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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS CURSO DE DIREITO A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER PERANTE A LEI 11.340/06 LUCIANA SPÖRRER VIEIRA Biguaçu (SC), outubro de 2008 2 UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS CURSO DE DIREITO A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER PERANTE A LEI 11.340/06 LUCIANA SPÖRRER VIEIRA Monografia apresentada como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em Direito pela Universidade do Vale de Itajaí – UNIVALI. Orientador: Prof. Msc. Luiz Cesar Silva Ferreira Biguaçu (SC), outubro de 2008. 3 TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE Declaro para todos os fins de Direito, que assumo total responsabilidade pelo aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do Vale do Itajaí, a Coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo. Biguaçu, outubro de 2008. Luciana Spörrer Vieira Graduanda 4 PÁGINA DE APROVAÇÃO A presente monografia de conclusão de Curso de Direito da Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, elaborada pelo graduando Luciana Spörrer Vieira, sob o título de A Violência doméstica e Familiar contra a mulher perante a Lei nº 11.340/06, foi submetida em 13 de novembro de 2008 à banca examinadora composta pelos seguintes professores: Luiz César Silva Ferreira (Orientador e Presidente); Helena N. P. Pítsica (Membro); Celso Wiggers (Membro), e aprovada com a nota ____, ___________________________. Área de Concentração: Direito Penal Biguaçu/SC, 13 de novembro de 2008 Luiz César Silva Ferreira Orientador e Presidente da Banca Helena Nastassya Paschoal Pitsíca Responsável pelo Núcleo de Prática Jurídica 5 AGRADECIMENTO Á meus pais, Hilton Vieira Walquíria Spörrer Vieira; Á minha irmã, Alexandra Catarina Spörrer Vieira; À minha filhinha, Luana Vieira Demaria À todos aqueles que foram meus professores; E ao meu orientador, Prof. Msc Luiz César Silva Ferreira. 6 DEDICATÓRIA Dedico esta monografia a todas as Marias da Penha. 7 SUMÁRIO INTRODUÇÃO............................................................................................................. 01 1 CONSIDERAÇÕES A RESPEITO DA FAMÍLIA E DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR SOFRIDA PELA MULHER.................................................................... 06 1.1 UNIDADE FAMÍLIAR: NOVO CONCEITO............................................................ 06 1.2 UNIDADE DOMÉSTICA....................................................................................... 15 1.3 AS FORMAS DE VIOLÊNCIA FAMILIAR E DOMÉSTICA CONTRA A MULHER 17 2 O TRATAMENTO DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER PERANTE O ORDENAMENTO JURÍDICO PENAL BRASILEIRO .......... 26 2.1 A JUSTIÇA PENAL EM FACE DA VIOLÊNCIA CONTRA MULHER ANTES DA CRIAÇÃO DA LEI MARIA DA PENHA........................................................................ 26 2.2. A JUSTIÇA PENAL EM FACE DA VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER APÓS A CRIAÇÃO DA LEI MARIA DA PENHA 37 2.3. DADOS ESTATÍSTICOS DA VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER NO ÂMBITO DOMÉSTICO E FAMILIAR......................................................................................... 49 3 OS MECANISMOS CRIADOS PELA LEI 11.340/06 PARA COIBIR A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER................................. 60 3.1. DA ASSISTÊNCIA À MULHER EM SITUAÇÃO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR................................................................................................................ 60 3.1.1. Das medidas integradas de prevenção............................................................. 60 3.1.2. Da assistência à mulher em situação de violência doméstica e familiar........... 63 3.1.3. Do atendimento pela autoridade policial............................................................ 65 3.2. DO PROCEDIMENTO EM CASO DE VIOLÊNCIA FAMILIAR E DOMÉSTICA CONTRA A MULHER.................................................................................................. 73 3.2.1 Das medidas protetivas de urgência.................................................................. 79 3.2.2 Da atuação do Ministério Público....................................................................... 90 3.2.3 Da assistência judiciária..................................................................................... 92 3.3 A EQUIPE DE ATENDIMENTO MULTIDISCIPLINAR.......................................... 93 8 CONCLUSÃO.............................................................................................................. 95 REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS.................................................................... 98 9 RESUMO A presente monografia tem como objeto a verificação da Lei nº 11. 340, de 07 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha) em face da violência doméstica e familiar contra a mulher. Para que isso se esclarecesse, esta pesquisa serviu-se do método dedutivo de pesquisa utilizando a doutrina e a jurisprudência. O presente texto se encontra dividido em três capítulos. O primeiro capítulo expôs considerações a respeito da família, do ambiente doméstico e da violência doméstica e familiar contra a mulher, abordando assim a evolução do conceito de família, o significado de unidade doméstica e as formas de violência contra a mulher no âmbito doméstico e familiar. Este primeiro capítulo tem como objetivo descobrir qual o alcance da Lei nº 11340/2006 aos casos de violência contra a mulher. O segundo capítulo explana sobre o tratamento da violência doméstica e familiar contra a mulher perante o ordenamento jurídico penal brasileiro antes da Lei Maria da Penha e as alterações trazidas pela Lei em estudo. Mostra também dados estatísticos da violência doméstica e familiar contra a mulher antes da aplicação da Lei nº11340/2006. O terceiro capítulo tratou dos mecanismos criados pela Lei Maria da Penha para coibir a violência contra a mulher no âmbito doméstico e familiar, analisando as medidas protetivas de urgência; as medidas integradas de prevenção; a assistência à mulher em situação de violência doméstica e familiar; o atendimento pela autoridade policial. Neste capítulo tratou-se também das medidas protetivas de urgência; da atuação do Ministério Público; da assistência judiciária à ofendida e da equipe de atendimento multidisciplinar. Palavras chave: violência doméstica e familiar, mulher, Lei 11.340/2006, prevenção, combate. 1 0 ABSTRACT This monograph aims at checking the Law No. 11. 340, of 07 August 2006 (Maria da Penha Law) in the face of domestic and family violence against women. For this to clarify, this research used is the method of deductive search using the doctrine and jurisprudence. This text is divided into three chapters. The first chapter explained considerations regarding the family, the home environment and the domestic and family violence against women, thereby addressing the evolution of the concept of family, the significance of unity and the forms of domestic violence against women in domesticand family . This first chapter aims to find out what the scope of Law No. 11340/2006 to cases of violence against women. The second chapter outlines on the treatment of domestic and family violence against women before the law before the criminal Brazilian Maria da Penha Law and the amendments brought by Law under study. It also shows statistical data of domestic and family violence against women before the implementation of Law No. 11340/2006. The third chapter dealt with the mechanisms created by Maria da Penha Law to curb violence against women within the household and family, examining the emergency protective measures, the integrated measures of prevention, assistance to women in situations of domestic violence and family; the attendance by the police. In this chapter this was also the emergency protective measures, the role of prosecutors, legal aid to the offense and the team of multidisciplinary care. Key word: Domestic and Familiar Violence, woman, law nº 11.340/06, prevention, combat 1 INTRODUÇÃO A presente monografia tem por objeto tratar da violência doméstica e familiar contra a mulher perante a Lei nº 11.340/2006 Esta lei foi “batizada” de Lei Maria da Penha, em homenagem a biofarmacêutica Maria da Penha Fernandes que sofreu tentativa de homicídio provocada pelo então marido. Seu agressor ficara impune e Maria da Penha não se conformou. Ela então procurou os organismos internacionais. Em 2001 a Organização dos Estados Americanos (OEA) responsabilizou o Estado brasileiro por negligência e omissão em relação a violência doméstica e recomendou que se tomassem medidas. A violência contra a mulher na esfera doméstica e familiar atinge índices alarmantes. Diante deste grande índice, tornou-se imprescindível a criação de uma lei específica para proteger a integridade física e psicológica da mulher no ambiente doméstico e familiar. Cria-se, então, a Lei nº 11.340, de 07 de agosto de 2006. Esta monografia tem por objetivo reunir informações, retiradas de doutrinas basicamente, para transmitir ao leitor a importância da criação da Lei 11.340/2006 no combate a violência doméstica e familiar contra a mulher. A presente pesquisa utiliza o método dedutivo, que consiste em estabelecer uma formulação geral, e depois, buscar partes do fenômeno para sustentar a formulação geral. Através desta pesquisa o leitor se informa da opinião dos doutrinadores a respeito da violência doméstica e familiar contra a mulher e da Lei em exame para que possa tirar conclusões próprias sobre o assunto aqui abordado e para que possa servir também de incentivo à futuras pesquisas. Sendo assim, a pesquisa aqui apresentada está dividida em três capítulos. O primeiro capítulo tem como título “CONSIDERAÇÕES A RESPEITO DA FAMÍLIA E DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR SOFRIDA PELA MULHER”, que abrange o conceito atual de unidade familiar; o conceito de unidade doméstica e as formas de violência familiar e doméstica contra a mulher. A Lei Maria da Penha protege a mulher agredida ambiente familiar. A família é a base da sociedade. De acordo com art. 226, caput da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 o Estado tem o dever de proteger a família independente de sua espécie, pelo importante papel que exerce na sociedade. Entretanto o conceito de família vem sofrendo alterações ao longo do tempo. 