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20 Lição 3 - Orçamento e Fluxo de Caixa Nesta lição, serão apresentadas duas ferramentas essenciais para a gestão financeira das empresas: o fluxo de caixa e o orçamento de caixa. O primei- ro é utilizado para controlar o montante disponível no caixa da empresa com o objetivo de garantir a disponibilidade de caixa necessária para a ope- ração dos negócios. Já o segundo é utilizado como ferramenta para calcular as necessidades de caixa em um período futuro da empresa, auxiliando os administradores na definição de ações que garantam que essas necessida- des serão atendidas. Ao término dessa lição, você será capaz de: • reconhecer demonstrações de fluxo e orçamento de caixa; • construir demonstrações simples de fluxo e orçamento de caixa; • aplicar o conhecimento adquirido para interpretar e auxiliar na elaboração de demonstrações de fluxos e orçamentos de caixa. 1. Fluxo de Caixa O fluxo de caixa é parte fundamental da gestão empresarial e uma das princi- pais preocupações do administrador financeiro. Ele apresenta o montante de caixa em um determinado período da empresa, que é aumentado por fluxos de entrada de caixa e reduzido por fluxos de saída de caixa. Os fluxos de caixa podem ser divididos em: Fluxos operacionais: diretamente relacionados à produção e venda dos pro- dutos da empresa; Fluxos de investimento: associados à compra e venda de ativos permanentes1 (máquinas, galpões etc.) e participações societárias2; Fluxos de financiamentos: resultantes de transações de financiamento de dívidas e capital próprio. 1. Ativos permanentes Também chamados de ativos fixos, são o grupo de ativos que engloba os recursos aplicados em bens ou direitos de permanência duradoura, destinados ao funcionamento normal da empresa, como instalações, máquinas, equipamentos e veículos. 2. Participações societárias Investimento permanente feito em outras sociedades 21 A figura a seguir apresenta as entradas e saídas referentes a cada um dos flu- xos de caixa de uma empresa. Fluxos de entrada e saída de caixa Fonte: Gitman (2000) As entradas e saídas do fluxo de caixa também podem ser vistas como origem e aplicação de caixa, respectivamente. As origens referem-se a montantes que aumentam o valor do fluxo de caixa, enquanto as aplicações reduzem o valor do fluxo de caixa. 22 São exemplos de origem de caixa: • diminuição de um ativo • aumento de um passivo • lucro líquido após impostos • venda de ações São exemplos de aplicação de caixa: • aumento de um ativo • diminuição de um passivo • prejuízo líquido • dividendos3 pagos • recompra ou resgate de ações Por exemplo, o aumento de estoques de uma empresa representa uma apli- cação de caixa, uma vez que a empresa precisou desembolsar dinheiro de seu caixa para produzir os materiais em estoque. O mesmo acontece com as con- tas a receber, ou seja, o aumento de seu valor representa uma aplicação de caixa. Já para as contas a pagar, a lógica é inversa, pois, quanto maior o prazo para pagamento das contas, maior é o fluxo de caixa, sendo essa uma origem de caixa. Saiba Mais A demonstração de fluxos de caixa para um dado período é elaborada tendo como base os relatórios de demonstração de resultado do exercício em conjunto com o balanço patrimonial do período avaliado. Abaixo está um exemplo de demonstração de fluxos de caixa da empresa XYZ. Pode-se perceber, no exemplo, uma forte entrada de caixa operacional devi- do ao lucro líquido após impostos (R$ 1 milhão), à redução de estoques ocor- rida no período (R$ 100 mil) e à depreciação dos ativos (R$ 100 mil). A soma dessas entradas compensa facilmente a saída de caixa trazida pelo aumento de contas a receber de clientes (R$ 20 mil) e pela redução de contas a pagar para fornecedores (R$ 30 mil). A empresa utilizou o fluxo de caixa operacional positivo, de R$ 1,15 milhão, para investir em novos ativos permanentes (ex.: instalações produtivas: R$ 200 mil), que deixaram o fluxo de investimento negativo nesse mesmo valor. 3. Dividendos Parcela do lucro apurado pela empresa que é distribuída aos acionistas. 23 4. Excedente operacional Caixa positivo gerado por atividades operacionais. 5. Passivo exigível a longo prazo Trata das obrigações com terceiros, como duplicatas a pagar, notas promissórias a pagar, fornecedores, impostos a recolher, contas a pagar, títulos a pagar, contribuições a recolher e outras, que terão seu vencimento após o encerramento do próximo exercício financeiro em relação ao corrente. 