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Explique, na nova sistemática, como ficou a natureza jurídica do ato que determina o arquivamento do inquérito policial? (6 pontos)

processual penal

💡 2 Respostas

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Gabrieli Oliveira

Na sua redação original, o antigo artigo 28 do Código de Processo Penal, que vigorou a partir de 1º de janeiro de 1942, foi talvez um dos primeiros preceitos de cunho acusatório do ordenamento jurídico brasileiro contemporâneo, porque, antes mesmo da Constituição de 1988, já iniciava a demarcação da separação entre as funções de acusar e julgar[3]. No entanto, o mesmo dispositivo dava ao juiz uma função anômala, de fiscal da decisão de não denunciar. Essa intromissão indevida do juiz no órgão estatal responsável pela acusação pública afrontava esse mesmo princípio acusatório, que diferencia perfeitamente as funções ministeriais e judiciais, sendo vedado ao juiz proceder como órgão persecutório e sendo proibido ao Ministério Público atuar como se juiz fosse.
Antes da Lei 13.964/2019 (Lei Anticrime), o arquivamento de um inquérito policial era um ato complexo, acusatório/inquisitivo, pois tinha início com a promoção de arquivamento pelo Ministério Público. Segundo alguns autores, os autos eram então encaminhados à autoridade judicial para decisão sobre o “requerimento” apresentado pelo promotor natural. O juiz podia aceitar a proposta do Ministério Público, chancelando o encerramento da apuração, ou recusá-la. Neste caso, cabia-lhe enviar os autos à chefia do Ministério Público para que o Procurador-Geral, na condição de representante maior do dominis litis, determinasse o arquivamento, que só então seria obrigatório para o Poder Judiciário, dada à falta do poder de iniciativa, resultado do princípio da inércia da jurisdição.
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Sandro Correa

Em obediência ao princípio acusatório, o arquivamento de inquéritos policiais e procedimentos investigatórios criminais (PIC) deve ocorrer internamente (intra muros), ou seja, dentro do Ministério Público, sem ingerência judicial. Se o órgão do Ministério Público, após apreciação dos elementos informativos constantes dos autos do inquérito policial e a realização de todas as diligências cabíveis, convencer-se da inexistência de base razoável para o oferecimento de denúncia, deve decidir, fundamentadamente, pelo arquivamento dos autos da investigação ou das peças de informação.

Neste contexto, o promotor natural servirá como filtro da reação estatal diante do fenômeno criminal. Se, dentro do prazo legal, nos crimes de ação pública, o Ministério Público tomar a decisão de não acusar, a persecução criminal não poderá ser iniciada, nem de forma supletiva, por meio de ação penal privada subsidiária.

A nova redação do artigo 28 do Código de Processo Penal, decorrente da Lei 13.964/2019 (Lei Anticrime) traz alterações consentâneas com o princípio acusatório, pois agora não se tem mais um pedido, uma promoção ou um requerimento de arquivamento, mas uma verdadeira decisão de não acusar, isto é, o promotor natural decide não proceder à ação penal pública, de acordo com critérios de legalidade e oportunidade, tendo em mira o interesse público, as diretrizes de política criminal aprovadas pelo Ministério Público.

O arquivamento dos termos circunstanciados de ocorrência (TCO) instaurados pela Polícia para apuração de infrações penais de menor potencial ofensivo, no âmbito da Lei 9.099/1995[6], seguirá a nova regra geral: arquivamento pelo Ministério Público sem intervenção judicial.

Para contrabalançar a vedação de intervenção judicial nesta etapa, o legislador instituiu duas salvaguardas.

A primeira exige que o promotor natural – seja ele membro do MPE, do MPF ou do MPM ou que esteja no exercício de funções do MP Eleitoral[7] – sempre submeta sua decisão a controle hierárquico[8], para fins de homologação do arquivamento ou revisão dessa decisão, com substituição de seu pronunciamento em favor da realização de diligências complementares ou da deflagração imediata da ação penal. Este mecanismo garante a accountability horizontal, resguarda o interesse público, tem em conta o interesse da vítima e é compatível com o princípio da unidade institucional do Ministério Público, permitindo que os procuradores-Gerais de fato orientem a política criminal da instituição, de modo uniforme, sem violação de outro princípio constitucional igualmente importante, o da independência funcional.

