Logo Passei Direto
Material
Study with thousands of resources!

Text Material Preview

Utopias da ciência na História
Um dos gêneros mais explorados na literatura ocidental é o da ficção utópi-
ca, que funde especulação filosófica, questionamentos sociais, propostas políti-
cas e escrita literária. Esse gênero é conhecido desde a Grécia antiga. Platão, em 
sua obra A República, descreve uma sociedade imaginária que serviria de modelo 
para julgar e organizar as ações reais (assim ele esperava, ao menos). Mas a palavra 
utopia só foi inventada no século XVI, por Thomas Morus (1478-1535), com o 
significado de lugar ideal, mas inexistente.
Muitas utopias surgiram na época do Renascimento, como A Nova Atlântida 
(1626), de Francis Bacon (1561-1626). Nessa narrativa, reconhecemos os preceitos 
filosóficos do autor, principalmente a ideia de que saber é poder, ou seja, de que 
a ciência é um instrumento de dominação a serviço da política.
Os professores de Filoso�a e de História são indicados, prioritariamente, para o trabalho deste segmento, 
com a colaboração do professor de Língua Portuguesa. 
A Nova Atlântida e Descrição de um novo mundo 
Em A Nova Atlântida (1626), Francis Bacon imaginou a mítica ilha de Bensalem, 
descoberta pela tripulação de um navio europeu em algum lugar do oceano Pací-
fico, onde habitantes cristãos de elevada moralidade e honestidade a toda prova 
viviam uma vida confortável proporcionada pela ciência. Nessa ilha, financiados 
pelo Estado e munidos de instrumentos para a realização de toda sorte de experi-
mentações, investigadores científicos buscavam entender as operações da natureza 
para que esse conhecimento fosse usado para melhorar a civilização.
Bacon não foi o único a escrever narrativas utópicas tendo a ciência como tema. 
Também na Inglaterra, foi publicada a Descrição de um novo mundo, chamado o mun-
do resplandecente (1666), de autoria de Margaret Cavendish (1623-1673). Considerada 
a primeira narrativa utópica escrita por uma mulher, essa obra surpreendente foi pen-
sada como apêndice a um tratado filosófico sobre o método experimental, numa 
tentativa de tornar tais ideias mais acessíveis a um público mais amplo. A própria 
autora dizia tratar-se de um escrito híbrido, mesclando romance, filosofia e fantasia.
Em O Mundo Resplandecente, uma viajante é sequestrada por um marinheiro 
apaixonado. Eles atracam em uma ilha habitada perto do polo norte por causa de 
uma tempestade. Buscando entender as regras daquela sociedade, a protagonista 
BACON, Francis. Novum 
Organon, aforismo III. 
Tradução: José Aluysio Reis 
de Andrade. São Paulo: 
Nova Cultural, 2005. p. 25.
DESCARTES, René. Discurso 
do método: parte VI. 
Tradução: J. Guinsburg e 
Bento Prado Júnior. 3. ed. 
São Paulo: Abril Cultural, 
1983. p. 63.
Conhecer para dominar
A ideia provém da expressão latina scientia potentia est (algo como “conhecimento é 
poder”), conhecida na Idade Média. 
No século XIII, o frei franciscano Roger Bacon (1214-1294) propôs um programa de reforma 
pedagógica no qual a matemática se destacava por sua importância para o domínio do 
saber sobre os fenômenos naturais. Esse sentido reaparece, no século XVII, na filosofia de 
Francis Bacon (1561-1626) com um acréscimo importante: “Ciência e poder do homem 
coincidem, uma vez que, sendo a causa ignorada, frustra-se o efeito. Pois a natureza não se 
vence, se não quando se lhe obedece. E o que à contemplação apresenta-se como causa é 
regra na prática.”.
Nas palavras de Francis Bacon, o conhecimento e o poder humanos coincidem: o primeiro 
permite conhecer as causas dos fenômenos naturais, o que, na prática, pode ser tomado 
como uma regra para a ação humana: o conhecimento seria uma base para a ação e para 
fazer a natureza se conformar a finalidades humanas. 
Esse ideal foi repetido por René Descartes (1596-1650), para quem o conhecimento da 
física possibilitaria “nos tornarmos como que senhores e possuidores da natureza”. 