6. Liquidez Refere-se à velocidade e facilidade com a qual um ativo pode ser convertido em caixa. Além disso, utilizou o excedente operacional4 para reduzir o passivo exigível a longo prazo5 (R$ 100 mil), quitando dívidas, e para pagar dividendos aos acionistas (R$ 300 mil), deixando o fluxo financeiro também negativo. Ao final do período, a empresa ainda teve um aumento de liquidez6 em caixa de R$ 450 mil. Demonstração de fluxos de caixa da empresa XYZ (R$ mil) Fluxo operacional Lucro líquido após impostos (+) 1.000 Depreciação (+) 100 Aumento de contas a receber (-) (20) Redução dos estoques (+) 100 Redução de contas a pagar (-) (30) Caixa gerado por atividades operacionais 1.150 Fluxo de investimento Aumento em ativos permanentes brutos (200) Mudanças em participações societárias 0 Caixa gerado por atividades de investimento (200) Fluxo financeiro Redução de títulos a pagar (100) Redução de exigível a longo prazo (100) Mudanças no patrimônio líquido 0 Dividendos pagos (300) Caixa gerado por atividades financeiras (500) Aumento de liquidez em caixa 450 Fonte: adaptado de Gitman (2000) 24 Análises como esta, realizada no exemplo anterior, permitem aos admi- nistradores entenderem melhor a situação dos fluxos de caixa da empre- sa e identificar eventuais problemas que podem levar a empresa a alguma dificuldade financeira. Ao interpretar a demonstração do fluxo de caixa, o administrador deve atentar-se tanto para os saldos de cada um dos fluxos como para os itens individuais de entrada e saída de caixa, avaliando se houve algum movimento diferente do que foi definido pela política finan- ceira da companhia. Além disso, é possível elaborar a demonstração de fluxos de caixa a partir de cenários futuros planejados para a empresa. Por exemplo, a entrada da empresa em novos mercados por meio da estratégia de construção de esto- que perto dos clientes. Com isso, os administradores podem avaliar os im- pactos das ações planejadas nos fluxos de caixa, obtendo informações para responder a questões como: o fluxo de caixa gerado pelo lucro em vendas no novo mercado é suficiente para custear os estoques necessários? A em- presa é capaz de gerar caixa adicional que também pode ser usado para pagar dívidas ou investir em novos produtos? Será necessário buscar novas origens de caixa, como a venda de ações, para custear as operações? Saber a resposta dessas respostas são fundamentais para a tomada de decisão. 2. Orçamento O orçamento de caixa é um comparativo das entradas e saídas de caixa plane- jadas para um determinado período e é utilizado para calcular as necessidades de caixa nesse período. Ele faz parte do processo de planejamento do negócio, em que se faz a previsão de vendas, dos requerimentos de ativos permanentes, também chamados de ativos fixos, e dos estoques. Para compor o orçamento, essas informações são combinadas com projeções de contas a receber, paga- mentos de impostos, dividendos, juros etc. Geralmente as empresas utilizam um orçamento de caixa mensal com hori- zonte de um ano e um orçamento diário ou semanal para o mês corrente e/ou seguinte. Os orçamentos mensais são usados para o planejamento de curto e longo prazo, e os diários ou semanais para o controle de caixa real no curtís- simo prazo. A elaboração de um orçamento de caixa tem como principal entrada a pre- visão de vendas, que é desenvolvida geralmente pela área de marketing ou de logística da empresa. De acordo com o volume previsto de vendas,o adminis- trador financeiro calcula os fluxos de caixa gerados pela entrada de receita de vendas e desembolsos relacionados à produção, estoques e vendas. O admi- nistrador também define quais ativos são necessários para suportar as opera- ções e o montante de investimento que precisa ser financiado. A qualidade da previsão de vendas é um fator-chave para a qualidade do orça- mento de caixa elaborado. Essa previsão é desenvolvida a partir de uma com- binação dos seguintes fatores: 25 Externos: obtidos por meio da análise do relacionamento entre o volume de vendas da empresa e indicadores macroeconômicos, como o Produto Interno Bruto (PIB). Além disso, consideram as informações obtidas com os próprios clientes sobre projeções de consumo para os próximos meses. Internos: consideram as informações da própria empresa para a previsão, como o histórico de vendas nos últimos meses, expectativas dos próprios ven- dedores, capacidade produtiva etc. Com base na previsão de vendas, a área de planejamento logístico desenvolve um plano de produção e compra de materiais capaz de atender à demanda identificada, tendo em conta as restrições produtivas dos ativos da empresa e dos fornecedores externos. Durante o processo de planejamento, os níveis de estoque adequados para suportar essas operações também são definidos. Todas essas informações são utilizadas pela área financeira para elaborar o orçamento de caixa. A tabela apresenta um exemplo de orçamento para a em- presa XYZ. A seguir, analisaremos os componentes do exemplo anterior em mais detalhes. Exemplo de orçamento de caixa da empresa ZYZ (R$ mil) Janeiro Fevereiro ... Novembro Dezembro Entradas de caixa (+) 100 120 ... 