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a visão sociológica de Durkheim, apresentada pelo autor Rodrigues Tosi

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Alberto Tosi Rodrigues resume a visão da sociologia segundo Durkheim da seguinte forma: “A sociologia, enuncia Durkheim, é o estudo dos fatos sociais.  E fatos sociais são justamente aqueles modos de agir que exercem sobre o indivíduo uma coerção exterior, e que apresentam uma existência própria, independe das manifestações individuais  que  possam  ter.  Os fatos sociais, em suma, devem ser considerados como coisas. Durkheim nota que na vida cotidiana temos uma ideia vaga e confusa dos fatos sociais – como o Estado, a liberdade, ou o que quer que seja –  justamente porque  sendo eles  uma  realidade  vivida,  temos  a  ilusão  de  conhecê-los.  O senso comum, as maneiras  habituais  de pensar  são,  portanto,  contrárias  ao  estudo  científico  dos  fenômenos  sociais.  À maneira da lógica cartesiana, ele acha necessário desconfiar  sempre  das  primeiras  impressões.  Daí a necessidade de tratar os  fatos  sociais  como  coisas,  para  livrar-se  das  pré-noções,  dos  preconceitos  não  científicos.  Para conhecê-los  cientificamente  o  fundamental  é  estarmos  convencidos  de  que  eles  não  são  inteligíveis imediatamente.” 

Para saber mais sobre a sociologia de Durkheim, segue resenha de seu livro As Regras do Método Sociológico:

Para Durkheim a sociologia vivia um momento de urgência. Seu livro As Regras do Método Sociológico (1966) foi concebido a fim de trazer uma renovação do como se fazer pesquisa sociológica, apontando que o que se tinha até então eram séries de estudos, embora não descartáveis, pouco preocupados com questões metodológicas, empíricas, com uma administração de provas (P. XXXIV). Durkheim vê como horizonte da disciplina uma atitude que entenda a imprescindibilidade de tratar com racionalidade científica a conduta humana (P. XV).

É anterior à exposição de como seria um método sociológico, um tratamento racional, científico, traçar os contornos do assunto que se pretende verificar, os contornos aos quais o pesquisador irá debruçar suas preocupações, que para Durkheim trata-se do fato social, não podendo considerar este fato como algo qualquer, pois há especificidades sociais que o definem como fenômeno de relevância sociológica (P. 1). Todo o início do livro mencionado é dedicado especificamente às fronteiras que definem o que é um fato social. De antemão, uma assertiva é possível ser feita: para definir um fenômeno como um fato social é fundamental verificar se, ao mesmo, pode-se atribuir o status de coisa.

Há um o desconforto gerado com esta afirmação. Foram tantas as críticas após a publicação da primeira edição que Durkheim, em resposta, dedica o prefácio da segunda edição para reafirmar a teoria já posta. Definir que compete a sociologia exclusivamente o estudo do fato social, e que este fato deve ter o status de coisa, rompe com uma tradição da disciplina. A defesa que se faz ao delimitar o campo de pesquisa neste formato, pauta-se na necessidade de afastar o risco de uma sociologia afundada em ilações intuitivas sem fim, em afastar a personalidade, as particularidades, do próprio pesquisador exigindo dele uma postura de neutralidade, e por fim aproximar a disciplina do fazer científico (P. XXVIII).

Para entender o fato social como coisa é necessário suprir a teoria das fronteiras que o definem. Ser coisa significa dizer ser um fenômeno externo e ao mesmo tempo generalizado. Generalizado porque tal fenômeno deve ter certo nível de recorrência no conjunto da sociedade. Externo porque deve ser algo afastado as consciências individuais, ou seja, algo independente das manifestações isoladas. Em um país onde o sistema de governo organiza-se em torno de eleições periódicas, as eleições, ou mesmo o sistema de governo como um todo, seria um fato social? A democracia é um fenômeno naturalizado no conjunto de uma determinada sociedade, os períodos eleitorais são momentos não apenas normais, como esperados. Caso um único indivíduo não concorde com esta forma de organização acarretará em um golpe de Estado? Em uma mudança organizativa? Segundo Durkheim, não, o indivíduo isolado não é capaz de sobrepor sua opinião a esta estrutura já dada por haver nela uma poder coercitivo, uma força imperativa, que pode ter uma origem naturalizada por meios como os costumes, a educação, a família, ou uma origem da coerção mais violenta que se manifesta pelo uso repressivo do exército ou da polícia, em cumprimento do que a justiça e seus “interpretes autorizados” determinam (P. 2). Por ser algo generalizado e independente da consciência individual, o exemplo dado tem status de coisa, tem a solidez necessária para ser considerado um fato social, e assim ser relevante em uma pesquisa sociológica. Ficando aqui então definida as fronteiras de um fato social, a regra primeira do método sociológico: trata-lo como coisa (P. 13).