2 Abandonou-se o modelo patriarcal e hierarquizado da família romana e firmou-se um modelo da atuação participativa, igualitária e solidária daqueles que compõe a entidade famíliar. Esta nova realidade surgiu por causa de uma série de motivos, entre eles: a liberação sexual, o impacto dos meios de comunicação, o desenvolvimento científico, a emancipação feminina, a longevidade, a diminuição das famílias com o aperfeiçoamento e difusão dos meios contraceptivos, as descobertas no campo da biogenética, etc. A lei nº11.340/2006, no art. 5º, II, traz um conceito que se enquadra na nova concepção de família: “comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa”. Portanto diante deste novo conceito de família não como restringir o alcance da Lei Maria da Penha. A mulher agredida no âmbito doméstico também será protegida pela lei Maria da Penha. O inciso I do art. 5 deste diploma legal em estudo, traz o conceito de unidade doméstica, ou seja é todo espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas. A Lei Maria da Penha, conforme art. 5, III, também ampara a mulher que, em qualquer relação íntima de afeto, tenha sido agredida por aquele com quem conviva ou tenha convivido, independente de coabitação. O primeiro capítulo trata também das formas de violência doméstica e familiar contra a mulher. A Lei nº11.340/2006 traz no art. 7º, incisos I a V as seguintes formas de violência doméstica e familiar: física; psicológica; sexual; patrimonial e moral. Mas a lei não é taxativa, pois no caput do art. 7º o legislador usa a expressão “entre outras” antes de elencar as formas de violência doméstica e familiar contra a mulher. De acordo com a lei em exame, violência física é qualquer conduta que ofenda a integridade ou a saúde corporal de alguém. A violência psicológica é a conduta que resulta em dano emocional e diminuição da auto-estima, que prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou com intenção de degradar ou controlar as ações, comportamentos, crenças e decisões de alguém, através de ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perturbação contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração, limitação do direito de locomoção ou outra maneira qualquer que prejudique à saúde psicológica e à autodeterminação. Violência sexual se configura quando ocorrer qualquer 3 conduta que a constranja a ver, a manter ou a fazer parte de relação sexual que não tenha desejado, por meio de intimidação, ameaça, coação ou usando força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que viole seus direitos sexuais e reprodutivos. A violência patrimonial é a retenção, subtração, destruição parcial ou total dos objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos da vítima incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades. Entende-se por violência moral: calúnia, difamação ou injúria. Portanto a Lei nº 11.340/2006 protege a mulher de toda forma de violência doméstica e familiar. O segundo capítulo da presente pesquisa está assim intitulado: “O TRATAMENTO DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER PERANTE O ORDENAMENTO JURÍDICO PENAL BRASILEIRO” que trata da justiça penal em face da violência contra a mulher antes da criação da Lei Maria da Penha, em seguida mostra dados estatísticos da violência contra a mulher no âmbito doméstico e familiar e termina tratando da justiça penal em face da violência contra a mulher após a criação da Lei em estudo, ou seja as alterações trazidas pela lei em exame Antes da Lei nº 11.340/2006 entrar em vigor a autoridade policial ao tomar conhecimento de um caso de violência doméstica e familiar contra a mulher, encaminhava imediatamente a vítima ao Juizado Especial Criminal junto com o autor do fato. Portanto aos casos de violência contra mulher no âmbito familiar e doméstico era aplicável a transação penal, a suspensão condicional do processo, a composição dos danos extintiva de punibilidade, Lavrava-se termo circunstanciado (TCOs), pelos quais o acusado era geralmente condenado a pagar uma cesta básica ou prestarserviços comunitários (em caso de prisão em flagrante era lavrado auto de prisão em flagrante e se fosse o caso, arbitrada fiança). Em 2002 a Lei 10.455 criou uma medida cautelar na qual o juiz podia decretar o afastamento do agressor do lar conjugal no caso de violência doméstica. Em 2004 a Lei 10.886 adicionou ao crime de lesão previsto no Código Penal um subtítulo que afirma que se a lesão corporal leve for decorrente de violência doméstica, a pena deverá ser aumentada de três para seis meses de detenção. 4 Entretanto apesar destas mudanças a violência doméstica e familiar continuava alcançando altos índices : segundo a OMS, quase metade das mulheres assassinadas foram mortas pelo marido ou namorado, atual ou ex. De acordo com dados colhidos no site da Fundação Perseu Abramo mostram que do universo investigado (61,5 milhões) a projeção da taxa de espancamento (11%) indica que pelo menos 6,8 milhões, dentre as brasileiras vivas, já foram espancadas pelo menos uma vez. No Brasil uma mulher é espancada a cada 15 segundos. Dentre as formas de violência a mesma pesquisa mostra que 20% das mulheres já sofreram agressão física leve; 18% foram ofendidas moralmente; 15% sofreram ameaça indireta de agressão ; 12% afirmaram ter sido ameaçadas de espancamento a si própria e a seus filhos; 12% declararam que já sofreram violência referente ao seu trabalho; 11% das mulheres já foram espancadas com cortes, marcas ou fraturas; 11% dizem já ter sido vítima de estupro conjugal, de assédio sexual e críticas à sua atuação como mãe; 9% das mulheres declaram que foram trancadas em casa; 8% foram ameaçadas com arma de fogo e 6% sofreram abuso. Diante desta realidade surge, então Lei n º 11340/2006 (Lei Maria da Penha) que cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher. Esta lei específica para as mulheres veda no art. 41 a aplicação da Lei 9.099/95 aos casos de agressão à mulher no âmbito familiar e doméstico. Com a Lei Maria da Penha, são hoje instaurados inquéritos policiais que demandam investigação, reunião de provas e coleta de depoimentos, sendo que o agressor poderá ser preso. A Lei também altera a pena para lesão corporal, que antes era de seis meses a um ano e agora é de três meses a três anos. As mulheres que sofrerem violência doméstica e familiar poderão recorrer às medidas protetivas que visam proteger a sua integridade física, psicológica e patrimonial. Ou seja, contra qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral e patrimonial, conforme diz o art. 5º do diploma legal em estudo. O terceiro e último capítulo desta pesquisa tem como título: “OS MECANISMOS CRIADOS PELA LEI 11.340/06 PARA COIBIR A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER” e se subdivide em duas partes. O primeiro subtítulo é: “Assistência à mulher em situação de violência doméstica e familiar”, abordando então as medidas integradas de prevenção, assistência à mulher em situação de violência doméstica e familiar, o atendimento pela autoridade policial. O 5 segundo subtítulo está intitulado: “ Do procedimento em caso de violência doméstica e familiar contra a mulher”, e abrange as medidas protetivas de urgência, a atuação do Ministério Público, a assistência judiciária à ofendida. O terceiro subtítulo se refere a : “Equipe de atendimento Multidisciplinar”. No art. 8º da Lei nº 11.340/2006 o legislador, visando coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, traz um leque de medidas de prevenção, tais como a integração operacional de órgão preventivos e repressores; a proibição aos meios de comunicação de criarem figuras e situações em que a mulher seja vista como objeto de violência; o aparelhamento e implementação das delegacias para atendimento qualificado à mulher vítima de violência doméstica e familiar; disseminação do conhecimento da Lei Maria da Penha para a sociedade em geral através dos meios e comunicação principalmente, criação de um aparato de segurança unificado e capacitação da máquina policial etc. Mas este rol é apenas exemplificativo pois poderão ser adotadas outras medidas. De acordo com o diploma legal em estudo, constatada a prática de agressão contra mulher na esfera familiar e doméstica poderão ser aplicadas as medidas protetivas de urgência ao agressor e à vítima. Essas medidas poderão ser concedidas de imediato e serão aplicadas isolada ou cumulativamente. Poderão também ser substituídas por outras de maior eficácia. O juiz poderá conceder novas medidas protetivas de urgência ou rever aquelas já concedidas. De acordo com a legislação em estudo nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher o Ministério Público dispõe de legitimidade para agir como parte na condição de substituto processual (arts. 19, § 3º, e 37 ) e como fiscal da lei (art. 22, § 1º), podendo requerer outras providências (art. 19) ou a substituição por medidas diversas (art. 19, § 3º). A toda mulher em situação de violência doméstica e familiar é garantido o acesso aos serviços de Defensoria Pública ou de Assistência Judiciária Gratuita, segundo a Lei Maria da Penha, no art. 28. A equipe de atendimento multidisciplinar é composta de profissionais especializados nas áreas psicossocial, jurídica e de saúde que fornecem subsídios ao juiz, ao Ministério Público e à Defensoria Pública, mediante laudos ou verbalmente em audiência, e desenvolver trabalhos de orientação, encaminhamento, prevenção e outras medidas, voltados para a ofendida, o agressor e os familiares, com especial atenção as crianças e aos adolescentes. 