O Estado regular essa prática? Se outra cultura compreende como recomendável que as mulheres escondam seus rostos e corpos, pode o Estado decidir sobre a legitimidade ou não dessa prática? O problema que surge com essa distinção é a dificuldade de definir o que é o espaço público e o espaço privado. [...] São questionamentos que urge responder, na medida em que carece de sentido aceitar a diversidade, sem estabelecer mecanismos efetivos de convivência (LOPES, 2012, p. 76). Parece haver um certo consenso entre os sociólogos de que três instituições são capazes de contribuir enormemente para estimular o diálogo entre as diferentes culturas: “a escola, porque ensina o que é importante; a mídia, porque elabora uma imagem sobre os membros da sociedade; o direito, porque define o que é aceitável” (LOPES, 2012, p. 79). No entanto, vale a pena refletir a respeito dos limites dessa atuação. Para Moraes (2001), não há agrupamento ou cultura que consiga se manter imune ao contato com o outro, ao menos em condições normais. Claro que pode haver predominância de uma ou outra cultura, ou modificação em termos de acomodar diferentes perspectivas; no entanto, independentemente da forma como se dá esse contato, podemos afirmar a existência de transformações e mudanças quando do contato entre duas culturas distintas. Ao falarmos em condições normais, estamos excetuando situações em que determinada cultura se mostra completamente impermeável, portanto, incapaz de apresentar qualquer porosidade que garanta a troca de informações. Este é o caso, por exemplo, de grupos fundamentalistas. De acordo com Moraes (2001, p. 38), os casos extremos de tentativa de preservação quase absoluta de identidade cultural, como pretende o Taliban no Afeganistão, ou outros fundamentalismos soltos pelo mundo, devem ser debitados à conta do fanatismo religioso ou ideológico, ou são meros instrumentos de dominação – ou ainda tudo isso ao mesmo tempo. São desumanos e estão na contramão da história. Entre o discurso do acolhimento irrestrito ao outro e o fundamentalismo que nega qualquer diálogo entre diferentes culturas, constituíram-se diferentes modelos teóricos que buscaram compreender os mecanismos de aceitação ao estrangeiro. Para Melo (2015), temos o modelo do autoritarismo iluminado: ou seja, igualdade de oportunidades na esfera pública e homologação cultural na esfera privada. O modelo da integração racista: ou seja, igualdade formal, mas não substancial equiparação das possibilidades de participação ao sistema econômico e político. Parcial homologação dos comportamentos adotados na esfera privada. O modelo do segregacionismo: acesso diferenciado aos recursos disponíveis na esfera pública, alimentando a diferença entre as várias culturas e grupos étnicos. O modelo do multiculturalismo: igualdade de oportunidades na esfera pública, possibilidade de expressão autônoma na esfera privada, tutela das diferentes tradições culturais (MELO, 2015, p. 12). Como então compreender, analisar e categorizar os fenômenos sociais de inclusão ou exclusão do outro? Para Moraes (2001), no intervalo entre a aceitação, a tolerância e a exclusão de outras culturas, cria-se outro espectro, qual seja, o que se constitui a partir da percepção da inclusão como um processo moralmente obrigatório. Incluir, respeitando e protegendo as diferenças, não é algo fácil de se conquistar, haja vista que, nos melhores cenários, admite-se a diferença enquanto ela não puder ser diluída ou desconstruída. De modo que, do ponto de vista ideológico – e esta é uma postura realmente radical –, acho que a Humanidade se encontra hoje dividida em dois grandes grupos: de um lado, os que defendem, ou pelo menos admitem – geralmente sem confessá-lo –, a exclusão social como um fenômeno histórica e economicamente inevitável, e por isso moralmente admissível; e de outro lado, os que entendem que o compromisso com a inclusão social é um imperativo irrenunciável da condição humana. Porque esta, a condição humana, é o traço comum que, acima de todas as diferenças étnicas, culturais, religiosas, ideológicas, nacionais, econômicas etc. etc. etc., une e identifica a cada um de nós, o habitante deste planeta que alguém insensatamente um dia batizou de Homo sapiens (MORAES, 2001, p. 39). Na seção seguinte, aprofundaremos a discussão a respeito da cultura como fator de coesão e conflito no mundo contemporâneo.