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deixaria esgotada. Só pelo breve momento em que meu pensamento pousava na logística mirabolante que inventei para mim esse semestre me cansava. Par...

deixaria esgotada. Só pelo breve momento em que meu pensamento pousava na logística mirabolante que inventei para mim esse semestre me cansava. Para mudar a sintonia rapidamente passava para outro juízo, respirava, meditava, pegava um livro ou ia olhar minhas mensagens nada importantes no WhatsApp. Eu, mulher, branca, moradora da zona sul do Rio de Janeiro, privilegiada, inconformada e triste com o pequeno número de mortes e hospitalizações que iam crescendo de maneira esperada, levando em consideração o desamparo e o descaso que a maior parte da população brasileira vive. Eu, mulher, não sou mãe de filhos gerados no meu ventre, não acredito em instinto maternal, mas eu, mulher, pessoa que gosta de outras pessoas. Moro nesta cidade grande há uns vinte anos e nunca vou entender uma cidade que abriga moradores de rua. Venho de uma pequena cidade do interior onde não há moradores de rua, os moradores são moradores de casas. A perpetuação do descaso nesse momento excepcional era esperada, o descaso com a população em situação de rua ou de pobreza nunca mudou. A população materialmente pobre ou miserável nunca teve importância para a elite nojenta que a maioria dos brasileiros insiste em eleger. “A tua piscina está cheia de ratos/ Tuas ideias não correspondem aos fatos”; quanto mais vivo, mais sinto essa falta de nexo lembrada por Cazuza e tão real na administração pública de todas as esferas deste país plural, mas deplorável. Eu, mulher, não mãe, quando penso nessas mortes tenho a sensação de que tive muitos filhos e que esses filhos, por causa de mais esse descaso do ‘pátrio poder’ estão sendo mortos ou estão adoecendo a ponto de morrer aos milhares, milhões numa velocidade sufocante e eu não posso fazer nada. Estou só, a olhar o sangue escorrendo de dentro de mim, e sinto uma dor seca, funda, dor de um útero de muitos filhos sendo arrancado a força, num ato de violência, sinto um espaço vazio no meio de um corpo de mulher. Eu, mulher contente? Não, ninguém pode estar sorrindo com tantas covas rasas plantadas em qualquer terra que não dá para jardim de flor, covas rasas em que foram enterradas pessoas despedaçando famílias, deixando sem rumo tantos órfãos. Eu, mulher, pequena, triste, agachada no chão de terra das covas rasas, nua, suja, sem voz, sem forças para enxugar as lágrimas que não param de cair ao ver acontecer diante de mim mais um ato de genocídio neste país tão desigual.

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ebook_expressoes aap4
748 pág.

Gestão Hospitalar

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