esse fluxo inclui o custo dos serviços de professores, bibliotecários e pessoal administrativo e custos de manutenção e operação das estruturas das escolas, além da depreciação dos investimentos realizados. (Schultz, 1960) Os custos do gasto com educação não devem incluir os ganhos de empresas particulares encarregadas de oferecer bens como salas ou cadeiras para os alunos. Também não devem incluir os gastos necessários para o oferecimento de outras atividades não educacionais, como para sustentar organizações atléticas. Uma análise de todos os gastos envolvidos na educação mostrará que a proporção dos custos devido aos rendimentos que os estudantes deixam de auferir freqüentando aulas tende a aumentar em relação aos gastos totais. (Schultz, 1960) O efeito safra representa um atributo específico do ensino escolar, que faz com que seja mais vantajoso investir em educação em crianças ao invés de em adultos. Uma criança uma vez tendo recebido educação vai poder utilizar seus ensinamento por um longo período de sua vida. Um adulto partindo, por exemplo, da situação de analfabetismo teria menor período para aproveitar-se dos possíveis benefícios que ele poderia advir devido à sua educação. (Schultz, 1987) Os gastos em ensino escolar devem ser tratados fundamentalmente como um investimento, Dessa forma seria sério erro, tratá-lo como um consumo atual. Esse erro surge da presunção de que o ensino escolar é unicamente um bem de consumo. Os gastos públicos em ensino escolar não devem ser vistos como gastos para aumento do bem-estar, sendo gastos que provocam a redução da poupança. De forma semelhante, os gastos com saúde também devem ser vistos como um investimento. Os gastos com ensino escolar, 35 inclusive com o ensino superior, são uma fração substancial da renda nacional em muitos países de baixa renda. (Schultz, 1987) A importância do ensino escolar pode ser ressaltada quando se percebe os efeitos positivos da educação das mulheres. Diversos estudos têm mostrado evidências de que existe uma forte relação inversa entre a escolaridade das mulheres e a incidência de mortalidade entre seus filhos. (Schultz, 1993) Mães mais educadas possuem maiores conhecimentos de práticas de saúde e de higiene básica, o que lhes permite melhores cuidados com suas crianças. A educação das mulheres é uma poderosa engrenagem na transformação demográfica, por promover a redução da mortalidade infantil e da fertilidade fazendo com que o crescimento populacional seja mais suave. (Schultz, 1993) 36 10) Conclusão O capital humano representa certamente uma dos principais motores do desenvolvimento econômico. O capital humano representa a qualidade intrínseca aos indivíduos que deve ser visto como uma forma de investimento. O incremento no capital humano se daria devido a uma decisão deliberada dos indivíduos em investir neles próprios. Essa decisão envolveria uma análise racional dos custos e dos benefícios que resultam dessa decisão. Os benefícios do investimento em capital humano vêm sobretudo da ampliação da capacidade produtiva dos trabalhadores.Os trabalhadores com maior quantidade de capital humano são mais produtivos e recebem maiores salários. Os investimentos em capital humano podem representar uma poderosa ferramenta para melhoria da distribuição de renda entre os indivíduos. O aumento da capacidade produtiva dos trabalhadores também é importante para determinar aumentos da renda nacional. O capital humano pode ter grande impacto sobre o desenvolvimento econômico, não meramente por levar a aumentos no produto interno do país, mas por poder oferecer melhores condições de vidas e bem-estar para os indivíduos. Os indivíduos com maior quantidade de capital humano acumulada são mais produtivos, podendo receber maiores salários. Uma força de trabalho mais produtiva pode afetar positivamente a renda nacional de um país. As estratégias de desenvolvimento de qualquer país deveriam levar em conta também considerações a respeito do capital humano, e não meramente o capital físico. Muitos países atrasados, inclusive o Brasil, ainda possuem grandes deficiências na 37 qualidade de suas populações. A falta de capital humano pode ser vista como uma das principais causas do subdesenvolvimento. As experiências históricas de europeus a países dos Tigres Asiáticos, passando por americanos e japoneses mostram que a qualidade da população é uma variável chave na trajetória de desenvolvimento para qualquer país que anseie atingir um estágio de desenvolvimento superior. 38 Referências Bibliográficas BECKER, Gary S.; MURPHY, Kevin M.; TAMURA, Robert. Human Capital, Fertility, and Economic Growth. Journal of Political Economy. Chicago, v. 98, n. 5, p. 12-37, out. 1990. GOODE, Richard B. Adding to the Stock of Physical and Human Capital. 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