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Muitos historiadores e sociólogos investigam a escra- vidão no Brasil, buscando compreender a transformação de suas dinâmicas e explicar seu caráter estruturante. O sociólogo e historiador Luiz Felipe de Alen- castro (1946-) apontou uma importante diferença semântica, isto é, de significado, entre escravidão e escravismo. Segundo o especialista, a escravidão configurou-se como a possibilidade jurídica de um sujeito ser proprietário de outro sujeito destituído de direitos. Escravismo, contudo, se referia a um sistema em que a propriedade escrava era dominante, isto é, uma estrutura social fundada nas relações sociais entre senhor e escravizado, sendo essas relações ge- neralizadas por toda a sociedade. Portanto, o Brasil, o sul dos Estados Unidos e o Caribe são exemplos de sociedades escravistas, ou seja, são regiões onde a escravização fundamentou as relações sociais. Por isso, em uma sociedade escravista, todas as instâncias da vida humana (a moral, a cultura, a eco- nomia, a política, as mentalidades, a vida privada) são determinadas em alguma medida pela existência da mecânica escravista. A escravidão pode até existir em uma sociedade não escravista – existiram escravizados em Paris e em Lisboa, mas em pouquíssima quantida- de, insuficiente para a constituição de um verdadei- ro sistema social. Por outro lado, em toda sociedade escravista, as relações de escravidão são generalizadas, permeando todas as dimensões da vida social. Explorando Professor, no Manual você encontra orientações sobre esta atividade. NÃO ESCREVA NO LIVRO 1. Considerando o conteúdo trabalhado neste Tema, observe os gráficos e responda à questão abaixo. Dica Veja o vídeo com a explicação de Luiz Felipe de Alencastro sobre a diferença entre escravidão e escravismo. Luiz Felipe de Alencastro: a diferença entre escravidão e escravismo. Contracondutas, 2018. Disponível em: http://www. ct-escoladacidade.org/contracondutas/seminarios/seminario-primeiro-ciclo/luiz-felipe-de-alencastro-escravismo-ontem-e- hoje/. Acesso em: 19 jun. 2020. Brasil: rendimento médio real por cor ou raça – 2017 0 500 1 000 1 500 2 000 2 500 3 000 R ea is ( R $) Cor ou raça 1 516 2 615 Pretos e pardosBrancos Brasil: homicídios por cor ou raça – 2017 0 10 000 20 000 30 000 40 000 50 000 14 734 48 524 Não negros Negros N ú m er o d e h o m ic íd io s Cor ou raça Fontes: elaborados com base em IBGE. Síntese de Indicadores Sociais 2018. Rio de Janeiro, IBGE, 2018. p. 29. Disponível em: https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101629.pdf; IPEA. Atlas da violência 2019. Fórum brasileiro de Segurança Pública. p. 49. Disponível em: https://www.ipea.gov.br/atlasviolencia/arquivos/downloads/6537-atlas2019.pdf. Acesso em: 12 ago. 2020. B a n c o d e i m a g e n s /A rq u iv o d a e d it o ra B a n c o d e i m a g e n s /A rq u iv o d a e d it o ra • Você acredita que a sociedade brasileira atual continua marcada pelas conse- quências de séculos de escravismo? Elabore um texto justificando o seu posicio- namento. 71 V5_Cie_HUM_Igor_g21Sc_Cap3_064-087.indd 71V5_Cie_HUM_Igor_g21Sc_Cap3_064-087.indd 71 18/09/2020 11:4318/09/2020 11:43 TEMA 2 A abolição resolve o problema de quem? Entre o fim do século XVIII e o último quartel do século XIX, todas as nações ameri- canas tinham abolido a escravidão, em processos distintos e, como vimos, nem sempre acompanhados por processos de independência. No Brasil, similar ao que ocorrera no Caribe, o fim do tráfico atlântico conduziu a um processo que levou à abolição. Após a independência, as elites econômicas brasileiras, fortemente implicadas na manutenção do sistema de trabalho escravo nas grandes propriedades, se opuseram sistematicamente às pressões pela abolição