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CENTRO UNIVERSITÁRIO FAVENI 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
DIVERSIDADE ÉTNICO RACIAL E GÊNERO 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
GUARULHOS – SP 
2 
 
SUMÁRIO 
1 CONTEXTO E DEFINIÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS .............................................................. 3 
2 NORMAS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS .............................................................. 5 
3 TRATADOS ..................................................................................................................................... 6 
4 COSTUME ....................................................................................................................................... 7 
5 DECLARAÇÕES, RESOLUÇÕES, ATOS NORMATIVOS, LEIS ADOTADAS PELOS ÓRGÃOS 
DAS NAÇÕES UNIDAS .......................................................................................................................... 7 
6 PERSPECTIVAS HISTÓRICAS DOS DIREITOS HUMANOS........................................................ 8 
6.1 O Iluminismo ............................................................................................................................ 9 
6.2 Revolução Francesa................................................................................................................ 9 
6.3 O término da Segunda Guerra Mundial e o reconhecimento da necessidade de “olhar” para a 
consolidação dos direitos humanos. ................................................................................................. 10 
7 PARA A FORMAÇÃO E RECONHECIMENTO DAS LIBERDADES ............................................ 11 
8 ORIGEM DOS DIREITOS HUMANOS .......................................................................................... 15 
9 AS DECLARAÇÕES DE DIREITOS .............................................................................................. 17 
10 ARTIGOS DA DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS: .................................. 18 
11 A ORIGEM E FORMAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS INDIVIDUAIS NO BRASIL ........ 24 
11.1 A Origem do Conceito de Cidadania e sua Importância para a Advento dos Estados Modernos
 26 
12 A INEXISTÊNCIA DE REVOLUÇÕES BURGUESAS NO BRASIL E SUAS CONSEQUÊNCIAS 28 
13 MOVIMENTOS SOCIAIS E CIDADANIA NO BRASIL CONTEMPORÂNEO ............................... 33 
14 SOCIEDADES MULTICULTURAIS ............................................................................................... 34 
14.1 Cenário Pós-Colonial............................................................................................................. 36 
15 CONCEITOS DE CULTURA, IDENTIDADE E DIFERENÇA ........................................................ 38 
15.1 Identidade Cultural ................................................................................................................ 40 
15.2 Igualdade e Diferença ........................................................................................................... 43 
15.3 Universalismo e Relativismo ................................................................................................. 44 
16 QUESTÕES E TENSÕES NO COTIDIANO: GÊNERO, RAÇA, ORIENTAÇÃO SEXUAL E 
RELIGIÃO .............................................................................................................................................. 48 
17 ETNOCENTRISMO, ESTEREÓTIPO E PRECONCEITO ............................................................ 51 
18 DIREITOS HUMANOS, CIDADANIA E DEMOCRACIA ................................................................ 61 
3 
 
19 CARACTERÍSTICAS DOS DIREITOS HUMANOS E SUA RELAÇÃO COM O ESPAÇO ESCOLAR
 64 
20 CONCEITOS DE GÊNERO, ETNIA E RAÇA: REFLEXÕES SOBRE A DIVERSIDADE CULTURAL 
NA EDUCAÇÃO ESCOLAR .................................................................................................................. 69 
21 BIBLIOGRAFIA .............................................................................................................................. 74 
 
 
 
 
 
 
 
4 
 
1. CONTEXTO E DEFINIÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS 
 
Fonte:significados.com.br 
 
Os direitos humanos são comumente compreendidos como aqueles direitos 
inerentes ao ser humano. O conceito de Direitos Humanos reconhece que cada ser 
humano pode desfrutar de seus direitos humanos sem distinção de raça, cor, sexo, 
língua, religião, opinião política ou de outro tipo, origem social ou nacional ou condição 
de nascimento ou riqueza. 
Os direitos humanos são garantidos legalmente pela lei de direitos humanos, 
protegendo indivíduos e grupos contra ações que interferem nas liberdades 
fundamentais e na dignidade humana. 
Estão expressos em tratados, no direito internacional consuetudinário, 
conjuntos de princípios e outras modalidades do Direito. A legislação de direitos 
humanos obriga os Estados a agir de uma determinada maneira e proíbe os Estados 
de se envolverem em atividades específicas. No entanto, a legislação não estabelece 
os direitos humanos. Os direitos humanos são direitos inerentes a cada pessoa 
simplesmente por ela ser um humano. 
Tratados e outras modalidades do Direito costumam servir para proteger 
formalmente os direitos de indivíduos ou grupos contra ações ou abandono dos 
governos, que interferem no desfrute de seus direitos humanos. 
Algumas das características mais importantes dos direitos humanos são: 
http://www.un.org/en/sections/issues-depth/human-rights/index.html
5 
 
 Os direitos humanos são fundados sobre o respeito pela dignidade e o valor 
de cada pessoa; 
 Os direitos humanos são universais, o que quer dizer que são aplicados de 
forma igual e sem discriminação a todas as pessoas; 
 Os direitos humanos são inalienáveis, e ninguém pode ser privado de seus 
direitos humanos; eles podem ser limitados em situações específicas. Por 
exemplo, o direito à liberdade pode ser restringido se uma pessoa é 
considerada culpada de um crime diante de um tribunal e com o devido 
processo legal; 
 Os direitos humanos são indivisíveis, inter-relacionados e interdependentes, 
já que é insuficiente respeitar alguns direitos humanos e outros não. Na 
prática, a violação de um direito vai afetar o respeito por muitos outros; 
 Todos os direitos humanos devem, portanto, ser vistos como de igual 
importância, sendo igualmente essencial respeitar a dignidade e o valor de 
cada pessoa. 
1 NORMAS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS 
A expressão formal dos direitos humanos se dá através das normas 
internacionais de direitos humanos. Uma série de tratados internacionais dos direitos 
humanos e outros instrumentos surgiram a partir de 1945, conferindo uma forma legal 
aos direitos humanos inerentes. 
A criação das Nações Unidas viabilizou um fórum ideal para o desenvolvimento 
e a adoção dos instrumentos internacionais de direitos humanos. Outros instrumentos 
foram adotados a nível regional, refletindo as preocupações sobre os direitos 
humanos particulares a cada região. 
A maioria dos países também adotou constituições e outras leis que protegem 
formalmente os direitos humanos básicos. Muitas vezes, a linguagem utilizada pelos 
Estados vem dos instrumentos internacionais de direitos humanos. 
As normas internacionais de direitos humanos consistem, principalmente, de 
tratados e costumes, bem como declarações, diretrizes e princípios, entre outros. 
6 
 
2 TRATADOS 
Um tratado é um acordo entre os Estados, que se comprometem com regras 
específicas. Tratados internacionais têm diferentes designações, como pactos, cartas, 
protocolos, convenções e acordos. Um tratado é legalmente vinculativo para os 
Estados que tenham consentido em se comprometer com as disposições do tratado – 
em outras palavras, que são parte do tratado. 
Um Estado pode fazer parte de um tratado através de uma ratificação, adesão 
ou sucessão. 
A ratificação é a expressão formal do consentimento de um Estado em se 
comprometercom um tratado. Somente um Estado que tenha assinado o tratado 
anteriormente – durante o período no qual o tratado esteve aberto a assinaturas – 
pode ratificá-lo. 
A ratificação consiste de dois atos processuais: a nível interno, requer a 
aprovação pelo órgão constitucional apropriado – como o Parlamento, por exemplo. 
A nível internacional, de acordo com as disposições do tratado em questão, o 
instrumento de ratificação deve ser formalmente transmitido ao depositário, que pode 
ser um Estado ou uma organização internacional como a ONU. 
A adesão implica o consentimento de um Estado que não tenha assinado 
anteriormente o instrumento. Estados ratificam tratados antes e depois de este ter 
entrado em vigor. O mesmo se aplica à adesão. 
Um Estado também pode fazer parte de um tratado por sucessão, que acontece 
em virtude de uma disposição específica do tratado ou de uma declaração. A maior 
parte dos tratados não são auto-executáveis. Em alguns Estados tratados são 
superiores à legislação interna, enquanto em outros Estados tratados recebem status 
constitucional e em outros apenas certas disposições de um tratado são incorporadas 
à legislação interna. 
Um Estado pode, ao ratificar um tratado, formular reservas a ele, indicando que, 
embora consinta em se comprometer com a maior parte das disposições, não 
concorda com se comprometer com certas disposições. No entanto, uma reserva não 
pode derrotar o objeto e o propósito do tratado. 
Além disso, mesmo que um Estado não faça parte de um tratado ou não tenha 
formulado reservas, o Estado pode ainda estar comprometido com as disposições do 
7 
 
tratado que se tornaram direito internacional consuetudinário ou constituem normas 
imperativas do direito internacional, como a proibição da tortura. Todos os tratados 
das Nações Unidas estão reunidos em treaties.un.org. 
3 COSTUME 
O direito internacional consuetudinário – ou simplesmente “costume” – é o 
termo usado para descrever uma prática geral e consistente seguida por Estados, 
decorrente de um sentimento de obrigação legal. 
Assim, por exemplo, enquanto a Declaração Universal dos Direitos Humanos 
não é, em si, um tratado vinculativo, algumas de suas disposições têm o caráter de 
direito internacional consuetudinário. 
4 DECLARAÇÕES, RESOLUÇÕES, ATOS NORMATIVOS, LEIS ADOTADAS 
PELOS ÓRGÃOS DAS NAÇÕES UNIDAS 
Normas gerais do direito internacional – princípios e práticas com os quais a 
maior parte dos Estados concordaria – constam, muitas vezes, em declarações, 
proclamações, regras, diretrizes, recomendações e princípios. 
Apesar de não ter nenhum efeito legal sobre os Estados, elas representam um 
consenso amplo por parte da comunidade internacional e, portanto, têm uma força 
moral forte e inegável em termos na prática dos Estados, em relação a sua conduta 
das relações internacionais. 
O valor de tais instrumentos está no reconhecimento e na aceitação por um 
grande número de Estados e, mesmo sem o efeito vinculativo legal, podem ser vistos 
como uma declaração de princípios amplamente aceitos pela comunidade 
internacional. 
A Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas, por 
exemplo, recebeu o apoio dos Estados Unidos em 2010, o último dos quatro Estados-
membros da ONU que se opuseram a ela. 
Ao adotar a Declaração, os Estados se comprometeram a reconhecer os 
direitos dos povos indígenas sob a lei internacional, com o direito de serem 
respeitados como povos distintos e o direito de determinar seu próprio 
https://treaties.un.org/
8 
 
desenvolvimento de acordo com sua cultura, prioridades e leis consuetudinárias 
(costumes). 
5 PERSPECTIVAS HISTÓRICAS DOS DIREITOS HUMANOS 
Não há dúvidas de que os direitos humanos são dotados de indeclinável e 
inegável importância; eles são base de todos os ordenamentos jurídicos, requisito 
indispensável para se qualificar, verdadeiramente, um Estado como Democrático. 
Como já restou assentado pelo Supremo Tribunal Federal, em mais de uma 
oportunidade, no Estado de Direito democrático “devem ser intransigentemente 
respeitados os princípios que garantem a prevalência dos direitos humanos”[1]. 
Dessa ideia inicial extrai-se uma das justificativas para o desenvolvimento de 
uma Teoria Geral dos Direitos Humanos. Um dos tópicos mais relevantes para 
compreensão da Teoria é a leitura dos direitos dos homens partindo-se de diferentes 
perspectivas históricas. 
Dessa forma, almeja-se no presente artigo vislumbrar a historicidade dos 
direitos partindo-se de pontos não iguais, embora conectados. Tais perspectivas são: 
os marcos mais citados, os pensamentos mais significativos e os documentos mais 
relevantes. 
É importante sublinhar que aqui se campeia em terrenos de suma 
imprescindibilidade dentro da supracitada Teoria Geral, cujo enfoque atende a uma 
das principais características dos direitos humanos, qual seja: a sua historicidade. 
Esta vem sempre acompanhada de tantas outras características citadas pela mais 
vasta doutrina (v.g.: universalidade, essencialidade, irrenunciabilidade, 
inalienabilidade, indisponibilidade, inesgotabilidade, inexauribilidade, 
imprescritibilidade, efetividade, inviolabilidade, complementaridade, limitabilidade, 
vedação ao retrocesso, indivisibilidade e inter-relacionaridade). 
Adentra-se, então, no estudo da evolução histórica dos direitos humanos 
partindo-se da perspectiva relacionada aos marcos mais citados. 
Podem ser destacados três marcos históricos fundamentais, quais sejam: o 
Iluminismo, a Revolução Francesa e o término da Segunda Guerra Mundial. 
9 
 
5.1 O Iluminismo 
O Iluminismo (ou Era da Razão) configurou revolução intelectual que se 
efetivou no continente europeu, particularmente na França, durante o século XVIII. 
Esse movimento representou o auge das transformações culturais iniciadas no século 
XIV pelo movimento renascentista, e colocou em destaque os valores da burguesia, 
favorecendo o aumento dessa camada social. 
O Iluminismo procurava uma explicação por meio da razão para todos os 
acontecimentos; rompendo, assim, com as formas de pensar que até o momento eram 
aceitas. Alguns princípios podem ser destacados como norteadores da sociedade à 
época, quais sejam: a busca da felicidade; a garantia dos direitos, da liberdade 
individual e da livre posse de bens pelo governo; a tolerância para a expressão de 
ideias; e a igualdade perante a lei[5]. 
Entre os principais filósofos do movimento, podem ser citados: John Locke 
(1632-1704); Voltaire (1694-1778); Jean-Jacques Rousseau (1712-1778); 
Montesquieu (1689-1755); Denis Diderot (1713-1784); e Jean Le Rond d´Alembert 
(1717-1783). 
Cabe, nessa altura, também fazer referência ao movimento do Humanismo. Tal 
movimento exaltava o valor humano como meio e finalidade. O Humanismo difundiu-
se por toda a Europa e caracterizou o início da cultura moderna. Para o pensamento 
humanista o valor fundamental de uma doutrina é o homem, seu sentimento, sua 
originalidade e sua superioridade sobre os outros animais. O homem passa a ser visto 
como um ser que pode construir seu próprio destino 
5.2 Revolução Francesa 
A Revolução Francesa foi um movimento político e social que questionava os 
privilégios da nobreza e do clero, bem como o poder absoluto do monarca. Por volta 
de 1789, a França enfrentava uma grave crise econômica, sendo que a maioria dos 
trabalhadores rurais pagava excessiva carga tributária. Já a indústria funcionava de 
forma muito artesanal e o comércio também enfrentava dificuldades. 
Dentre as principais vitórias dos revoltosos franceses, está a proclamação da 
Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, documento dos mais 
indispensáveis para a evolução concreta dos direitos humanos. Ele assegura, dentre 
10 
 
outros direitos, a liberdade, a igualdade e a propriedade. A Declaração, inspirada em 
ideias iluministas, serviu de base para a construção de diversas Constituições deEstados Democráticos. A Revolução Francesa incentivou muitos outros movimentos 
revolucionários nas décadas seguintes, marcando a luta pelo fim dos privilégios 
sociais e pela promoção da dignidade humana. 
O lema da Revolução Francesa era: liberdade, igualdade e fraternidade. Tais 
ideias representam as três primeiras e clássicas gerações ou dimensões de direitos. 
Nessa conjuntura, calha sublinhar a doutrina de Immanuel Kant, exposta em 
suas obras Crítica da Razão Pura (1781), Crítica da Razão Prática (1788) e a Crítica 
do Juízo (1790). Com arrimo em uma vertente racionalista, Kant definiu o Estado como 
instrumento de produção das leis, representando os cidadãos, sendo a liberdade o 
principal fundamento para se valorizar a dignidade humana. 
5.3 O término da Segunda Guerra Mundial e o reconhecimento da necessidade 
de “olhar” para a consolidação dos direitos humanos. 
A Segunda Guerra Mundial foi o fato histórico impulsionador decisivo do 
surgimento e da consolidação do Direito Internacional dos Direitos Humanos. 
O processo de internacionalização dos direitos humanos – que, por sua vez, 
pressupõe a delimitação da soberania estatal – passa, assim, a ser uma importante 
resposta na busca da reconstrução de um novo paradigma, diante do repúdio 
internacional às atrocidades cometidas no holocausto. Todavia, não bastou apenas o 
fim da Segunda Guerra Mundial para consolidar o surgimento do Direito Internacional 
dos Direitos Humanos, sendo esta sua matriz histórica. Os direitos humanos passam 
mesmo a ser importantes na agenda internacional com o advento da Carta das 
Nações Unidas, em 1945, bem como com a promulgação da Declaração Universal 
dos Direitos Humanos, em 1948, pelas quais os direitos humanos passaram a ter 
atenção central na pauta internacional. 
O processo de generalização da proteção dos direitos humanos 
desencadeouse no plano internacional a partir da adoção em 1948 das Declarações 
Universal e Americana dos Direitos Humanos. Era preocupação corrente, na época, a 
restauração do direito internacional em que viesse a ser reconhecida a capacidade 
processual dos indivíduos e grupos sociais no plano internacional. Para isto 
contribuíram de modo decisivo as duras lições legadas pelo holocausto da segunda 
11 
 
guerra mundial. A Segunda Guerra Mundial e todos os horrores nela praticados 
atestaram o fracasso da humanidade (especialmente das nações ditas poderosas) em 
promover e proteger os direitos humanos, mas, igualmente, fez surgir, embora 
dolorosamente, as bases desse novo Direito, fundadas, principalmente e 
essencialmente, nas urgentes e necessárias promoção e proteção da dignidade da 
pessoa humana em âmbito universal. No capítulo a seguir, veremos a cronologia 
histórica de alguns marcos importantes para a consolidação dos direitos humanos. 
 
6 PARA A FORMAÇÃO E RECONHECIMENTO DAS LIBERDADES 
Como outrora indiciado, a historicidade também pode ser representada pela 
cronologia dos documentos importantes para a formação e reconhecimento das 
liberdades. 
 
Magna Carta 
O primeiro documento majoritariamente referido pela doutrina quanto aos 
direitos humanos é a Magna Carta, de 1215. Trata-se de um acordo entre reis e 
barões revoltados. Ela direciona-se à proteção dos direitos dos ingleses, originários 
da law of the land (lei da terra). Embora restrita aos ingleses, ela é o nascedouro dos 
direitos, tendo influenciado inúmeros outros documentos. Seu principal desiderato é a 
limitação do poder do rei. A judicialidade é um dos princípios do Estado de Direito. 
Prevê, v.g., direito de ir e vir, propriedade privada e graduação da pena do delito. 
 
Petition of Rights 
Em 1628 adota-se a Petition of Rights. Ela reafirmou os direitos da Magna 
Carta, dando ênfase à, v.g., propriedade e à proibição da detenção arbitrária. 
 
Habeas Corpus Act 
O Habeas Corpus Act data de 1679, remete ao habeas corpus, uma das mais 
relevantes garantias aos direitos humanos já criadas na história da Humanidade. Este 
documento foi fortemente influenciado pela Magna Carta e almejava, principalmente, 
garantir o direito de ir e vir. 
https://jus.com.br/tudo/propriedade
12 
 
Bill of Rights 
A Declaração de Direitos de 1689, ou Bill of Rights, submete a monarquia 
inglesa à soberania popular. Ela limita a autoridade real. Ao rei não mais é permitido 
suspender leis ou as descumprir, muito menos pode cobrar tributos sem o 
consentimento do Parlamento. Assegura-se a supremacia do Parlamento. Neste 
momento, são dados passos importantes para a definição da separação de poderes. 
 
