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No momento em que escrevo estas linhas – março de 2016 –, cerca de 13 mil pessoas fugindo dos desastres da guerra estão paralisadas, quase segregad...

No momento em que escrevo estas linhas – março de 2016 –, cerca de 13 mil pessoas fugindo dos desastres da guerra estão paralisadas, quase segregadas em Idomeni, no norte da Grécia. A Macedônia resolveu fechar suas fronteiras. Mas é a União Europeia, pela voz oportunista e singularmente frouxa de seus dirigentes (a história já não nos ensinou que qualquer frouxidão política se paga caro e em prazo mais ou menos curto?), que recusa a essas pessoas a hospitalidade básica que o mínimo senso ético e as próprias regras do direito internacional exigem. Qual será o destino dos povos se confundirmos o estrangeiro e o inimigo? O céu está pesado, qualquer que seja a maneira pela qual se queira compreender essa expressão. Está chovendo em Idomeni hoje. Pessoas que nada têm esperam, horas a fio, na lama, um simples chá quente ou um remédio. Membros de organizações não governamentais e, mais ainda, de coletivos autônomos de solidariedade trabalham à beira da exaustão, enquanto soldados cuidam tranquilamente para que o arame farpado das cercas não seja forçado. No entanto, muitos gregos da região ajudam espontaneamente: sem ter muito, vítimas que são das medidas de “austeridade” impostas pelo mesmo governo europeu, eles dão o que podem, e isso é inestimável: consideração e hospitalidade, roupas, remédios, alimentos, sorrisos, palavras, olhares sinceros. Parecem não ter esquecido um de seus primeiros grandes poetas, Ésquilo, que há mais ou menos 2500 anos compôs As suplicantes […], tragédia diretamente ligada ao mito fundador da Europa, contando como mulheres “negras”, vindas do Oriente Médio, foram recebidas em Argos dentro da sagrada lei da hospitalidade, em conflito com o cálculo político e governamental que tal generosidade acarretava. Chove em Idomeni. Pessoas querem fugir, encontrar abrigo, e não conseguem. O céu está bem pesado acima de suas cabeças, a lama dificulta os passos, o arame farpado pode ferir as mãos de quem se atreve a se aproximar da fronteira. O céu está pesado acima de suas cabeças, mas sei bem que há apenas um céu cobrindo toda a Terra: ou seja, estamos em contato imediato com o destino daquelas pessoas. É verdade, eu não estive em Idomeni: escrevo porque ouvi dizer e pelos testemunhos visuais que chegam. Além disso, escrevo um texto de abertura para um catálogo de arte. No entanto, não estou totalmente à parte do assunto, se concordarem que a arte não só tem uma história, mas frequentemente se apresenta como “o próprio olho” da história. Infelizmente, porém, não é a presença [do artista chinês] Ai Weiwei em Idomeni, com seu piano branco e sua equipe de fotógrafos especializados, que vai ajudar quem quer que seja ou o que quer que seja (os refugiados já se mostram alheios à “performance”, têm a cabeça em outro lugar, esperam outra coisa) diante dessa questão abismal. Vejo aquele piano branco, surreal no meio do terreno baldio do campo, como símbolo derrisório das nossas boas consciências: branco como as paredes de uma galeria de arte, ele apenas evoca o contraste pelo qual, de coração aflito, vemos, tanto em Idomeni quanto em outros lugares, os tempos sombrios pesarem sobre nossas vidas contemporâneas. “Tempos sombrios”: foi com essas palavras que Bertold Brecht se dirigiu um dia a seus contemporâneos, a partir de


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