do tráfico negreiro, sobretudo pela In- glaterra. Mas o custo do trabalho escravo era cada vez maior, o que, além de tornar difícil a sua manutenção, foi um dos fatores que levaram à abolição. Muitos fazendei- ros, inclusive do Nordeste e do Sul do país, eram favoráveis à abolição; outros eram contrários, visto que o fim da escravatura implicava uma mudança completa de sua organização senhorial e o fim de seus privilégios. A influência do ideário de países europeus do século XVIII sobre escravidão e liber- dade, que marcaram os movimentos abolicionistas da Revolução do Haiti (1791-1804), das colônias inglesas do Caribe (1834) e da Guerra Civil americana (1861-1865), também ecoou no Brasil, particu- larmente o pensamento liberal. O liberalismo europeu, que nascera da crítica bur- guesa ao absolutismo e aos abusos da autoridade real, conduzindo à universalidade suas ideias de liberdade, igualdade e direito à propriedade, no Brasil assumiu, pri- meiramente, o caráter de crítica ao poder colonial dos portugueses pelos principais agentes da economia, os grandes proprietários de terras e escravizados – subju- gados aos interesses econômicos de Portugal. Assim, o ideal liberal, adaptado à realidade brasileira e da Améri- ca, influenciou diferentes movimentos revolucionários e abolicionistas. No Brasil, o imaginário em torno da abolição centrou historicamente nas elites o protagonismo em relação aos papéis desempenhados no processo abolicionista. Tal imaginário fez da Lei Áurea (1888) uma concessão hu- manitária em relação aos escravizados, desconsiderando que a abolição atendia, sobretudo, a interesses de uma adequação do Brasil à economia capitalista mundial. Essa adequação, porém, não deve apagar os movi- mentos de resistência dos escravizados e sua luta pela emancipação, que envolveu fugas individuais e coletivas sistemáticas, o abandono das plantações, a criação de quilombos, ataques a feitores e senhores e rebeliões im- portantes, como a Revolta dos Malês (1835), em Sal- vador (BA), e a Revolta de Manuel Congo (1838), em Vassouras (RJ). Os professores de História e de Geogra�a são indicados, prioritariamente, para o trabalho deste segmento. Retrato de Luís Gama, sem data. Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro (RJ). Luiz Gama (1830-1882) era um rábula (pessoa que tinha autorização para trabalhar como advogado, contudo, sem diploma) nos tribunais judiciários da província de São Paulo. Foi um abolicionista negro contundente, res- ponsável pela libertação de mais de 500 escravizados. Intelectual, poeta, jornalista, autor de sátiras sociais e políticas e advogado, foi crítico das elites defensoras da escravidão, sobretudo clérigos e magistrados, rompendo as barreiras impostas a um homem negro no século XIX. Filho de uma quitandeira livre, Luiza Mahin, e de um fi- dalgo baiano de ascendência portuguesa, ainda criança, com a idade de 10 anos, fora vendido para escravização pelo próprio pai (1840), alfabetizando-se aos 17 anos, ain- da na condição de escravizado, por intermédio de um estudante residente na casa de seu senhor. Como escravizado e, posteriormente, liberto, passou pelas cidades do Rio de Janeiro (RJ), de Santos (SP) e de Campi- nas (SP), até radicar-se em São Paulo (SP), onde se tornou figura importante do abolicionismo paulista. Foi autor do livro Primeiras trovas burlescas de Getulino (1859) e de inú- meros poemas, artigos, cartas e máximas. Intitulou-se e ficou conhecido como Orfeu de Carapinha, denomina- ção que fazia referência a suas origens africanas. Pe rfil R e p ro d u ç ã o /F u n d a ç ã o B ib lio te c a N a c io n a l, R io d e J a n e ir o , R J . 72 V5_Cie_HUM_Igor_g21Sc_Cap3_064-087.indd 72V5_Cie_HUM_Igor_g21Sc_Cap3_064-087.indd 72 18/09/2020 11:4318/09/2020 11:43