Rule of Law 
Os quatro documentos citados (Magna Carta, Petition of Rights, Habeas 
Corpus Act e Bill of Rights) exaltam a regra da Rule of Law, que dispõe sobre a 
necessidade de todos se sujeitam ao Direito (Estado de Direito), inclusive os 
detentores do poder. 
 
Declaração de Virgínia 
Uma noção mais clara de direitos individuais é instaurada com a Declaração de 
Virgínia, de 1776, a qual abre caminho para a independência dos Estados Unidos. Ela 
preceitua sobre o direito de igualdade, o poder emanado do povo, o direito à felicidade, 
a separação de poderes, o direito geral ao sufrágio e o direito à propriedade. Em 04 
de julho de 1776 há também a Declaração Americana da Independência. 
 
Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão 
No ano de 1789, aprova-se a, importante é já citada, Declaração dos Direitos 
do Homem e do Cidadão, proclamada na França. É a mais famosa de todas as 
Declarações. É curioso ressaltar que ela ainda está em vigor na França e integra o 
bloco de constitucionalidade daquele país. Sua finalidade principal é proteger os 
direitos dos homens contra os atos do governo. Seu objetivo imediato é instruir os 
indivíduos de seus direitos fundamentais; possuindo, para tanto, interessante caráter 
pedagógico. Como é uma Declaração, os direitos nela são apenas recordados, pois 
preexistem a ela. A igualdade perante a lei é o elemento essencial da Declaração, 
conforme seu art. 6º. O presente documento, decorrente da Revolução Francesa 
(liberdade, igualdade e fraternidade), foi a base para a Declaração Universal dos 
Direitos Humanos da ONU, de 1948. 
 
Constituição Francesa 
https://jus.com.br/tudo/separacao
https://jus.com.br/tudo/habeas-corpus
https://jus.com.br/tudo/habeas-corpus
13 
 
Outra fonte histórica dos direitos humanos é a Constituição Francesa, de 
1848, fundamental para a futura consagração dos direitos econômicos e sociais 
(segunda geração) nas Leis Fundamentais dos demais países. 
 
Constituição do México 
Mais recente, mas mesmo assim influenciadora, foi a Constituição do México, 
de 1917. Ela constitucionalizou de forma expressa os direitos econômicos, sociais e 
culturais[17] e exaltou a função social da propriedade. O seu art. 123 tratava de vários 
assuntos inéditos em âmbito constitucional, tais como a limitação da jornada de 
trabalho, a disciplina do trabalho de menores, bem como a limitação de horas diárias 
para os menores, a limitação de horas de jornada de trabalho noturno, o descanso 
semanal, o salário mínimo, a igualdade salarial, o direito de greve e outros institutos 
inovadores que vieram proteger os hipossuficientes integrantes das relações de 
trabalho. 
 
Declaração Russa dos Direitos do Povo Trabalhador e Explorado 
A Declaração Russa dos Direitos do Povo Trabalhador e Explorado, de 1918, 
merece destaque, já que visava, conforme seu Capítulo II, “principalmente a suprimir 
toda exploração do homem pelo homem, a abolir completamente a divisão da 
sociedade em classes, a esmagar implacavelmente todos os exploradores, a instalar 
a organização socialista da sociedade e a fazer triunfar o socialismo em todos os 
países (...)”. 
 
Constituição alemã de Weimer 
A Constituição alemã de Weimer, de 1919, surgiu como fruto da Primeira 
Guerra Mundial. O Estado Democrático Social, cujos parâmetros já haviam sido 
delineados pela Constituiçãomexicana de 1917, adquiriu com a Constituição alemã 
uma melhor estruturação. E, tal como a Constituição do México, os direitos trabalhistas 
e previdenciários ganharam o status de direitos fundamentais. Ela estabeleceu um 
novo modelo constitucional para os direitos sociais e influenciou muitas outras, como 
a Constituição brasileira de 1934. 
 
Tratado de Versalles, Carta da ONU, e a Declaração Universal dos Direitos 
Humanos 
https://jus.com.br/tudo/jornada-de-trabalho
https://jus.com.br/tudo/jornada-de-trabalho
14 
 
É possível, por fim, realçar outros documentos, como o Tratado de Versalles, 
de 1919 (que criou a Liga das Nações e a Organização Internacional do Trabalho – 
OIT), a Carta da ONU, de 1945, e a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 
1948. 
As atrocidades resultantes da Primeira Grande Guerra (1914-1918) geraram 
um sentimento de necessidade de pacificação mundial. Dessa forma, celebrou-se 
o Tratado de Versailes, em 28 de junho de 1919. Em anexo a esse documento foi 
aprovado o Pacto da Sociedade das Nações ou Liga das Nações. 
Além da Liga das Nações foi criada a Organização Internacional do Trabalho, 
em 1919, também pelo Tratado de Versailes, ou Tratado de Paz, resultado da 
Conferência da Paz. Esse documento entrou em vigor em 10 de janeiro de 1920. A 
disciplina da OIT constava, mais especificamente, na Parte XIII do Tratado. 
 
Carta de São Francisco ou Carta da ONU 
Em razão do fracasso da Sociedade das Nações em evitar a Segunda Grande 
Guerra, celebrou-se a Carta de São Francisco ou Carta da ONU, de 1945. A atual 
Organização das Nações Unidas veio substituir a combalida Liga. 
 
Declaração Universal de 1948 
Além da Carta da ONU merece referência a Declaração Universal de 1948. 
Entretanto, aconselha-se sua compreensão dentro da noção de Carta Internacional 
dos Direitos Humanos ou Declaração Internacional de Direitos (International Bill of 
Rights)[19]. 
 
Carta Internacional dos Direitos Humanos 
A Carta Internacional dos Direitos Humanos é constituída por três documentos, 
os mais importantes do sistema global, de alcance generalizado, ou seja, integram o 
sistema homogêneo[20] ou geral do sistema global da ONU. 
Analisar a Carta internacional coincide com a análise de três grandes 
instrumentos internacionais de salvaguarda aos direitos humanos em escala global: 
a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948; o Pacto Internacional sobre 
Direitos Civis e Políticos, de 1966; e o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, 
Sociais e Culturais, de 1966. Nessa tessitura, gize-se que o processo “universal dos 
direitos humanos teve início com a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 
https://jus.com.br/tudo/processo
15 
 
1948, (...) afirmando serem os direitos humanos (...) universais, indivisíveis, 
interdependentes, inter-relacionados e dotados de unidade (....)”, e se consolidou com 
os dois Pactos de Nova York, ambos de 1966. 
A despeito da perspectiva adotada (marcos, pensamentos ou documentos), o 
estudo da evolução histórica dos direitos humanos conduz à conclusão de que eles 
estão em constante processo de enriquecimento, haja vista que a “conquista e a 
ampliação do rol de direitos é uma imperativa e constante necessidade mundana, sob 
pena de a figura humana, com o passar do tempo, ser relegada a segundo plano; o 
que é inconcebível”. 
7 ORIGEM DOS DIREITOS HUMANOS 
O movimento contemporâneo pelos direitos humanos teve origem na 
reconstrução da sociedade ocidental ao final da segunda guerra mundial. Neste 
sentido, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, é um marco que veio 
responder às atrocidades que aconteceram durante a segunda guerra mundial. Na 
verdade, os direitos humanos não surgiram com a declaração universal dos direitos 
humanos. Duas histórias podem ser contadas a respeito da sua origem. 
A primeira história associa a ideia de direitos humanos a um certo consenso 
cultural e religioso. De acordo com essa abordagem, há uma ética ou uma moral 
comum a todas as culturas e religiões e que pode ser expressa em termos de direitos. 
A segunda história considera os direitos humanos como o resultado de um 
longo processo de evolução, que implica numa promessa de progresso e almeja a um 
futuro feliz. Esta ideia de progresso inevitável da sociedade humana ganhou força com 
o debate filosófico que precedeu e inspirou a Revolução Francesa e resultou na 
primeira grande declaração de direitos. 
A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão foi promulgada em 26 de 
agosto de 1789, na França. Ela está intimamente relacionada com a Revolução 
Francesa. Para se ter uma ideia da importância que os revolucionários atribuíam ao 
tema dos direitos, basta constatar que os deputados passaram uma semana reunidos 
na Assembleia Nacional francesa debatendo os artigos que compõem o texto da 
declaração. Isso com o país ainda a ferro e a fogo após a tomada da Bastilha em 14 
de julho daquele mesmo ano. Havia urgência em divulgar a declaração para legitimar 
16 
 
o governo que se iniciava com o afastamento do rei Luís XVI, que seria decapitado 
quatro anos depois, em 21 de janeiro de 1793. Era preciso fundamentar o exercício 
do poder, não mais na suposta ligação dos monarcas com Deus, mas em princípios 
que justificassem e guiassem legisladores e governantes daquele momento em 
diante. No dia 20 de agosto de 1789, a Assembleia Nacional francesa começou a 
discutir os 24 artigos rascunhados por um grupo de quarenta deputados. Após seis 
dias de debates intensos, os deputados haviam aprovado somente 17 artigos. Diante 
das medidas urgentes a serem tomadas, no dia 27 de agosto de 1789 os deputados 
decidiram encerrar a discussão e adotar os artigos já aprovados como a Declaração 
dos Direitos do Homem e do Cidadão. Sem mencionar o rei, a nobreza ou o clero, a 
declaração afirmava que “os direitos naturais, inalienáveis e sagrados do homem são 
a fundação de todo e qualquer governo”. Quem passa a deter a soberania é a nação, 
e não o rei. Todos são proclamados iguais perante a lei, eliminando todos os 
privilégios de nascimento. Termos como “homens”, “homem”, “todo homem”, “todos 
os homens”, “todos os cidadãos”, “cada cidadão”, “sociedade”, e “todas as 
sociedades”, asseguram a universalidade dos direitos afirmados naquele documento. 
A reação à sua promulgação foi imediata, chamando a atenção da opinião pública nos 
países vizinhos para a questão dos direitos. A reação do inglês Edmund Burke em 
Reflections on the Revolution in France, de 1790, constitui inclusive o texto fundador 
do conservadorismo. 
A importância desse documento nos dias de hoje é ter sido a primeira 
declaração de direitos e fonte de inspiração para outras que vieram posteriormente, 
como a Declaração Universal dos Direitos Humanos aprovada pela ONU 
(Organização das Nações Unidas), em 1948. Prova disso é a comparação dos 
primeiros artigos de ambas: 
 
 O Artigo primeiro da Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão de 
1789, diz: “Os homens nascem e permanecem livres e iguais em direitos. 
As distinções sociais só podem fundar-se na utilidade comum”. 
 O Artigo primeiro da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 
proclama: “Todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos. 
São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros 
com espírito de fraternidade”. 
17 
 
 
 
Fonte: docplayer.com.br 
 
Ambas as declarações de direitos acima mencionadas ecoam a fórmula solene 
de Thomas Jefferson na Declaração de Independência de 1776: 
“Tomamos estas verdades como auto evidentes, de que todos os homens 
foram criados iguais, e que foram dotados pelo Criador de certos direitos 
inalienáveis, dentre os quais estão a Vida, a Liberdade e a busca pela 
Felicidade. ” 
8 AS DECLARAÇÕES DE DIREITOS 
As declarações de direitos se apresentam de maneira parecida: após um 
preâmbulo que introduz atemática geral do texto, segue uma lista de artigos que 
explicitam vários direitos. Faz-se necessário ressaltar, contudo, que uma declaração 
de direitos é muito mais do que uma enumeração de direitos. O preâmbulo da 
Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, revela a intenção dos 
seus autores: eles “expõem”, “declaram”, “lembram”. 
A Declaração é um ato de reconhecimento: não se trata de um ato criador. Os 
direitos por ela enunciados existem, são inerentes à natureza humana. Seria, portanto, 
absurdo pretender criá-los. Basta constatar a sua existência. 
Este fato é importante porque estabelece a diferença clara entre as declarações 
de direitos e os textos legais: uma lei pode ser revogada pela mesma autoridade que 
a promulgou, enquanto que um direito não pode ser eliminado porque ninguém é 
responsável pela sua criação. 
O que podemos fazer é constatar a sua existência e reconhecê-los. A 
Declaração tem um caráter pedagógico: estes direitos foram esquecidos ou ignorados. 
18 
 
Faz-se necessário torná-los incontestáveis. Para este efeito, um simples enunciado 
não basta, é preciso uma exposição que forneça explicações que convençam o leitor. 
A Declaração propõe uma sistematização das relações entre o homem e a 
sociedade. O seu caráter doutrinal, sua intenção pedagógica, contrasta com o 
empirismo característico dos documentos mais recentes. Nesta declaração de direitos 
constata-se a ausência de um caráter efetivador: os constituintes sabiam 
perfeitamente que a constatação dos direitos humanos não basta para assegurar o 
seu respeito. Depois de declará-los, é ainda preciso garantí-los. Trata-se, contudo, de 
duas etapas distintas. 
A Declaração indica os direitos que implicam numa garantia, mas a efetivação 
dessa garantia incumbe à Constituição, de acordo com a fórmula do artigo 16 da 
própria Declaração: “Toda sociedade na qual (…) a garantia dos direitos não é 
assegurada não tem constituição.” Constata-se aqui que um certo paradoxo cerca a 
ideia de direitos humanos tal qual explicitada pelas declarações de direitos. 
Com efeito, se por um lado trata-se de uma ideia bastante utópica e sonhadora, 
por outro lado, a efetivação dos direitos remete a várias questões práticas que têm 
influência direta na nossa vida cotidiana. Além disso, como conciliar a ideia filosófica 
de que os direitos humanos existem desde sempre, pois, estão inevitavelmente 
associados à própria existência do ser humano, e a possibilidade de progresso das 
condições e da consequente libertação do gênero humano da opressão e das 
injustiças que os direitos humanos podem promover na medida em que passam a ser 
reconhecidos? Este paradoxo explica porque os direitos humanos foram considerados 
por muito tempo como um capricho de sonhadores incorrigíveis. 
9 ARTIGOS DA DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS: 
Artigo 1° 
Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. 
Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito 
de fraternidade. 
 
Artigo 2° 
19 
 
Todos os seres humanos podem invocar os direitos e as liberdades 
proclamados na presente Declaração, sem distinção alguma, nomeadamente de raça, 
de cor, de sexo, de língua, de religião, de opinião política ou outra, de origem nacional 
ou social, de fortuna, de nascimento ou de qualquer outra situação. 
Além disso, não será feita nenhuma distinção fundada no estatuto político, 
jurídico ou internacional do país ou do território da naturalidade da pessoa, seja esse 
país ou território independente, sob tutela, autônomo ou sujeito a alguma limitação de 
soberania. 
 
Artigo 3° 
Todo indivíduo tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal. 
 
Artigo 4° 
Ninguém será mantido em escravatura ou em servidão; a escravatura e o trato 
dos escravos, sob todas as formas, são proibidos. 
 
Artigo 5° Ninguém será submetido à tortura nem a penas ou tratamentos 
cruéis, desumanos ou degradantes. 
 
Artigo 6° 
Todos os indivíduos têm direito ao reconhecimento, em todos os lugares, da 
sua personalidade jurídica. 
 
Artigo 7° 
Todos são iguais perante a lei e, sem distinção, têm direito a igual proteção da 
lei. Todos têm direito a proteção igual contra qualquer discriminação que viole a 
presente Declaração e contra qualquer incitamento a tal discriminação. 
 
Artigo 8° 
Toda a pessoa tem direito a recurso efetivo para as jurisdições nacionais 
competentes contra os atos que violem os direitos fundamentais reconhecidos pela 
Constituição ou pela lei. 
 
Artigo 9° 
20 
 
Ninguém pode ser arbitrariamente preso, detido ou exilado. 
 
Artigo 10° 
Toda a pessoa tem direito, em plena igualdade, a que a sua causa seja 
equitativa e publicamente julgada por um tribunal independente e imparcial que decida 
dos seus direitos e obrigações ou das razões de qualquer acusação em matéria penal 
que contra ela seja deduzida. 
 
Artigo 11° 
1- Toda a pessoa acusada de um ato delituoso presume-se inocente até que a 
sua culpabilidade fique legalmente provada no decurso de um processo público em 
que todas as garantias necessárias de defesa lhe sejam asseguradas. 
2- Ninguém será condenado por ações ou omissões que, no momento da sua 
prática, não constituíam ato delituoso à face do direito interno ou internacional. Do 
mesmo modo, não será infligida pena mais grave do que a que era aplicável no 
momento em que o ato delituoso foi cometido. 
 
Artigo 12° 
 Ninguém sofrerá intromissões arbitrárias na sua vida privada, na sua família, 
no seu domicílio ou na sua correspondência, nem ataques à sua honra e reputação. 
Contra tais intromissões ou ataques toda a pessoa tem direito a proteção da lei. 
 
Artigo 13° 
1- Toda a pessoa tem o direito de livremente circular e escolher a sua 
residência no interior de um Estado. 
2- Toda a pessoa tem o direito de abandonar o país em que se encontra, 
incluindo o seu, e o direito de regressar ao seu país. 
 
Artigo 14° 
1- Toda a pessoa sujeita a perseguição tem o direito de procurar e de beneficiar 
de asilo em outros países. 
2- Este direito não pode, porém, ser invocado no caso de processo realmente 
existente por crime de direito comum ou por atividades contrárias aos fins e aos 
princípios das Nações Unidas. 
21 
 
Artigo 15° 
1- Todo o indivíduo tem direito a ter uma nacionalidade. 
2- Ninguém pode ser arbitrariamente privado da sua nacionalidade nem do 
direito de mudar de nacionalidade. 
 
Artigo 16° 
1- A partir da idade núbil, o homem e a mulher têm o direito de casar e de 
constituir família, sem restrição alguma de raça, nacionalidade ou religião. Durante o 
casamento e na altura da sua dissolução, ambos têm direitos iguais. 
2- O casamento não pode ser celebrado sem o livre e pleno consentimento dos 
futuros esposos. 
3- A família é o elemento natural e fundamental da sociedade e tem direito à 
proteção desta e do Estado. 
 
Artigo 17° 
1- Toda a pessoa, individual ou coletiva, tem direito à propriedade. 
2- Ninguém pode ser arbitrariamente privado da sua propriedade. 
 
Artigo 18° 
Toda a pessoa tem direito à liberdade de pensamento, de consciência e de 
religião; este direito implica a liberdade de mudar de religião ou de convicção, assim 
em público como em privado, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pelos ritos. 
 
Artigo 19° 
Todo o indivíduo tem direito à liberdade de opinião e de expressão, o que 
implica o direito de não ser inquietado pelas suas opiniões e o de procurar, receber e 
difundir, sem consideração de fronteiras, informações e ideias por qualquer meio de 
expressão. 
 
Artigo 20° 
1- Toda a pessoa tem direito à liberdade de reunião e de associação pacíficas. 
2- Ninguém pode ser obrigado a fazer parte de uma associação. 
 
Artigo 21° 
22 
 
1- Toda a pessoa tem o direito de tomar parte na direção dos negócios públicos 
do seu país, quer diretamente,quer por intermédio de representantes livremente 
escolhidos. 
2- Toda a pessoa tem direito de acesso, em condições de igualdade, às 
funções públicas do seu país. 
3- A vontade do povo é o fundamento da autoridade dos poderes públicos: e 
deve exprimir-se através de eleições honestas a realizar periodicamente por sufrágio 
universal e igual, com voto secreto ou segundo processo equivalente que salvaguarde 
a liberdade de voto. 
 
