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Concurso de Pessoas

CARLOS, funcionário público de um determinado Ente Federativo, auxiliado pelo seu irmão SÉRGIO, vendedor autônomo, no dia 14 de janeiro de 2016, apropriou-se, em proveito de ambos, de alguns Notebooks pertencentes à repartição pública em que se achava lotado, os quais eram utilizados, diariamente, para a realização de suas tarefas administrativas. Levado o fato ao conhecimento da autoridade policial, instaurou-se o competente inquérito, restando indicados CARLOS e SÉRGIO, sendo o primeiro como incurso no art. 312, caput, e o segundo no art. 168, ambos no Código Penal. Pergunta-se: Está correta tal classificação?

Respostas

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O concurso de pessoas (também chamado de concurso de agentes) pode ser definido como a concorrência de duas ou mais pessoas para o cometimento de um ilícito pena.

O Código Penal Brasileiro, em seu artigo 29, não define especificamente o concurso de pessoas, porém, afirma que “quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade”.

Art. 29 - Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade.

  • 1º - Se a participação for de menor importância, a pena pode ser diminuída de um sexto a um terço.
  • 2º - Se algum dos concorrentes quis participar de crime menos grave, ser-lhe-á aplicada a pena deste; essa pena será aumentada até metade, na hipótese de ter sido previsível o resultado mais grave.

Na doutrina, tem-se definido o concurso de agentes como a reunião de duas ou mais pessoas, de forma consciente e voluntária, concorrendo ou colaborando para o cometimento de certa infração penal.

Para a caracterização de um ilícito penal, é necessário, primeiramente, uma conduta humana,  positiva  ou negativa, cometida por uma ou várias pessoas, não sendo todo comportamento do homem um delito, em face do princípio de reserva legal somente os que estão tipificados pela lei penal podem assim ser considerados.

Já os requisitos para a caracterização do concurso de pessoas serão demonstrados a seguir.

  1. Pluralidade de condutas: é necessária a participação de duas ou mais pessoas, cada uma com a sua conduta delituosa;
  2. Relevância causal de cada uma: a participação deve ser relevante para a concretização do delito;
  3. Liame subjetivo: deve existir um vinculo entre os agentes, um liame subjetivo, ou seja, as condutas devem ser homogêneas: todos devem ter a consciência de que estão colaborando para a realização de um crime; e
  4. Identidade de infração para todos participantes: todos devem responder pelo mesmo crime.

No Direito Penal Brasileiro, existem duas principais teorias adotadas no concurso de pessoas: a teoria monista e a pluralista.

Na teoria monista crime é único e indivisível, ainda que tenha sido praticado em concurso de várias pessoas.  Não se distingue entre as várias categorias de pessoas (autor, partícipe, instigador, cúmplice e etc.), sendo todos autores (ou coautores) do crime.

A crítica para essa teoria, que se baseia no fato de que essa posição dificulta o estabelecimento da “equivalência das condições”, que torna assunto de grande discussão, pois a própria lei estabelece que seja unitário o crime, mas admite causas de agravação e atenuação da pena.

Na teoria pluralista, a pluralidade de agentes corresponde a um real concurso de ações distintas, tendo como consequência uma multiplicidade de delitos, praticando cada agente um crime próprio, autônomo, independente dos demais.

A crítica existente para essa teoria baseia-se na ideia de que a participação de cada agente não são autônomas, nem independentes, pois conversem para uma mesma ação de um único resultado derivado de todas as causas diversas.

A lei penal vigente adota a teoria monista ou unitária. Assim, todos aqueles que concorrem para a produção do crime, devem responder por ele. A teoria comporta algumas exceções, como por exemplo, no caso de aborto consentido, a gestante responde por infração ao art. 124 (consentir que outrem lhe provoque) e quem realizou o aborto pelo crime do art. 126 (provocar aborto com consentimento da gestante), nesses casos é aplicada a teoria pluralista, que admite que cada um dos concorrentes responda pela sua própria conduta, pois cada um pratica um crime próprio, autônomo.

Para que se configure o concurso (eventual) de pessoas é indispensável a existência de requisitos de natureza objetiva e subjetiva, somados a outros que possam complementar e aperfeiçoar a prática criminosa.

