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Como pensar saúde mental num mundo adoecido que limita as formas plurais de ser e desfavorece nossa saúde psíquica? Herdamos o mundo que nos consti...

Como pensar saúde mental num mundo adoecido que limita as formas plurais de ser e desfavorece nossa saúde psíquica? Herdamos o mundo que nos constitui enquanto sujeitos. Assim, assimilamos e internalizamos seus códigos, sentidos, significa- dos e construções. Portanto, não há como fugir das matrizes hierárquicas de poder, saber e ser que o estruturam, em seus mais diversos âmbitos, pois elas constituem nossos modos e processos de subjetivação, ou seja, nossa forma de nos tornar- mos sujeitos no mundo. De maneira narcisista, os brancos europeus definiram que aque- les que os espelhassem gozariam do pleno viver em detrimento dos não-brancos. Desse modo, criaram uma série de dispositi- vos opressores que asseguram a manutenção de seus pressu- postos até os dias de hoje. Desta forma, ao nascer, nos são conferidas identidades, luga- res geográficos e existenciais bem definidos, produzindo em nós configurações psíquicas que possuem marcações subjetivas que podem potencializar ou despotencializar nossas formas de ser. Para tanto, quero pensar saúde mental aqui, a partir das minhas reflexões sobre a ética, a estética e a política do afeto de Bell Hooks, tecendo um diálogo com Frantz Fanon, na tentativa de propor alternativas outras de cuidado de si e de sua comunida- de pautada pelo afeto, a fim de saltarmos dos lugares psíquicos limitantes predefinidos e irmos em direção ao nosso projeto singular de ser e estar no mundo, da maneira como nós nos reconhecemos, “fora” dos padrões de dominação. Isso implica em reafirmar a desnaturalização das categorias psi- cológicas universalizantes e apontar a urgência de pensamos singularidades plurais e autônomas. É um exercício contínuo de desaprender o cuidado em saúde mental que tem se reduzido ao mundo interno, individualista, e olhar e apontar outros saberes e práticas coletivas de cuidado que atendam as singularidades fora dessa lógica individualizante, e até mesmo patologizante. Proponho então, a ideia de saúde mental como processo e não como um estado ou lugar a se alcançar, como comumente ou- vimos. Pensar saúde mental como processo de produção de vida. Entendo que, não há como desvincular uma coisa da ou- tra, e que não há divisão entre mente e corpo, saúde mental e saúde “física”. Sendo assim, não há predomínio da “razão” sobre o corpo. Está tudo entrelaçado. Portanto, nesse entendimento, também não há exclusão do caráter coletivo destes processos, uma vez que as práticas de cuidado envolvem fatores para além dos individuais. Tendemos a reafirmar estas dicotomias em virtude da lógica cartesiana de mente versus corpo, do caráter positivista da ci- ência e da lógica neoliberal individualista. Estas perspectivas que forneceram as bases dos saberes psicológicos hegemônicos e que reforçam o paradigma médico biologizante, que concebia a saúde como ausência de doença. Assim, saúde mental seria ausência de conflito ou de adoecimento psíquico e/ou sofri- mento. Embora essa concepção tenha sido revista, permanece nos imaginários, nos fazendo em muitas ocasiões de sofrimen- to, localizar os “problemas” e a culpa em nós mesmos. Porém, saúde mental envolve uma série de fatores, dentre eles o conflito e o adoecer. Portanto, não é sair de um estado e chegar em outro, mas de construir um caminho caminhando sobre ele. É processual, tem seu próprio tempo. Consiste em fazer reconexões com o que ficou para trás com o objetivo de reconstruir o presente e, principalmente, em elaborar vias sau- dáveis e emancipatórias para imprimir outros contornos a vida. Em tempos pandêmicos, fomos assaltos pelo real, e como ele persiste, se sobrepôs aos projetos e agendas que tínhamos planejado para esse novo ano. O isolamento social se impôs como medida de contenção da covid19. Em alguns momentos parece que nos falta simbolizações para elaborar isso tudo. A elaboração é um processo necessário para a angústia não vi- rar sintoma, não nos tomar. E, se nos tomar também acontece, nos requer apenas cuidados mais atenciosos. E cada um fará à sua forma. O perigo consiste na negação do que nos acomete. O isolamento forçado é uma experiência psíquica adoecedora, nos coloca uma série de questões e situações ansiogênicas, de estresse contínuo e de desamparos afetivos. Nos coloca dian- te de questões que talvez não desejássemos entrar em contato agora, nos desafiando em muitas questões. Fomos convocados a adotar outras formas de nos relacionar- mos com a vida, e esse movimento demanda uma série de re- cursos. Fomos convidados a parar, a sentir, a acolher nossas emoções numa cultura em que há pouquíssimo espaço para isso e, muitos de nós, acabamos tendo outras prioridades, pois somos cobrados o tempo todo a produzir e a estar bem ale- gres e sorridentes. Esse fardo é tão pesado, que o sentimento de culpa vem e nos lança em terrenos pantanosos quando não o atendemos. O ocidente nos captura e nos seduz pelos ideais que cri