Artigo 22° 
Toda a pessoa, como membro da sociedade, tem direito à segurança social; e 
pode legitimamente exigir a satisfação dos direitos econômicos, sociais e culturais 
indispensáveis, graças ao esforço nacional e à cooperação internacional, de harmonia 
com a organização e os recursos de cada país. 
 
Artigo 23° 
1- Toda a pessoa tem direito ao trabalho, à livre escolha do trabalho, a 
condições equitativas e satisfatórias de trabalho e à proteção contra o desemprego. 
2- Todos têm direito, sem discriminação alguma, a salário igual por trabalho 
igual. 
3- Quem trabalha tem direito a uma remuneração equitativa e satisfatória, que 
lhe permita e à sua família uma existência conforme com a dignidade humana, e 
completada, se possível, por todos os outros meios de proteção social. 
4- Toda a pessoa tem o direito de fundar com outras pessoas sindicatos e de 
se filiar em sindicatos para defesa dos seus interesses. 
 
Artigo 24° 
Toda a pessoa tem direito ao repouso e aos lazeres, especialmente, a uma 
limitação razoável da duração do trabalho e as férias periódicas pagas. 
 
Artigo 25° 
1- Toda a pessoa tem direito a um nível de vida suficiente para lhe assegurar e 
à sua família a saúde e o bem-estar, principalmente quanto à alimentação, ao 
23 
 
vestuário, ao alojamento, à assistência médica e ainda quanto aos serviços sociais 
necessários, e tem direito à segurança no desemprego, na doença, na invalidez, na 
viuvez, na velhice ou noutros casos de perda de meios de subsistência por 
circunstâncias independentes da sua vontade. 
2- A maternidade e a infância têm direito a ajuda e a assistência especiais. 
Todas as crianças, nascidas dentro ou fora do matrimônio, gozam da mesma proteção 
social. 
 
Artigo 26° 
1- Toda a pessoa tem direito à educação. A educação deve ser gratuita, pelo 
menos a correspondente ao ensino elementar fundamental. O ensino elementar é 
obrigatório. O ensino técnico e profissional dever ser generalizado; o acesso aos 
estudos superiores deve estar aberto a todos em plena igualdade, em função do seu 
mérito. 
2- A educação deve visar à plena expansão da personalidade humana e ao 
reforço dos direitos do Homem e das liberdades fundamentais e deve favorecer a 
compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e todos os grupos 
raciais ou religiosos, bem como o desenvolvimento das atividades das Nações Unidas 
para a manutenção da paz. 
3- Aos pais pertence a prioridade do direito de escolher o gênero de educação 
a dar aos filhos 
 
Artigo 27° 
1- Toda a pessoa tem o direito de tomar parte livremente na vida cultural da 
comunidade, de fruir as artes e de participar no progresso científico e nos benefícios 
que deste resultam. 
2- Todos têm direito à proteção dos interesses morais e materiais ligados a 
qualquer produção científica, literária ou artística da sua autoria. 
 
Artigo 28° 
Toda a pessoa tem direito a que reine, no plano social e no plano internacional, 
uma ordem capaz de tornar plenamente efetivos os direitos e as liberdades 
enunciadas na presente Declaração. 
 
24 
 
Artigo 29° 
1- O indivíduo tem deveres para com a comunidade, fora da qual não é 
possível o livre e pleno desenvolvimento da sua personalidade. 
2- No exercício deste direito e no gozo destas liberdades ninguém está sujeito 
senão às limitações estabelecidas pela lei com vista exclusivamente a promover o 
reconhecimento e o respeito dos direitos e liberdades dos outros e a fim de satisfazer 
as justas exigências da moral, da ordem pública e do bem-estar numa sociedade 
democrática. 
3- Em caso algum estes direitos e liberdades poderão ser exercidos 
contrariamente e aos fins e aos princípios das Nações Unidas. 
 
Artigo 30° 
Nenhuma disposição da presente Declaração pode ser interpretada de maneira 
a envolver para qualquer Estado, agrupamento ou indivíduo o direito de se entregar a 
alguma atividade ou de praticar algum ato destinado a destruir os direitos e liberdades 
aqui enunciados. 
10 A ORIGEM E FORMAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS INDIVIDUAIS NO 
BRASIL 
No Brasil, o Estado nacional foi um projeto implantado pelas elites políticas, 
desde o Brasil Reinado, passando pelo Brasil Imperial, até a instalação da República. 
O povo brasileiro não teve participação direta nesse processo de formação do Estado 
nacional. Assim, os direitos fundamentais, tal como aparecem pela primeira vez na 
Constituição Imperial de 1824, foram outorgados pelas elites políticas e adquiriram 
pouca efetividade. 
Nesse contexto histórico, a cidadania foi privilégio de poucos e ainda hoje se 
encontra em um processo de formação que se dá em decorrência dos movimentos 
sociais e populares que fazem surgir os direitos fundamentais. 
No Brasil, desde seu nascimento como Estado independente, foram os 
movimentos sociais que deram sentido e efetividade aos direitos fundamentais e à 
cidadania. 
25 
 
Verificou-se, em nosso processo histórico, uma inversão, pela qual os direitos 
fundamentais criados nos textos constitucionais, doados de cima para baixo pelas 
elites, nunca foram conhecidos pela população e adquiriram muito pouca efetividade. 
Somente na atualidade os movimentos sociais geram e tornam efetivos alguns direitos 
fundamentais existentes no País. 
Essa inversão, aparentemente contrária a quase tudo o que se tem dito e 
ensinado sobre direitos fundamentais da pessoa humana no Brasil, procura denunciar 
a teoria individualista dos direitos humanos, a qual, sob a roupagem da subjetividade, 
banalizou conquistas históricas da população brasileira, esvaziando os direitos 
humanos em seu significado político e jurídico. Quando um povo não produz os 
movimentos revolucionários ou perde a memória histórica de movimentos populares 
que geraram direitos fundamentais, pode-se dizer que perdeu parte de sua soberania 
e cidadania. 
Quando os direitos fundamentais não decorrem de conquistas sociais e 
populares, mas são concedidos em Cartas Constitucionais, num movimento vertical 
de normatização que não conta com a efetiva participação popular no processo 
legiferante, como ocorreu no Brasil, eles tornam-se meras ideologias, que banalizam 
os significados dos direitos fundamentais e ocultam seu significado jurídico e político. 
A possibilidade de tal reflexão só foi possível ao nos depararmos com a situação 
histórica e atual dos direitos fundamentais da pessoa humana no Brasil. Trata-se de 
se admitir uma dura realidade: a cidadania e os direitos fundamentais no Brasil jamais 
alcançaram o sentido histórico, político e jurídico que representaram nos países 
europeus ou nos Estados Unidos da América do Norte. E isso se deve, por um lado, 
à habilidade de nossas elites políticas de protagonizar um processo civilizatório 
patrimonialista e patriarcal e, por outro, à baixa adesão da população a movimentos 
sociais, quase sempre derrotados e apagados ou desfigurados em sua importância 
histórica e política. 
Nos estados nacionais europeus ou mesmo nos Estados Unidos da América 
do Norte, as revoluções burguesas foram decorrência do efetivo exercício da 
cidadania e fizeram surgir declarações de direitos. 
No Brasil, onde o projeto de Estado nacional foi criado artificialmente por uma 
elite política imperial, não se verificou o efetivo exercício da cidadania em seus 
primeiros séculos de existência. Dessa forma, não houve no País uma revolução 
26 
 
burguesa e os direitos fundamentais foram importados de constituições edeclarações 
de direitos de nações europeias ou norte-americana. 
A ideia de cidadania possui uma origem muito antiga, mas que foi reconstruída 
e aperfeiçoada em diferentes momentos da história da civilização ocidental, até tornar-
se um conceito fundamental na luta pela reconstrução dos Estados absolutistas em 
Estados democráticos, nos séculos XVII e XVIII. 
10.1 A Origem do Conceito de Cidadania e sua Importância para a Advento dos 
Estados Modernos 
A origem do conceito de cidadania é grega. Foi em Atenas, aproximadamente 
no VIII século a.C., que surgiu no Mediterrâneo uma experiência singular: a ideia de 
Polis, espécie de cidade autônoma, independente e soberana que era governada, em 
última instância, por uma Assembleia de Cidadãos (politai). É verdade que essa 
Assembleia de Cidadãos não contava com a participação de todos, mas apenas dos 
homens livres e nascidos na própria Polis. Daí decorria que cidadão entre os gregos 
antigos era o homem livre, senhor de si e que tinha direito de participar da Assembleia 
de Cidadãos. 
O direito de participar da politica, portanto, não era extensivo aos escravos, 
mulheres e crianças, mas apenas aos homens livres que exerciam a prática do direito 
de decidir sobre os destinos políticos, culturais e econômicos da Polis. A esse direito 
de participar da politai e influenciar nos destinos políticos, culturais e econômicos da 
cidade se podia compreender como cidadania na Polis grega antiga. Então, como foi 
possível que uma invenção tão antiga como a cidadania, nascida na Grécia há mais 
de 2.500 anos, chegasse até os dias atuais, adquirindo características próprias e 
assumindo importância sine qua non para a vida dos Estados democráticos 
modernos? Como esse instituto da cidadania foi fundamental para a construção dos 
Estados nacionais e dos Estados modernos? 
A resposta para a primeira questão deve ser encontrada na historicidade dos 
movimentos sociais dos povos europeus, e que, mais tarde, estendeu-se por todo o 
mundo ocidental. Ocorre que a experiência grega de cidadania, entre outras 
descobertas do povo grego antigo, influenciou Roma. 
Os romanos, depois de terem vivenciado experiências de reinados por um 
longo período de sua história, fizeram de Roma uma cidade poderosa belicamente a 
27 
 
qual expandiu seus domínios para além de seu território peninsular. Contudo, ao 
conquistarem a Grécia, os romanos foram por ela conquistados, porquanto, apesar de 
seu grande poderio militar, sob o aspecto cultural, filosófico e político encontravam-se 
muitos séculos de atraso em relação aos gregos. 
Os romanos logo perceberam essa verdade e passaram a receber significativa 
influência do mundo grego em sua vida cultural, política e filosófica. A elite romana 
enviava os filhos para estudarem filosofia, oratória e retórica em Atenas. E não era só 
isso: a arte da medicina, da arquitetura, da pedagogia, tudo era estudado em Atenas 
ou contava com a participação de mestres gregos. Esse encontro da cultura greco-
romana ficou conhecido como helenismo. 
Roma tornou-se, sob vários aspectos, uma extensão do mundo grego antigo e, 
em decorrência da expansão do Império, introduziu entre os povos europeus (então 
denominados bárbaros) muitos de seus valores culturais, jurídicos e econômicos. O 
cidadão romano possuía um status diferenciado dos demais povos conquistados. 
Adquirir cidadania romana implicava em transitar livremente por todo o Império 
Romano sem ser detido ou molestado. Esse processo histórico, como se sabe, 
perdurou por vários séculos, até a queda de Roma, no século V d.C. e o início da 
Idade Média. 
Com o advento da Idade Média, a ideia de cidadania quase desapareceu, 
porquanto, o fim do Império Romano significou também um período de fragmentação 
política e cultural, propiciando o predomínio político gradual da Igreja Católica. 
Nos períodos da alta à média Idade Média, as vilas e cidades europeias 
formaram-se aos pés dos mosteiros e igrejas. A vida dos homens ilustres e letrados 
formava-se sob a influência das ordens religiosas. Os destinos políticos das cidades 
já não eram decididos pelas Assembleias dos Cidadãos, mas pela autoridade religiosa 
e pelo poder secular, exercido por um príncipe ou rei coroado pelo Papa. Nesse 
cenário, a ideia de cidadania foi substituída pela ideia de súdito, que representava o 
homem livre submetido ao poder político do Rei. Contudo, a ideia de cidadania 
ressurgiria por volta do século XIV com o Renascimento. 
Como se sabe, este representou um retorno de muitos dos valores culturais, 
jurídicos e filosóficos que eram próprios ao mundo greco-romano. A partir de então, 
as cidades e vilas europeias deram início a um lento e gradual processo de 
emancipação política em relação ao poder exercido pela Igreja Católica. Ora, esse 
processo emancipatório das cidades e vilas europeias deu-se por meio dos 
28 
 
movimentos sociais, entre os quais um de grande importância foi a Reforma 
Protestante, verificada no início de 1517 a partir das teses de Martinho Lutero. Para a 
resposta à segunda indagação, isto é, de que forma esse instituto da cidadania foi 
fundamental para a construção dos Estados nacionais e dos Estados modernos, é 
preciso destacar a importância da Reforma Protestante e o modo pelo qual contribuiu 
para muitos dos fundamentos do surgimento do Estado moderno. 
Ocorre que a Reforma Protestante foi um marco histórico que inaugurou valores 
éticos e políticos inovadores: o fim do domínio político da Igreja Católica; o surgimento 
de liberdades políticas; liberdade de culto e de religião; liberdade de imprensa, 
liberdade de pensamento e,principalmente, liberdade de cátedra nas universidades. 
Evidentemente o fim do predomínio político da Igreja Católica foi conquista de uma 
cidadania efetiva que propiciou um movimento social de grande importância. Lutero 
jamais esteve só! Com ele a população alemã enfrentou o poder da Igreja Católica de 
sua época e as reformas religiosas deram causa a muitas reformas políticas, as quais 
influenciaram outros povos e Estados, como a Inglaterra e a França. Ora, nesse 
momento histórico da civilização ocidental, a liberdade de cátedra nas universidades 
foi fundamental para o surgimento de novas ideias jurídicas e políticas. Dentre elas, 
talvez a mais importante tenha sido a que se propôs a reconstruir o conceito de 
cidadania, o qual passou a ser discutido direta ou indiretamente em inúmeras obras 
acadêmicas que se popularizaram entre os jovens e acadêmicos de então. Merece 
ser mencionadas aquelas de autores iluministas, como Montesquieu, Locke, 
Rousseau e Kant, entre outros, que influenciaram no surgimento das revoluções 
burguesas e, consequentemente, no aparecimento dos Estados modernos fundados 
na cidadania, na democracia constitucional e nos ideais de liberdade, igualdade e 
fraternidade. As ideias jurídico-filosóficas que propiciaram a Revolução Americana e 
a Revolução Francesa propagaram-se por todo o mundo e pelo novo mundo. 
 
11 A INEXISTÊNCIA DE REVOLUÇÕES BURGUESAS NO BRASIL E SUAS 
CONSEQUÊNCIAS 
 
No Brasil não se verificou uma Revolução Burguesa nos moldes como se deu 
na América do Norte ou na Europa. A primeira revolta com significado de natureza 
semelhante às revoluções burguesas ocorridas na Europa foi a Inconfidência Mineira 
(1790). Todos os demais movimentos sociais anteriores, como a Confederação dos 
29 
 
Tamoios (1562), a formação do Quilombo de Palmares (1602), a Guerra dos Bárbaros 
(1682), a Insurreição Pernambucana (1645), a Revolta do Maranhão (1684) ou mesmo 
a Guerra dos Mascates (1710), não objetivavam a construção da cidadania e de um 
Estado independente nos moldes dos movimentos sociais e revolucionários europeus 
e norteamericanos. 
A Inconfidência Mineira trouxe em sua base ideológica ideias semelhantes 
àquelas divulgadas pelos filósofos iluministas e concretizadas pela Revolução 
Francesa e pelaAmericana, mas seus líderes foram presos e deportados e as 
iniciativas não foram vitoriosas. Não caberia aqui uma análise aprofundada das razões 
que levaram à derrota dos insurgentes ou as teses sobre a ausência de uma classe 
burguesa no Brasil de então. Os fatos significativos decorrentes do movimento 
inconfidente foram a construção artificial dos primeiros valores inerentes à ideia de 
cidadania moderna e de aspirações por um país independente, republicano, sem que 
esse Estado fosse construído sobre fundamentos constitucionais democráticos. 
Contudo, a Inconfidência Mineira foi um marco histórico significativo, pois a ela se 
sucederam a Conjuração Baiana (1798) e a Revolução Pernambucana (1817). Esse 
último movimento defendia a independência de Portugal e reuniu religiosos, 
comerciantes e militares que conseguiram prender o governador e constituir o primeiro 
governo republicano no Brasil. O movimento se estendeu à Paraíba, Rio Grande do 
Norte e parte do Ceará, mas durou menos de três meses. Os revoltosos foram presos 
e condenados à morte pelo fuzilamento. 
Durante o Império, outros movimentos sociais ocorreram, mas todos saíram 
derrotados e desmantelados e seus líderes fuzilados ou enforcados. O primeiro deles 
ficou conhecido como a Confederação do Equador (1824) e verificou-se novamente 
em Recife. Logo que os insurgentes conquistaram o poder estabeleceram um governo 
republicano, que deveria inaugurar um Estado independente, democrático e 
constitucional. Todavia, no dia 19 de setembro do mesmo ano, os revolucionários já 
estavam derrotados e receberam penas diversas: fuzilamento, forca ou prisão 
perpétua. A partir desse movimento, outros irromperam ao longo do período Imperial, 
como a Cabanagem (1833) no Pará, a Revolução Farroupilha (1835) no Rio Grande 
do Sul, a Sabinada (1837) na Bahia, a Balaiada (1838) no Maranhão e parte do Piauí 
e Ceará, e a Revolução Praieira (1848) que se estendeu por vários estados brasileiros 
e exigia voto livre e democrático, liberdade de imprensa e trabalho para todos. 
Contudo, todos foram derrotados e poucos contribuíram para a formação de um 
30 
 
Estado nacional fundado em valores modernos de cidadania. Em vez disso, o que se 
viu foi a construção de um Estado Imperial fundado uma economia escravista e uma 
elite formada por bacharéis de tradição Coimbrã, que era o oposto dos ideais 
revolucionários vitoriosos na França Bonapartista ou na América de George 
Washington. 
Proclamada a República, outros tantos movimentos sociais se instalaram no 
Brasil, como a Revolta Armada de 1893 e a Revolução Federalista, ocorrida no mesmo 
ano, no Rio Grande do Sul. Contudo, o movimento social mais radical e que abalou a 
nascente República brasileira foi Canudos, no interior da Bahia, onde viviam, em 1896, 
cerca de 20 mil pessoas sob o comando do beato Antônio Conselheiro. Ele iniciou-se 
em novembro de 1896 e a derrota se deu em outubro de 1897. Foram necessárias 
quatro expedições militares para sufocar 25 mil revoltosos. Canudos contribuiu para 
denunciar a grande exclusão social existente no Nordeste brasileiro, mas foi 
compreendido e classificado pelas elites brasileiras como um movimento messiânico, 
comandado por um fanático religioso, sem qualquer fundamentação iluminista ou 
revolucionária burguesa. 
Outros movimentos sociais menores ocorreram durante os primeiros anos da 
República Velha, como a Revolta da Vacina, de 1904 e a Revolta da Chibata, de 1910, 
ambas ocorridas na cidade do Rio de Janeiro. Ainda, a Revolta de Juazeiro, de 1914, 
em Juazeiro do Norte, interior do estado do Ceará, sob a liderança do padre Cícero, 
em que sertanejos pegaram em armas para derrubar o interventor do Estado. O 
governo cedeu, devolvendo o poder ao grupo político que antes controlava o Ceará. 
A Guerra do Contestado, entre 1912 e 1916, na região dos estados do Paraná e Santa 
Catarina, foi um movimento messiânico, com milhares de mortos. Todos esses 
movimentos populares, derrotados e desmantelados, possuíam na verdade uma 
natureza messiânica reacionária. Todos esses movimentos sociais verificados na 
história colonial, imperial e republicana do Brasil não foram decisivos para a 
construção da cidadania no Brasil. E não o foram porque não se fundavam em 
pressupostos teóricos e revolucionários semelhantes àqueles que inauguraram os 
estados burgueses modernos, como se deu na Inglaterra, com a Revolução Gloriosa; 
na França, com a Revolução de 1789; ou nos Estados Unidos da América em sua 
Revolução da Independência. 
Assim sendo, as ideias e ideais de cidadania e de direitos fundamentais no 
Brasil foram importados e transladados do continente europeu diretamente para a 
31 
 