6 1. CONSIDERAÇÕES A RESPEITO DA FAMÍLIA E DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR SOFRIDA PELA MULHER BRASILEIRA 1.1 UNIDADE FAMILIAR: NOVO CONCEITO De acordo o princípio da proteção, reza o art. 226, § 8º da Constituição da Republica Federativa do Brasil de 1988: “O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações” Diniz ensina que a família tem como base o princípio da dignidade da pessoa humana g) Princípio do respeito da dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, III), que constitui a base da comunidade familiar (biológica ou socioafetiva), garantindo, tendo por parâmetro a efetividade, o pleno desenvolvimento e a realização de todos os seus membros, principalmente da criança e do adolescente (CF, art. 227). (2007, pg.22). Gama leciona: Do princípio da dignidade da pessoa humana decorreram a despatrimonialização e a despersonalização das relações de família substituindo-se a ênfase no tratamento das relações patrimoniais entre cônjuges, companheiros e parentes pela valorização de aspectos existenciais procurando-se garantir acima de tudo, os direitos da personalidade de cada membro do grupamento familiar. A dignidade da pessoa humana alçada ao topo da pirâmide normativa do ordenamento jurídico brasileiro encontra na família o solo apropriado para seu emaizamento e desenvolvimento, o que justifica a ordem constitucional no sentido de que o Estado dê especial e efetiva proteção as famílias independente de sua espécie. Busca desenvolver o que é mais relevante entre os familiares, o projeto familiar fulcrado no afeto, solidariedade, confiança, respeito, colaboração, união, de modo a propiciar o pleno e melhor desenvolvimento da pessoa de cada integrante inclusive sob o prisma dos valores morais, éticos e sociais. (2007, pg. 157- 158). Portanto de acordo com o princípio da proteção deve-se resguardar a integridade dos membros da família. Entretanto é importante saber o que é a família nos moldes atuais, identificando assim os seus membros. Souza conclui sobre o conceito de família: 7 Etimologicamente, a palavra família derivada palavra famel, que por sua vez fez surgir a palavra famulus, culminando na palavra famulia. Nesse sentido, significa um vínculo de pessoas subordinadas entre si. Alguns entendem que a palavra deriva de domuse significa casa ou uma construção comum. Unindo todos esses pensamentos, podemos concluir que família é uma reunião de pessoas vinculadas e que vivem muito próximas entre si. (2007, pg.22) Portanto, conforme Souza, família é um conjunto de pessoas que vivem próximas e que possuem vínculos entre si, sendo que até certo tempo atrás, o casamento era o único vínculo aceito pela legislação brasileira, repudiando assim o concubinato, como era denominado na época. As relações de família. Além do parentesco, pode a pessoa estar relacionada a uma família pelo vínculo conjugal (marido e mulher) ou pela afinidade. A afinidade é a relação que liga uma pessoa aos parentes de seu cônjuge. Entre os afins na linha reta estão o sogro, o genro, o padrasto, o enteado etc., e na linha colateral, o cunhado. A afinidade na linha reta não se extingue com a dissolução do casamento que a originou (CC, art. 1.595, § 2º). (MAX, 2007, pg. 295). Diniz ensina sobre as três acepções do vocábulo família: Na seara jurídica encontrem-se três acepções fundamentais do vocábulo família: a) amplíssima; b) a lata e c) a restrita. a) No sentido amplíssimo o termo abrange todos os indivíduos que estiverem ligados pelo vínculo da consangüinidade ou da afinidade, chegando a incluir estranhos, como no caso do art. 1.412, § 2º, do Código Civil em que as necessidades da família do usuário compreendem também as das pessoas de seu serviço doméstico. [...] b) Na acepção “lata”, além dos cônjuges ou companheiros, e de seus filhos, abrange os parentes da linha reta ou colateral, bem como os fins (os parentes do outro cônjuge ou companheiro), como a concebem os art. 1.591 e s . do Código Civil, o Decreto-lei n . 3.200/41 e a Lei n . 883/49. c) Na significação restrita é a família (CF, art. 226, § § 1º e 2º) o conjunto de pessoas unidas pelos laços do matrimônio e da filiação, ou seja, unicamente os cônjuges e a prole (CC, arts. 1.567 e 1.716) , e entidade familiar a comunidade formada pelos pais, que vivem em união estável, ou por qualquer dos pais e descendentes. (2007, pg. 9-10). (grifo meu). O doutrinador, então, mostra um conceito de casamento : É o vínculo jurídico que se estabelece entre um homem e uma mulher, de caráter temporário e litúrgico quanto à sua constituição, e que gera como efeito, além de direitos e obrigações regulados em lei, concessão recíproca de direito da personalidade.(SOUZA, 2007, pg.23). Diniz leciona sobre a evolução do conceito de família Lévy-Bruhl chega até a dizer que o traço dominante da evolução da família é a sua tendência em tornar o grupo familiar cada vez menos organizado e hierarquizado, fundando-se cada vez mais na afeição mútua, que 8 estabelece plena comunhão de vida. [...] Deveras, a família está passando por profundas modificações, mas como organismo natural ela não se acaba e como organismo jurídico está sofrendo uma nova organização; logo não há desagregação ou crise. Nenhuma dessas mudanças legislativas abalará a estrutura essencial da família e do matrimônio, que é sua pedra angular. (2007, pg. 22- 24) Ou seja: ocorreram profundas modificações no conceito de família, pois ao lado do casamento passaram a coexistir outros núcleos familiares. Atualmente considera-se como vínculo familiar: o casamento; a união estável; a família monoparental e a família homoafetiva. Existem ainda união eventual de pessoas que não desejam estabelecer vínculo permanente e também há o namoro. Diniz ensina o que é família Deve-se, portanto, vislumbrar na família uma possibilidade de convivência, marcada pelo afeto e pelo amor, fundada não apenas no casamento, mas também no companheirismo, na adoção e na monoparentalidade. É ela o núcleo ideal do pleno desenvolvimento da pessoa. É o instrumento para a realização integral do ser humano. (2007, pg. 13) Dias esclarece: Assim, as famílias anaparentais (formadas entre irmãos), as homoafetivas e as famílias paralelas (quando o homem mantém duas famílias), igualmente estão albergadas no conceito constitucional de entidade familiar como merecedoras da especial tutela do Estado. (2007, pg. 43). A união estável está amparada pelo art. 226, § 3º da Constituição da República Federativa de 1988: “Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.” Souza diz o que é união estável : A união estável é um vínculo jurídico informal estabelecido entre um homem e uma mulher, de caráter duradouro, público e contínuo, em que ambos desejam constituir uma entidade familiar, produzindo efeitos jurídicos não só para as partes, mas também para terceiros.(2007, pg.23-24). Max ensina: “União estável é a convivência pública, contínua e duradoura entre o homem e a mulher, com o objetivo de constituição de família. Considera-se a união estável como sendo uma entidade familiar (CC, art. 1.723).” (2007, pg.293-294). 9 A união estável apresenta como pressupostos: a) honor matrimonii – o casal apresenta-se à vista de todos como se fossem casados, de forma que terceiros os confundem com pessoas efetivamente casadas, na medida em que só a certidão de casamento é que consegue promover a distinção. b) affectio maritalis – o casal entende estar em união estável. Ambos acreditam que estão sob o estado de casado, sendo importante frisar que nenhum dos companheiros crê estar apenas namorando, até porque a linha divisória entre as duas situações jurídicas é bastante tênue.(SOUZA, 2007, pg.24) O doutrinador diz quais os deveres que ambos os cônjuges tem na união estável “Deveres na união estável: lealdade, respeito e assistência e guarda dos filhos (CC, art. 1.724).”