É possível extrair, pelo menos quatro requisitos básicos para o concurso de pessoas na prática criminosa, os quais se algum desses inexistentes, não há de se falar em concurso de pessoas. São eles:

1) Pluralidade de agentes e de condutas

Concorrência de mais de uma pessoa na execução de uma infração penal. No concurso de pessoas nem todos os participantes, embora assim o desejem, contribuem com sua ação na infração penal. Alguns praticam o fato material típico, núcleo do tipo; outros praticam atos que, por si sós, configurariam atos atípicos.

Todos os participantes de um evento criminoso não o fazem necessariamente da mesma forma, nas mesmas condições e nem com a mesma importância, mesmo que contribuindo livre e espontaneamente para o seu resultado. Para Esther Ferraz, “enquanto alguns praticam o fato material típico, representado pelo verbo núcleo do tipo, outros se limitam a instigar, a induzir, a auxiliar moral ou materialmente o executor ou executores praticando atos que, em si mesmos, seriam atípicos”. Contudo, como disposto no caput do artigo 29 do Código Penal, a participação de cada um deve se conjugar, para colaboração causal de obtenção resultado criminoso, razão pela qual, todos respondem pelo mesmo crime.

Todavia, é necessária a diferenciação de autor do mero partícipe, até pelo primado maior da culpabilidade, ou seja, da responsabilização das pessoas "na medida de sua culpabilidade", como dispõe o caput do art. 29 do Código Penal. Por autor entende-se aquele que executa com suas próprias mãos todos os elementos do tipo penal, em que poderá ainda utilizar de outra pessoa como instrumento ou aquele que realiza a parte necessária de decisão criminosa para prática criminosa.

Este é o principal requisito para que se caracterize o concurso de pessoas.

2) Relevância causal das condutas

A conduta de típica ou atípica de cada participante deve se integrar em uma corrente causal que determina o resultado. Para configurar participação a conduta precisa ter eficácia causal, provocando, facilitando, estimulando a conduta principal. Portanto, conduta irrelevante para a produção do crime não possui qualquer eficácia causal.

Não satisfaz a multiplicidade de agentes e condutas para que se configure o concurso de agentes, é necessário ainda que o crime se faça por meio de condutas nas quais se possa vislumbrar o nexo de causalidade entre elas e o resultado obtido. Desse modo, cada conduta deve ser relevante para a contribuição objetiva do crime, no encadeamento causal dos eventos. Caso a conduta típica ou atípica de cada participante não seja da corrente causal para determinação do resultado, será ela por si só irrelevante. Obviamente, se conclui que nem todo comportamento vai caracterizar a participação, pois é necessário que haja, no mínimo, estimulação, induzimento ou facilitação para prática criminosa. Nesse sentindo, condutas irrelevantes ou insignificantes para existência do crime serão desprezadas, não constituindo sequer participação criminosa.

3) Vínculo Subjetivo

Para aperfeiçoamento do concurso de pessoas, devem existir vários agentes que contribuam para uma ação comum. Não satisfaz o agente atuar com dolo/culpa. É necessário que haja uma relação subjetiva entre os participantes do crime, pois, do contrário, várias condutas poderão ser isoladas, autônomas e até mesmo desprezíveis. Deve haver, portanto, um vínculo psicológico e normativo entre os diversos autores do crime, de forma a se analisar essas condutas como um todo, e a ser possível a aplicação do art. 29 do Código Penal.

Ensina Cezar Roberto Bittencourt que, todavia, o simples conhecimento da realização de uma infração penal ou mesmo a concordância psicológica caracterizam, no máximo, “conivência”, que não é punível, a título de participação, se não constituir, pelo menos, alguma forma de contribuição causal, ou, então, constituir, por si mesma, uma infração típica.

“Somente a adesão voluntária, objetiva (nexo causal) e subjetiva (nexo psicológico), à atividade criminosa de outrem, visando à realização do fim comum, cria o vínculo do concurso de pessoas e sujeita os agentes à responsabilidade pelas consequências da ação.” (MIRABETE, Manual, v.1, p.226)

Portanto, deve haver uma participação consciente e voluntária no fato, mas não é indispensável o acordo prévio de vontade para a existência do concurso de pessoas. A adesão tem que ser antes ou durante a execução do crime, nunca posterior. No caso de acordo posterior a execução do crime, esse caracteriza o favorecimento pessoal ou real previsto nos art. 348 e 349 do Código Penal, e não o concurso de pessoas.

O quarto e último requisito para se configurar o concurso de pessoas, as infrações praticadas pelos concorrentes sejam únicas – Unidade da Infração Penal. É imprescindível que todos atuem com esforços conjugados a fim do mesmo objetivo criminoso.

