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AV2 - CLÍNICA COM ADOLESCENTES - 2020 1


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AV2 – CLÍNICA COM ADOLESCENTES – 2020.1
A atividade avaliativa proposta constará de fragmentos clínicos com adolescentes e através dos quais será possível uma articulação entre a clínica psicanalítica e a teoria estudada na disciplina clínica com adolescentes. Leia atentamente os trechos selecionados dos casos e responda as questões apresentadas abaixo. Cada questão deverá ter entre 15 e 20 linhas de desenvolvimento. Lembrando que esta avaliação corresponde a 10 pontos e as respostas deverão ser postadas na plataforma Canvas em “atividades avaliativas” até o dia 24.06.2020.
PRIMEIRO FRAGMENTO CLÍNICO
Extraído do artigo de Sônia Alberti e Vera Pollo “Adolescência e criminalidade” Marraio. Número 11. Setembro de 2005 – p.25-36.
Adolescência e criminalidade não formam necessariamente um binômio regular no que se refere ao ato, embora atualmente inúmeras questões associem os dois termos, afirmam as autoras desse artigo. Os adolescentes, autores e atores na linha de frente, presentes de peito aberto nos atos mais surpreendentes, são mais uma vez os que levarão os tiros de uma lei que não é escrita, pois a lei que originalmente humaniza, por mais paradoxal que isso possa parecer, não é simbólica, mas rela. Diante desse cenário, vejamos o fragmento clínico citado no artigo:
Com 13 anos, Marcos é trazido ao ambulatório por sua mãe, que teme por seu futuro. Moram, como ela diz, aos pés de uma favela de traficantes, e o filho, que falta frequentemente à escola, está sob a ameaça de ser expulso de lá, já que pertence a um grupo totalmente indesejável aos olhos da diretora. A mãe desconfia de que ele se tornou um “avião”. O pai é motorista de uma casa de shows e, segundo ela, nã otem nenhuma autoridade sobre o filho. Sempre mal-humorado, o jovem é de poucas palavras; lê e escreve muito mal, e parece não ter inibições. Aceita, no entanto, vir com a mãe ao ambulatório, onde revela sua crença de que tem uma tarefa a cumprir. Expressa-a nos seguintes termos: “tenho de vingar a morte de meu tio”. Comenta, então, que o considerava um irmão devido à pequena diferença de idade, acrescentando saber o motivo de sua morte. Ele havia se envolvido com drogas, e por isso foi assassinado aos 18 anos. 
Indagado sobre a razão do curativo em um dos ombros com que comparece a uma de suas sessões, responde-nos de forma suscinta: “Um tiro me pegou de raspão”. Atormentado pelo peso das palavras que o fazem calar, resta-lhe encenar sua própria versão do drama de Hamlet: receber o fantasma do tio morto que clama por vingança e aguardar a boa hora, em que irá pagar com a própria vida a morte do duplo de si mesmo. 
QUESTÃO
1- Com base na fala do adolescente citado acima e escutado pela equipe no NESA realizada no ambulatório do N.E.S.A (Núcleo de Estudos da Saúde do Adolescente do Hospital Universitário Pedro Ernesto/ UERJ), discorra sobre sua dificuldade em falar sobre o drama vivido de acordo com a visão da psicanálise sobre o sujeito e a sociedade de consumo. Qual a relação entre o lugar que o jovem de periferia possui hoje na sociedade brasileira e o aumento de atos infracionais? Como a psicanálise pode explicar os atos do sujeito em sua relação com os laços sociais? 
Referências bibliográficas indicadas:
NOMINÉ, Bernard. Adolescência ou a Queda do Anjo. In Revista Marraio. Formações Clínicas do Campo Lacaniano nº 1. Rio de Janeiro, 2001,pp. 35-44. (disponível no material de estudo).
ALBERTI & POLLO “Adolescência e criminalidade” Marraio. Número 11. Setembro de 2005 – p.25-36. (disponível no material de estudo).
ZEITOUNE, A clínica psicanalítica do ato infracional: os impasses da sexuação na adolescência Psicanálise & Barroco em revista v.9, n.2: 117-134, dez.2011. (disponível no material de estudo).
SEGUNDO FRAGMENTO CLÍNICO
Extraído do artigo: EXISTE UMA ADOLESCÊNCIA FEMININA? Adolescência: o despertar I Kalimeros - Escola Brasileira de Psicanálise - Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Contra Capa Livraria, 1996 de Vera Pollo.