Conceito
117
V6_Cie_HUM_Igor_g21Sc_Cap5_112-135.indd 117V6_Cie_HUM_Igor_g21Sc_Cap5_112-135.indd 117 26/09/2020 13:0426/09/2020 13:04
se torna imperatriz do local. Ao fim, ela 
retorna à sua terra natal, trazendo os co-
nhecimentos adquiridos na viagem.
Muitos aspectos distinguem o livro de 
Cavendish. Entre eles, o fato de abordar a 
nova ciência e de ter sido escrito por uma 
mulher numa época em que as mulheres 
não tinham sua autonomia reconhecida. 
Além disso, em dado momento, a 
própria narradora interfere na história e 
une-se à heroína. Juntas, as duas criam 
mundos paralelos, nos quais se encon-
tram com os mais famosos pensadores – 
Platão, Pitágoras, Descartes – e decidem, 
no fim, pensar por conta própria. O que 
isso poderia sugerir?
Mesclada à descrição desse mundo 
novo, a fantasia ganha destaque na obra 
de Cavendish: se o conhecimento é uma 
construção coletiva da humanidade, a 
humanidade não é algo abstrato, mas 
sim composta de pessoas com imagina-
ção, sensações, emoções e pensamentos 
próprios. 
É como se Cavendish nos dissesse: o saber possibilita que cada um, por si só, 
abra as portas da imaginação e invente seu próprio mundo, conhecendo-se a si 
mesmo para poder conhecer outros universos. Sua narrativa ainda conta, de manei-
ra criativa e poética, que as mulheres podem ser tão autônomas quanto os homens. 
Essa ideia, tanto naquela época como também hoje, pode ser muito revolucionária, 
você não acha? 
1. Além dos clássicos de Mary Shelley e Margaret Cavendish, muitas obras de fic-
ção científica foram escritas por mulheres. Por exemplo: Orlando (1928), de Vir-
ginia Woolf; O conto da aia (1985) e Oryx e Crake (2003), de Margaret Atwood; 
Eles herdarão a Terra (1960), de Dinah Silveira de Queiróz; Por uma vida menos 
ordinária (2019), de Lady Sybylla. Algumas dessas obras literárias ganharam ver-
sões no cinema, em seriados de TV ou em quadrinhos.
a) Você conhece alguma das obras citadas? Conte aos colegas.
b) Você conhece outras obras de ficção científica escritas por mulheres? Quais?
c) Faça uma pesquisa para saber mais sobre essas obras, buscando descobrir ou-
tras além das já citadas aqui. Depois, conte aos colegas o que você descobriu.
2. Por que você não descreve a própria utopia? Use a imaginação e faça um texto 
sobre como seria o seu mundo ideal.
Professor, no Manual você encontra 
orientações sobre estas atividades.Explorando
NÃO ESCREVA NO LIVRO
Dica
Escrita por Mary Woll-
stonecraft Shelley aos 19 
anos de idade e publica-
da anonimamente em 
1818, Frankenstein ou o 
Prometeu moderno re-
toma e atualiza o antigo 
mito de Prometeu, o titã 
que deu o fogo à huma-
nidade. 
No romance, o Prome-
teu moderno é Victor 
Frankenstein, um cientista 
que testa os limites entre 
a morte e a vida, criando 
um monstro feito a partir 
de partes de corpos hu-
manos. A obra de Mary 
Shelley tornou-se clássica, 
inspirando muitas outras 
desde então.
SHELLEY, Mary. Franken­
stein ou o Prometeu mo­
derno. Tradução: Bruno 
Gambaroto. São Paulo: 
Hedra, 2013.
Margaret Cavendish, em gravura de Abraham van Diepenbeeck, frontispício de 
Natures pictures (1671), de Pieter Lous van Schuppen, c. 1655-1658. Biblioteca 
Britânica, Londres, Inglaterra.
R
e
p
ro
d
u
ç
ã
o
/N
a
ti
o
n
a
l 
P
o
rt
ra
it
 G
a
lle
ry
, 
L
o
n
d
re
s
, 
R
e
in
o
 U
n
id
o
118
V6_Cie_HUM_Igor_g21Sc_Cap5_112-135.indd 118V6_Cie_HUM_Igor_g21Sc_Cap5_112-135.indd 118 26/09/2020 13:0426/09/2020 13:04