Constituição Imperial de 1824, que inaugurou um capítulo próprio para os Direitos e 
Garantias Individuais, e que, no entanto, em outros capítulos de seu texto consolidava 
um Estado monárquico, patrimonialista e escravagista. 
Essa contradição inexorável contribuiu para que os direitos e garantias 
individuais fossem compreendidos no ideário nacional como uma ideologia liberal sem 
qualquer efeito concreto sobre a vida política e social do Brasil Imperial. O problema 
maior foi que essa ideologia liberal prosseguiu na vida política do País e passou a 
constar em todas as Constituições Republicanas, mesmo naquelas elaboradas sob 
regimes políticos totalitários, como se deu com a Carta Constitucional de 1937 e a 
Carta Constitucional de 1967, com a Emenda Constitucional de 1969. 
A cidadania no Brasil, portanto, pode ser compreendida como um fenômeno de 
formação recente decorrente de movimentos sociais e sindicais iniciados na primeira 
década do século XX e que, sob lideranças anarquistas, exigiram jornadas de trabalho 
de oito horas, descanso semanal remunerado, pagamento de horas extras e outras 
conquistas trabalhistas que, posteriormente, seriam incorporadas na CLT. Além 
desses movimentos sociais das classes trabalhadoras, ocorreram também levantes 
militares nas três primeiras décadas do século XX, primeiro no Rio de Janeiro (1922) 
e depois em São Paulo (1924). Foi o movimento tenentista, que exigia reformas 
profundas no sistema político republicano. Parte desse movimento originou a famosa 
Coluna Prestes, que até 1927 foi causa de revoltas por todo o País. Por onde passava, 
ateava fogo em Cartórios de Registro de Imóveis para por fim à propriedade privada 
injusta, e organizava triagens nos presídios para colocar em liberdade parte dos 
detentos que eram considerados vítimas de um sistema capitalista desigual e 
excludente. 
Foram os movimentos sociais, em suas várias modalidades e categorias, que 
propiciaram em outubro de 1930 a Revolução de 30. Para alguns historiadores e 
cientistas políticos, foi a primeira Revolução Burguesa ocorrida no Brasil. Apenas dois 
anos depois, no dia 9 de julho de 1932, as oligarquias cafeeiras do estado de São 
Paulo se rebelaram contra a ditadura Vargas, organizando um movimento popular 
conhecido como Revolução de 1932. Apesar da derrota,o movimento representou um 
marco nas lutas pelos direitos fundamentais no Brasil e fez que o País construísse a 
segunda Constituição Republicana, a Constituição de 1934. 
Nas décadas de 1940 e 1950 o Brasil viu florescer seu período de ouro. Na 
economia, nas artes, na música e nos esportes surgiu uma geração que construía 
32 
 
uma sociedade justa e igualitária, procurando diminuir as desigualdades sociais 
existentes nos segmentos de classes, intensificando a luta para extinguir o 
analfabetismo, instituindo um salário mínimo que buscava concretizar a ideia de 
direitos mínimos aos menos favorecidos. 
O avanço dos movimentos sociais urbanos e o aparecimento das Ligas 
Camponesas, no início da década de 1960 exerceram forte pressão política por 
reformas de base na sociedade brasileira, como a exigência de reforma agrária, 
erradicação do analfabetismo e fim da desigualdade entrehomens e mulheres nas 
relações trabalhistas, dentre outras reivindicações políticas. Como reação a esses 
movimentos sociais crescentes, as elites políticas, em conjunto com a Igreja Católica, 
organizaram o evento denominado “Marcha da família com Deus pela liberdade”, o 
qual significou o sinal verde para que as forças militares levassem a termo um golpe 
de Estado ocorrido no dia 1º de abril de 1964, fazendo com que o presidente João 
Goulart abandonasse o poder e se exilou no Uruguai. 
Após o golpe de Estado, os movimentos sociais foram proibidos e duramente 
reprimidos, e as lideranças camponesas e sindicais perseguidas e presas. A Lei de 
Segurança Nacional foi utilizada para prender as forças oposicionistas e as lideranças 
dos movimentos sociais que se erguiam contra a ditadura militar. Milhares foram 
assassinados e desaparecidos, mas os movimentos sociais nunca desapareceram 
totalmente na luta pela redemocratização do País. 
Na década de 1980, a sociedade civil brasileira reorganizou-se em seus 
diversos segmentos e deu início a um processo de manifestações políticas que 
exigiam o fim do governo militar e a redemocratização. Importante foram os papéis 
desempenhados pela OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) que, em suas reuniões 
anuais, fazia publicar documento exigindo a normalização da vida política do País e 
denunciando os abusos praticados pelo regime militar. De igual importância foram as 
atuações da ABI (Associação Brasileira de Imprensa) pela CNBB (Conferência 
Nacional dos Bispos do Brasil) e pelo Sindicato dos Metalúrgicos do ABC. 
Por fim, em 1984 o governo militar viu-se amplamente derrotado nas eleições 
gerais para governadores, deputados federais e senadores. Era o fim da ditadura 
militar e o início da redemocratização do Estado brasileiro. Esse momento da história 
brasileira foi marcado pela construção de uma nova Constituição Federal, a 
Constituição de 1988, a mais democrática e representativa Carta Constitucional do 
33 
 
Estado brasileiro. Contudo, um dos efeitos nefastos do período de governo militar no 
Brasil foi a desmobilização dos movimentos sociais existentes no Brasil. 
12 MOVIMENTOS SOCIAIS E CIDADANIA NO BRASIL CONTEMPORÂNEO 
Na semana de 21 a 24 de janeiro de 1984 ocorreu na cidade de Cascavel, 
Paraná, o Primeiro Encontro Nacional de Trabalhadores Sem Terra. O Movimento dos 
Trabalhadores Sem Terra (MST), como ficou conhecido, surgia com objetivos bem 
definidos: lutar pela terra, pela reforma agrária e pela construção de uma sociedade 
justa e igualitária. Até dezembro de 2010 o MST contabilizava aproximadamente 350 
mil famílias assentadas e 90 mil famílias acampadas em todo o Brasil. Além disso, o 
MST já registra 108 cooperativas de trabalhadores e trabalhadoras sem-terra, 65 
unidades agroindustriais e uma história de luta contra a fome e a mortalidade infantil. 
Destaca-se também que cerca de 120 mil crianças e adolescentes frequentam 
escolas construídas em terras que antes pertenciam a latifúndios improdutivos. O MST 
tem contribuído para a questão da cidadania no Brasil lutando pela terra, pois, quanto 
maior for o número de famílias assentadas, menor será o êxodo rural e o número de 
famílias morando em favelas nas cidades. Ademais, ao combater o latifúndio e ao 
assentar famílias sem-terra, o MST propicia o surgimento de cooperativas para 
sustentar o trabalho dessas famílias e a escolaridade para crianças e adolescentes, 
contribuindo para a questão dos direitos humanos e da cidadania no Brasil. 
O MST é um movimento social que trabalha com populações excluídas, 
procurando assentar famílias em propriedades rurais improdutivas, criando 
cooperativas e propiciando trabalho para milhares de trabalhadores rurais. 
Em 1997 surgiu no seio da sociedade brasileira o Movimento dos 
Trabalhadores Sem Teto (MTST) com o objetivo de garantir o direito à moradia e 
construir uma cidade justa e igualitária. O movimento não visa somente àqueles que 
não têm moradia, mas alcança também os desprovidos de condição humana digna e 
que vivem em estado de miserabilidade. A falta de moradia é o principal fator contrário 
a uma vida com dignidade. 
Desde 1940 o problema da moradia tornou-se muito grave no Brasil, pois as 
habitações dos grandes centros urbanos tornaram-se insuficientes para abrigar a 
população expulsa do campo no processo de êxodo rural. 
34 
 
Historicamente o MTST iniciou suas atividades em 1997, quando 5.200 famílias 
construíram casas em um terreno desapropriado na cidade de Campinas/SP. Esse 
movimento foi considerado a maior ocupação em área urbana da América Latina, 
conhecido como Parque Oziel. 
Em 1998, o MTST passou a realizar ocupações nas cidades de Guarulhos, 
Diadema, Itapevi e também no Nordeste e no Rio de Janeiro, e as ocupações 
chegaram a representar a conquista de 10 mil casas populares. 
Entre os anos de 2001 a 2003 a atuação estendeu-se a todo o Brasil. Em 
Guarulhos/SP, próximo da Rodovia Presidente Dutra, houve a ocupação conhecida 
como Anita Garibaldi, que teve a participação de 10 mil pessoas. Em Osasco/SP, 
ocorreu a ocupação Carlos Lamarca, onde ficava o antigo Lar Consolador da Verdade; 
e, em São Bernardo do Campo/SP foi feita a ocupação Santo Dias, localizada num 
terreno de propriedade da Volkswagen, porém no dia 9 de agosto do mesmo ano a 
Tropa de Choque da Polícia Militar invadiu o terreno e expulsou os ocupantes sem-
teto. Atualmente, o MTST vem contribuindo para um dos mais importantes direitos 
fundamentais: o direito à moradia que é condição sine qua non para a cidadania. 
13 SOCIEDADES MULTICULTURAIS 
O multiculturalismo é conhecido como um fenômeno que estabelece a 
coexistência de várias culturas em um mesmo espaço territorial e nacional. Ele é muito 
comum em nossa época, pois graças aos importantes avanços tecnológicos, ao 
desenvolvimento das comunicações e da interligação de diferentes partes do mundo, 
todas as sociedades podem receber informação sobre outras. Ao mesmo tempo, o 
crescimento das migrações e a travessia legal das fronteiras colaboram com a mistura 
de culturas e sociedades. 
As relações entre esses ‘’grupos’’ podem ser de aceitação e tolerância ou de 
conflito e rejeição. Isso vai depender da história da sociedade em questão, das 
políticas públicas propostas pelo Estado e, principalmente, do modo específico como 
a cultura dominante do território é imposta ou se impõe para todas as outras. A 
convivência entre culturas diferentes não é uma questão nova, mas que se se 
intensificou nos últimos anos devido a acontecimentos marcantes. 
35 
 
Não é possível entender o multiculturalismo fora do contexto do fenômeno da 
globalização. O desenvolvimento acelerado dos meios de transporte e das tecnologias 
de comunicação aproximaram diferentes regiões do mundo, criando redes industriais 
e financeiras complexas e uma economia multinacional, interdependente e insubmissa 
às fronteiras nacionais. Com o fim da Guerra Fria, os Estados Unidos passam a 
hegemonizar culturalmente todo o planeta. Seus produtos, filmes, músicas e formas 
de ver as coisas se espalham globalmente gerando o que se chama de 
“americanização” do mundo. 
Frente a esse fenômeno de hegemonização dos padrões culturais globais, as 
culturas tradicionais se fortaleceram, reagindo contra a massificação dos modos de 
ser. Por outro lado, apesar da massificação, vemos que essas comunidades culturais 
locais são capazes de se apropriar de partes da cultura americana, transformando-as 
em uma algo novo e diferente do original. No Brasil, o funk e rap são um exemplo 
claro dessa possibilidade. 
Atualmente, o conceito de raça quando aplicado a humanidade causa inúmeras 
polêmicas, porque a área biológica comprovou que as diferenças genéticas entre os 
seres humanos são mínimas, por isso não se admite mais que a humanidade é 
constituída por raças. No entanto na década de 1970, o Movimento Negro Unificadoe os teóricos que defendiam a causa, ressignificaram o conceito de raça como uma 
construção social forjada nas tensas relações entre brancos, negros e indígenas. 
Muitas vezes simulados como harmoniosos, não tinha relação com o conceito 
biológico de raça cunhado no século XIX, e que hoje está superado. O termo raça 
usado nesse contexto, segundo Petronilha Beatriz Silva (BRASIL, 2004), tem uma 
conotação política e é utilizado com freqüência nas relações sociais brasileiras, para 
informar como determinadas características físicas, como cor da pele, tipo de cabelo, 
entre outras, influenciam, interferem e até mesmo determina o destino e o lugar social 
dos sujeitos no interior da sociedade brasileira. O conceito de raça ao ser usado com 
conotação política permite, por exemplo, aos negros valorizar a característica que 
difere das outras populações e romper com as teorias raciais que foram formuladas 
no século XIX e até hoje permeia o imaginário popular. 
Outros processos importantes que influenciam no surgimento das sociedades 
multiculturais, são as lutas pela independência que ocorrem nas colônias europeias 
da segunda metade do século XX, especialmente na África e na Ásia. 
36 
 
13.1 Cenário Pós-Colonial 
 
 
Fonte: cartacapital.com.br 
 
 O cenário pós-colonial gera um processo de resgate das culturas tradicionais 
locais e, ao mesmo tempo, pela ligação histórica, desencadeia um movimento 
migratório para os países colonizadores. Também os conflitos de ordem étnica, 
religiosa e política, além das deficiências econômicas, são fatores que aumentam o 
fluxo migratório. Incentivado por tudo isso e pelo próprio cenário criado pela 
globalização, esse movimento migratório transforma de modo profundo as nações que 
receberam os imigrantes, colocando em cheque a capacidade dos estados modernos 
de gerirem sua nova configuração multicultural. 
Alguns países democráticos têm buscado promover a aceitação e incorporação 
de culturas diferentes em seus territórios, valorizando a possibilidade de se 
constituírem enquanto nações pluriétnicas. No entanto, em outros países, a negação 
de direitos sociais e a perseguição de minorias culturais são práticas oficiais. Muitas 
vezes, ainda que exista uma política multiculturalista oficial, a perseguição é praticada 
por pessoas comuns, inflamadas por um sentimento de nacionalismo e rejeição ao 
outro. Os ataques violentos organizados por civis aos abrigos de refugiados de origem 
árabe na Alemanha são um exemplo disso. O multiculturalismo emerge a partir das 
reivindicações de minorias étnicas que sofrem de opressão histórica em seus 
territórios, como os negros e as populações indígenas por todo continente americano, 
incluindo o Brasil. O debate em torno desse tema é muito importante e traz à tona a 
forma como lidamos, enquanto sociedade, com as diferenças étnicas, culturais e 
religiosas que nos cercam. 
 De um modo genérico o multiculturalismo pode ser entendido como a gestão 
de um fenômeno social assentado na refração das culturas postas em maior contato 
a partir da segunda metade do século XX. O cerne político da questão está na luta por 
37 
 
mais justiça social. O ponto de inflexão é posto na democracia. Portanto, uma luta por 
oportunidades, mais respeito à diferença e menos desigualdade. Enfim, é um 
fenômeno adensado pela conquista dos direitos civis. Como resultado prático buscam-
se melhorias em termos legais, econômicos, políticos sociais e culturais para as 
denominadas minorias. 
O multiculturalismo configura-se como política de gestão da multiculturalidade 
e/ou movimentos culturais demandados pela valorização da diferença como fator de 
expressão de identidade(s). Este, enquanto movimento de ideias, resulta de um tipo 
de consciência coletiva para a qual as orientações do agir humano se oporia a toda 
forma de centrismos (SEMPRINI, 1999). Assim, esta política afronta as concepções 
monoculturais das sociedades etnocêntricas. 
Os Estados Unidos da América, Canadá, Austrália, Inglaterra, Espanha e 
outros mais são exemplos de países onde as sociedades passaram a assumir 
formalmente a multiculturalidade. Deste feito, tais países engendraram políticas 
públicas como formas de gestão da pluralidade cultural. A América Latina, e nesta o 
Brasil, também se pôs diante da necessidade de valorizar a diversidade cultural 
(UNESCO, 2002). Valorização está situada na legislação e na formatação de políticas 
públicas específicas. 
Coroando esta política pública encontram-se programas antirracistas. Um lado 
prático destes consiste em levar professores/as e alunos/as a intervir em casos de 
“constrangimento racial e cultural”. A dimensão pedagógica do programa tem como 
finalidade a identificação das práticas racistas sistêmicas implicadas na definição de 
políticas e práticas de imigração, moradia, emprego e educação. 
No Brasil é disputado o reconhecimento da diferença através de políticas 
compensatórias (índios, negros, pessoas com alguma deficiência, mulheres, jovens, 
idosos, gays, etc.). Não obstante, este reconhecimento é marcado por contradições 
próprias da formação política e cultural expressa em desigualdades sociais. 
O Estado brasileiro assumiu a multiculturalidade como um condicionante da 
estruturação social. Por isso, pôs no corpo da Lei Maior (Brasil, 1988) este feito cultural 
como marca da formação social do país. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação 
Nacional – LDBEN, Lei 9394/96, (BRASIL, 1996) trouxe uma concepção de educação 
para a diversidade cultural. Este processo de reforma estabeleceu as Diretrizes 
Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental (BRASIL, 1998). 
38 
 
Em outros âmbitos legais foram implantadas políticas públicas na forma de 
ações afirmativas nas universidades. A Lei nº 12.711/2012 foi sancionada em agosto 
de 2012. Ela garante a reserva de 50% das matrículas por curso e turno nas 
universidades federais e institutos federais de educação, ciência e tecnologia a alunos 
oriundos integralmente do ensino médio público, em cursos regulares ou da educação 
de jovens e adultos. O restante (50%) das vagas permanece no processo de seleção 
universal. A reforma universitária está atravessada por este eixo transversal. Neste 
processo reformista foi criada a Secretaria de Promoção de Políticas de Igualdades 
Raciais – SEPPIR e A Secretaria da Educação Continuada, Alfabetização, 
Diversidade e Inclusão – SECADI. Outras reformulações hão sido desenvolvidas para 
o fortalecimento de grupos sociais discriminados ou postos à margem da sociedade. 
São políticas encorajadoras das questões multiculturais. Estas, portanto, constroem-
se mediante desafios. Porque a expressão das mesmas desloca poderes. O que 
tenciona relações antes mantidas em uma aura de naturalização. 
14 CONCEITOS DE CULTURA, IDENTIDADE E DIFERENÇA 
 
Fonte: portalmie.com 
 
 Nos últimos tempos a cultura tem sido o foco das discussões antropológicas 
devido ao estudo de sua evolução ser essencial à compreensão da diversidade 
cultural da espécie humana. Conforme Laraia (1996), o termo “cultura” foi definido 
pela primeira vez, no final do século XVIII, por Edward Tylor que através do termo 
germânico “Kultur”, que significava os aspectos espirituais de uma comunidade, com 
a palavra francesa “Civilization”, que significava as realizações materiais de um povo. 
39 
 