Aos 18 anos, Glória procura espontaneamente atendimento clínico no NESA. Já na primeira entrevista, ela apresenta uma interpretação de sua posição de sujeito, dizendo simplesmente: "Sou homossexual". Queixa-se de que não pode mais conversar com sua professora, justamente no momento em que precisa falar de algo horrível que lhe aconteceu. Argumeta a favor do seu 'homossexualismo', dizendo que só se sente atraída por mulheres. Seu único namorado não soube compreendê-la quando quis lhe falar sobre essa atração. O fato horrível a que se refere é o suicídio recente de uma moça 'lésbica’ que a vinha cortejando. Glória emprega esses termos: 'homossexual' e 'lésbica’. Diz que essa moça a buscava diariamente na saída da escola e que, diante de sua recusa em ter relações sexuais com ela, ameaçou certa ocasião fazer algo de que ela nunca se esqueceria. A antiga confidente - a quem ela se refere como "minha professora- lhe dissera que não estava mais disposta a ouvir suas histórias, desde o dia em que Glória lhe pediu absoluto segredo, porque seu pai jamais poderia saber de seu homossexualismo. 
Sua conduta em relação ao pai é paradoxal, basculando do segredo submisso ao desafio ostensivo. Receia que ele a expulse de casa, "é o mínimo que faria se soubesse", mas não o poupa de "mentiras" que lhe possibilitem encontrar-se com outra moça "lésbica", antiga companheira da jovem suicida. Orgulhase de ter escrito uma redação para a escola sobre "lesbianismo", que circula pela mão de várias professoras, porque "todas gostaram muito dela". Relata que morou, dos sete aos 13 anos, com um casal de "tios liberais", opondo-os ao pai "preconceituoso" e "desinteressado por tudo o que lhe diz respeito", um pai que "nunca pediu para ver o boletim da filha. Acha que descobriu seu homossexualismo em conversas e afagos com uma prima "liberal", alguém que "conversa sobre todos os assuntos" e procura sempre a companhia de mulheres cerca de dez anos mais velhas do que ela, situando-as no lugar de um certo saber: a professora, a enfermeira .... Refere-se à mãe uma única vez, dizendo-a submissa ao pai, e afirma que "nenhuma garota da escola merece sua amizade". Mas Glória anseia encontrar "uma amiga de verdade, que compreenda tudo" e com quem possa "conversar de tudo". Lembra-se de que, aos seis ou .sete anos, presenciou a morte por afogamento da "única amiga que conseguiu fazer em toda sua vida”. 
Embora se encontre em entrevistas preliminares, a dialética inerente a qualquer discurso faz Glória vacilar em sua primeira certeza interpretativa. Chama a atenção seu uso sistemático dos significantes classificatórios: "tudo, todas" e "único, única. Sua vacilação a leva a enunciar: "todo mundo diz que é comum uma fase de homossexualismo na adolescência. Você também pensa assim? Você também passou por isso?". Glória parece repetir, em forma interrogativa, as palavras freudianas:"[ ... ] Entusiasmos homossexuais, amizades exageradamente intensas e matizadas de sensualidade são bastante comuns em ambos os sexos, durante os primeiros anos após a puberdade". 
Segundo a analista, Glória parece sustentar o desejo decidido de compartilhar apenas o que é da ordem do amor. Parece buscar, na fala e na escrita, palavras mais sutis para dizer o amor. A partir do fragmento que trouxemos, poderíamos chamá-la pelo epíteto "jovem homossexual"? Ou deveríamos, antes, concebê-la como uma adolescente feminina?
 Nossa jovem, como a freudiana, parece dispensar a satisfação no amor. Embora enuncie que isso ocorre por "temor ao pai", ela deixa ver a própria busca da não-satisfação. Segundo Lacan, essa visada da não-satisfação é condição principal para o amor se expandir sob a forma do ideal, porque institui a falta no âmago da relação com o objeto. Como histérica, Glória faz existir a Outra mulher e demanda amor, situando-se no lugar de objeto amado. Em outras palavras, sua posição subjetiva parece dividi-la entre o amor aos moldes masculinos, e o “narcisismo de moça” ou escolha narcísica de objeto, a partir do ideal do eu. Assim é possível entender a razão de Glóriaquerer conquistar as mulheres e seu anseio consciente pela "amiga verdadeira' e pela "compreensão total".