Damásio de Jesus considera que se trata de identidade de infração para todos os participantes, não propriamente de um requisito, mas sim de verdadeira consequência jurídica diante das outras condições. Desse modo, não há de se falar em concurso de pessoas se a concorrência entre dois ou mais agentes não se destinar a mesma prática de certa e determinada infração penal.

Deve-se existir, portanto, uma unidade da infração penal, requisito básico para concurso de pessoas e produto lógico-necessário em face do concurso de agentes. Essa infração penal deverá ser ao menos tentada, bem como dispõe o art. 31 do Código Penal, em casos de impunibilidade de ajuste, determinação ou instigação e o auxílio, salvo disposição expressa em contrário.

Referências

GOMES, Luiz Flávio. Participação de várias pessoas no crime culposo. Jus Navigandi, Teresina, ano 10n. 878, 28 nov. 2005.

HUNGRIA, Nelson e LYRA, Roberto. Compêndio de Direito Penal. Rio de Janeiro: Livraria Jacyntho, 1936.

MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal, Parte Geral. 29 ed. São Paulo: 2012. v. 1.

Manual de Direito Penal, Parte Especial. 29 ed. São Paulo: 2012. v. 2.

MOREIRA FILHO, Guaracy. Código Penal Comentado. 1 ed. São Paulo: Rideel, 2010.

CAPEZ, Fernando. Código Penal Comentado. 3 ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

JESUS, Damásio de.  Direito Penal, parte geral. 33 ed. São Paulo: Saraiva, 2012. v.1.

 

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Milena Carvalho

O crime de peculato é um crime próprio, onde o tipo penal exige uma situação de fato ou de direito deferenciada por parte do sujeito ativo, mas podem ser praticados em coautoria, nada impede seja um crime próprio cometido por uma epssoa que preencha uma situação fática ou jurídica pela lei em concurso com terceira pessoa, sem essa qualidade, ambos respondem por peculato. 

Essa conclusão se coaduna com a regra traçada pelo art. 30 do código penal por ser a condição de funcionário público elementar do peculato, comunica-se a quem participa do crime, desde que dela tenha conhecimento.

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Ernandes Oliver

R: Não. Há incorreção quanto à classificação relativa a Sérgio. Observa-se que, há perfeito enquadramento de Carlos pelo crime de peculato, previsto no art.312, caput, do código penal, por se tratar de crime próprio, e por ser o autor funcionário público. Enquanto a Sérgio, não se aplica o disposto no art.168 do CPB, apropriação indébita, visto que, para tal, seria necessário que o referido já detivesse ou possuísse a coisa da qual viria a apropriar-se indevidamente. Sendo o núcleo deste tipo, o verbo apropriar-se e não subtrair. Observa-se que, apesar de ser o peculato um crime próprio, admite a coautoria. E ao recorrer ao que preconiza o código penal, em seu artigo 29, caput, pode-se afirmar que, em restar provado o liame subjetivo entre  os agentes, ambos responderão por peculato. Em não restar provado o liame subjetivo entre os agentes, Sérgio responderá por furto qualificado, em concurso de pessoas conforme art. 155, IV do código penal, com pena de dois a oito anos e multa, e somente o funcionário público, responderá por peculato, com pena de reclusão de dois a doze anos e multa.

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suelyn mello

 O Código Penal em seu art. 312 diz: ”Apropriar-se o funcionário público de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que tem a posse em razão do cargo, ou desviá-lo, em proveito próprio ou alheio.”

Esta é a descrição do crime de peculato. Pela definição do Código, somente o funcionário público pode cometer este crime, via de regra.

Existe uma hipótese em que uma pessoa que não ocupe tal função pode praticar este delito: se esta pessoa praticar o crime em concurso com um funcionário público.

O concurso de agentes ou pessoas acontece quando dois ou mais agentes (pessoas) praticam em conjunto a conduta criminosa. A Teoria Monista (também chamada de Unitária) diz que: ”todos aqueles que colaboram para a prática de um crime respondem por esse mesmo crime.” Esta teoria foi adotada pelo Instituto Repressor. Sendo assim, se por exemplo, um funcionário público pratica o peculato em conjunto com outra pessoa que não o é, ambos respondem pelo mesmo crime, afinal, não podemos esquecer de que um dos requisitos para que haja o concurso é a unidade do crime, ou seja, devemos estar diante da prática de um único crime.

Essa questão é excelente para ser cobrada em concursos e provas, por isso, achamos interessante a sua abordagem em nosso espaço.

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