Ao tratar do conceito de cultura, a sociologia se ocupa em entender os aspectos 
aprendidos que o ser humano, em contato social, adquire ao longo de sua convivência. 
Esses aspectos, compartilhados entre os indivíduos que fazem parte deste grupo de 
convívio específico, refletem especificamente a realidade social desses sujeitos. 
Características como a linguagem, modo de se vestir em ocasiões específicas são 
algumas características que podem ser determinadas por uma cultura que acaba por 
ter como função possibilitar a cooperação e a comunicaçãoentre aqueles que dela 
fazem parte. 
A cultura possui tanto aspectos tangíveis - objetos ou símbolos que fazem parte 
do seu contexto - quanto intangíveis - ideias, normas que regulam o comportamento, 
formas de religiosidade. Esses aspectos constroem a realidade social dividida por 
aqueles que a integram, dando forma a relações e estabelecendo valores e normas. 
Esses valores são características que são consideradas desejáveis ou 
indesejáveis no comportamento dos indivíduos que fazem parte de uma cultura, como 
por exemplo o princípio da honestidade que é visto como característica extremamente 
desejável em nossa sociedade. 
As normas são um conjunto de regras formadas a partir dos valores de uma 
cultura, que servem para regular o comportamento daqueles que dela fazem parte. O 
valor do princípio da honestidade faz com que a desonestidade seja condenada dentro 
dos limites convencionados pelos integrantes dessa cultura, compelindo os demais 
integrantes a agir dentro do que é estipulado como “honesto”. As normas e os valores 
possuem grandes variações nas diferentes culturas que observamos. Em algumas 
culturas, como no Japão, o valor da educação é tão forte que falhar em exames 
escolares é visto como uma vergonha tremenda para a família do estudante. Existe, 
então, a norma de que estudar e ter bom desempenho acadêmico é uma das mais 
importantes tarefas de um jovem japonês e a pressão social que esse valor exerce 
sobre ele é tão forte que há um grande número de suicídios relacionados a falhas 
escolares. Para nós, no entanto, a ideia do suicídio motivado por uma falha escolar 
parece ser loucura. 
Mesmo dentro de uma mesma sociedade podem existir divergências culturais. 
Alguns grupos, ou pessoas, podem ter fortes valores baseados em crenças religiosas, 
enquanto outras prefirem a lógica do progresso científico para compreender o mundo. 
A diversidade cultural é um fato em nossa realidade globalizada, onde o contato entre 
o que consideramos familiar e o que consideramos estranho é comum. Ideias 
40 
 
diferentes, comportamento, contato com línguas estrangeiras ou com a culinária de 
outras culturas tornou-se tão corriqueiro em nosso dia a dia que mal paramos para 
pensar no impacto que sofremos diariamente, seja na adoção de expressões de 
línguas estrangeiras ou na incorporação de alimentos exóticos em nossa rotina 
alimentar. 
Uma cultura não é estática, ela está em constante mudança de acordo com os 
acontecimentos vividos por seus integrantes. Valores que possuíam força no passado 
se enfraquecem no novo contexto vivido pelas novas gerações, a depender das novas 
necessidades que surgem, já que o mundo social também não é estático. Movimentos 
contraculturais, como o punk ou o rock, são exemplos claros do processo de mudança 
de valores culturais que algumas sociedades viveram de forma generalizada. 
O contato com culturas diferentes também modifica alguns aspectos de nossa 
cultura. O processo de aculturação, onde uma cultura absorve ou adota certos 
aspectos de outra a partir do seu convívio, é comum em nossa realidade globalizada, 
onde temos contato quase perpétuo com culturas de todas as formas e lugares 
possíveis. 
14.1 Identidade Cultural 
 A identidade cultural ainda é bastante discutida dentro dos círculos teóricos 
das Ciências Sociais em face de sua complexidade. Entre as possíveis formas de 
entendimento da ideia de identidade cultural, existem duas concepções distintas que 
devemos destacar dentro dos estudos sociológicos mais recentes. Essas concepções 
de identidade são brevemente explicadas por Anthony Giddens, sociólogo britânico, e 
nos ajudarão a entender melhor esse conceito. 
 
41 
 
 
Fonte: pt.slideshare.net 
O conceito de identidade refere-se a uma parte mais individual do sujeito social, 
mas que ainda assim é totalmente dependente do âmbito comum e da convivência 
social. De forma geral, entende-se por identidade aquilo que se relaciona com o 
conjunto de entendimentos que uma pessoa possui sobre si mesma e sobre tudo 
aquilo que lhe é significativo. Esse entendimento é construído a partir de determinadas 
fontes de significado que são construídas socialmente, como o gênero, nacionalidade 
ou classe social, e que passam a ser usadas pelos indivíduos como plataforma de 
construção de sua identidade. 
Dentro desse conceito de identidade, há duas distinções importantes que 
devemos entender antes de prosseguirmos. A teoria sociológica distingue duas 
apreensões: a identidade social e a autoidentidade. 
A identidade social refere-se às características atribuídas a um indivíduo pelos 
outros, o que serve como uma espécie de categorização realizada pelos demais 
indivíduos para identificar o que uma pessoa em particular é. Portanto, o título 
profissional de médico, por exemplo, quando atribuído a um sujeito, possui uma série 
de qualidades predefinidas no contexto social que são atribuídas aos indivíduos que 
exercem essa profissão. A partir disso, o sujeito posiciona-se e é posicionado em seu 
âmbito social em relação a outros indivíduos que partilham dos mesmos atributos. 
O conceito de autoidentidade (ou a identidade pessoal) refere-se à formulação 
de um sentido único que atribuímos a nós mesmos e à nossa relação individual que 
desenvolvemos com o restante do mundo. A escola teórica do “interacionismo 
simbólico” é o principal ponto de apoio para essa ideia, já que parte da noção de que 
é diante da interação entre o indivíduo e o mundo exterior que surge a formação de 
42 
 
um sentido de “si mesmo”. Esse diálogo entre mundo interior do indivíduo e mundo 
exterior da sociedade molda a identidade do sujeito que se forma a partir de suas 
escolhas no decorrer de sua vida. 
Diante do que já foi esclarecido, que o conceito de identidade cultural faz alusão 
à construção identitária de cada indivíduo em seu contexto cultural. Em outras 
palavras, a identidade cultural está relacionada com a forma como vemos o mundo 
exterior e como nos posicionamos em relação a ele. Esse processo é contínuo e 
perpétuo, o que significa que a identidade de um sujeito está sempre sujeita a 
mudanças. Nesse sentido, a identidade cultural preenche os espaços de mediação 
entre o mundo “interior” e o mundo “exterior”, entre o mundo pessoal e o mundo 
público. Nesse processo, ao mesmo tempo que projetamos nossas particularidades 
sobre o mundo exterior (ações individuais de vontade ou desejo particular), também 
internalizamos o mundo exterior (normas, valores, língua...). É nessa relação que 
construímos nossas identidades. 
Algumas pessoas consideram a globalização um perigo para a preservação da 
diversidade cultural, pois acreditam na perda de costumes tradicionais e típicos de 
cada sociedade, dando lugar à características globais e "impessoais". 
Com o intuito de tentar preservar a riqueza da diversidade cultural dos países, 
a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) 
criou a "Declaração Universal sobre a Diversidade Cultural". 
 A Declaração da UNESCO sobre Diversidade Cultural reconhece as múltiplas 
culturas como uma "herança comum da humanidade", e é considerada o primeiro 
instrumento que promove e protege a diversidade cultural e o diálogo intercultural 
entre as nações. 
Já o Brasil, é um país incrivelmente rico em diversidade cultural, devido a sua 
extensão territorial e a pluralidade de colonizações e influências que sofreu ao longo 
do processo de construção da sociedade brasileira. As diferenças são bastante 
visíveis mesmo entre as diferentes regiões do país: norte, nordeste, centro-oeste, 
sudeste e sul. 
Nas regiões norte e nordeste, a predominância é das tradições indígenas e 
africanas, sincretizadas com os costumes dos povos europeus, que colonizaram o 
país. Na região centro-oeste, onde predomina o Pantanal, existe ainda uma grande 
presença da diversidade cultural indígena, comforte influência da culinária mineira e 
paulista. No sudeste e sul destacam-se costumes de origem europeia, com colônias 
43 
 
portuguesas, germânicas, italianas e espanholas que, ainda hoje, mantêm a cultura 
típica de seus países de origem. 
14.2 Igualdade e Diferença 
 Igualdade e diferença são temas velhos a despeito de sua permanência no 
debate atual. Esses temas estiveram enlaçados com os processos históricos 
emergentes e alcançaram várias formas de aparição histórico-discursiva que nem 
sempre combinavam a igualdade como oposto a uma desigualdade naturalizada, que 
demandava busca de soluções, como por exemplo, na era na Antiguidade. 
Clássica, cuja igualdade não era universalizável aos “não cidadãos”, aos 
“bárbaros”, mas sim, apenas aos cidadãos. Os responsáveis pela dignidade do 
conceito de igualdade de forma mais universal foram as filosofias humanistas dos 
séculos XVI e XVII, a ética cristã, os Iluministas do século XVIII e o marxismo do 
século XIX. Entretanto, a noção de igualdade persistente na cultura ocidental está 
indissociavelmente ligada ao Cristianismo, o qual enxerga cada homem 
individualmente, como uma pessoa singular, diferente, mas igual perante Deus e 
dotado da mesma origem. 
Assim, a noção de igualdade para o Cristianismo está intimamente ligada à 
noção de diferença: igualdade porque pela origem comum não há homem superior e 
nem inferior, e diferença porque na relação entre homem e Deus existe desigualdade 
entre criatura e Criador. E essa idéia de uma igualdade perante Deus foi ao longo do 
tempo sendo aperfeiçoada e codificada como igualdade perante a lei. 
Partindo desse suposto, o princípio de isonomia ou de igualdade, legalmente 
reconhecido e garantido pelos textos constitucionais dos países com regime político 
democrático, como é o caso do Brasil, afirma que todos são iguais sem distinção de 
qualquer natureza, porém a estrutura concreta das sociedades revela as diversidades 
de ordem cultural, social, de gênero, étnico-racial e as interferências das mesmas nas 
condições de vida e de história dessas sociedades e a necessidade da busca de uma 
igualdade material, substantiva, que perpassa pelo reconhecimento do direito a 
diferença. 
Noutras palavras, existem dois tipos de igualdade: a legal – àquela que está 
presente em dispositivos jurídicos; e a material – àquela que se consubstancia na vida 
44 
 
cotidiana, garantindo que todos os sujeitos usufruam os mesmos direitos e 
oportunidades. 
Entretanto, o direito a igualdade material, real, só se legitima quando o direito 
as diferenças são respeitadas. Com efeito, nas sociedades pluriétnicas, a noção de 
neutralidade do Estado, nas esferas econômica e social, se traduz na crença de que 
a mera introdução de dispositivos legais é o suficiente para garantir a existência de 
uma sociedade harmônica, onde independentemente da diversidade, seria 
assegurado a todos a efetiva igualdade de acesso aos bens produzidos pela 
humanidade, mas a discriminação se dá exatamente quando indivíduos são tratados 
iguais em situações diferentes, e quando diferentes, em situações iguais. 
Nesse contexto, a discussão de igualdade tem trazido à cena as várias 
coletividades, as diversas demandas específicas dos grupos excluídos histórica e 
culturalmente, como as mulheres, os índios, os negros, os homossexuais, os 
deficientes, etc., que lutam pelo direito às diferenças como pressuposto ao direito à 
igualdade, ou seja, uma discriminação positiva. 
14.3 Universalismo e Relativismo 
Com o processo de internacionalização dos direitos humanos, compreendido 
como um fenômeno do pós-guerra - de 1945 em diante - houve a necessidade 
premente de se formalizar, em diversas cartas, declarações e pactos internacionais, 
um rol mínimo de direitos, individuais e coletivos, que os Estados e as Organizações 
Internacionais se comprometem a respeitar, manter e promover. 
O objetivo era fomentar o reconhecimento e a valorização da dignidade da 
pessoa humana, independentemente, das diversidades culturais e do regime jurídico 
adotado por cada Estado. 
 
Fonte:pulpitocristao.com 
45 
 
Nesse ínterim, foi idealizado um complexo sistema de proteção dos direitos 
humanos, o qual, num contexto global é exercido pela ONU, e, nas perspectivas 
regionais, pelas organizações internacionais. Destacam-se os sistemas: europeu, 
africano, asiático e interamericano. Acredita-se que parte das monstruosas violações 
aos direitos humanos da era Hitler poderiam ter sido evitadas, caso tais sistemas 
existissem. 
Pela adoção do novo paradigma, o qual situa a tutela dos direitos humanos 
como tema de legítimo interesse internacional, foi necessário restringir o conceito de 
soberania estatal, a qual se caracterizava, até então, por sua natureza ilimitada. 
Assim, a proteção dos direitos humanos não deve mais, reduzir-se ao âmbito interno 
de cada Estado, visto que a violação dos direitos humanos não é um problema 
doméstico, mas sim, uma questão que afeta toda a comunidade internacional. 
A concepção universalista, notadamente demarcada a partir da Declaração 
Universal dos Direitos Humanos de 1948, oferece como contra-argumentos à crítica 
relativista, os seguintes: 
 
a) No que pertine ao argumento filosófico, os universalistas refutam as visões 
antropocêntricas e cosmoteleológicas, afirmando que os direitos expressos 
nas declarações de direitos humanos não têm o condão de abranger todas 
as nuanças da vida em sociedade. 
 
Ainda nesse sentido, os universalistas argumentam que é possível identificar 
traços comuns em qualquer sociedade, como, por exemplo, a valorização da 
dignidade da pessoa humana e a proteção contra opressão ou arbítrio. Nessa esteira, 
afirma-se a idéia de um núcleo mínimo de direitos os quais merecem a salvaguarda 
em nível global: 
 
b) Contra a crítica da imposição da cultura ocidental aos demais povos, como 
expressão imperialista, os universalistas reagem à postura relativista 
afirmando que vários Estados promovem graves e generalizadas violações 
aos direitos humanos, sob a justificativa da manutenção da identidade 
cultural. O discurso relativista, nesses termos, estaria impregnado de 
conveniência e segundas intenções, haja vista valer-se como ideologia para 
oprimir as populações subjugadas por essas práticas vis e inexpugnáveis, 
46 
 
e, ao mesmo tempo, para impedir a interferência da sociedade internacional 
na seara dos direitos humanos. 
 
Para reforçar essa crítica, ainda, era imprescindível refutar o argumento da falta 
de representatividade dos Estados na adoção da Declaração Universal dos Direitos 
Humanos de 1948, o que para os relativistas era um sinal da arrogância dos países 
ocidentais. Assim, em 1993, foi adotada a Declaração e Programa de Ação de Viena. 
Neste acordo internacional houve a tentativa, via normativa, de se afirmar a 
universalidade como característica intrínseca aos direitos humanos. Para tanto o 
fórum de Viena contou com a participação de 171 Estados, os quais de forma livre e 
consensual acordaram que, resguardadas as particularidades culturais, os direitos 
humanos devem possuir um caráter protetivo de cunho universal, conforme dispõe o 
seguinte dispositivo: 
 “Todos os direitos humanos são universais, indivisíveis interdependentes e 
inter-relacionados. A comunidade internacional deve tratar os direitos 
humanos de forma global, justa e equitativa, em pé de igualdade e com a 
mesma ênfase. Embora particularidades nacionais e regionais devam ser 
levadas em consideração, assim como diversos contexto histórico, cultural e 
religioso, é dever dos Estados promover e proteger todos os direitos humanos 
e liberdades fundamentais, sejam quais forem seus sistemas políticos, 
econômicos e culturais. ” 
 Desta forma, pode-se inferir que, se a Declaração de 1948 consagrou a 
perspectiva ocidental da definição dos direitos humanos, foi em Viena, em 1993,que 
se efetivou a tese da universalidade, haja vista os amplos debates que se travaram, 
em uma arena política mais numerosa e representativa das diversas perspectivas 
regionais e culturais, os quais repercutiram, inclusive, na modificação de algumas 
tradições ocidentais. 
 
c) No que concerne à crítica da supervalorização dos direitos humanos, na 
perspectiva individual, os universalistas explicam que, em face da 
fragilidade do indivíduo frente ao Estado, ao capital privado e, até 
mesmo, à comunidade, era necessário elencar um rol mínimo de direitos 
que resguardassem a dignidade humana, minimizando os aspectos 
negativos, inerentes a vulnerabilidade individual, em situações de 
opressão e desigualdade extrema. Soma-se a isso a inexistência de 
impedimentos normativos para assunção de deveres, isto é, os direitos 
47 
 
consagrados nas declarações de direitos humanos podem ser 
implementados à luz dos deveres correlatos. Esta interpenetração, 
direitos-deveres, é salutar e deve ser fomentada para possibilitar uma 
aproximação entre as culturas, num contexto de aprendizado recíproco. 
 
d) Para refutar o argumento do direcionamento geopolítico dos direitos 
humanos, os universalistas reconhecem a existência desse tipo de 
prática instrumentalização-interesse, entretanto acentuam que tal 
assertiva não é, de forma alguma, exclusiva da seara humanista. Em 
outros termos, essa censura pode ser estendida a qualquer tema do 
Direito Internacional, visto que, na Sociedade internacional a correlação 
de forças não é isonômica, tão pouco homogênea, o que facilita a 
seletividade das normas internacionais de acordo com a influência 
política. 
 
