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(Lei Nº 11.340/06) @Elisastudies._ • Introdução A Lei 11.340 de 7 de agosto de 2006 é popularmente conhecida como Lei Maria da Penha, em homenagem a uma mulher que sofreu abusos por parte do marido, e como resultado das agressões, ficou paraplégica decorrente de um tiro nas costas, enquanto dormia. O autor do disparo foi seu marido, o professor universitário Marco Antônio Heredia Viveiros. Além disso, duas semanas depois ele tentou matá-la novamente por eletrochoque e afogamento, durante o banho. No entanto, dessa vez, Maria da Penha Fernandes lutou bravamente para que houvesse justiça, e realizou uma denúncia pública. Contudo, o marido foi preso em 2002, mesmo praticando o crime por 19 anos, cumpriu apenas dois anos de pena de prisão e ganhou o regime aberto. Maria da Penha escreveu um livro sobre a sua trajetória para conseguir a punição do marido, tornando-se um símbolo da luta contra violência doméstica em todo o Brasil. Como resultado, esta lei apresentou uma grande modificação no tratamento dado aos crimes em um contexto de violência doméstica e familiar. Enquadra-se dentro das Leis Penais extravagantes, ou leis especiais, e assim como o Código Penal, tipifica os crimes, destacando-se ainda que a Lei foi muito além das medidas de caráter penal, pois apresentou várias medidas de proteção à mulher. • Legislação Os artigos 5 º, 6º e 7º da lei, são os que demonstram algumas formas de violência contra mulher, ambos devem ser interpretados paralelamente. A definição da violência doméstica contra a mulher é tratada no art. 5º, da seguinte forma: Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial (…) Assim também, no mesmo artigo, estabelece os ambientes e em que casos ocorrer: − no âmbito da unidade doméstica (inciso I) − no âmbito da família (inciso II) − em decorrência de uma relação íntima de afeto (inciso III) I. no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas; Ou seja, aqui há a limitação a um espaço e período de convivência, não se exigindo o vínculo familiar. Isso porque a proximidade das relações naquela unidade cria o ambiente que torna a mulher ainda mais vulnerável, já que necessita coabitar com o agressor ou ser dele dependente de alguma forma, mesmo sem vínculo de parentesco. Ex.: Patrão agride a empregada doméstica. II. no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa (adoção); A Lei especifica que os familiares, além dos parentes, compreendem as pessoas que têm vínculos socioafetivos. O conceito moderno de família inclui o parentesco natural (ex. pai, mãe, filhas, irmãos, etc.), civil (ex. marido, esposa), por afinidade (ex. sogra, cunhado) e socioafetivos (ex. padrasto, enteada). Ex.: Se a esposa ou companheira for agredida na rua ou em um estabelecimento comercial, por exemplo, haverá incidência da Lei Maria da Penha em razão da ligação entre o agressor e a mulher vítima. Lei Maria da Penha Maria da Penha Maia Fernandes III. em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação. Nesse caso, estão contempladas as situações de (ex) namoros, (ex) casamentos, (ex) noivados, (ex) amantes. Uma vez que o vínculo emocional ou afetivo, mesmo que sem coabitação e em relacionamento já findo, traz maior vulnerabilidade à mulher, a Lei buscou proteger eventuais situações não contempladas nos incisos anteriores. Ex.: Ex-namorado que não aceita o fim do termino e agride a ex-namorada. • Formas de violência A lei Nº 11.340/06 define as formas de violência praticadas contra as mulheres, sendo elas: física, psicológica, sexual, patrimonial e moral. O artigo 7º da Lei, assim determina: • A Violência Física, entendida como qualquer conduta que ofenda a integridade ou a saúde corporal da mulher. As infrações penais que configuram essa forma de violência são a lesão corporal e as vias de fato. A ação penal é pública incondicionada. • A Violência Psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, violação de sua intimidade, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação; Ex.: Atos de humilhação, desvalorização moral ou deboche público, assim como atitudes que abalam a autoestima da vítima e podem desencadear diversos tipos de doenças, tais como depressão, distúrbios de cunho nervoso, transtornos psicológicos, entre outras. • A Violência Sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos; • A Violência Patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades; Ex.: Quando o responsável legal, que tem recursos financeiros, deixa de pagar pensão alimentícia para a mulher. • A Violência Moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria. Ex.: Xingamentos ou atribuição de fatos que não são verdadeiros. • Violência doméstica e familiar A violência doméstica e familiar é um fenômeno extremamente complexo, enraizado