(MAX, 2007, pg.293-294). A família homoafetiva não está amparada pela Constituição da República Federativa do Brasil de1988, pois no seu artigo 226, § 3º menciona apenas a união estável entre um homem e uma mulher. Entretanto a doutrina e, aos poucos, a jurisprudência vêm dando contornos familiares à união do casal homossexual. A doutrinadora Maria Berenice Dias afirma que a Lei Maria da Penha traz um conceito de família que corresponde ao formato atual dos vínculos afetivos: Para o efeito de assegurar sua aplicação, a Lei Maria da Penha tenta definir família (art. 5º, II): “comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou vontade expressa” (2007, pg.43). Segundo o conceito da Lei em estudo família é uma comunidade formada por pessoas unidas por vínculo jurídico familiar, podendo ser conjugal, parentesco (em linha e por afinidade), ou por vontade expressa (adoção). O conceito trazido pela lei Maria da Penha, fala em comunidade formada por indivíduos, não se refere especificamente a um homem e uma mulher, portanto o legislador aceita também como família, o relacionamento homoafetivo. Ensina a doutrinadora: O reconhecimento da união homoafetiva como família é expresso, pois a Lei Maria da Penha incide independentemente da orientação sexual (art. 2.º e 5.º, parágrafo único). Assim, lésbicas, travestis, transexuais e transgêneros, que tem identidade feminina, estão ao seu abrigo quando a violência ocorre 10 entre pessoas que possuem relação afetiva no âmbito da violência doméstica e familiar. (DIAS, 2007, pg.44). Em outras palavras: a Lei n º 11.340/2006 no seu art. 2º, afirma que toda a mulher independente de orientação sexual goza dos direitos fundamentais da pessoa humana, portanto esta lei assegura a proteção de lésbicas, travestis, transexuais e os transgêneros do sexo femininoque mantêm relação íntima de afeto na família ou de convívio. Ou seja, a Lei em estudo protege situações de violência contra o gênero feminino. Uma corrente mais moderna de doutrinadores afirmam o transexual está amparado pelo diploma legal em exame. No entanto este não pode ser confundido com o homossexual, bissexual, intersexual ou travesti que não são protegidos pela Lei Maria da Penha. O doutrinador ensina o que vem a ser o transexual: O transexual é aquele que sofre uma dicotomia físico psíquica, possuindo um sexo físico, distinto de sua conformação sexual psicológica. Nesse quadro, a cirurgia de mudança de sexo pode se apresentar como um modo necessário para a conformação do seu estado físico e psíquico.(CUNHA, 2007, pg.21). É importante salientar que o amparo da Lei Maria da Penha ao transexual gera opiniões contrárias: Em eventual resposta à indagação inicial podem ser observadas duas posições: uma primeira, conservadora, entendendo que o transexual, geneticamente não é mulher (apenas passa a ter órgão genital de conformidade feminina), e que, portanto, descarta, para a hipótese, a proteção especial; já para uma corrente mais moderna, desde que a pessoa portadora de transexualismo transmute suas características sexuais (por cirurgia de modo irreversível), deve ser encarada de acordo com a nova realidade morfológica, eis que a jurisprudência admite, inclusive, retificação de registro civil. Hoje, inclusive, há doutrinadores admitindo transexual vítima, em abstrato, do crime de estupro (mesmo a lei falando somente de mulher). (CUNHA, 2007, pg.21). Portanto, os conservadores acreditam que a Lei não deva amparar o transexual pois este, mesmo mudando suas características sexuais em conformidade feminina, continua sendo homem geneticamente, não havendo sentido receber portanto a proteção de uma lei específica para as mulheres. Entretanto, conforme aqueles que tem uma opinião mais moderna: se o transexual pode ser registrado como mulher e é aceito como vítima de estupro apesar deste tipo de 11 crime só mencionar a mulher como vítima, não há porque não ser também amparado pela Lei 11. 340/2006 (Lei Maria da Penha). Ensina o doutrinador : Diante do amplo espectro da lei até relações protegidas pelo biodireito passam a estar tuteladas, de maneira que, se o transexual fizer cirurgia modificativa de sexo e passar a ser considerado mulher no registro civil, terá efetiva proteção.(SOUZA, 2007, pg. 70-71). Mesmo entendimento tem outro doutrinador: Rogério Greco explica:”Se existe alguma dúvida sobre a possibilidade de o legislador transformar um homem em uma mulher, isso não acontece quando estamos diante de uma decisão transitada em julgado. Se o Poder Judicial, depois de cumprido o devido processo legal, determinar a modificação da condição sexual de alguém, tal fato deverá repercutir em todos os âmbitos de sua vida, inclusive o penal.”(CUNHA, 2007, pg. 21) A Lei Maria da Penha também é aplicada às uniões homossexuais entre as mulheres: A lei em estudo, portanto, de forma inédita em nosso arcabouço normativo, prevê que as medidas nela previstas, de caráter penal e civil aplicam-se, também, as uniões homossexuais entre mulheres, permitindo inclusive, em nosso entendimento, que se determine, por exemplo, o afastamento do lar da agressora, [...]. (art. 22,II).(CUNHA, 2007, pg.33) Ou seja, não importa que a vítima tenha sido agredida por outra mulher, o que importa para a lei é que a vítima seja do sexo feminino e que tenha vínculo afetivo com agressor ou agressora. Ainda que a Lei tenha por finalidade proteger a mulher, acabou por cunhar um novo conceito de família, independente do sexo dos parceiros. Assim, se família é a união entre duas mulheres, igualmente é família a união entre dois homens. Ainda que não se encontrem ao abrigo da Lei Maria da Penha, para todos os fins impõe-se este reconhecimento.(DIAS, 2007, pg. 37-38). Concluindo: A Lei Maria da Penha protege a mulher, não interessando sua opção sexual e protege todos aqueles que tem identidade feminina, como travestis e transexuais. Entretanto, mesmo que esta Lei não ampare a relação íntima de afeto entre dois homens, para todos os outros fins, impõe-se o seu reconhecimento como família: As uniões homoafetivas já galgaram o status de unidade familiar. A legislação apenas acompanha essa evolução, para permitir que, na ausência de sustentação própria, o Estado intervenha para garantir a integridade física e psíquica dos membros de qualquer forma de família. (DIAS, 2007, pg.38). 12 As relações paralelas também são consideradas como entidade familiar. Ocorre quando um homem mantém relacionamento afetivo com mais de uma mulher, ou seja as relações adulterinas também são consideradas família e também são amparadas pela lei Maria da Penha: Outra realidade social que agora vem recebendo reconhecimento jurídico são as uniões paralelas, ou seja, as relações concomitantes, que de um modo geral são mantidas por homens. Cada um dos vínculos constitui uma unidade familiar. Assim, agredindo o varão qualquer das companheiras, o fato de a união ser rotulada de adulterina, não exclui do âmbito da proteção da Lei. (DIAS, 2007, pg.44). O conceito de família monoparental é encontrado na Constituição Federal no seu artigo 226, § 4º, que disciplina “Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes”. Ou seja, a Constituição ampara a família formada pelo vínculo entre ascendente e descendente, que pode ser constituída por pai com seus filhos ou mãe com seus filhos. Tanto faz se o pai ou a mãe sejam casados ou não. A proteção do art. 226, § 4º, abrange filhos concebidos ou não no casamento e também os adotados. Busca-se com isso que os filhos tenham igual proteção do Código Civil, consagrando-se o princípio da isonomia. Tal status familiar visa dar efetividade a isonomia dos filhos estabelecida pelo art. 227, § 6.º, da Constituição Federal, posto que, havidos ou não na relação de casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações. [...] A nova noção do conceito de família, inclui a família monoparental, por isso também recebe proteção da Lei que visa coibir a violência doméstica e familiar (Lei Maria da Penha), com todas as medidas preventivas e repressivas, incluindo tutelas de urgência, previstas nesta lei. (SOUZA, pg.25 -26). O namoro também pode ser considerado atualmente como um núcleo familiar: “Pode-se conceituar o namoro como um período informal de convivência entre um homem e uma mulher, com objetivo de se conhecerem e de, no futuro, constituírem família.” (SOUZA, 2007, pg.27). 13 Não há previsão legal a respeito neste instituto, pois não produz efeitos jurídicos: Não há que se confundir o namoro com o noivado, posto que em ambas as situações existe a convivência entre homem e a mulher para a futura constituição de família pelo casamento e pela união estável. No entanto, o noivado gera responsabilidade civil extracontratual, enquanto o namoro, como já dito, não deve produzir efeitos jurídicos. (SOUZA, 2007, pg. 28). Portanto o namoro se difere de noivado porque o noivado produz responsabilidade civil extracontratual, enquanto o namoro não gera efeitos jurídicos. O noivado é uma promessa de casamento, também chamado de esponsal, prometendo as partes, casamento em prazo certo. Este instituto não gera conflito com a união estável, porque normalmente se inicia com uma solenidade e com troca dos anéis esponsalícios. (SOUZA, 2007, pg.28). O namoro, o noivado e até mesmo as relações eventuais, como o que os jovens denominam “ficar” são protegidos pela Lei Maria da Penha, pois conforme o art. 5.