A segunda salvaguarda diz respeito ao direito da vítima, ou de seu representante legal, de obter a reparação pelo crime que sofreu e ver o responsável processado e punido, com vistas, inclusive, mas não apenas isto, à indenização civil. Ao arquivar o caso, o promotor ou procurador deve determinar a intimação do ofendido ou de seu representante legal, pessoalmente, por escrito ou por comunicação digital, para que exerça seu direito de recorrer em 30 dias, com apresentação de suas razões ao órgão revisional do Ministério Público.

Se houver dados de identificação do investigado e se seu paradeiro for conhecido ou se ele tiver constituído advogado ou tiver defensor, o suposto autor da infração penal também deverá ser cientificado do arquivamento. Essa notícia integra-se ao patrimônio jurídico do investigado, agora fazendo parte do conteúdo do direito à ampla defesa. Embora a lei não diga, o investigado também poderá apresentar à instância revisional do Ministério Público suas razões para que o arquivamento seja homologado.

A autoridade policial que presidiu o inquérito também deve receber comunicação sobre o destino dado aos autos da apuração que presidiu, para que atualize seus registros, inclusive quanto à situação jurídica do investigado, que pode ter sido indiciado pela Polícia Judiciária.

Embora a Lei Anticrime não o diga, o arquivamento dos autos pelo Ministério Público também deve ser comunicado ao juiz de garantias, para baixa dos registros judiciais e, eventualmente, para a revogação de medidas cautelares, reais ou pessoais que tenham sido impostas ao suspeito ou ao indiciado.

Como se vê, com este sistema há um reforço dos mecanismos institucionais de controle da decisão de arquivamento, com sua submissão obrigatória, em todos os casos, à instância superior do Ministério Público, e com a abertura de possibilidade à vítima de oferecer razões contrárias à decisão de arquivamento, e ao investigado de apresentar argumentos favoráveis à decisão de não denunciar. Há a vantagem adicional de manter-se o juiz em sua condição de imparcialidade objetiva, sem que ele se veja obrigado a expor argumentos contrários ao arquivamento.

Problemas da nova sistemática do Art. 28 do CPP 

 

Apesar de aplaudimos a inovação legislativa, dela adveio pelo menos um problema imediato: a que órgão interno do Ministério Publico compete homologar ou não o arquivamento do inquérito policial?

O novo artigo 28 do CPP não menciona mais o Procurador-Geral como o órgão do Ministério Público que decide finalmente pelo arquivamento, ordena diligências complementares ou designa outro membro do Parquet para proceder à ação penal.

Agora esse dispositivo usa os termos “na forma da lei” e “conforme dispuser a respectiva lei orgânica” para se referir ao procedimento de arquivamento. Exige-se então um exame das normas internas de organização do Ministério Público.

A Lei orgânica do MPU, de 1993, aparentemente não estabelece expressamente o órgão ao qual compete homologar decisões de arquivamento. Quanto ao MPF, o art. 62, inciso IV, da LC 75/1993 atribui as câmaras de coordenação e revisão[9] a competência para “manifestar-se sobre o arquivamento de inquérito policial, inquérito parlamentar ou peças de informação, exceto nos casos de competência originária do Procurador-Geral”. Entendia-se que este dispositivo dialogava com a antiga redação do art. 28 do CPP. Pelo texto combinado dos dois dispositivos, a decisão seria do PGR, ouvindo-se antes a Câmara Criminal competente. Na prática do MPF, porém, o PGR não tomava parte da decisão.

O art. 136, IV, da LC 75/1993 tem disposição semelhante em relação ao MPM, dizendo competir à sua Câmara de Coordenação e Revisão “manifestar-se sobre o arquivamento de inquérito policial militar, exceto nos casos de competência originária do Procurador-Geral”. A decisão de homologação, ou não, cabe, nos termos art. 397, §1º do CPPM, ao Procurador-Geral da Justiça Militar, após o opinativo da câmara criminal do MPM.