na desigualdade entre os sexos que acompanha a sociedade desde a sua origem. Tendo como o sujeito ativo da violência doméstica e familiar não necessariamente é homem, podendo ser qualquer pessoa agregada a uma mulher por vínculo afetivo, familiar ou doméstico. Desta forma, mulher que agride outra mulher com quem tenha relação íntima, também pode ser enquadrada na Lei Maria da Penha. • Violência doméstica As expressões violência doméstica, intrafamiliar, contra a mulher e violência de gênero são termos que podem ser referidos a perspectivas de análise diferentes. À vista disso, é necessário averiguar o predicado que a acompanha. Sendo assim, a Violência doméstica é a que ocorre dentro de casa, nas relações entre as pessoas da família, entre homens e mulheres, pais/mães e filhos, entre jovens e pessoas idosas. Podemos afirmar que, independentemente da faixa etária das pessoas que sofrem espancamentos, humilhações e ofensas nas relações descritas, as mulheres são o alvo principal. (Telles e Melo, 2003, p. 19). • As medidas protetivas As medidas protetivas são a determinação do juiz para que a mulher em situação de violência doméstica, familiar ou na relação de afeto, sinta-se protegida. Tais medidas são estabelecidas conforme a necessidade da solicitante.A recente Lei nº 13.827/2019, foi designada para os casos em que a mulher corre risco de morte, e a medida deve ser emitida com urgência. Com isso, possibilitou a concessão de medida protetiva de urgência desde já pelo Delegado de Polícia, quando o Município não for sede de comarca. No caso de não haver Delegado de Polícia, e o Município não for sede de comarca, o policial está autorizado a concessão de medidas. Nessas duas situações, deverá ser comunicado ao juiz em até 24h, que decidirá em igual prazo, da manutenção ou revogação da medida aplicada. Todavia, as medidas que a autoridade policial pode conceder são: o afastamento do agressor do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida. As outras medidas protetivas, ainda continuam sendo exclusivas do juiz, nesses casos a autoridade policial remete ao juiz em até 48 horas, o pedido da vítima para concessão da medida protetiva. Conforme o art. 22 da Lei Maria da Penha, o juiz(a) poderá definir: • Suspensão da posse ou restrição do porte de armas. (Inciso I) • O afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida. (Inciso II) • A proibição do agressor de se aproximar da mulher agredida, de seus familiares e das testemunhas; a proibição de manter contato com os citados acima; a frequentação de determinados lugares, a fim de preservar a integridade física e psicológica da ofendida. (Inciso III) • A restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores. (Inciso IV) • A obrigatoriedade da prestação de alimentos provisionais ou provisórios. (Inciso V) • A restituição de bens indevidamente subtraídos pelo agressor. • A proibição de venda ou aluguel de imóvel da família sem autorização judicial. • O depósito de valores correspondentes aos danos causados pelo agressor etc. Ademais, a Lei 13.984 de 2020 trouxe significativas mudanças relativamente as medidas protetivas urgentes, na Lei Maria da Penha. Acrescentando dois incisos no art. 22 da Lei Maria da Penha, estabelecendo o seguinte: Art. 22. Constatada a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos desta Lei, o juiz poderá aplicar, de imediato, ao agressor, em conjunto ou separadamente, as seguintes medidas protetivas de urgência, entre outras: • comparecimento do agressor a programas de recuperação e reeducação; (Inciso VI) • acompanhamento psicossocial do agressor, por meio de atendimento individual e/ou em grupo de apoio. (Inciso VII) Desta maneira, o acréscimo possibilitou certa segurança jurídica, contudo, a nova lei deixa claro que a reeducação não livrará o cumprimento eventual da pena ao final do processo. Ademais, é imprescindível destacar que a Lei n. 13.641/2018, anterior a Lei 13.984/2020, alterou dispositivos da Lei n. 11.340/2006, acrescendo o art.24-A: Descumprir decisão judicial que defere medidas protetivas de urgência previstas nesta Lei: Pena: detenção, de 3 (três) meses a 2 (dois) anos. Em consequência disso, tornou crime o descumprimento de medidas protetivas de urgência expedidas em razão de violência doméstica. Além de responder pelo crime do art. 24-A da Lei 11.340/2006, caso o agressor descumpra a decisão judicial, é possível: − a execução da multa imposta; − a decretação de sua prisão preventiva (art. 313, III, do CPP). • Direitos garantidos pela Lei Maria da Penha No Título III da Lei, consta os direitos garantidos à mulher, com destaque para as medidas integradas de prevenção, assistência e atendimento pela autoridade policial. Resumidamente, as principais garantias às vítimas de violência doméstica são: − uma vez acolhida, é ouvida pelos profissionais da rede de atendimento às mulheres em situação de violência doméstica e familiar; − sem pré-julgamentos, respeita-se o tempo de decisão sobre qual medida deseja ser aplicada, sem culpabilização; − medida protetiva de urgência que consiste na proibição de aproximação do agressor; − prioridade de acesso a programas habitacionais, sociais de emprego, e renda; − manutenção do vínculo empregatício por até seis meses de afastamento do trabalho; − escolta policial para retirar bens da residência, quando necessário; − atendimento de saúde e psicossocial especializado e continuado, quando necessário; − registro do boletim de ocorrência; − registro detalhado do relato que fizer em qualquer órgão público (no intuito de evitar a revitimização e a necessidade de contar a história repetidas vezes); − atendimento na comarca de seu domicílio ou residência, no lugar onde ocorreu a agressão (se este for diferente) ou no domicílio do agressor; − independentemente de seu nível de renda, poderá ser assistida pela Defensoria Pública; − acesso a casa abrigo e outros serviços de acolhimento especializado; − notificação formal da violência sofrida ao Ministério da Saúde, para fins de produção de dados estatísticos e políticas públicas; − informações sobre direitos e todos os serviços disponíveis. • Tipos de ação dos crimes na Lei Maria da Penha A Lei 9.099/1995, dos Juizados Especiais, atribuía a todos os crimes de lesões corporais, independente do sexo da vítima, a necessidade de manifestação de vontade para a propositura da ação penal. No entanto, o STF, no julgamento da ADI nº 4424, modificou o entendimento majoritário, assentando a natureza incondicionada da ação penal (para promovê-la, o Ministério Público independe de qualquer manifestação de vontade). Sendo assim, quando o delito for de lesão corporal praticada contra a mulher no âmbito doméstico e familiar, a ação penal será sempre PÚBLICA INCONDICIONADA. Portanto, não importa a extensão da lesão, seja ela leve, grave ou gravíssima, dolosa ou culposa. Nessa sequência, trata a Súmula nº 542 do STJ: “A ação penal relativa ao crime de lesão corporal resultante de violência doméstica contra a mulher é pública incondicionada.” No entanto, não são todos os crimes da Lei Maria da Penha a natureza da ação será pública e incondicionada, uma vez que a necessidade de representação foi afastada apenas nos casos de lesão corporal. Não obstante, nos outros crimes permaneceu a condição de procedibilidade de ação penal pública condicionada à representação (é aquela que, embora deva ser ajuizada pelo MP, depende da representação da vítima, ou seja, a vítima tem que querer que o autor do crime seja denunciado), como é o caso dos crimes de ameaça, etc. A despeito, tem-se o art. 16 da Lei 11.340/2006 que trata sobre a renúncia à representação nas ações que permanecerão sendo de ação pública condicionada. Art. 16. Nas ações penais públicas condicionadas à representação da ofendida de que trata esta Lei, só será admitida a renúncia à representação perante o juiz, em audiência especialmente designada com tal finalidade, antes do recebimento da denúncia e ouvido o Ministério Público. Consequentemente, nos casos em que dependerão da vontade da mulher, a renúncia deverá ser realizada perante a presença do juiz e ouvido o Ministério Público. No tocante a aplicabilidade da Lei 9.099/95 e seus institutos despenalizadores, estes não incidem nos crimes contidos na Lei Maria da Penha. Para isso, temos a Súmula nº 536 do STJ: “A suspensão condicional do processo e a transação penal não se aplicam na hipótese de delitos sujeitos ao rito da Lei Maria da Penha”. No mesmo sentido, prevê o art. 41, da Lei Maria da Penha: Aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995. Outro ponto a destacar é em relação ao art. 20, que tem a seguinte redação: Em qualquer fase do inquérito policialou da instrução criminal, caberá a prisão preventiva do agressor, decretada pelo juiz, de ofício, a requerimento do Ministério Público ou mediante representação da autoridade policial. Com o advento do Pacote Anticrime, o qual alterou o art. 311 do CPP, passou a vedar a decretação da prisão preventiva de ofício na fase pré-processual. Em virtude disso, podemos dizer que o art. 20 da Lei Maria da Penha é uma exceção expressa ao art. 311 do CPP. Isso se dá em razão do princípio da especialidade, e também por não haver um posicionamento jurisprudencial e doutrinário em sentido contrário. Como complemento, é indispensável mencionar um recente entendimento do STJ: “Em caso de ameaça por redes sociais ou pelo WhatsApp, o juízo competente para deferir as medidas protetivas é aquele no qual a mulher tomou conhecimento das intimidações”
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