Quando, ha cern anos, apareceu pela primeira vez nas paginas da revista Archiv Jur SozialwissenschaJt (1904) 0 germinal ensaio de Max Weber sobre ...
Quando, ha cern anos, apareceu pela primeira vez nas paginas da revista Archiv Jur SozialwissenschaJt (1904) 0 germinal ensaio de Max Weber sobre a etica ascetica do protestantismo puritano como ber~oda cultura ocidental modema, seu titulo trazia entre aspas - aspas de cautela e ao mesmo tempo de enfase-,-- a palavra "espirito". Exatamente como na atual edi~ao. Com essa marca~ao diacritica 0 autor salientava de imediato aos olhos do leitor 0 que e que ele, afinal de contas, pretendia wentificar, ao lade da etica religiosa ali no titulo, como seu "novo" objeto de analise na busca sociol6gica de uma rela~ao causal hist6rica. E esse novo objeto nao era 0 capitalismo como sistema economico ou modo de produyao. Era, sim, 0 capitalismo enquanto "espirito», isto e, cultura - a cultura capitalista modema, como tantas vezes ele ira dizer -, 0 capitalismo vivenciado pelas pessoas na condu~ao met6dica da vida de todo dia. Noutras palavras, 0 "espirito" do capitalismo como conduta de vida: LebensfUhrung. Para come~o de conversa: 0 minimo que esperamos desta nova edi~ao em portugues e deixar assentado de uma vez por todas que Weber nos legou nao somente duas edi~6esd'Aerica protestante,mas duas versoes. A primeira, publicada em duas levas, em 1904 e 1905, e a outra, revista eampliada, editada em 1920. Por isso e que aqui, com tradu~ao mais atenta a uma correspondencia vocabular minima entre os termos-chave empregados nos dois idiomas e nas duas areas de conhecimento mais diretamente mobilizadas no ensaio weberiano (a saber, a nascente sociologia alema e a velha teologia protestantel, a palavra"espirito" recupera as aspas que 0 proprio Weber havia cortado para a segunda edi~ao. De volta a primeira, pois. Fica assim estampado desde a capa que a presente edi~ao em novo formato, alem de uma tradu~ao inedita e tecnicamente acompanhada, oferece ao leitor de lingua portuguesa, de quebra, urn retorno ao original. Urn retorno reflexivo, e verdade, cujo percurso sera refratado 0 tempo todo pela irrup~ao, intermitente e em tempos irregulares, de uma especie de trilha sonora incidental que nada mais e que a presen~a irreprimivelmente ativa da segunda versao; uma co-presen~a,em paralelo e em contraponto a primeira, da versao quinze anos mais madura (e por isso mesmo ja sem aspas no espirito do titulo como no espirito do autor), a ultima versao reelaborada por urn Weber tambem ele, e claro, quinze anos mais maduro. a contraponto vai tornar esse enviesado retorno a forma inaugural uma experiencia"historicizante" do texto original. Urn classico em parte usurpado ao mito fundador sempre-ja presente em sua aura, agora devolvido a sobriedade reflexionante de uma biografia da obra, devolvido graficamente [vale dizer: entre colchetes] a sua propria historicidade. A partir do momento em que a nova montagem do texto original por seu autor e entregue ao leitor com essa especie de assinala~ao, qualquer primeira leitura d'A erica protestante" que assim se fizer sera, sempre-ja, com certeza, uma experiencia paradoxal de "releitura em primeira mao". Fascinante experiencia essa de uma inevitavel releitura, mesmo para aqueles que eventualmente ja tenham lido 0 ensaio em outras edi~6es, em outras linguas, em outros tempos. Que agora e ja 0 tempo de comemorar com reflexividade posmoderna seu centenario pleno de modernidade. Sao tantos e de tamanhos tao diversos os acrescimos feitos por Weber a segunda edi~ao, que praticamente cada pagina desta nova edi~ao em portugues relembrara ao leitor que A erica protes tante eo"espirito" do capitalismo do alemao Max Weber - "seu primeiro tratado sobre Sociologia da Religiao", conforme conhecida classifica~ao avan~ada por sua viuva em 1926 - tern no fim das contas duas versoes. E so duas, nenhuma delas inacabada. Ambas redondas em sua propria concep~ao. Chamemos entao de versao original aquela publicada na revista Archiv, em duas partes e em dais momentos consecutivos, 1904 e 1905. E chamemos de versao final a edi~ao de 1920 (ano tambern final da vida deWeber), aquela que se permite dizer as coisas numa linguagem mais precisa na forma e mais segura na atitude, isso 0 proprio leitor ha de perceber sem esfor~o se prestar aten~~ao aos aditamentos. Urn Weber mais firme na formula~aodos argumentos porque mais aparelhado de arsenal mais basto de conceitos e termos proprios, ou reapropriados. Continuar lendo nos tempos de hoje este classico de Weber sem levar em conta que so depois de muito experiente como sociologo ele foi acrescentar tantas passagens novas no exitoso ensaio de 1904-5, trazendo com isso novos angulos de visao junto com ajustes vocabulares aparentemente pequenos, alem de uma nova leva de notas de rodape as vezes caudalosas.
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