Assim, a crítica deve recair não sobre o Direito Internacional dos Direitos 
Humanos, mas sim sobre as próprias características da sociedade internacional, cujos 
atores principais, Estados, são, ao mesmo tempo, produtores, destinatários e 
aplicadores da norma internacional, podendo então interpretá-la de modo unilateral 
para atingir seus fins”. 
Por derradeiro, rebate-se a crítica “desenvolvimentista” à perspectiva 
universalista dos direitos humanos, afirmando-se que a inexistência de recursos 
econômico-financeiros não deve servir de mote a permitir uma postergação ad 
infinitum do gozo destes direitos. Ademais é preciso lembrar que os direitos previstos 
nas declarações de direitos humanos são denominados de mínimo ético irredutível ou 
mínimo existencial, ou seja, compõe o rol mínimo de direitos e garantias que devem 
ser asseguradas para possibilitar a existência de uma vida digna. 
Nesse sentido, vislumbra-se que as políticas de Estado devem ser orientadas, 
prima facie, para a implementação fático-jurídica dos direitos humanos, os quais, em 
muitos casos, também são direitos fundamentais, por estarem também previstos nas 
diversas Constituições estatais. Além disso, é falacioso o argumento de que a 
existência de riquezas fomenta a implementação dos Direitos Humanos, em especial, 
os econômicos, sociais e culturais. A realidade dos Estados é demarcada por grandes 
48 
 
desigualdades econômicas internas, as quais almeijam a grande população do acesso 
a tais direitos, mantendo o status quo de seletas elites locais. 
15 QUESTÕES E TENSÕES NO COTIDIANO: GÊNERO, RAÇA, ORIENTAÇÃO 
SEXUAL E RELIGIÃO 
 
Fonte:radiocidadecaratinga.com.br 
 
Nos diversos contextos culturais existem fronteiras simbólicas que delimitam, 
de forma semipermeável, as diferenças entre os indivíduos e grupos sociais. Quando 
tais fronteiras se tornam rígidas, não permeáveis, e passam a qualificar alguns grupos 
a partir da desqualificação constante e difusa de outros grupos, percebemos o 
preconceito em ação, ou seja, a discriminação. Quando estas fronteiras rígidas são 
alvos de transgressão, percebemos a violência e a intolerância, subjacentes às 
práticas discriminatórias, em relação aos/às supostos/as 'transgressores/as'. Para a 
manutenção das desigualdades sociais é fundamental que tais fronteiras sejam 
respeitadas, não importando o preço pago em termos de sofrimento psíquico. Afinal, 
sentir-se inferiorizado/a ou desqualificado/a por defeitos pressupostos não é, 
certamente, uma experiência agradável. 
 Apesar dessa fragmentação, gênero, raça, etnia, religião e sexualidade estão 
intimamente imbricados na vida social e na história das sociedades ocidentais e, 
portanto, necessitam de uma abordagem conjunta. Para trabalhar estes temas de 
forma transversal, é fundamental manter uma perspectiva não essencialista em 
relação às diferenças. A adoção dessa perspectiva justifica-se eticamente, uma vez 
49 
 
que o processo de naturalização das diferenças étnico-raciais, de gênero ou de 
orientação sexual, que marcou os séculos XIX e XX, vinculou-se à restrição do acesso 
à cidadania a negros, indígenas, mulheres e homossexuais. 
Lembremos, por exemplo, que até o início do século XX uma das justificativas 
para a não extensão às mulheres do direito ao voto baseava-se na ideia de que elas 
possuíam um cérebro menor e menos desenvolvido que o dos homens. Este 
imperativo de encontrar no corpo as razões de tais diferenças, ou seja, de 
essencializá-las ou naturalizá-las, explica-se pela preponderância formal dos 
princípios políticos do Iluminismo, muito especialmente do princípio da igualdade. 
Depois da Revolução Francesa, nas democracias liberais modernas, apenas 
desigualdades naturais, inscritas nos corpos, podiam justificar o não acesso pleno à 
cidadania. 
Alguns autores vêm mostrando como discursos homofóbicos, misóginos ou 
sexistas e racistas estão profundamente articulados. Um dos exemplos mais 
interessantes diz respeito ao modo pelo qual, na Alemanha nazista, a ascensão do 
discurso racista afetou não apenas as mulheres judias ou ciganas, consideradas 
racialmente inferiores. Como se tratava de “proteger” a chamada raça ariana, 
considerada superior às demais, passou a ser atribuído às mulheres “arianas” o 
ambíguo estatuto de “mães da raça”. E para cumprir esse papel deveriam ficar fora 
do espaço público, permanecendo em casa e ocupando-se apenas da tarefa de criar 
filhos “racialmente puros”. Vê-se aqui a adoção do racismo como política de Estado 
acabou implicando a reclusão das mulheres ao espaço doméstico. Vale lembrar que, 
ainda na Alemanha nazista, o racismo anti-semita articulou-se também à 
discriminação de homossexuais. Vistos, como os judeus, como ameaças à raça 
ariana, acabaram igualmente sendo enviados a campos de concentração. 
Além de relações históricas, há em situações bem cotidianas uma espécie de 
sinergia entre atitudes e discursos racistas, sexistas e homofóbicos. Um exemplo 
talvez banal: se um adolescente ou aluno manifesta qualquer sinal de 
homossexualidade, logo aparece alguém o chamando de “mulherzinha” ou 
“mariquinha”. O que poucos se perguntam é por que ser chamado de mulher pode ser 
ofensivo. Em que sentido ser feminino é mau? Aqui pode ser visto o modo como a 
misoginia e a homofobia se misturam e se reforçam. A discriminação em relação às 
mulheres ou ao feminino articula-se à discriminação dos sexualmente diferentes, 
daqueles que são sexualmente atraídos por pessoas do mesmo sexo. 
50 
 
O sofrimento que emerge dessa situação para adolescentes de ambos os 
sexos talvez só possa ser realmente avaliado por aqueles/as que foram submetidos/as 
a tais processos de estigmatização e marginalização. Além disso, frequentemente o 
discurso racista utiliza características atribuídas às mulheres para inferiorizar 
negros/as, indígenas ou outros grupos considerados inferiores: 
“São mais impressionáveis, mais imprevidentes, mais descontrolados, mais 
impulsivos” etc. e, como as mulheres, estariam mais próximos da natureza, devendo 
ser tutelados, ou seja, tratados como crianças, incapazes de exercer plenamente seus 
direitos políticos. 
Assim, diferentes desigualdades se sobrepõem e se reforçam. Faztodo o 
sentido, portanto, discuti-las em conjunto, pois aquele que é considerado como 
cidadão, o sujeito político por excelência, é homem, branco e heterossexual. Em torno 
dele constrói-se todo um universo de diferenças desvalorizadas, de subcidadãos e 
subcidadãs. 
Precisamos, portanto, ir além da promoção de uma atitude apenas tolerante 
para com a diferença, o que em si já é uma grande tarefa, sem dúvida. Afinal, as 
sociedades fazem parte do fluxo mais geral da vida e a vida só persevera, só se 
renova, só resiste às forças que podem destruí-la através da produção contínua e 
incansável de diferenças, de infinitas variações. As sociedades também estão em 
fluxo contínuo, produzindo a cada geração novas ideias, novos estilos, novas 
identidades, novos valores e novas práticas sociais. 
Não precisamos recuar tanto no tempo para encontrar diferentes formas de 
organização social e manifestações culturais: nossos antepassados agiam e 
pensavam de forma muito diversa da nossa. Num passado não muito distante, a 
situação da mulher no Brasil, por exemplo, era bastante distinta da atual. Os costumes 
de muitas famílias da nossa oligarquia rural exigiam que os pais escolhessem aquele 
que desposaria sua filha. Uma série de fatores influía na decisão dos pais e mães: 
desde alianças antigas entre as famílias, obrigações recíprocas, promessas feitas, às 
vezes, antes do nascimento dos filhos e filhas, até mesmo questões como o dote e os 
interesses econômicos, contando muito pouco o desejo dos filhos e das filhas. Hoje 
as coisas são bem diferentes e, embora uma série de elementos de diversas ordens 
interfira na escolha do/a parceiro/a, o desejo individual é representado pela 
coletividade como decisivo. 
51 
 
A diversidade das manifestações culturais se estende não só no tempo, mas 
também no espaço. Se dirigirmos o olhar para os diferentes continentes, 
encontraremos costumes que nos parecerão, à luz dos nossos, curiosos ou 
aberrantes. Do mesmo modo que os povos falam diferentes línguas, eles expressam 
das formas mais variadas os seus valores culturais. O nascimento de uma criança 
será festejado de forma variada se estivermos em São Paulo, na Guiné- Bissau ou no 
norte da Suécia: a um mesmo fato aparente – o nascimento – diferentes culturas 
atribuem significados distintos que são perceptíveis por meio de suas manifestações. 
16 ETNOCENTRISMO, ESTEREÓTIPO E PRECONCEITO 
 Etnocentrismo, estereótipo, preconceito e discriminação são ideias e 
comportamentos que negam humanidade àqueles e àquelas que são suas vítimas. A 
situação tem melhorado graças à atuação dos movimentos sociais e de políticas 
públicas específicas. E você? Como pode contribuir para a mudança? 
 
 
Fonte: megaarquivo.files.wordpress.com 
 A reação diante da alteridade faz parte da própria natureza das sociedades. 
Em diferentes épocas, sociedades particulares reagiram de formas específicas diante 
do contato com uma cultura diversa à sua. Um fenômeno, porém, caracteriza todas 
52 
 
as sociedades humanas: o estranhamento diante de costumes de outros povos e a 
avaliação de formas de vida distintas a partir dos elementos da sua própria cultura. A 
este estranhamento chamamos etnocentrismo. 
Por exemplo, todas as culturas definem o que as pessoas devem levar como 
vestimenta e adorno. Muitas vezes, a cultura ocidental se negou a ver nas pinturas 
corporais ou em diferentes adornos e adereços dos grupos indígenas sul-americanos 
os correspondentes às nossas roupas, e criou-se a idéia de que o “índio” andaria 
pelado, avaliando tal comportamento como “errado”. Recentemente, com a onda 
ecológica, o que no passado fora condenado, passou a ser valorizado, ou seja, a 
nudez de “índios e índias” os colocaria de forma mais salutar em maior contato com a 
natureza. Nada mais equivocado do que falar do “índio” de forma indiscriminada: o 
etnocentrismo não permite ver, por um lado, que o “índio” não existe como algo 
genérico, mas nas manifestações específicas de cada cultura – Bororo, Nhambiquara, 
Guarani, Cinta-Larga, Pataxó etc. – e por outro, que o “índio” nem anda “pelado” nem 
está mais próximo da natureza, pela simples ausência de vestimentas ocidentais. Os 
Zoé, índios Tupi do rio Cuminapanema (PA), por exemplo, utilizam botoques labiais; 
os homens, estojos penianos e as mulheres, tiaras e outros adornos sem os quais 
jamais apareceriam em público. São elementos que os diferenciam definitivamente 
dos animais e que marcam a sua vida em sociedade, da mesma forma que o uso de 
roupas na nossa cultura. 
Vê-se, com naturalidade, que mulheres, e atualmente também os homens, 
furem suas orelhas e usem brincos. Ninguém vê no ato de furar as orelhas um signo 
de barbárie e o uso de brincos é sinônimo de coqueteria para homens e mulheres. Há 
pouco tempo, homens que usassem brincos eram tidos como homossexuais ou 
afeminados. O uso de botoques labiais por diversos grupos indígenas do Brasil não 
foi, porém, incorporado da mesma forma. Os brincos que as indianas usam no nariz 
eram vistos com estranheza, pois o nariz não era considerado o lugar “certo” para 
colocar brincos, segundo o padrão de beleza ocidental predominante no país, até 
chegarem os piercings, cada vez mais adotados pelos jovens. 
O etnocentrismo consiste em julgar, a partir de padrões culturais próprios, como 
“certo” ou “errado”, “feio” ou “bonito”, “normal” ou “anormal” os comportamentos e as 
formas de ver o mundo dos outros povos, desqualificando suas práticas e até negando 
sua humanidade. Assim, percebemos como o etnocentrismo se relaciona com o 
conceito de estereótipo, que consiste na generalização e atribuição de valor (na 
53 
 
maioria das vezes negativo) a algumas características de um grupo, reduzindo-o a 
essas características e definindo os “lugares de poder” a serem ocupados. É uma 
generalização de julgamentos subjetivos feitos em relação a um determinado grupo, 
impondo-lhes o lugar de inferior e o lugar de incapaz no caso dos estereótipos 
negativos. No cotidiano, temos expressões que reforçam os estereótipos: “tudo farinha 
do mesmo saco”; “tal pai, tal filho”; “só podia ser mulher”; “nordestino é preguiçoso”; 
“serviço de negro”; e uma série de outras expressões e ditados populares específicos 
de cada região do país. 
Os estereótipos são uma maneira de “biologizar” as características de um 
grupo, isto é, considerá-las como fruto exclusivo da biologia, da anatomia. O processo 
de naturalização ou biologização das diferenças étnico-raciais, de gênero ou de 
orientação sexual, que marcou os séculos XIX e XX, vinculou-se à restrição da 
cidadania a negros, mulheres e homossexuais. 
Uma das justificativas até o início do século XX para a não extensão às 
mulheres do direito de voto baseava-se na idéia de que possuíam um cérebro menor 
e menos desenvolvido que o dos homens. A homossexualidade, por sua vez, era tida 
como uma espécie de anomalia da natureza. Nas democracias modernas, apenas 
desigualdades naturais podiam justificar o não acesso pleno à cidadania. 
No interior de nossa sociedade, encontramos uma série de atitudes 
etnocêntricas e biologicistas. Muitos acreditaram que havia várias raças e sub-raças, 
que determinariam, geneticamente, as capacidades das pessoas. Da mesma forma, 
pesquisas foram realizadas para provar que o cérebro das mulheres funcionava de 
modo diferente do cérebro dos homens. Esses temas serão aprofundados nos 
Módulos Relações de Gênero e Relações Étnico-Raciais. 
Encontramos um exemplo de intolerância religiosa na relação com o candomblé 
e outras religiões de matriz africana. O sacrifício animal no candomblé e em outras 
religiões afrobrasileiras tem sido considerado como sinônimo de barbárie pelos 
praticantes de outros credos: trata-se, contudo, simplesmente, de uma forma 
específica para que homens e mulheres entrem em contato com o divino, com os 
deuses – neste caso, osorixás - cada qual com a sua preferência, no que diz respeito 
ao sacrifício. Outras religiões pregam formas diversas de contato com o divino e 
condenam as práticas do candomblé como “erradas” e “bárbaras”, ou como “feitiçaria”, 
a partir de seus próprios preceitos religiosos. O preconceito de alguns seguimentos 
religiosos tem levado seus seguidores a atacar, com pedras e paus, terreiros e roças. 
54 
 
O espiritismo kardecista, hoje praticado nas mais diferentes partes do Brasil, foi 
durante muito tempo perseguido por aqueles que, adotando um ponto de vista católico 
ou médico, afirmavam serem as práticas espíritas próprias de charlatães. Se boa parte 
dos/as brasileiros/as se define como católica, a verdade é que somos um país cruzado 
por múltiplas crenças. Até mesmo no interior do próprio catolicismo há diferentes 
práticas religiosas: somos um país plural. A constituição garante a liberdade religiosa 
e de crença, e as instituições devem promover o respeito entre os praticantes de 
diferentes religiões, além de preservar o direito não adotam qualquer prática religiosa. 
No entanto, é bastante comum encontrarmos crianças e adolescentes que exibem 
com orgulho para seus/suas educadores/as os símbolos de sua primeira comunhão, 
enquanto famílias que cultuam religiões de matriz africana são pejorativamente 
chamadas de “macumbeiras”, sendo discriminadas por suas identidades religiosas. 
O estereótipo funciona como um carimbo que alimenta os preconceitos ao 
definir a priori quem são e como são as pessoas. Sendo assim, o etnocentrismo se 
aproxima também do preconceito, que, como diz a palavra, é algo que vem antes (pré) 
do conhecimento (conceito), ou seja, antes de conhecer já defino “o lugar” daquela 
pessoa ou grupo. Um outro significado da palavra “conceito” é “juízo” e, assim sendo, 
preconceito seria um “prejuízo” para quem o sofre, mas também para quem o exerce, 
pois, não entra em contato com o outro e/ou a outra. 
 
 
Fonte: empoderadasnagestao.wordpress.com 
 
 O preconceito relativo às práticas religiosas afro-brasileiras está 
profundamente arraigado na sociedade brasileira por essas práticas estarem 
associadas a negros e negras, grupo historicamente estigmatizado e excluído. Os 
55 
 
cultos afro-brasileiros seriam contrários ao “normal e natural” cristianismo europeu. 
Teremos um módulo dedicado ao estudo das relações étnico raciais e ao estudo 
histórico, cultural e pedagógico da presença dos negros no Brasil, assim como tratará 
das reivindicações e das conquistas dos movimentos negros. Para efeito desse 
exemplo, porém, vale lembrar que expressões culturais como o samba, a capoeira e 
o candomblé foram, durante décadas, proibidas e perseguidas pela polícia. Isso 
mostra que essas práticas foram incorporadas aos símbolos nacionais no interior de 
processos extremamente complexos. 
O caso mais evidente é o samba, que de “música de negros” passou a ser 
caracterizado como “música nacional”. As religiões afro-brasileiras, no entanto, ainda 
enfrentam um profundo preconceito por parte de amplos setores da sociedade: há 
quem considere o candomblé como uma “dança folclórica”, negando, como 
consequência, seu conteúdo religioso; há também quem o caracteriza como uma 
“prática atrasada”. Em ambos os casos, seu caráter religioso é negado e não é tomado 
em pé de igualdade com outras práticas e crenças. Ora, tanto o candomblé quanto a 
umbanda são religiões extremamente complexas, são práticas rituais sofisticados e 
fazem parte de um sistema mítico que – da mesma forma que a Bíblia – explica a 
origem da humanidade, suas relações com o mundo natural e com o mundo 
sobrenatural. Os grupos que compõem as religiões afro-brasileiras possuem o 
conhecimento de um código – que se expressa por intermédio da religião – 
desconhecido por outros setores da população. Enquanto códigos e expressões 
culturais de determinados grupos, as diferentes religiões afro-brasileiras devem ser 
olhadas com respeito. 
Além das práticas religiosas, em nossa sociedade, existem práticas que sofrem 
um profundo preconceito por parte dos setores hegemônicos, ou seja, por parte 
daqueles que se aproximam do que é considerado “correto” segundo os que detêm 
poder. Seguindo essa lógica, as práticas homossexuais e homo afetivas, são 
condenadas, vistas como transtorno, perturbação ou desvio à “normal e natural” 
heterossexualidade. Aqueles e aquelas que manifestavam desejos diferentes dos 
comportamentos heterossexuais, além de condenados por várias religiões, foram 
enquadrados/as no campo patológico e estudados/as pela medicina psiquiátrica que 
buscava a cura para aquele mal. Foi necessária a contribuição de outros campos do 
conhecimento para romper com a idéia de “homossexualismo” como doença e 
56 
 
construir os conceitos de homossexualidade e de orientação sexual, incluindo a 
sexualidade como constitutiva da identidade de todas as pessoas. 
 O preconceito contra pessoas com orientação sexual diferenciada vem sendo 
fortemente combatido pelo Movimento LGBT. Consideradas, no passado, um pecado 
pela religião (e por muitos até hoje), uma doença pela medicina, um desvio de conduta 
pela psicologia, as práticas homoeróticas, nas últimas décadas, têm contribuído para 
a superação do estigma que as reprova e persegue. Embora se trate de um grupo 
social ainda fortemente estigmatizado, é inegável que a atuação dos movimentos 
sociais tem provocado mudanças no imaginário e agregado conhecimentos sobre a 
homossexualidade, de maneira a tirá-la da “clandestinidade”. Há pouco mais de uma 
década, era impensável a “Parada do Orgulho Gay”, atualmente denominada Parada 
LGBT, por exemplo, que ocorre em boa parte das grandes cidades brasileiras. Cada 
vez mais vemos homossexuais ocupando a cena pública de diferentes formas. A atual 
luta pela parceria civil constitui uma das muitas bandeiras dos movimentos 
homossexuais com apoio de vários outros movimentos sociais. 
 