º, III, da Lei 11.340/2006, o amparo a mulher que sofre violência abrange qualquer relação intima de afeto,na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a vítima, independente de morarem junto ou não. Diz o doutrinador: Tanto o namoro quanto o noivado tem plena tutela da Lei 11.340/2006, posto que muito embora sejam situações em fase embrionária à constituição de família, de acordo com o artigo 5.º, III, da LVM, a proteção da mulher decorrente de violência engloba : “qualquer relação íntima de afeto , na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independente de coabitação”.(SOUZA, 2007, pg. 28). Portanto, o conceito de família experimenta atualmente, profunda modificação Afirma o doutrinador Cunha: Como salientam Iglesias Fernanda de Azevedo Rabelo e Rodrigo Viana Saraiva, 'aceitar novos modelos familiares não significa dizer que a família será destruída. Conceber apenas a família nuclear composta pelo casal heterossexual e filhos como o único modelo de família aceitável, é incompatível com a natureza afetiva da família. A noção de família como núcleo de afetividade e base da sociedade deve ser encarada, como de fato é, como um fator cultural. E, dessa maneira, a legislação deve acompanhar a evolução da sociedade e, conseqüentemente, dos arranjos familiares'. (2007, pg.35). Já o conceito de concubinato está previsto no artigo 1.727 do Código Civil que afirma: “As relações não eventuais entre o homem e a mulher, impedidos de casar, constituem concubinato”. 14 A intenção do legislador foi a de limitar a união estável vigente. Portanto se houver casamento ou união estável vigente ou havendo impedimento para o casamento, qualquer relação estável entre um homem e uma mulher . A situação histórica mais comum é aquela que o homem, na vigência do casamento, mantinha outro vínculo, de forma que morava com a esposa, mas possuía à distância outra mulher, que se denominava “teúda e manteúda”. Também é concubinato a chamada união estável desleal, que é aquela em que uma pessoa, já possuindo uma união estável, inicia outra concomitante à primeira.(SOUZA, 2007, pg. 46). Dias leciona: Não há de se reconhecer que o conceito de família trazido pela Lei Maria da Penha enlaça todas as estruturas de convívio marcada por uma relação íntima de afeto, o que guarda consonância com a expressão que vem sendo utilizada modernamente: Direito da Famílias. (2007, pg. 44). Portanto a Lei nº 11.340/06 (Lei Maria da Penha) inova o conceito de família tornando-o mais abrangente. No conceito da Lei, se a relação tiver vínculo de afetividade, então será reconhecida como uma entidade familiar. Por isso atualmente, a expressão Direito de Família vem sendo colocada no plural, ou seja, pela expressão: Direito das Famílias. Cabe trazer a manifestação de Eliana Ferreira: “A família modernamente concebida tem origem plural e se revela como o núcleo de afeto no qual o cidadão se realiza e vive em busca da própria felicidade. Abandonou-se o modelo patriarcal e hierarquizado da família romana, ao longo dos anos e firmou-se no direito das sociedades ocidentais um modelo de atuação participativa, igualitária e solidária dos membros da família”.(DIAS, 2007,pg.45) . O doutrinador comenta: A longevidade, a emancipação feminina, a perda de força do cristianismo, a liberação sexual, o impacto dos meios de comunicação de massa, o desenvolvimento científico com as experiências genéticas e descobertas no campo da biogenética, a diminuição das famílias com o aperfeiçoamento e difusão dos meios contraceptivos, tudo isso atingiu fortemente a configuração familiar. Ademais a urbanização e a industrialização mudando a base produtiva da sociedade também afetaria o direito de família, já que o poder empresarial ao contrário da propriedade fundiária não é ligado com organização família. (TEPEDINO, 2001, pg. 353). Por isso a Lei Maria da Penha ampara todas as mulheres que tenham vínculo íntimo de afeto com o agressor 15 Dessa maneira ocorre uma verdadeira equiparação entre todos os institutos de família e civis, albergando plena proteção à mulher no âmbito da unidade doméstica, da família ou nas relações íntimas de afeto, extrapolando em muito o disposto no artigo 226, § 8.º, da Constituição Federal. (SOUZA, 2007, pg. 28). Tededino leciona: A entidade familiar deve ser protegido pelo papel que faticamente exerce na sociedade, ou seja, por sua capacidade de proporcionar um lugar privilegiado para a boa vivência e dignificação de seus membros independentemente de solenidades e formalismos.(2007, pg.168) O Estado tem o dever de proteger os membros da família, pois esta é a base da sociedade. 1.2. UNIDADE DOMÉSTICA Reza o art. 5º , I da Lei 11.340/2006 (Lei Maria da Penha), o conceito de unidade doméstica: “[...] I - no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas; [...]”. A violência doméstica é aquela praticada no espaço caseiro entre pessoas com ou sem vínculo familiar, incluindo as agregadas esporadicamente, integrantes dessa aliança, como no caso de empregada agredida pelo patrão. Explica o doutrinador: Com efeito, segundo Fabrício da Mota Alves, assessor parlamentar do Senado, com a experiência, portanto, de quem acompanhou a discussão legislativa travada no Parlamento, “essa definição abrange, inclusive, os empregados domésticos, ou seja, os 'esporadicamente agregados' – assunto, aliás, muito debatido no Congresso Nacional. O termo 'esporadicamente' aqui dá uma noção de relacionamento provisório, típica da relação de emprego doméstico.” (CUNHA, 2007, pg.30). O legislador se preocupou com as pessoas que não fazem parte da família, mas que participaram de alguma maneira do espaço físico considerado unidade doméstica . A doutrinadora destaca a opinião de Nucci: 16 Como alerta Guilherme Nucci, a mulher agredida no âmbito da unidade doméstica deve fazer parte dessa relação doméstica. Não seria lógico que qualquer mulher, bastando estar na casa de alguém, onde há relação doméstica entre terceiros, se agredida fosse, gerasse a aplicação da agravante trazida pela Lei Maria da Penha.(DIAS, 2007, pg.43). Então, segundo o doutrinador, caso uma mulher tenha sido agredida na casa de alguém só terá proteção da Lei Maria da Penha se ela estiver trabalhando neste local, não bastando apenas sua presença no lar Aqui estão incluídos todos os empregados domésticos, porteiros, recepcionistas, motoristas e diaristas (as esporadicamente agregadas, consoante o artigo 5º, inciso I). Ou seja, qualquer pessoa que comungue, ainda que por uma única vez, do espaço de convívio permanente (lar), tem a proteção legal. Por exemplo, uma pessoa contratada para ser babá (baby- sitter) por uma única noite ou uma enfermeira que venha substituir outra, uma única vez, no cuidado de um idoso. Se ambas forem agredidas, terão integral proteção da LVM. (SOUZA, 2007, pg. 71). Ou seja, são protegidos pela Lei Maria da Penha, qualquer pessoa, mesmo por uma única vez, trabalhe no lar de alguém, estando amparada até mesmo a diarista (esporadicamente agregada). Entretanto, Dias esclarece Damásio de Jesus faz algumas distinções: a denominada “diarista”, que trabalha apenas um, dois ou três dias por semana, não está protegida pela Lei em razão de sua pouca permanência no local de trabalho. Porém a que trabalha durante a semana diariamente, mas não mora no emprego, a aplicação da Lei está condicionada à sua participação no ambiente familiar, ou seja, deve ser observado se ela é considerada por todos e por ela própria membro da família. (2007, pg. 42). Portanto conforme o doutrinador, a diarista não pode ser amparada pela Lei nº 11.340/2006, pelo pouco tempo que fica no lar onde trabalha. E mesmo aquela que trabalha todo dia na casa de alguém tem que estar morando naquele localou então, ser considerada como membro da família por ela mesma e pelos moradores do lar para que, assim, esta seja amparada pela Lei Maria da Penha. “Por fim, a que trabalha e mora na residência da família, desfrutando de uma convivência maior com todos, deve ser considerada um de seus membros, merecendo ser receptadora da especial tutela legal”.(DIAS, 2007, pg.42). 17 1.3. AS FORMAS DE VIOLÊNCIA FAMILIAR E DOMÉSTICA CONTRA A MULHER O doutrinador Mirabete diz quando se configura a violência contra a mulher no âmbito doméstico e familiar : Nos termos da Lei nº 11.340, de 7-8-2006, configura violência doméstica e familiar contra a mulher, qualquer forma de violência, por ação ou omissão, baseada no gênero e praticada no âmbito familiar, do convívio doméstico ou de relação íntima de afeto, atual ou pretérita, ainda que ausente a coabitação, que cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial (art.5º e 7º). (2007, pg.90). Explicando o elemento formal caracterizador da Lei em estudo: a expressão “qualquer ação ou omissão” quer dizer que a Lei não se preocupa com a causa, bastando o efeito morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral para que incida formalmente a Lei Maria da Penha para a defesa da mulher. O objeto jurídico tutelado é a integridade física, moral e econômica da mulher, abrangendo desde a tutela mais gravosa que é a morte, passando pela lesão corporal e até a menos gravosa, com qualquer espécie de sofrimento. Porém o legislador criou um binômio para a incidência do objeto tutela, pois além do elemento formal, a Lei é caracterizada pelo elemento espacial, portanto, para configurar a violência doméstica e familiar contra a mulher, o crime tem que ter ocorrido num determinado ambiente (familiar, doméstico ou de intimidade na qual o agressor conviva ou tenha convivido, com a ofendida, independente de coabitação). De acordo com a Lei 11.340/2006 (art. 5º) , entende-se por violência doméstica e familiar toda a espécie de agressão (ação ou omissão) dirigida contra a mulher (vítima certa) num determinado ambiente (doméstico, familiar ou de intimidade) baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial. (CUNHA, 2007, pg. 23). O sujeito passivo é a mulher. A Lei Maria da Penha não ampara as pessoas jurídicas (associação de mulheres) e entes despersonalizados (condomínios), pois a violência tem que ter ocorrido no âmbito doméstico, familiar ou de intimidade: Pessoas jurídicas (associações de mulheres) e entes despersonalizados (condomínio) não estão compreendidos entre os sujeitos passivos da LVM, não por causa da qualidade pessoal em si, mas por força do âmbito de incidência da norma, relembrando que há necessidade de se respeitar o critério espacial tipificado, ou seja, a violência deve ocorrer no âmbito de relação havida numa unidade doméstica, familiar ou íntima de afeto.