Mais uma assertiva: o crime é normal. As eleições são normais e esperadas, o crime é tão normal e esperado quanto. Em contrapartida é sintoma patológico que a contragosto de uma sociedade um governo pautado em elementos democráticos, seja substituído por um governo totalitário. Qualquer ação que ultrapasse os limites do se prevê como crime, do que se é esperado, passa a ser considerado anormal, patológico e inaceitável (P. 61).

Há duas outras regras assertivas que devem constar aqui, antes de partir para um ultimo exemplo. Um fato apenas é útil se for possível identificar suas causas. Um governo democrático, um consenso sobre o casamento, as transformações da lei e do que se considera crime, ou seja, a própria vida social tem causas próprias, internas de ser como é. As leis se transformam ao passo que a sociedade naturalmente se modifica. Trata-se de uma regra de causalidade entre os fatos sociais: as modificações da justiça, sendo ela em si um fato social, estão ligadas por uma relação de causa com a generalização de um novo comportamento social, considerado igualmente fato social (P. 88). É dedutível desta regra, a próxima: ao verificar uma relação de causa entre os fatos sociais, verificou-se antes que recorrência de algo, e para tal verificação é necessário um certo exercício de comparação empírica dos fenômenos da sociedade para se destacar quais deles são fatos sólidos, coisificados (P. 117).

Com as ferramentas dadas, e as noções a respeito de fato social, crime e patologia, um ultimo exemplo: um morador de rua pode construir um barraco em algum reduto qualquer da cidade, este mesmo morador será vigiado, controlado de diversas formas, seja pela própria consciência, pela própria submissão ao espaço social ao qual foi socialmente relegado, seja pelo julgamento da sociedade que o mantém politicamente silenciado, seja pelos olhos da polícia e da justiça caso haja qualquer ofensa às letras da lei. O que aconteceria se um conjunto maior de indivíduos sem teto aglutinasse em torno de um ato transgressor como a invasão de uma propriedade privada? Ação essa que ofende a lei, os costumes da sociedade, e até próprio pensamento social como um elemento naturalizado de coerção, de controle que falhou em seu propósito de existir, mas em contrapartida não representa o núcleo, o conjunto da sociedade. Podemos considerar que este grupo de sem tetos é um ramo doente? Há nele um risco patológico? Algo que deve ser suprimido, neutralizado, antes que se generalize o suficiente para se impor uma revolução que um manifestação isolada jamais seria capaz? Para Durkheim, a revolução é possível?

Entendemos que o crime é normal, como um fato social necessário para que a vida social mantenha-se no caminho natural da evolução moral, e do próprio direito. Quando na sociedade, e por consequência na lei, não havia um consenso a respeito do divorcio, a separação era considerada um crime. Quando o conjunto de criminosos, ou seja, de casamentos desfeitos alcançou uma certa aprovação social, consequentemente a lei também se altera. Mas como tratar o patológico nos termos do exemplo anterior? Para Durkheim é dever do homem de estado atuar como um médico, que “por meio de uma boa higiene, previne a eclosão das doenças, e, quanto estas se declaram, procura sana-las” antes que evoluam para uma revoluções, deve-se atuar com “regular perseverança para manter o estado normal, restabelecendo-o se perturbado” (P. 69). Mas para tratar a doença é necessário que se estabeleça antes a imagem do que é uma saúde desejável. Para a patologia criada pelos sem teto transgressores, qual é o remédio? É prover moradia digna? É higienizar a cidade relegando-os aos locais mais afastados e precários? É liquida-los? O que é socialmente desejável em uma sociedade composta por princípios capitalistas? Deve-se garantir a saúde segundo quem tem a posse individual de bens ou segundo quem mal tem a posse da própria vida? Como Durkheim definiria os tipos sociais desta sociedade aqui descrita? Tendo em vista que uma das regras de seu método sociológico é que se deve distinguir o conjunto de acordo com os indivíduos que o compõe (P. 78), quais são os tipos sociais de relevância e quais são os tipos invisíveis nesta análise? O capital e a consequente existência normal da pobreza. Pobreza, assim como o crime, é considerado algo normal. O Capital, assim como o crime e a pobreza, é considerado normal. Será essa a imagem do que é uma saúde social aceitável? Este e outros exemplos não foram dados pelo autor, mas a leitura do livro desperta diversas reflexos a aproximações de questionamentos mais ligados ao contemporâneo, as mazelas atuais.

 

Referências Bibliográficas:

DURKHEIM, Émile. As regras do método sociológico. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 4ed, 1966.

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