130 90 Desembolsos de caixa (-) 80 90 ... 100 80 Fluxo de caixa líquido (=) 20 30 ... 30 10 Caixa inicial (+) 40 60 ... 90 120 Caixa final (=) 60 90 ... 120 130 Valor mínimo de caixa requerido (-) 80 80 ... 80 80 Financiamento total necessário (=) 20 0 ... 0 0 Saldo de caixa excedente (=) 0 10 ... 40 50 Fonte: adaptado de Gitman (2000) 2.1 Entradas de Caixa As entradas de caixa incluem componentes como: Vendas previstas: utilizadas para calcular os valores relacionados a vendas; 26 Vendas efetivas: representam as vendas que serão efetivamente pagas por clientes e gerarão uma entrada de receita; Pagamento de contas a receber: pagamentos de clientes referentes às ven- das de meses anteriores; Outras entradas de caixa: referentes às entradas de caixa provenientes de fontes diferentes das vendas. Podem ser relacionadas a recebimento de juros, dividendos e venda de ações, entre outros. A soma de todas as entradas descritas acima forma o total de entradas de caixa a ser considerado no orçamento. 2.2 Desembolsos de Caixa Os desembolsos de caixa incluem todos os desembolsos que a empresa reali- za durante o período do orçamento de caixa, entre os quais estão: Compras: compras de materiais necessários para a operação da empresa e produção dos produtos a serem vendidos, como matérias-primas, materiais de limpeza, ferramentas etc. Compras efetivas: compras efetivamente pagas aos fornecedores. Pagamento de contas a pagar: pagamentos de compras feitas em meses an- teriores; Salários: referentes aos ordenados pagos para os colaboradores da empresa; Outros desembolsos: podem incluir componentes como pagamento de im- postos, de juros, de dividendos e investimentos em ativos permanentes, entre outros. 2.3 Fluxo de Caixa Líquido, Caixa Final, Financiamento e Saldo de Caixa Excedente O fluxo de caixa líquido da empresa representa o montante excedente após a subtração dos desembolsos sobre as entradas de caixa. Esse valor, somado ao caixa inicial, define o caixa final de cada período. O caixa final de cada pe- ríodo é utilizado como valor de caixa inicial no período subsequente, como mostram os números destacados em vermelho na tabela com o exemplo de orçamento de caixa. Por fim, subtrai-se do caixa final o valor mínimo de caixa requerido, para que seja definido o montante de financiamento requerido (caso o caixa final do período seja menor do que o valor mínimo de caixa requerido) ou então o saldo de caixa excedente (caso o caixa final do período seja maior do que o valor mínimo de caixa requerido). 27 Voltando ao exemplo anterior, percebe-se que a empresa XYZ necessitará fazer um financiamento de R$ 20 mil para manter o valor mínimo de caixa requerido em janeiro. Já para os meses seguintes, a empresa terá um saldo de caixa excedente (janeiro, R$ 10 mil; novembro, R$ 40 mil e dezembro, R$ 50 mil), que poderá ser utilizado, entre outros fins, para pagar o financiamento feito em janeiro e os juros associados. Percebe-se, assim, que a análise do orçamento de caixa permite aos admi- nistradores fazerem um prognóstico do caixa disponível em cada período e definir ações financeiras e operacionais que levarão a empresa a cumprir as metas planejadas. Exemplos de ações financeiras foram dadas no parágrafo anterior, como é o caso da tomada de financiamentos. Quanto às ações ope- racionais, podem envolver o corte de gastos nas atividades produtivas da em- presa, reduzindo os desembolsos de caixa previstos no orçamento. Atenção! As previsões feitas no orçamento de caixa podem não acontecer da maneira esperada. Por isso, é preciso que os administradores estejam preparados para reagir a situações adversas. Uma maneira de fazer isso é a simulação de diferentes cenários de orçamen- to de caixa, que considerem mudanças como queda ou aumento nas vendas, variações no preço de matéria-prima e ausência de capital disponível para financiamentos, entre outros. Por fim, também é necessário que seja estabelecida uma rotina de controle e acompanhamento das entradas e desembolsos reais, comparando-os com os valores previstos no orçamento e identificando os principais desvios. Com isso, é possível descobrir as causas dos desvios e gerar ações para corrigi-los, trazendo a empresa novamente ao plano inicial definido como meta. Dica de Leitura Aprenda mais sobre fluxos de caixa e orçamentos no livro “Orçamento Empresarial” de Ivan P. Calvo, José Mauro B. de Almeida, Pedro Leão Bispo, Washington Luiz Ferreira, Editora FGV (1ª Edição, 2012).