 
Fonte: pedrovallsfeurosa.com.br 
 
 No conjunto das conquistas político-sociais da atuação do Movimento LGBT, 
se enquadra a sensibilização da população de modo geral para as formas de 
discriminação por orientação sexual, que tem levado estudantes a abandonarem a 
escola, por não suportarem o sofrimento causado pelas piadinhas e ameaças 
cotidianas dentro e fora dos muros escolares. Esses mesmos movimentos têm 
apontado a urgência de inclusão, no currículo escolar, da diversidade de orientação 
sexual, como forma de superação de preconceitos e enfrentamento da homofobia. 
57 
 
Questões de gênero, religião, raça/etnia ou orientação sexual e sua 
combinação direcionam práticas preconceituosas e discriminatórias da sociedade 
contemporânea. Se o estereótipo e o preconceito estão no campo das ideias, a 
discriminação está no campo da ação, ou seja, é uma atitude. É a atitude de 
discriminar, de negar oportunidades, de negar acesso, de negar humanidade. Nessa 
perspectiva, a omissão e a invisibilidade também são consideradas atitudes, também 
se constituem em discriminação. 
O predomínio de livros didáticos e paradidáticos em que a figura da mulher é 
ausente ou caracterizada como menos qualificada que o homem contribui para uma 
imagem de inferioridade feminina, por um lado, e superioridade masculina, por outro. 
É o caso dos livros em que a mulher ocupa os lugares de menos prestígio, como, por 
exemplo, a organização e limpeza da casa, ou quando aparece como ajudante nas 
atividades masculinas, como enfermeiras e garçonetes. Silenciosamente, vão sendo 
demarcados, com uma linha nada imaginária, os lugares dos homens e os lugares 
das mulheres. E os homens e as mulheres que fugirem desse roteiro pré-definido terão 
seus valores humanos ameaçados ou violados. O grupo social, respaldado por um 
conjunto de idéias machistas, exercerá seu controle e fortalecerá os mecanismos de 
exclusão e negação de oportunidades iguais.É importante destacar que há mudanças acontecendo. No que se refere às 
mulheres, por exemplo, historicamente em situação de desigualdade com relação aos 
homens, sua entrada progressiva no mercado de trabalho, seu acesso a ambientes 
antes considerados “masculinos” e, inclusive, a predominância feminina em 
determinadas profissões liberais se deram em meio a um processo de transformação 
pautado, entre outros fatores, pelas demandas dos movimentos feministas, muito 
vigorosos em todos os países ocidentais, nas últimas décadas. Esse processo veio 
acompanhado de uma profunda discussão sobre a construção das feminilidades e 
masculinidades nos diferentes processos de educação e pela organização política das 
mulheres na luta contra o preconceito e as discriminações e pela construção da 
igualdade. 
A superação das discriminações implica a elaboração de políticas públicas 
específicas e articuladas. Os exemplos relativos às mulheres, aos homossexuais 
masculinos e femininos, às populações negra e indígena tiveram a intenção não 
apenas de explicitar que as práticas preconceituosas e discriminatórias – misoginia, 
homofobia e racismo – existem no interior da nossa sociedade, mas também que 
58 
 
essas mesmas práticas vêm sofrendo profundas transformações em função da 
atuação dos próprios movimentos sociais, feministas, LGBT, negros e indígenas. Tais 
movimentos têm evidenciado o quanto as discriminações se dão de formas 
combinadas e sobrepostas, refletindo um modelo social e econômico que nega 
direitos e considera inferiores mulheres, gays, lésbicas, transexuais, travestis, negros, 
indígenas. A desnaturalização das desigualdades exige um olhar transdisciplinar, que, 
em vez de colocar cada seguimento numa caixinha isolada, convoca as diferentes 
ciências, disciplinas e saberes para compreender a correlação entre essas formas de 
discriminação e construir formas igualmente transdisciplinares de enfrentá-las e de 
promover a igualdade. 
Daquilo que vimos refletindo até aqui, fica evidente que a escola é instituição-
parte da sociedade e por isso não poderia se isentar dos benefícios ou das mazelas 
produzidos por essa mesma sociedade. A escola é, portanto, influenciada pelos 
modos de pensar e de se relacionar da/na sociedade, ao mesmo tempo em que os 
influencia, contribuindo para suas transformações. Ao identificarmos o cenário de 
discriminações e preconceitos, vemos no espaço da escola as possibilidades de 
particular contribuição para alteração desse processo. A escola, por seus propósitos, 
pela obrigatoriedade legal e por abrigar distintas diversidades (de origem, de gênero, 
sexual, étnico-racial, cultural etc), torna-se responsável – juntamente com estudantes, 
familiares, comunidade, organizações governamentais e não governamentais – por 
construir caminhos para a eliminação de preconceitos e de práticas discriminatórias. 
Educar para a valorização da diversidade não é, portanto, tarefa apenas daqueles/as 
que fazem parte do cotidiano da escola; é responsabilidade de toda a sociedade e do 
Estado. 
 Compreendemos que não se faz uma educação de qualidade sem uma 
educação cidadã, uma educação que valorize a diversidade. Reconhecemos, porém, 
que a escola tem uma antiga trajetória normalizadora e homogeneizadora que precisa 
ser revista. O ideal de homogeneização levava a crer que os/as estudantes negros/as, 
indígenas, transexuais, lésbicas, meninos e meninas deveriam se adaptar às normas 
e à normalidade. Com a repetição de imagens, linguagens, contos e repressão aos 
comportamentos “anormais” (ser canhoto, por exemplo) se levariam os “desviantes” à 
integração ao grupo, passando da minimização à eliminação das diferenças (defeitos). 
E o que seria normal? Ser homem-macho? Ser mulher feminina? Ser negro quase 
branco? Ser gay sem gestos “afetados”? Espera-se que o discriminado se esforce e 
59 
 
adapte-se às regras para que ele, o diferente, seja tratado como “igual”. Nessa visão, 
“se o aluno for eliminando suas singularidades indesejáveis, será aceito em sua 
plenitude” (CASTRO, 2006, p 217). 
Essa concepção de educação justificou e justifica, ainda hoje, a fala de 
educadores e educadoras, os quais, ainda que reconheçam a existência de 
discriminações dentro e fora da escola, acreditam que é melhor “ficar em silêncio”. 
Falar do tema seria acordar preconceitos antes adormecidos, podendo provocar um 
efeito contrário: em vez de reduzir os preconceitos, aumentá-los. E, nos silêncios, no 
“currículo explícito e oculto”, vão se reproduzindo desigualdades. Quando a escola 
não oferece possibilidades concretas de legitimação das diversidades (nas falas, nos 
textos escolhidos, nas imagens veiculadas na escola etc) o que resta aos alunos e 
alunas, senão a luta cotidiana para adaptar-se ao que esperam deles/as ou conformar-
se com o status de “desviante” ou reagir aos xingamentos e piadinhas e configurar 
entre os indisciplinados? E, por último, abandonar a escola. 
A diversidade está presente em cada entrelinha, em cada imagem, em cada 
dado, nas diferentes áreas do conhecimento, valorizando-a ou negando-a. 
É no ambiente escolar que as diversidades podem ser respeitadas ou negadas. 
É da relação entre educadores/as, entre estes/as e os/as educandos/as e entre os 
educandos/as que nascerá a aprendizagem da convivência e do respeito à 
diversidade. “A diversidade, devidamente reconhecida, é um recurso social dotado de 
alta potencialidade pedagógica e libertadora. A sua valorização é indispensável para 
o desenvolvimento e a inclusão de todos os indivíduos. 
Políticas socioeducacionais e práticas pedagógicas inclusivas, voltadas a 
garantir a permanência, a formação de qualidade, a igualdade de oportunidades e o 
reconhecimento das diversas orientações sexuais e identidades de gênero [e étnico-
raciais], contribuem para a melhoria do contexto educacional e apresentam um 
potencial transformador que ultrapassa os limites da escola, em favor da consolidação 
da democracia” (Texto-base da Conferência Nacional de LGBT – Direitos Humanos e 
Políticas Públicas: o caminho para garantir a cidadania de gays, lésbicas, bissexuais, 
travestis e transexuais, p. 19, 2008) É no ambiente escolar que os/as estudantes 
podem construir suas identidades individuais e de grupo, podem exercitar o direito e 
o respeito à diferença. 
Faz-se necessário contextualizar o currículo, “cultivar uma cultura de abertura 
ao novo, para ser capaz de absorver e reconhecer a importância da afirmação da 
60 
 
identidade, levando em conta os valores culturais” dos/as estudantes e seus 
familiares, favorecendo que estudantes e educadores/as respeitem os valores 
positivos que emergem do confronto dessas diferenças, possibilitando, ainda, 
desativar a carga negativa e eivada de preconceitos que marca a visão discriminatória 
de grupos sociais, com base em sua origem étnico-racial, suas crenças religiosas, 
suas práticas culturais, seu modo de viver a sexualidade. Trata-se, portanto, de tarefa 
transdisciplinar, pela qual todos os educadores e educadoras são responsáveis. Cada 
área do conhecimento pode e tem a contribuir para que as realidades de discriminação 
sejam desveladas, seja recuperando os processos históricos, seja analisando 
estatísticas, seja numa leitura crítica da literatura ou na inclusão de autores de grupos 
discriminados ou que abordem o tema. 
Espera-se, portanto, que uma prática educativa de enfrentamento das 
desigualdades e valorização da diversidade vá além, sendo capaz de promover 
diálogos, a convivência e o engajamento na promoção da igualdade. Não se trata, 
simplesmente, de desenvolver metodologias para trabalhar a diversidade e tampouco 
com “os diversos”. É, antes de tudo, rever as relações que se dão no ambiente escolar 
na perspectiva do respeito à diversidade e de construção da igualdade, contribuindo 
para a superação das assimetrias nas relações entre homens e mulheres,entre 
negros/as e brancos/as, entre brancos/as e indígenas entre homossexuais e 
heterossexuais e para a qualidade da educação para todos e todas. 
É no ambiente escolar que crianças e jovens podem se dar conta de que somos 
todos diferentes e que é a diferença, e não o temor ou a indiferença, que deve atiçar 
a nossa curiosidade. E mais: é na escola que crianças e jovens podem ser, juntamente 
com os professores e as professoras, promotores e promotoras da transformação do 
Brasil em um país respeitoso, orgulhoso e disseminador da sua diversidade. 
61 
 
17 DIREITOS HUMANOS, CIDADANIA E DEMOCRACIA 
 
Fonte: ibradd.org.br 
 
É no período pós-guerra que surge o Direito Internacional dos Direitos 
Humanos como uma tentativa de situar os direitos fundamentais na base da ordem 
internacional contemporânea. Para que esse objetivo fosse alcançado, seria 
necessária uma universalização e internacionalização desses direitos, ou seja, a 
questão dos Direitos Humanos deveria ir além das fronteiras dos Estados Nacionais. 
Esse processo de internacionalização acabou gerando o surgimento de um 
sistema normativo internacional, voltado para a proteção e amparo dos direitos 
fundamentais. O sistema internacional de proteção dos direitos humanos dialoga com 
os sistemas nacionais para a garantia e o respeito aos direitos e às liberdades 
fundamentais dos indivíduos. Todavia, se o Estado se torna negligente frente ao 
compromisso de promoção dos Direitos Humanos, o sistema internacional possui 
legitimidade para cobrar desses Estados. 
 Essa legitimidade tem lugar, sobretudo, quando se estabelece uma efetiva 
relação do Estado Nacional com a ordem internacional, no sentido de garantia dos 
direitos fundamentais. De outra maneira: quando o Estado aceita o aparato 
internacional. Nessa perspectiva, a intervenção internacional é uma medida que 
reflete apenas em um auxílio ou em um complemento à proteção interna desses 
direitos. O processo de internacionalização dos direitos humanos desencadeia a 
democratização do cenário internacional, uma vez que surge a sociedade civil 
internacional, composta por organizações não governamentais e por indivíduos, que 
62 
 
passam a poder acionar órgãos internacionais em casos de violação dos direitos 
humanos. 
Por essas razões, a dimensão da cidadania no exercício de garantia dos 
direitos humanos, sobretudo no plano internacional, sugere que o favorecimento do 
acesso às Cortes internacionais a indivíduos ou grupos organizados, não só contribui 
para a efetivação dos direitos humanos, como se realiza, propriamente, o 
entendimento de que o sistema internacional de proteção desses direitos envolve um 
sistema legal juridicamente vinculante, podendo ser exigível, portanto, diretamente 
pela cidadania. É preciso, no entanto, refletir sobre como a proteção dos direitos 
humanos costuma se realizar no interior de ordenamentos jurídicos internos dos 
Estados democráticos e, sobretudo para os objetivos deste trabalho, na democracia 
brasileira. 
As declarações francesas de 1789 e americana de 1776, no início da idade 
contemporânea, trazem a ideia de cidadania apoiada em um discurso liberal, em que 
os direitos fundamentais se relacionavam à ideia de liberdade, segurança e 
propriedade. Estabeleciam, desse modo, os direitos civis e políticos. Já no período 
entre guerras, surge a preocupação com o discurso social da cidadania, sendo 
valorizada a ideia de igualdade (na dimensão dos direitos sociais e econômicos), 
como uma tentativa de eliminar a exploração econômica conforme tratava a 
Declaração dos Direitos do Povo Trabalhador e Explorado de 1918, da extinta 
República Soviética Russa. 
A separação entre os direitos civis e políticos e os direitos sociais acerca da 
cidadania tem fim com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948. Aquele 
texto reúne todos os tipos direitos fundamentais, que agora não podem mais ser 
pensados isoladamente. Além disso, a Declaração Universal estabelece que os 
Direitos Humanos são universais e inerentes aos seres humanos. Somando esses 
dois aspectos, a Declaração de 1948 traz a concepção contemporânea de cidadania. 
Representando uma nova dimensão sobre o que passa a ser um sujeito de direito: a 
partir de então, se fala em categorias de direitos, segundo suas condições 
particulares. Nessa linha, ganha relevo discussões sobre os direitos das mulheres, 
dos grupos raciais e de quaisquer sujeitos que costumam ser discriminados ou 
constitua alguma espécie de minoria que precise de uma dimensão de afirmação de 
seus direitos. É preciso pensar, nesse cenário, se a Constituição brasileira de 1988 
acolhe essa nova dimensão de cidadania, tal como descrita. A Constituição brasileira 
63 
 
adota a indivisibilidade dos direitos humanos. Ou seja, ela proclama ser inconcebível 
separar os direitos civis e políticos dos direitos sociais, econômicos e culturais. Nesse 
quesito, ela atende a concepção de cidadania que se delineou. 
No que diz respeito ao alcance universal dos Direitos Humanos, a Carta de 
1988 também está em consonância com a concepção contemporânea de cidadania, 
tendo em vista que seu texto afirma que todos são iguais e que os direitos 
fundamentais são inerentes à pessoa humana. 
A Constituição brasileira também concebe os direitos fundamentais como um 
tema de interesse internacional. Além disso, a ordem constitucional estabelecida em 
1988 acolhe aquela nova dimensão de sujeito de direito, concreto e categorizado, 
segundo suas particularidades. Em seu texto, fica clara a divisão em capítulos 
dedicados a categorias como idosos, crianças e adolescentes, direitos dos índios, 
entre outros, dessa maneira propondo um tratamento específico para esses grupos. 
Dessa forma, a Constituição brasileira parece dialogar fortemente com essa nova 
dimensão de sujeito de direito internacional, e propriamente com a nova concepção 
de cidadania, tal como apresentada. 
Para além disso, é possível analisar a responsabilidade do Estado na 
consolidação da cidadania brasileira observando três elementos essenciais da ideia 
de cidadania no cenário da discussão sobre Direitos Humanos, refletidos na 
Constituição brasileira: a indivisibilidade e a universalidade da ideia de direitos 
humanos, e a característica de especificidade dos sujeitos de direito. A Constituição 
brasileira assegura todos os tipos de direitos fundamentais e garante a efetividade de 
seus preceitos. Por essa razão, a todos esses direitos são assegurados a mesma 
garantia de proteção na ordem jurídica interna. A Carta de 1988 também estabelece 
o princípio da aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais, dessa forma 
vinculando os Poderes Públicos ao dever de promover esses direitos de forma plena 
e efetiva. Quanto à universalidade dos direitos fundamentais, o Estado brasileiro leva 
isso em consideração em relação a todos os indivíduos. Além disso, o país é obrigado 
a observar plenamente na ordem interna os acordos internacionais firmados que 
tratam dos direitos e garantias fundamentais e que foram ratificados pelo Estado 
brasileiro. 
Uma reflexão sobre Direitos Humanos, sobretudo quando se pensa a 
democracia brasileira e seu passado (recente) de autoritarismo, passa pela 
necessidade de se analisar a responsabilidade do Estado na consolidação da 
64 
 
cidadania no Brasil. A Constituição Federal de 1988 é considerada, por muitos, um 
marco da transição democrática e da institucionalização dos direitos humanos no 
Brasil, importando, desse modo, em uma redefinição do Estado e dos direitos 
fundamentais no país, após longos vinte e um anos de ditadura militar. 
A importância com o bem-estar social e a preservação da dignidade humana é 
tão expressiva que a Constituição eleva os direitos e garantias fundamentais ao 
patamar de cláusulas pétreas. A Carta de 1988 inova ao extrapolar os limites dos 
direitos individuais e tutelar tambémos direitos coletivos (direitos que se aplicam a 
classes ou categorias sociais). Além disso, ela estabelece a aplicabilidade imediata 
das normas que dizem respeito aos direitos fundamentais. Aquilo que Flávia Piovesan 
chama de um “constitucionalismo concretizador dos direitos fundamentais”. Os 
direitos sociais também são tratados na Constituição com a mesma dimensão. O 
artigo 6º da Constituição estabelece uma série de direitos, como à educação, à saúde 
e ao trabalho, entre outros. Não obstante, o importante é ressaltar que a Constituição 
estabelece “uma ordem social com um amplo universo de normas que enunciam 
programas, tarefas, diretrizes e fins a serem perseguidos pelo estado e pela 
sociedade”. 
Por outro lado, além da ordem social, a Constituição de 1988 também 
estabeleceu uma ordem econômica, marcada pelo intervencionismo estatal em prol 
do bem-estar social. Isto corresponderia, em linhas gerais, ao modelo de “Estado de 
Bem estar Social. 
18 CARACTERÍSTICAS DOS DIREITOS HUMANOS E SUA RELAÇÃO COM O 
ESPAÇO ESCOLAR 
“Direitos humanos” uma expressão que abrange diversas concepções e 
abordagens em torno de um conjunto de direitos que fazem parte da própria natureza 
humana e da dignidade a ela inerente. A proteção a tais direitos é resultado de um 
lento processo histórico que foi se reconhecendo legislativamente a partir dos 
imperativos sociais postos ao longo do tempo. 
 No entanto, ressalte-se que este processo ainda está em evolução, tendo em 
vista que em algumas sociedades ainda se identificam poucos avanços em relação 
aos direitos humanos. Bobbio (2004) destaca que os direitos humanos são históricos, 
65 
 
modificáveis, suscetíveis de constante transformação e alargamento de seus 
horizontes, relacionando-se à própria civilização humana em seus diferentes níveis 
sociais de desenvolvimento. Dessa forma, torna-se essencial discutir acerca deste 
conceito para que se possa compreendê-lo em sua amplitude diante das constantes 
transformações histórico-sociais, bem como sua relação intrínseca com a educação. 
Os direitos humanos podem ser definidos como um conjunto de instituições que 
concretizam, em cada tempo histórico, as necessidades sociais relacionadas à sua 
dignidade. Tais necessidades devem ser reconhecidas positivamente pelo 
ordenamento jurídico conferindo a estes direitos o caráter de universalidade. Nesse 
sentido, Pérez Luño (1999, p. 48) leciona que os direitos humanos são um “[...] 
conjunto de faculdades e instituições que, em cada momento histórico, concretiza as 
exigências da dignidade, da liberdade, da igualdade humana”. 
No entanto, embora o reconhecimento dos direitos humanos e sua 
consequente positivação em algumas regulamentações, como a Declaração Universal 
dos Direitos do Homem, tenham se expandido ao longo dos anos, ainda vislumbram-
se constantes afrontas a tais direitos evidenciando-se a necessidade de constante 
observância dos dispositivos postos visando o respeito e a garantia de proteção a 
todos em suas diversidades. 
Para Gorczevski (2005), os direitos humanos são universais, absolutos e 
inerentes ao homem, não dependendo de concessão por parte do Estado, entretanto, 
apesar de inerentes à natureza humana, o “[...] seu reconhecimento e proteção é o 
resultado de um longo processo histórico, que ocorreu de forma lenta e gradual, 
passando por várias fases e, eventualmente, com alguns retrocessos”. Os direitos 
humanos trazem o sentido de igualdade entre os sujeitos ao representarem o 
reconhecimento de que todos são dignos do mesmo respeito, independentemente de 
diferenças biológicas ou sociais. Não há, pois, distinção entre os sujeitos de direitos. 
Ainda que não se identifique um conceito único de tais direitos, pode-se indicar 
um núcleo central comum: a ideia de universalidade. Esta característica de 
universalidade é essencial para se chegar à uma definição de direitos humanos, pois, 
sem atribuir a estes o caráter de universalidade, corre-se o risco de criarem-se 
fragmentações em sua titularidade, concebendo-se a existência de direitos cabíveis 
apenas a determinados grupos sociais. 
Assim, falar que os direitos humanos apresentam a característica da 
universalidade, significa dizer que os mesmos são inerentes a todos os homens, pelo 
66 
 