(SOUZA, 2007, pg. 75). 18 O sujeito ativo tanto pode ser homem como mulher, pois a Lei em estudo menciona a palavra “agressor”, que está colocada como gênero, abrangendo o sexo feminino e masculino. A legislação em questão, no art. 7.º, enumera as formas de manifestação de violência de forma genérica, levando o operador a interpretá-lo de maneira aberta, enunciativa, isso porque estão apontadas em numerus apertus, em razão da expressão “entre outras” no dispositivo, sempre presumindo em favor da mulher, criando, pois regra enunciativa e orientadora das principais condutas, [...]. ( SOUZA, 2007, pg. 71). Conforme o art. 7º da Lei Maria da Penha, a violência física, psicológica, sexual, patrimonial e moral, entre outras são formas de violência doméstica e familiar contra a mulher. A Lei em estudo combate todas as formas de violência contra a mulher no âmbito familiar, doméstico ou de intimidade, pois usa a expressão “entre outras” no dispositivo. O art. 7, inciso I da Lei11.340/2006 conceitua a violência física : “I - a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal”. Violência física é o uso da força, mediante socos, tapas, pontapés, empurrões, arremesso de objetos, queimaduras, etc, visando desse modo, ofender a integridade ou a saúde corporal da vítima, deixando ou não marcas aparentes, naquilo que se denomina, tradicionalmente, vis corporalis. (CUNHA, 2007, pg.37). Portanto, qualquer agressão que ofenda o corpo e a saúde da mulher com uso de força física, mesmo que não deixe marcas é considerado violência física. “Não só a lesão dolosa, também a lesão culposa constitui violência física, pois nenhuma distinção é feita pela lei sobre a intenção do agressor.”(DIAS, 2007, pg. 47). Esclarece o doutrinador: “A preocupação básica do dispositivo é deixar estabelecida a espécie de violência que, uma vez referendada na norma penal, terá imediata aplicação”. (SOUZA, 2007, pg. 72). 19 O inciso II, do art.7º da Lei Maria da Penha, conceitua a violência psicológica: [...] II- a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da auto-estima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e autodeterminação;[...]. A Lei Maria da Penha, portanto, protege a auto-estima e a saúde psicológica da mulher. A violência psicológica é uma agressão emocional, cuja gravidade é igual ou até maior que a violência física. Configura-se a violência psicológica quando o agressor ameaça, rejeita, humilha ou discrimina a vítima. O agente sente prazer em ver a vítima sofrendo, configurando, assim, a vis compulsiva. Trata-se de previsão que não estava contida na legislação pátria, mas a violência psicológica foi incorporada ao conceito de violência contra a mulher na Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Doméstica, conhecida como Convenção de Belém do Pará.(DIAS, 2007, pg. 47). A mulher agredida psicologicamente fica com a auto-estima abalada e sua saúde psicológica prejudicada, pois se sente amedrontada, inferiorizada e diminuída. A doutrina critica a expressão violência psicológica, que poderia ser aplicada a qualquer crime contra a mulher, pois todo crime gera dano emocional à vítima, e aplicar um tratamento diferenciado apenas pelo fato de a vítima ser mulher seria discriminação injustificada de gêneros.(DIAS, 2007, pg. 48). Alguns doutrinadores acreditam ser desnecessário a existência do inciso III, do art. 7º da Lei Maria da Penha, pois qualquer crime contra a mulher gera por si só a violência psicológica. Consideram também que a proteção específica contra a violência psicológica pela vítima ser do sexo feminino é uma forma de discriminação aos homens, ferindo assim o princípio da igualdade. Porém, a doutrinadora Maria Bernadete Dias discorda desta opinião: Ora, quem assim pensa olvida-se que a violência contra a mulher tem raízes culturais e históricas, merecendo ser tratada de forma diferenciada, até porque não ver esta realidade é que infringe o princípio da igualdade. A violência psicológica encontra forte alicerce nas relações desiguais de poder 20 entre os sexos. É a mais freqüente e talvez seja a menos denunciada. A vítima muitas vezes nem se dá conta que agressões verbais, silêncios prolongados, tensões, manipulações de atos e desejos, são violência e devem ser denunciados. (DIAS, 2007, pg. 48). A doutrinadora afirma então queas mulheres devem ser tratadas de forma diferenciada diante da realidade que estas vem sofrendo e que os homens não estão, pois conforme mostram as estatísticas, a agressão contra a mulher se transformou numa situação de calamidade pública. Portanto se grande parte das mulheres, e não dos homens, estão vivendo esta realidade, nada mais justo do que dar a mulher esta proteção específica, tratando assim, os iguais como iguais e desiguais de forma desigual, pois este é o significado do princípio da igualdade. Afirma outro doutrinador: “As estatísticas mostram, contudo, que algo precisava ser feito, a fim de estacar a condição de verdadeira calamidade pública que assume, em nosso País, a violência contra a mulher”. (CUNHA, 2007, pg. 7) Reconhecida pelo juiz sua ocorrência, cabível a concessão de medida protetiva de urgência. Praticado algum delito mediante violência psicológica, a Para a configuração do dano psicológico não é necessária a elaboração de laudo técnico ou realização de perícia .majoração da pena se impõe (CP, art. 61,II,f). (DIAS, 2007, pg. 48). Não é necessário a elaboração de laudo técnico ou realização de perícia, para configurar a violência psicológica, basta que o juiz reconheça que houve o dano psicológico. Se algum crime for cometido com o uso de violência psicológica, se impõe a majoração da pena, observando-se o art. 61, II, f, do CP. O alcance dessa forma de manifestação da violência é amplo, tanto que o seu exercício pode configurar vários crimes, como, por exemplo: constrangimento ilegal (CP, art.146); ameaça (CP, art. 147); seqüestro e cárcere privado (CP, art. 148); redução à condição análoga à de escravo (CP, art. 149); violação de domicílio (CP, art. 150); violação de correspondência (CP, art. 151); roubo (CP, art. 157); extorsão (CP, art. 158); extorsão mediante seqüestro (CP, art. 159); crimes contra a liberdade sexual mediante violência moral (CP, art. 213; CP, art. 214); e por força de constrangimento (CP, art. 216-A).(SOUZA, 2007, pg. 72). “A Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Doméstica – chamada Convenção de Belém do Pará – reconheceu a violência sexual como violência contra mulher.” (DIAS, 2007, pg.48) O inciso III, do art.7º da Lei nº 11.340/2006 diz o conceito de violência sexual: 21 [...] III – a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos; [...]. Dias afirma: Os delitos equivocadamente chamados de “contra os costumes” constituem, às claras, violência sexual. Quem obriga uma mulher a manter relação sexual não desejada pratica o crime sexual de estupro. Também os outros crimes contra a liberdade sexual configuram violência sexual quando praticados contra a mulher: atentado violento ao pudor; posse sexual mediante fraude, atentado ao pudor mediante fraude; assédio sexual e corrupção de menores. Todos esses delitos, se cometidos no âmbito das relações domésticas, familiares ou de afeto constituem violência doméstica, e o agente submete-se à Lei Maria da Penha. (2007, pg.50-51). Ou seja: os crimes chamados contra os costumes constituem a violência sexual. Portanto, deve-se aplicar a Lei Maria da Penha quando for cometido no âmbito das relações domésticas, familiares ou de íntimo afeto os delitos de estupro (art. 213, CP) e posse sexual mediante fraude (215, CP).Também aplica-se esta lei específica, se praticados contra a mulher, os crimes de atentado violento ao pudor (art. 214, CP); assédio sexual (art. 216-A, CP), corrupção de menores (art. 218, CP) e atentado violento ao pudor mediante fraude (art. 216, CP) no âmbito doméstico, familiar ou de intimidade . “Essa forma de manifestação de violência normalmente ocorre nos delitos sexuais (que envolvem constrangimento), tráfico de mulheres e exploração sexual de crianças e adolescentes.”(SOUZA, 2007, pg. 72). A autora Dias ensina também: “Mesmo o delito de assédio sexual, que está ligado às relações de trabalho, pode constituir violência doméstica quando, além do vínculo afetivo familiar, a vítima trabalha para o agressor.” (2007, pg.50). 