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748 pág.

Gestão Hospitalar

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A saúde mental é um tema importante e complexo, especialmente em um mundo que limita as formas plurais de ser e desfavorece nossa saúde psíquica. Herdamos o mundo que nos constitui enquanto sujeitos e assimilamos seus códigos, sentidos, significados e construções. Portanto, não há como fugir das matrizes hierárquicas de poder, saber e ser que o estruturam, em seus mais diversos âmbitos, pois elas constituem nossos modos e processos de subjetivação, ou seja, nossa forma de nos tornarmos sujeitos no mundo. Para pensar em saúde mental nesse contexto, é importante desnaturalizar as categorias psicológicas universalizantes e apontar a urgência de pensarmos singularidades plurais e autônomas. É um exercício contínuo de desaprender o cuidado em saúde mental que tem se reduzido ao mundo interno, individualista, e olhar e apontar outros saberes e práticas coletivas de cuidado que atendam as singularidades fora dessa lógica individualizante, e até mesmo patologizante. A ideia de saúde mental como processo e não como um estado ou lugar a se alcançar é uma proposta interessante. Entender que não há como desvincular uma coisa da outra, e que não há divisão entre mente e corpo, saúde mental e saúde “física”. Sendo assim, não há predomínio da “razão” sobre o corpo. Está tudo entrelaçado. Portanto, nesse entendimento, também não há exclusão do caráter coletivo destes processos, uma vez que as práticas de cuidado envolvem fatores para além dos individuais. Em tempos pandêmicos, fomos assaltados pelo real, e como ele persiste, se sobrepôs aos projetos e agendas que tínhamos planejado para esse novo ano. O isolamento social se impôs como medida de contenção da covid19. Em alguns momentos parece que nos falta simbolizações para elaborar isso tudo. A elaboração é um processo necessário para a angústia não virar sintoma, não nos tomar. E, se nos tomar também acontece, nos requer apenas cuidados mais atenciosos. E cada um fará à sua forma. O perigo consiste na negação do que nos acomete. O isolamento forçado é uma experiência psíquica adoecedora, nos coloca uma série de questões e situações ansiogênicas, de estresse contínuo e de desamparos afetivos. Nos coloca diante de questões que talvez não desejássemos entrar em contato agora, nos desafiando em muitas questões. Fomos convocados a adotar outras formas de nos relacionarmos com a vida, e esse movimento demanda uma série de recursos. Fomos convidados a parar, a sentir, a acolher nossas emoções numa cultura em que há pouquíssimo espaço para isso e, muitos de nós, acabamos tendo outras prioridades, pois somos cobrados o tempo todo a produzir e a estar bem alegres e sorridentes. Esse fardo é tão pesado, que o sentimento de culpa vem e nos lança em terrenos pantanosos quando não o atendemos.

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