simples fato de serem humanos, em todas as épocas e espaços sociais, devendo ser 
respeitados indistintamente. Nesse contexto, a lei escrita positiva tais direitos, 
tornando-se igualmente aplicável a todos. Segundo Gorczevski (2009) os direitos 
humanos constituem-se em valores superiores existentes no mundo axiológico 
concretizados por meio dos direitos fundamentais positivados. 
Tem-se, portanto, a necessidade de evidenciar a distinção entre direitos 
fundamentais e direitos humanos, tendo em vista as constantes concepções de serem 
termos sinônimos. Os direitos humanos são direitos naturais cabíveis a todos os 
homens, independente de nacionalidade, enquanto que os direitos fundamentais 
referem-se à positivação destes direitos nos respectivos ordenamentos jurídicos 
pátrios. 
Pode-se afirmar que os direitos fundamentais nascem da positivação dos 
direitos humanos, significa a consolidação dos direitos naturais do indivíduo na ordem 
jurídica positiva. A positivação por meio da letra da lei constitui-se em maior garantia 
ao sujeito, tendo em vista a concretização da tutela jurídica destes direitos pelo 
Estado, que assume o dever de observá-los e respeitá-los como fundamento da 
igualdade e respeito aos seus cidadãos. 
No entanto, apesar da existência de inúmeros instrumentos internacionais de 
proteção aos direitos humanos, estes ainda são constantemente violados 
desencadeando situações de violência e caos social em algumas situações. As 
condições mínimas para a existência digna são comumente inobservadas, direitos 
fundamentais como a vida e a liberdade são desrespeitados pelos próprios sujeitos, 
destacando-se ainda as situações de omissão e afronta aos direitos humanos pelo 
próprio Estado como na deterioração do meio ambiente, na desigualdade social, no 
desemprego e na omissão diante da criminalidade (RAYO, 2004). 
O respeito aos direitos humanos é, portanto, indispensável à sobrevivência do 
próprio homem no planeta, observando-se que não nos são dados pelo Estado ou 
construídos a partir da luta de terceiros, mas são construídos pelo cotidiano social. 
Estes direitos acompanham a evolução social, sendo alvo de contínuas mudanças e 
refletindo as lutas e necessidades dos sujeitos. Dessa forma, estes direitos precisam 
de instrumentos que colaborem na sua conscientização para uma efetiva 
aplicabilidade dos mesmos. 
A educação é certamente um dos instrumentos mais poderosos de 
consolidação dos direitos humanos. Como prática social, a educação em direitos 
https://jus.com.br/tudo/desemprego
https://jus.com.br/tudo/desemprego
https://jus.com.br/tudo/desemprego
https://jus.com.br/tudo/desemprego
67 
 
humanos constitui-se em política transformadora da sociedade e do homem, trazendo 
em si a possibilidade de superação de fenômenos como a pobreza, a violência, a 
desigualdade e a exclusão social. Assim, o processo educativo traz em si a potencial 
formação humana e promoção dos direitos humanos. A educação constitui-se em 
instrumento que possibilita a promoção dos direitos humanos visto que é parte 
integrante da dignidade humana por formar e conscientizar socialmente o indivíduo 
para o exercício pleno de sua cidadania. Pode-se dizer que a educação é pressuposto 
fundamental para o indivíduo realizar-se plenamente como ser humano na sociedade. 
Em se tratando de direitos humanos a educação assume papel considerável, 
pois abrange a função de humanizar o humano (SAVIANI, 1989). No entanto, educar 
não se trata apenas de depositar ou transmitir conteúdos dissociados da realidade 
vivenciada pelo aluno, esta prática, reconhecida por Freire (1997) como“educação 
bancária”. 
 Dessa forma, ao evidenciar o papel preponderante da educação na 
consolidação dos direitos humanos faz-se necessário destacar que aquela se refere 
a um processo educativo crítico, participativo, que visa a superação dos contextos de 
alienação e opressão a que estão submetidos os sujeitos no contexto capitalista. Este 
processo, que habilita o indivíduo para a conscientização do contexto sócio-histórico 
em que vive e seu consequente questionamento, perpassa necessariamente pelo 
estudo e reflexão constante da temática relativa aos direitos humanos. 
A educação para os direitos humanos deve contribuir: 
 Para o fortalecimento do respeito aos direitos e liberdades fundamentais do 
ser humano. 
 Ao pleno desenvolvimento da pessoa humana e sua dignidade; a prática da 
tolerância, do respeito à diversidade de gênero e cultura, da amizade entre 
todas as nações, povos indígenas e grupos raciais, étnicos e religiosos. 
 E a possibilidade de todas as pessoas participarem efetivamente de uma 
sociedade livre. 
Assim, os princípios da igualdade e da não discriminação devem nortear a 
educação em direitos humanos de maneira que, neste contexto, desenvolvam-se 
atividades que considerem a experiência e o contexto social vivenciado pelos alunos, 
permitindo que os mesmos compreendam e atendam às suas necessidades a fim de 
buscar as devidas soluções compatíveis com o ordenamento jurídico na garantia de 
68 
 
proteção aos direitos humanos. Dessa forma, estabelece-se um processo educativo 
que visa não apenas a transmissão de conteúdos técnicos a fim de capacitar o aluno 
para o mercado de trabalho, mas, antes de tudo, busca-se prepará-lo para a vida, para 
a construção de uma cultura onde prevaleça o respeito a todos em suas diversidades. 
 O sistema educacional posto não contribui com a construção desta cultura 
quando aceita as desigualdades sociais como naturais, legitimando as diferenças de 
classe, raça, gênero, etnia, dentre outras, executando o processo de reprodução das 
diferenças sociais em sala de aula e promovendo a exclusão. Faz-se necessário 
suscitar um exercício contínuo de reflexão crítica que ofereça aos alunos condições 
de posicionarem-se como sujeitos ativos no processo educativo. 
Nesse sentido, desenvolveram-se regulamentações nacional e 
internacionalmente a fim de efetivar a educação em direitos humanos. Em 2003 
iniciou-se a elaboração do Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos 
(PNEDH). Em 2005 foram realizados encontros estaduais para difundi-lo, que 
resultaram em contribuições da sociedade para aperfeiçoar também o documento. Em 
2004, a Assembleia Geral das Nações Unidas proclamou o Programa Mundial de 
Educação em Direitos Humanos com o objetivo de avançar na implementação de 
programas de educação em direitos humanos, bem como na promoção de ações e 
fortalecimento de parcerias desde o nível internacional até os níveis locais. 
Os estudos de Silva (2005) mostram que apesar da diversidade cultural, étnico 
racial e de gênero serem assuntos já registrados nos documentos oficiais do governo, 
nas diretrizes curriculares de ensino e na legislação de modo geral, em se tratando de 
ensino, ainda existem falhas nos conteúdos programáticos dos livros didáticos e dos 
currículos escolares que tendem a apresentar ainda como padrão o homem, branco e 
heterossexual. Nesse sentido, com intuito de refletirmos sobre as possibilidades de 
ação pedagógica para tratar da diversidade cultural na educação escolar, 
questionamos: como trabalhar os conceitos de gênero, raça, e etnia na sala de aula, 
com o propósito de valorizar as múltiplas identidades constituintes no ambiente 
escolar? 
Silva (2005) afirma que nos livros didáticos, nos currículos escolares e nas falas 
dos professores, ainda há uma invisibilidade ou a visibilidade subalterna de diversos 
grupos sociais, como os negros, os indígenas e as mulheres. O preconceito instituído 
e manifestado na prática pedagógica pode levar tais grupos a uma auto rejeição e 
https://jus.com.br/tudo/direitos-humanos
https://jus.com.br/tudo/direitos-humanos
https://jus.com.br/tudo/direitos-humanos
https://jus.com.br/tudo/direitos-humanos
69 
 
rejeição ao seu grupo social, comprometendo os processos constitutivos de sua 
identidade(s). 
Costa (2008) afirma que a diferença não é uma marca do sujeito, mas sim uma 
marca que o constituem socialmente, e se estabeleceu como uma forma de exclusão, 
ser diferente na educação ainda significa ser excluído e/ou ser sub-representado nas 
instâncias sociais. Reconhecer que somos diferentes para estabelecer a existência de 
uma diversidade cultural no Brasil, não é suficiente para combater os estereótipos e 
os estigmas que ainda marginalizam milhares de crianças em nossas escolas e 
milhares de adultos em nossa sociedade. 
19 CONCEITOS DE GÊNERO, ETNIA E RAÇA: REFLEXÕES SOBRE A 
DIVERSIDADE CULTURAL NA EDUCAÇÃO ESCOLAR 
Nossa história é marcada pela eliminação simbólica e/ou física do “outro”. Os 
processos de negação desses “outros”, na maioria das vezes, ocorreram no plano das 
representações e do imaginário social quando estabelecemos os conceitos do que é 
ser belo, ser mulher, ou até mesmo do que é ser brasileiro. 
Ao tratar a questão da diversidade cultural, Abramowicz (2006) diz que todo o 
brasileiro vive uma situação no mínimo, inusitada. De um lado, há o discurso de que 
nós somos um povo único, fruto de um intenso processo de miscigenação e 
mestiçagem, que gerou uma nação singular com indivíduos culturalmente 
diversificados. De outro, vivenciamos em nossas relações cotidianas inúmeras 
práticas preconceituosas, discriminatórias e racistas em relação a alguns segmentos 
da população, como, as mulheres, os indígenas e os afrodescendentes. 
Na atualidade mesmo com manutenção de vários padrões de comportamento, 
de beleza, os documentos relacionados à educação brasileira outorgam que somos 
um país construído tendo por base a diversidade cultural. Mas o que significa 
diversidade cultural em um país onde os diversos grupos sociais são marginalizados 
em suas representações? 
Para Anete Abramowicz (2006, p12) “diversidade pode significar variedade, 
diferença e multiplicidade. A diferença é qualidade do que é diferente; o que distingue 
uma coisa de outra, a falta de igualdade ou de semelhança”. Nesse sentido, podemos 
afirmar que onde há diversidade existe diferença. 
70 
 
Candau (2005) afirma que: “Não se deve contrapor igualdade a diferença. De 
fato, a igualdade não está oposta à diferença, e sim à desigualdade, e diferença não 
se opõem à igualdade, e sim à padronização, à produção em série, à uniformidade, a 
sempre o “mesmo”, à mesmice” (CANDAU, 2005, p. 19). 
Reconhecer a diferença é questionar os conceitos homogêneos, estáveis e 
permanentes que excluem o ou a diferente. As certezas que foram socialmente 
construídas devem se fragilizar e desvanecer. Para tanto, é preciso desconstruir, 
pluralizar, ressignificar, reinventar identidades e subjetividades, saberes, valores, 
convicções, horizonte de sentidos. Somos obrigados a assumir o múltiplo, o plural, o 
diferente, o híbrido, na sociedade como um todo (CANDAU, 2005). 
Falar sobre diversidade e gênero não pode ser só um exercício de perceber os 
diferentes, de tolerar o “outro”. Antes de tolerar, respeitar e admitir a diferença é 
preciso explicar como essa diferença é produzida e quais são jogos de poder 
estabelecido por ela. Como nos alerta Silva (2000), a diversidade biológica pode ser 
um produto da natureza, mas o mesmo não se pode dizer sobre a diversidade cultural, 
pois, de acordo com autor, a diversidade cultural não é um ponto de origem, ela é em 
vez disso um processo conduzido pelas relações de poderes constitutivos da 
sociedade que estabelece “outro” diferente do “eu” e “eu” diferente do “outro” como 
uma forma de exclusão e marginalização. Uma ação pedagógica realmentepautada 
na diversidade cultural e na questão do gênero deve ter como princípio uma política 
curricular da identidade e da diferença. Tem obrigação de ir além das benevolentes 
declarações de boa vontade para com a diferença, ela coloca em seu centro uma 
teoria que permita não só reconhecer e celebrar a diferença, mas também questioná-
la, a fim de perceber como ela discursivamente está constituída. 
Costa (2008), identidade e diferença são inseparáveis, dependendo uma da 
outra. Elas são produzidas na trama da linguagem, a identidade e a diferença são 
construídas dentro de um discurso, por isso precisamos compreendê-las como são 
produzidas em locais históricos e institucionais por meio do discurso. 
Foucault argumenta que: [...] são os discursos eles mesmos que exercem seu 
próprio controle; procedimentos que funcionam, sobretudo, a título de princípios de 
classificação, de ordenação, de distribuição, como se tratasse desta vez, de submeter 
outra dimensão do discurso: a do acontecimento e do acaso” (FOUCAULT, 2002 
p.21). 
71 
 
Compreendemos que o discurso por meio da afirmação de conceitos 
essencialistas não historicizados, são incapazes de perceber os processos de 
mudanças e de transformações sociais que padronizam e marginalizam os diversos 
grupos sociais. 
Para Hall (2000), os conceitos devem ser historicizados para perceber como 
eles são construídos dentro de uma prática discursiva que se envolve nas relações 
assimétricas de poder. Os professores e as professoras que percebem em sua ação 
pedagógica como os conceitos de gênero, raça e etnia são socialmente construídos e 
discursivamente usados para marginalizar o “outro” estarão, de fato, contribuindo para 
a constituição de uma diversidade cultural que não seja apenas tolerante, mas que 
perceba que “eu” e o “outro” temos os mesmos direitos e devemos ter a mesma 
representatividade, tanto nos conteúdos escolares quanto nas instituições sociais. 
Os conceitos de gênero, raça e etnia ao serem trabalhados na sala de aula em 
uma perspectiva da valorização da(s) identidade(s) dos múltiplos sujeitos que 
convivem no mesmo espaço da escola devem ter um posicionamento político, a fim 
de desconstruir os estereótipos e os estigmas que foram atribuídos historicamente à 
alguns grupos sociais. 
A questão de gênero a ser trabalhado na sala de aula, deve começar pelo 
entendimento de como esse conceito gênero ganhou contornos políticos. O conceito 
de gênero surgiu entre as estudiosas feministas para se contrapor à ideia da essência, 
recusando qualquer explicação pautada no determinismo biológico, que pudessem 
explicitar comportamento de homens e mulheres, empreendendo, dessa forma, uma 
visão naturalista, universal e imutável do comportamento. Tal determinismo serviu 
para justificar as desigualdades entre ambos, a partir de suas diferenças físicas. 
De acordo com as autoras Louro (1997) e Braga (2007), a expressão gênero 
começou a ser utilizado justamente para marcar as diferenças entre homens e 
mulheres não são apenas de ordem física e biológica. Como não existe natureza 
humana da cultura, para as autoras, a diferença sexual anatômica não pode mais ser 
pensada isolada das construções socioculturais em que estão imersas. 
A diferença biológica é apenas o ponto de partida para a construção social do 
que é ser homem ou ser mulher. O sexo é atribuído ao biológico enquanto gênero e é 
uma construção social e histórica. A noção de gênero aponta para a dimensão das 
relações sociais do feminino e do masculino (BRAGA, 2007). 
72 
 
O termo étnico segundo Silva (2000), marca as relações tensas por causa das 
diferenças na cor da pele e nos traços fisionômicos que caracterizam a raiz cultural 
plantada ancestralidade dos mais diversos grupos, que difere em visão de mundo, 
valores e princípios de origem indígena, europeia ou asiática. 
O termo étnico é fundamental para demarcar que indivíduo pode ter a mesma 
cor da pele que o outro, a mesmo tipo de cabelo e traços culturais e sociais que os 
distingue, caracterizando assim etnias diferentes. Os professores e as professoras 
que se posicionam criticamente em relação ao conceito de gênero, raça e etnia podem 
instituir discursivamente uma “vontade de verdade” de um grupo social, para utilizar a 
expressão de Foucault (2002). 
Mobilizar uma ação contra os padrões e os processos de exclusões instituídos 
é um grande passo para implantação de uma diversidade cultural, pois as diferenças 
são socialmente construídas e estão envolvidas com as relações de poder. 
De um modo geral, mulheres, negros e indígenas são sub-representados no 
espaço escolar, seja no currículo escolar, nos livros didáticos e também no 
posicionamento do professor na sala de aula. Citamos alguns exemplos dessas sub-
representações e/ou estereotipias dos estudos realizados por Silva (2005, p. 35) do 
livro Ciranda do Saber, para a 2ª série do ensino fundamental. Existe na página 64 do 
livro, uma caricatura de uma menina com uma atividade escolar, com uma cabeça 
enorme, sentada à escrivaninha, com livro nas mãos. 
O texto abaixo coloca em dúvida seu interesse pelos estudos através das 
seguintes frases: 
___A menina da gravura parece gostar de estudar 
___Será que ela gosta de estudar? 
O professor ou a professora pode começar a questionar com seus alunos se 
gostar de estudar é inerente ao fato de ser menino ou ser menina. Questionar frases 
tão comuns em nosso cotidiano como: Isso não é coisa de menino? 
Em uma perspectiva histórica, podemos afirmar que o conceito de gênero 
menino e menina foram produzidos no interior das relações sociais e faz parte do 
nosso cotidiano, por isso, aprendemos a repeti-los e naturalizamos. 
Como nos relata Vieira e Maciel (2008), esse simples substantivo comum que 
varia quanto ao gênero, mas não só de acordo com a gramática da língua portuguesa, 
os seres humanos são classificados como pertencentes ao sexo masculino ou ao sexo 
feminino. Essa diferença de matriz biológica é extensiva a todos os indivíduos da 
73 
 
espécie humana. Aprendemos a considerar que associado ao nome menino ou 
menina, algumas características e comportamentos precisam existir, pois tais 
características quando se trabalha conceito político do termo gênero, podemos 
questionar comportamentos pré-estabelecidos e com isso desconstruir os 
estereótipos. 
Silva (2005, p.138), ainda nos relata que no livro de Caminho Certo, indicado 
para a 3º série, a história O menino que queria mudar de cor, no decorrer do texto 
surgem as seguintes frases: 
__ A ideia me surgiu quando minha mãe pegou preparado e com ele se pôs a 
tirar da panela o carvão grudado no fundo. 
__ [...] eu juntei o pó restante e com ele esfreguei a barriga de perna. Esfreguei, 
Esfreguei e vi que, diante de tanto dor, era impossível tirar todo o negro da pele. 
O ato realizado pelo menino da história propicia a visualização de que “ser 
negro” é algo negativo que deve ser apagado. Ao utilizar o conceito de étnico-racial 
em uma dimensão política percebermos os mecanismos sócio históricos que levaram 
esse menino a esfregar sua pele para mudar a sua cor. É uma forma de se auto rejeitar 
como um negro. 
Ensinar que a diferença pode ser bela, que a diversidade é enriquecedora e 
não pode ser sinônimo de desigualdade, pode evitar ações como essa da história do 
livro O menino que queria mudar de cor. Com isso, rompermos com as verdades 
socialmente construídas de que para ser belo, tenho que ser branco e ser magro. 
Na educação escolar, trabalhar na perspectiva da diversidade cultural significa 
uma ação pedagógica que vai além do reconhecimento de que os alunos sentados 
nas cadeiras de uma sala de aula são diferentes, por terem suas características 
individuais e pertencentes a um grupo social, mas é preciso efetivar uma pedagogia 
da valorização das diferenças. Entendemos que o primeiro passo para isso é defenderuma educação questionadora dos conceitos essencialistas e tratá-los como categorias 
socialmente constituídas no decorrer dos discursos históricos. 
 
 
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