22 Portanto: apesar do crime de assédio sexual ser ligado às relações de trabalho, poderá se configurar em violência doméstica, quando a vítima que trabalha com o agressor tiver com ele vínculo familiar. O autor Cunha diz o motivo que leva a vítima de violência sexual a ocultar a agressão que sofreu no ambiente doméstico e familiar: “Agressões como essas provocam nas vítimas, não raras vezes, culpa, vergonha e medo, o que as faz decidir, quase sempre, por ocultar o evento”. (CUNHA, 2007, pg.38). Dias leciona: A segunda parte do inciso III do art. 7º da Lei Maria da Penha enfoca a sexualidade sob o aspecto do exercício dos direitos sexuais e reprodutivos. Trata-se de violência que traz diversas conseqüências à saúde da mulher. A própria Lei assegura à vítima acesso aos serviços de contracepção de emergência, a profilaxia das Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST) e da Síndrome da Imunodependência Adquirida (AIDS) e outros procedimentos médicos necessários e cabíveis (art. 9, § 3º). (2007, pg. 51). A violência sexual fere os direitos reprodutivos e o direito à liberdade sexual. Traz, também, diversos riscos a saúde da mulher, pois ela estará correndo risco de adquirir Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST), inclusive a AIDS. Por isso a Lei Maria da Penha no art. 9º, § 3º garante à mulher que sofreu violência sexual, métodos de contracepção de emergência (pílula do dia seguinte), para evitar a gravidez indesejada vinda de uma relação sexual não desejada, ou seja, decorrente de estupro; tratamento para as DST e para a AIDS, além de outros procedimentos médicos cabíveis. O acesso à contracepção pelo Sistema Único de Saúde é assegurado pela Lei de Planejamento Familiar (Lei 9.263/1996). [...] houve uma certa resistência da doutrina e da jurisprudência em admitir a possibilidade da ocorrência de violência sexual nos vínculos familiares. A tendência sempre foi identificar o exercício da sexualidade como um dos deveres do casamento, a legitimar a insistência do homem, como se estivesse ele a exercer um direito.(DIAS, 2007, pg. 49) Em caso de gravidez decorrente de estupro, será permitido que seja feito o aborto, conforme art. 128, inciso II do CP. Entretanto, quando se trata de violência doméstica e familiar, o suposto agressor é o companheiro ou casado com a vítima e 23 por isso, tem direito ao exercício da sexualidade, tornando-se difícil saber quando sua insistência para exercer este direito se configurara numa violência sexual. Neste caso seria difícil comprovar a ocorrência de estupro: A vítima precisa ter acesso não só ao medicamento que se popularizou como “pílula do dia seguinte” , como ao aborto que é permitido, quando a gravidez resulta de estupro. Porém, todos sabem da dificuldade de comprovar que se trata de violência sexual quando existe um vínculo de convivência entre o abusador e a vítima.(DIAS, 2007,pg.51). A violência patrimonial quase sempre é usada como meio para agredir, física ou psicologicamente, a vítima. No art. 7º, inciso IV, da Lei Maria da Penha, traz o conceito de violência patrimonial: [...] IV – a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentospessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades; [...]. Esta forma de violência abrange os crimes contra a assistência familiar e de modo geral, contra o patrimônio. Conforme o CP, Título II, são crimes contra o patrimônio: furto; roubo; extorsão; usurpação; dano; apropriação indébita, estelionato, receptação; entre outros. A Lei Maria da Penha reconhece como violência patrimonial o ato de “subtrair” objetos da mulher, o que nada mais é do que furtar. Assim, se subtrair para si coisa alheia móvel configura o delito de furto, quando a vítima é mulher com quem o agente mantém relação de ordem afetiva, não se pode mais reconhecer a possibilidade de isenção de pena. O mesmo se diga com relação à apropriação indébita e ao delito de dano. É violência patrimonial “apropriar” e “destruir”, os mesmos verbos utilizados pela lei penal para configurar tais crimes. Perpetrados contra a mulher, dentro de um contexto de ordem familiar, o crime não desaparece e nem fica sujeito à representação.(DIAS, 2007, pg.52-53). Nos delitos patrimoniais não violentos, quando o autor tiver vínculo doméstico, familiar ou de intimidade com a vítima (mulher), será aplicada, então, a Lei nº11.340/2006 (Lei Maria da Penha), sendo que não caberá a aplicação dos arts. 181 e 182 do Código Penal, que tratam das imunidades absolutas e relativas. São imunidades: 24 CP, art. 181: É isento de pena quem comete qualquer dos crimes previstos neste título, em prejuízo: I – do cônjuge, na constância da sociedade conjugal; II – de ascendente ou descendente, seja o parentesco legítimo ou ilegítimo, seja civil ou natural. [...] CP, art. 182: Somente se procede mediante representação, se o crime previsto neste título é cometido em prejuízo: I – do cônjuge desquitado ou judicialmente separado; II – de irmão, legítimo ou ilegítimo; III – de tio ou sobrinho, com quem o agente coabita. O doutrinador questiona a utilidade do inciso IV, art. 7º da Lei Maria da Penha, que ampara a mulher no caso de violência patrimonial: Nos seus comentários ao artigo, Guilherme de Souza Nucci questiona a utilidade do dispositivo, ao menos na seara penal: “Lembremos que há as imunidades (absoluta ou relativa), fixadas pelos arts. 181 e 182 do Código Penal, nos casos de delitos patrimoniais não violentos no âmbito familiar.” (CUNHA, 2007, pg. 38). A parte final do art. 7º da Lei Maria da Penha, afirma que também se considera violência patrimonial, a subtração de direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades. Ensina a doutrinadora: Identificada como violência patrimonial a subtração de valores, direitos e recursos econômicos destinados a satisfazer as necessidades da mulher, neste conceito se encaixa o não pagamento dos alimentos. Deixar o alimentante de atender a obrigação alimentar, quando dispõe de condições econômicas, além de violência patrimonial, tipifica o delito de abandono material (DIAS, 2007, pg. 53). Não é necessário que seja fixado judicialmente o encargo alimentar. A lei e CP serão aplicados até mesmo quando for sonegado os meios de assegurar a subsistência da esposa ou da companheira durante a vida em comum. O inciso V , art. 7º da Lei Maria da Penha, diz o conceito de violência moral: “[...] V – a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria.” Ensina o doutrinador : A violência verbal, entendida como qualquer conduta que consista em calúnia (imputar à vítima a prática de determinado fato criminosa sabidamente falso), difamação (imputar à vítima a prática de determinado fato desonroso) ou injúria (atribuir à vítima qualidades negativas) normalmente se dá concomitante à violência psicológica. (CUNHA, 2007, pg. 38) 25 O Código Penal mostra a diferença entre os crime de calúnia, injúria e difamação: CP, art. 138, caput: Caluniar alguém, imputando-lhe falsamente fato definido como crime [...] CP, art. 139, caput: Difamar alguém, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação [...] CP, art. 140, caput: Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro. A violência moral tem do Código Penal nos delitos contra a honra: calúnia, difamação e injúria. De acordo com o Código Penal são delitos que protegem a honra mas, quando cometidos em decorrência de vínculo de natureza familiar ou afetiva, configuram violência moral. Na calúnia, o fato atribuído pelo ofensor à vítima é definido como crime; na injúria não há atribuição de fato determinado. A calúnia e a difamação atingem a honra objetiva; a injúria atinge a honra subjetiva. A calúnia e a difamação consumam-se quando terceiros tomam conhecimento da imputação; a injúria consuma-se quando o próprio ofendido toma conhecimento da imputação.(DIAS, 2007, pg. 54) Visto o conceito de família, de unidade doméstica e as formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, a seguir será abordado o tratamento da violência doméstica e familiar contra a mulher perante a justiça penal brasileira antes e depois da criação da Lei n º 11.340/2006 e serão mostrados dados estatísticos da violência contra a mulher no âmbito doméstico e familiar contra a mulher 26 2. O TRATAMENTO DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER PERANTE O ORDENAMENTO JURÍDICO PENAL BRASILEIRO 2.1. A JUSTIÇA PENAL EM FACE DA VIOLÊNCIA CONTRA MULHER ANTES DA CRIAÇÃO DA LEI MARIA DA PENHA . O doutrinador Jesus leciona: As Nações Unidas têm-se preocupado com a violência contra a mulher. [...] No Décimo Quinto Período de Sessões da Comissão de Prevenção ao Crime e Justiça Penal, realizado em Viena, de 24 a 28 de abril do corrente ano (2006), e promovido pela Organização das Nações Unidas contra Crime e Drogas (UNODC), discutiu-se, no painel respostas à Violência contra Mulheres: Normas do Sistema da Justiça Criminal, uma série de questões, todas referentes à extensão da proteção à mulher e às crianças além dos limites domésticos, alcançando suas condições na prisão e no trabalho e chegando ao tráfico internacional. Foi lembrado que a UNODC, em cooperação com o Centro de Estudos sobre a Violência, da Universidade de São Paulo, está elaborando um handbook contendo convenções, informações, recomendações, projetos