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A pesquisa realizada em parceria com o Sindicato do Bancários do ABC teve como objetivo compreender o trabalho bancário e como este afeta positiva ...

A pesquisa realizada em parceria com o Sindicato do Bancários do ABC teve como objetivo compreender o trabalho bancário e como este afeta positiva e negativamente a vida do trabalhador. Para isso, o método de investigação escolhido para levantamento destas informações foi um questionário baseado no modelo curto de perguntas do COPSOQ II - Questionário Psicossocial de Copenhagen - com 41 questões traduzidas e validadas em Portugal (em anexo). O questionário permite ter uma visão ampliada sobre os impactos do trabalho na vida dos bancários. Compreende sua saúde, vida familiar, violência sofrida, ritmo de trabalho e exigências vividas no dia a dia. O modelo de questionário pode ser aplicado em diferentes contextos de trabalho e permite ampliar a interpretação dos resultados. Na pesquisa foram realizadas pequenas modificações em algumas perguntas e as questões foram analisadas individualmente, de modo diferente do que propõe a análise do COPSOQII. As modificações foram feitas com o intuito de permitir uma avaliação mais adequada ao contexto local. Além dos questionários, foram realizados 10 grupos de discussão com os bancários nas agências, em companhia do sindicato, nos quais se abordou o tema de saúde mental relacionada ao trabalho. Nessas discussões, foi possível observar a dinâmica do trabalho e como os trabalhadores estão inseridos na lógica capital-trabalho: ao mesmo tempo em questões coletadas na pesquisa. Manifestações e fontes do desgaste mental Os resultados da pesquisa trazem importantes contribuições para a compreensão dos impactos dos novos modelos de trabalho na saúde dos bancários. Queremos, neste momento, dar destaque especial a uma discussão urgente para que se possa ampliar a permeabilidade do discurso sindical e as possibilidades de transformações concretas na organização do trabalho, com participação ativa dos trabalhadores. A literatura sobre a relação entre saúde e trabalho bancário é incisiva em apontar que a categoria apresenta um alto índice de adoecimento (Jardim e Glina, 2000; Lima, 2000; Jacques & Amazarray, 2006; Port & Amazzaray, 2019; Dias & Angélico, 2018; Coelho et al, 2018). Nossa pesquisa aponta na mesma direção. Tanto nos questionários quanto nas rodas de conversa, os trabalhadores demonstram e relatam sinais de adoecimento. A grande contradição é que não necessariamente relacionam o desgaste com o trabalho. Os primeiros dados que chamaram atenção foram os relativos a sintomas que podem indicar quadros de adoecimento mental. As questões incluídas nos questionários não permitem um diagnóstico específico, mas trazem importantes sinais de que os bancários estão em sofrimento. Indicam, portanto, a presença de fatores de desgaste no trabalho, conforme veremos a seguir. Quando perguntados, 49% dos trabalhadores se sentem irritados e 63% se sentem ansiosos “sempre” ou “frequentemente” - dados que, conjuntamente, indicam a forte presença de estresse nos bancários. Além disso, 31% se sentem tristes, 55% se sentem fisicamente exaustos e 58% se sentem emocionalmente exaustos “sempre” ou “frequentemente”, e 44% apontam perturbações no sono com essa mesma periodicidade. Apesar disso, as perguntas referentes à satisfação com o próprio trabalho obtêm respostas predominantemente positivas, demonstrando-se um descompasso entre as emoções vivenciadas pelos trabalhadores e suas avaliações em relação ao próprio contexto laboral. Curiosamente, enquanto perguntas relativas à instituição (hierarquia, reconhecimento e apoio) geravam respostas positivas, perguntas sobre aspectos específicos do trabalho (volume, exigência, ritmo) recebiam respostas mais críticas. A contradição entre o discurso dos bancários, que parece muito mais colado ao discurso dos bancos, e a maneira como compreendem seu trabalho, além do modo como isso impacta na saúde, pode parecer estranha em um primeiro momento, mas é marca de uma cisão de subjetividade diretamente ligada ao processo de Reestruturação Produtiva, que teve grande impacto no trabalho bancário. A partir dos anos 1980 no Brasil, e mais especificamente a partir de 1995 no setor bancário, o trabalho sofreu grandes modificações a partir da Reestruturação