Diremos com Lacan que, do lugar da histérica, ela "perde uma parte essencial da feminilidade" na busca incessante por identificar-se ao significante do desejo do Outro, querendo ser amada e desejada como o falo que ela não é e colmatar, desse modo, sua nostalgia da falta-a-ter. Mais, ainda: enquanto uma variante do amor viril, do qual nos diz Freud, nossa jovem demonstra uma forma de amar visando o gozo mais além da não-satisfação sexual.
QUESTÃO
2- Por meio desse fragmento clínico evidencia-se uma demanda de amor de Glória de ser amada e desejada como o falo, mas é a adolescência que vem trazer o enigma sobre a sexualidade que está para além dessa demanda. Sabendo-se que a adolescência é o momento de encontro com o Real do sexo no entendimento sobre o Outro sexo, como a psicanálise apresenta o adolescente diante diante do enigma da feminilidade“? Como você entende o confronto de Glória com o real do sexo?
Referências bibliográficas indicadas:
POLLO V. EXISTE UMA ADOLESCÊNCIA FEMININA? Adolescência: o despertar I Kalimeros - Escola Brasileira de Psicanálise - Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Contra Capa Livraria, 1996. https://docero.com.br/doc/c5s80 (disponível no material de estudo).
ALBERTI & SILVA SEXUALIDADE E QUESTÕES DE GÊNERO NA ADOLESCÊNCIA: CONTRIBUIÇÕES PSICANALÍTICAS Psic.: Teor. e Pesq., Brasília, 2019, v. 35. https://www.scielo.br/pdf/ptp/v35/pt_0102-3772-ptp-35-e35434.pdf (disponível no material de estudo).
FERNANDES. O TRATAMENTO DADO ÀS QUESTÕES DO AMOR PELA PSICANÁLISE Stylus Rio de Janeiro nº 14 p. 17-26 abril 2007 https://issuu.com/epfclbrasil/docs/n14_full
REPOSTAS:
1) A sociedade brasileira é vítima de uma busca muito maior pelos interesses econômicos e o esquecimento das necessidades da população. Os jovens da periferia dificilmente têm acesso a recursos e investimentos que lhe proporcionem a capacidade de distinguir os princípios da conduta. A falta de investimento nas condições de vida e nas estruturas sociais dessas pessoas não proporciona um cenário onde as pulsões de vida possam se sobrepor as pulsões de morte. Não parece ser interessante aos governantes do país investir para que essa parcela da sociedade tenha condições dignas de transmitir um sustento suficiente para a criança ou adolescente que crescem ali. Pelo contrário, esses indivíduos que necessitam desse investimento são marginalizados pela própria sociedade e assim contribuindo cada vez mais para o seu ingresso na vida do crime.
A psicanalise explica que a criança é o objeto de narcisismo dos pais e que isso é necessário pois quando isso não acontece, ela acaba sendo abandonada, jogada nas ruas onde acaba sendo colocada e serviço do gozo, como acontece bastante nas periferias brasileiras onde em grande parte dos casos a criança dificilmente tem essa atenção e cuidado dos pais. Na adolescência o jovem passa a buscar outras identificações pois o meio familiar passa a não ser suficiente e além de nunca ter tido essa identificação com os pais o jovem da periferia movido pela falta de ideais e colocando como prioridade os objetos de consumo, acaba adentrando num meio com intensa pulsão de morte onde estabelece laços sociais com indivíduos diretamente ligados ao mundo do crime.
2) A psicanalise apresenta o adolescente como um indivíduo que abandona as promessas e expectativas de quando era criança e se depara com uma realidade onde o jovem tem que se virar e lidar com o não ter e o não saber o que o outro deseja. O adolescente vê que a promessa de felicidade que foi adotada durante a infância não se sustenta plenamente. O enigma da feminilidade se apresenta como uma forma de explicar como adolescente lidar com a falta, de se colocar na posição de objeto para o outro e de não saber como e o que fazer para satisfazer o outro.
Glória busca um encontro que satisfaça a sua estrutura de sexualidade, porém, ao ir de encontro com o outro, a fantasia e o imaginário acabam sendo confrontados com real do sexo, pois o mesmo é algo que foge das fantasias, imaginações e simbolizações. A partir daí ela se depara com a falta, com o não saber o que o outro deseja e também não saber como satisfazer o outro plenamente. A busca dela pela ‘’amiga verdadeira’’ e pela ‘’compreensão total’’ se confronta com o real do sexo pois a experiência que ela obtém no encontro com o outro não atende as suas expectativas e suas fantasias.