Por sua vez, o art. 171, V, da LC 75/1993 estabelece que compete às câmaras de coordenação e revisão do MPDFT “manifestar-se sobre o arquivamento de inquérito policial, inquérito parlamentar ou peças de informação, exceto nos casos de competência originária do Procurador-Geral”. Lá as duas câmaras com competência criminal apenas opinam, e a decisão homologatória ou não cabe ao Procurador-Geral de Justiça do Distrito Federal e Territórios.

Assim, no MPU, órgãos colegiados manifestam-se previamente à decisão dos respectivos procuradores-gerais, sendo que, no MPF, as funções que pelo art. 28 do CPP competiam ao PGR são de fato exercidas pelas câmaras criminais, que decidem pela homologação ou pela não homologação das decisões de arquivamento. A partir daí cabe aos procuradores-chefes nos Estados e também no Distrito Federal designar outro membro do MPF para atuar em caso de não homologação.

Com a alteração da redação do art. 28 do CPP, esta atribuição dos chefes dos Ministérios Públicos não está mais expressa no código processual comum, embora permaneça no Código Eleitoral e no CPPM, nos arts. 357, §1º e 397, §1º, respectivamente, que podem ser aplicados analogicamente nesta parte aos inquéritos comuns. Associados ao art. 49, incisos XXII e XXIII, e ao art. 50, inciso I, da LC 75/1993, tais dispositivos resolvem a lacuna.

A Resolução 181/2017 do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) é de pouca valia no ponto, pois também se remete ao art. 28 do CPP (antiga redação). Porém, na parte útil, desde 2017 previa duas opções: o arquivamento em juízo ou perante “órgão superior interno competente”, numa referência às câmaras do MPU.

Já a lei federal dos Ministérios Públicos estaduais também não trata diretamente do arquivamento de inquéritos policiais. O art. 10, IX, alínea “d”, da Lei Orgânica Nacional do Ministério Público dos Estados (LONAMP) confere aos Procuradores-Gerais de Justiça competência para designar membros do Ministério Público para “oferecer denúncia ou propor ação civil pública nas hipóteses de não confirmação de arquivamento de inquérito policial ou civil, bem como de quaisquer peças de informações”. Sobre o procedimento de ratificação nada diz.

Naturalmente, continua sendo dos PGJs a competência para designar membros do Ministério Público para oferecer denúncia em caso de não confirmação de arquivamento de inquérito policial. Mas não fica claro a que órgão da instituição caberia revisar a decisão inicial de não acusar[10]Na falta de previsão expressa e tendo em mira que o PGJ é o chefe da instituição, cumprindo-lhe representá-la, como cláusula geral, a menção indistinta ao Ministério Público deve ser lida como menção ao Procurador-Geral. Esta solução, ademais, mantém a tradição do antigo art. 28 do CPP.

Deste modo, ao receber os autos com a decisão de arquivamento, o órgão de revisão do Ministério Público (o procurador-geral ou o órgão delegado) pode homologá-la ou, caso dela discorde, pode determinar a continuidade das investigações ou designar outro membro do Ministério Público para denunciar o investigado. Embora se trate apenas de definir, dentro da economia interna do Ministério Público, qual é o órgão competente para tal homologação, as leis orgânicas estaduais não podem inovar em processo penal.

O legislador brasileiro desincumbiu do papel de definir o padrão nacional por meio da Lei Complementar 75/1993, que institui a Lei Orgânica do Ministério Público da União (LOMPU), e da Lei 8.625/1993, a Lei Orgânica Nacional dos Ministérios Públicos dos Estados (LONAMP)[11], aos quais o regime do MPU também se aplica, por força do art. 80 da Lei. 8.625/1993[12].

Portanto, lei adicional alguma é necessária para equacionar essa questão, tendo em vista dispositivos da LOMPU, da LONAMP, do próprio CPP e, analogicamente, do CPPM e do Código Eleitoral.

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