Produtiva. O processo de reestruturação bancária no Brasil apoia-se sobre três pilares: redução do número de empresas, resultado de fusões, falências e privatizações, o que levou à diminuição de postos e intensificação do ritmo de trabalho; reajuste dos produtos bancários, visando ampliação de lucros e clientes; e mudanças no sistema de crédito (Segnini, 1999). Surge o discurso da empresa flexível, renovada, mais horizontal e mais participativa. O que, à primeira vista, parece trazer mudanças positivas para trabalho, dando ao trabalhador mais autonomia e poder, na prática, se mostra algo muito diferente. Dentre as principais características dessa nova forma de organização e gestão do trabalho se destacam: a flexibilização do trabalho e da jornada; o enxugamento de postos; a automatização; a sutilização das formas de controle; a individualização da avaliação e a exigência de polivalência do trabalhador (Bernardo, 2006; Grisci et al, 2011). Ou seja, o que a empresa chama de autonomia e flexibilidade na realidade implica na exigência ao trabalhador de que se desdobre em vários para dar conta de diversos tipos de trabalho diferentes, de forma mais rápida, sem perda de qualidade. As consequências desse processo são um aumento da competição entre trabalhadores, redução da solidariedade, aumento do número de adoecimentos relacionados ao trabalho e da insegurança laboral (Bruno, 2011). A gestão do trabalho passa a ser a gestão pelo medo - o medo de perder o emprego, medo de não atingir metas, medo de não dar conta da demanda, o medo de não ser bom o suficiente nas diferentes tarefas, medo das humilhações, etc. Outro aspecto de extrema relevância decorrente da Reestruturação Produtiva do trabalho é a adesão dos trabalhadores à política e aos valores da empresa. A sensação de poder sob o próprio trabalho vem junto com a sensação de responsabilidade. O crescimento da empresa passa a significar seu próprio crescimento, e o mesmo acontece com o fracasso. A internalização do controle, dos problemas e dos riscos da empresa, reforçada pela lógica das metas, colabora para que haja menor necessidade de uma chefia controladora. Bater a meta passa a ser pessoalmente relevante (Praun, 2016). O desgaste dessa internalização é muito grande, pois “tornar a si mesmo mais produtivo, dotando a empresa de maior produtividade, entra em confronto com a própria capacidade humana de suportar demandas, ritmo e intensidade de trabalho crescentes” (Praun, 2016, p. 157). No trabalho bancário, além de todas essas mudanças, somam-se as fusões e privatizações de diversos bancos. A literatura aborda de forma contundente os impactos dessas mudanças na saúde dos trabalhadores (Paparelli, 2001b; Alves, 2011; Praun, 2016; Bernardo, 2006; Grisci et al, 2011; Segnini, 1999). O que aparentemente pode parecer com avanços e fatores de proteção no trabalho (autonomia, capacidade de resolutividade dos trabalhadores e compromisso), na realidade são marcas de uma flexibilização adoecedora do trabalho (Bernardo, 2006). As respostas de algumas questões apontam justamente para esses aspectos. As questões que abordam iniciativa e aprendizado no trabalho têm alto índice de respostas “sempre” ou “frequentemente” (88% e 65% respectivamente). O mesmo pode ser dito da questão sobre a resolução de um problema ser possível se tentado insistentemente (68% entre “sempre” e “frequentemente”). Essas respostas apontam para um dinamismo e demanda constante por adaptação e mudanças no trabalho bancário. Se por um lado pode ser interessante a não monotonia no trabalho, por outro a necessidade constante de adaptação, marca justamente da flexibilização e imposição de polivalência ao trabalhador, pode ser uma fonte de desgaste (Praun, 2016). Vale ressaltar as respostas de muitos trabalhadores no questionário de que essas mudanças não são avisadas com antecedência. Além disso, essas respostas evidenciam que o que se tenta passar como autonomia tem, na verdade, mais relação com deixar o trabalhador à “própria sorte” para encontrar soluções e novas formas de resolver problemas que muitas vezes são da gestão ou da empresa. Sato (1991), ao falar sobre penosidade no trabalho, afirma a importância de se ter familiaridade com o próprio trabalho - conhecer, adquirir saberes e, consequentemente, controle. Ser familiarizado é um

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