e documentos sobre o tema. (2006, pg. 35) Na tentativa de barrar a violência contra a mulher brasileira, foram criadas as Delegacias da Mulher, sendo que a primeira a ser implantada foi no ano de 1985 em São Paulo. O atendimento especializado feito pela Delegacia da Mulher estimulou muitas vítimas a denunciar agressão. Para atender esta realidade é que foram criadas as Delegacias da Mulher. A primeira foi implantada em São Paulo, no ano de 1985. Desempenharam importante papel, pois o atendimento especializado, feito quase sempre por mulheres, estimulava as vítimas a denunciar os maus tratos sofridos, muitas vezes, ao longo de anos. (DIAS, 2007, pg.22). Mas em 1995 surge a Lei 9.099, esvaziando as Delegacias de Mulheres. Com a criação desse diploma legal, todas as contravenções e crimes, cuja a pena máxima não exceda a um ano (ou dois segundo a Lei 10.259/2001) são da competência dos Juizados Especiais Criminais, inclusive nos casos de violência contra a mulher. Dias leciona: Porém, a lei dos Juizados Especiais esvaziou as Delegacias da Mulher, que se viram limitadas a lavrar termos circunstanciados e encaminhá-los a juízo. Na audiência preliminar, a conciliação mais do que proposta, era imposta, ensejando simples composição de danos. Não obtido acordo, a vítima tinha o direito de representar, mas precisava se manifestar na presença do 27 agressor. Mesmo após a representação, e sem a participação da ofendida, o Ministério Público podia transacionar a aplicação de multa ou pena restritivade direitos. Aceita a proposta, o crime desaparecia: não ensejava reincidência, não constava da certidão de antecedentes e não tinha efeitos civis.(2007, pg. 23). Comenta, a doutrinadora Araújo: Como se vem de descrever, os crimes de menor potencial ofensivo que mais atingem as vítimas mulheres são a ameaça (artigo 147 do CPB) cuja ação penal é pública condicionada à representação. Em seguida, a maior incidência recai sobre o crime de lesões corporais leves (artigo 129, caput, do CPB) para o qual a Lei nº 9.099/95 previu, em seu artigo 88, que passariam a ser processados por via de ação pública condicionada à representação. (2003, pg.153-154) Ou seja: com relação ao crime do § 9º do art. 129, do Código Penal, que estipulava pena de detenção de 6 (seis) meses a 1 (um) ano. Antes da Lei Maria da Penha, caso uma mulher sofresse ameaça (art. 147 do CP) ou lesão corporal leve (art. 129, caput, do CP), era aplicada a Lei 9.099/95. Assim, como acontece com a lesão corporal leve (art. 129, caput), a violência doméstica prevista no 9º é crime de menor potencial ofensivo. Na fase policial, prescinde-se do flagrante delito se o autor do fato comprometer-se a comparecer ao Juizado Especial Criminal. De modo que, no caso de violência doméstica, cuidando-se de lesões corporais simples, leves, excluídas as graves, gravíssimas e seguidas de morte, a competência, como nas hipóteses comuns do art. 129, caput, do CP, é também dos Juizados Especiais Criminais (art. 61 da Lei nº 10.259/2001). Não houve, pois, mudança de relevo.(JESUS, 2006, pg..35). Portanto, em relação ao crime do § 9º, do art.129 do CP, que estipulava antes da Lei 11.340/06, pena de detenção de 6 (seis) meses a 1 (um) ano, o procedimento adotado será o previsto na Lei 9099/95, sendo que este diploma legal também determina que dependerá de representação a ação dos crimes de lesões corporais leves e lesões culposa. Então, antes da Lei Maria da Penha, dependia de representação da vítima no caso violência doméstica, uma vez que se tratava de forma qualificada de lesão corporal leve, cuja pena máxima não alcançava 2 (dois) anos . No caso do § 10, a ação é pública incondicionada: independe da vontade da vítima para propor a ação penal . A previsão do caput do artigo 69 da Lei nº 9.099/95 determina o encaminhamento das partes e do registro do fato, formalizado através do TCO, imediatamente ao Juizado Especial Criminal, para que ali seja realizada a audiência preliminar. Entretanto, constata-se a quase impossibilidade de se dar efetividade a esta previsão legal. Na prática, a 28 própria Delegacia marca data próxima (artigo 70), na qual será realizada a audiência. (ARAÚJO, 2003, pg. 156). Desta forma, antes da Lei Maria da Penha entrar em vigor, a mulher vítima de violência doméstica, ao levar ao conhecimento da autoridade policial o crime contra si praticado, era encaminhada ao Juizado especial Criminal, juntamente com o autor do fato. Para tanto a autoridade policial lavrava termo circunstanciado, providenciando-se as requisições dos exames periciais necessários, conforme art. 69 da Lei 9.099/95. Entretanto, a Lei de Juizados Especiais prevê ao autor do fato uma série benefícios legais, não havendo a efetiva aplicação da justiça. Antes de surgimento da Lei 11.340/06, Araújo já alertava sobre a ineficácia da justiça penal brasileira no que se refere aos crimes de menor potencial ofensivo, no âmbito da violência contra a mulher. O primeiro questionamento de Araújo se refere ao fato da Lei 9099/95 exigir a representação da vítima para a intervenção policial e judicial, impedindo assim que estas instâncias atuassem com efetividade no controle da violência contra a mulher: A Lei nº 9.099/95, ao oportunizar à vítima o controle da atuação policial e judicial na solução dos conflitos de menor potencial ofensivo, através da exigência da representação para a intervenção destas instâncias de controle social, no que se refere à violência contra a mulher, impediu que estas instâncias atuem efetivamente no controle desse tipo de violência. De fato, ao se submeter a tamanhas ingerências de cunho socioeconômico, a vítima acaba por ser vencida em seu interesse de ver processado e punido seu agressor, muitas vezes perpetuando uma situação de violência.(2003, pg. 155). Ou seja: nos fatos de violência contra mulher, a polícia ficava impedida de agir se não houvesse representação da vítima, sendo que esta, por várias razões, se submete à situação de violência. Ademais, a polícia, ao intervir num flagrante de crime de menor potencial ofensivo, arrisca-se a incorrer em abuso de autoridade ou invasão de domicílio, local onde a violência contra a mulher encontra maior incidência, caso a vítima, após ser socorrida e encaminhada à Delegacia, ali não oferecer a representação. (ARAÚJO, 2003, pg. 156) O doutrinador diz: Com a agravação da pena mínima, de 3 para 6 meses, não ficou afastada a aplicação da transação penal (art. 76 da Lei nº 9.099/1995); nem do sursis processual (art. 89 da mesma Lei), sendo cabíveis as penas restritivas de direitos (art. 44 do CP). Quanto à ação penal, tratando-se de lesão corporal 29 leve (§ 9º), o processo público depende de representação da ofendida (art. 88 da Lei dos Juizados Especiais Criminais). Somente na hipótese de lesão corporal grave, gravíssima ou seguida de morte (§ § 1º, 2º e 3º) praticada em qualquer das circunstâncias definidoras da violência doméstica (§ 9º), a ação penal é pública incondicionada. No caso de flagrante, se a polícia fosse intervir socorrendo a vítima e encaminhando à Delegacia, corria o risco de ser incriminada por abuso de autoridade ou invasão de domicílio (onde a violência contra a mulher ocorre com mais freqüência), se a vítima não oferecer representação. Desta forma, na prática, a previsão legal tem efeito contraditório: ao tempo em que, privilegiando o interesse da vítima, lhe oferece o controle sobre a atuação das instâncias formais de controle social, deixa-a a descoberto, quando aquelas ingerências alheias ao fato criminoso sejam importantes o ponto de impedir a representação. A vítima não vê, assim solucionado o conflito subjacente à situação de violência que vive, apesar da solução judicial que, em tese, a lei lhe garante. (ARAÚJO, 2003, pg.156). Portanto se houvesse algo alheio a vontade da vítima que a impedia de oferecer representação, o agressor ficava impune pois a justiça penal não poderia atuar. Ainda sobre a ineficácia da Lei 9.099/95, Streck, publicou um artigo na Revista Brasileira de Direito de Família, n .16: Com o juizado especial criminal, o Estado sai cada vez mais das relações sociais. No fundo, institucionalizou a 'surra doméstica' com a transformação dos delitos de lesões corporais de ação pública incondicionada para ação pública condicionada. Mais do que isso, a nova Lei dos Juizados permite, agora, o 'duelo nos limites das lesões', eis que não interfere na contenda entre pessoas, desde que os ferimentos não ultrapassem as lesões leves (que, como se sabe, pelas exigências do art. 129 e seus parágrafos, podem não ser tão leves assim). O Estado assiste de camarote e diz: batam-se que eu não tenho nada com isso! É o neoliberalismo no Direito, agravando a própria crise da denominada 'teoria do bem jurídico', própria do modelo liberal-individualista de Direito. (CUNHA, 2003, pg.127-128) Na mesma linha de raciocínio, em 21-06-2005, Piovesan publica um artigo deixando clara a inadequação dos juizados para tratar da violência contra a mulher. “O grau de ineficácia da referida lei revela o paradoxo do Estado: romper com a clássica dicotomia público-privado, de forma a dar visibilidade a violações que ocorrem no domínio privado, para, então, devolvê-las a este mesmo domínio, sob o manto da banalização, em que o agressor é condenado a pagar à vítima uma
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