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Universidade Federal do Pará Instituto de Ciências da Arte Faculdade de Artes Visuais Curso de Cinema e Audiovisual Crítica Cinematográfica Professora: Ana Claudia Melo Liriel Waad Patroca Ganga Bruta, a brasilidade histórica Ganga Bruta, lançado em 1933, é considerado até os dias atuais um dos filmes mais importantes para a história do cinema brasileiro. O filme foi dirigido por Humberto Mauro (considerado por muitos o pai do cinema brasileiro) e produzido no primeiro grande estúdio brasileiro, a Cinédia. É importante salientar que, inicialmente, Ganga Bruta recebeu grandes críticas e também não foi um sucesso com o público, apenas depois de mais de vinte anos ele teve reconhecimento– principalmente por ser elogiado pelo diretor do cinema novo, Glauber Rocha, e passou então a ser considerado uma das principais obras de Humberto Mauro e classificado entre os 100 melhores filmes brasileiros de todos os tempos (pela Abraccine). Humberto Mauro dirigiu a história de Marcos, um engenheiro rico que após perceber que sua esposa supostamente não é mais virgem, a mata durante a lua de mel, após isso muda- se para uma cidade interiorana para recomeçar sua vida e iniciar um novo projeto arquitetônico no local, lá ele conhece a jovem Sônia e se apaixona por ela, o romance dos dois tem como entrave o fato de ela ser comprometida com Décio, o irmão de criação dela; isso acarreta em mais tragédias para a história. Com essa narrativa Mauro conseguiu explorar como problemática principal a violência, sendo ela em vários âmbitos e principalmente em relacionamentos românticos, além das questões envolvendo a visão social da época sobre essa violência. Durval Bellini (Marcos) interpretou um personagem machista, grosso e que se caracteriza como uma figura “máscula”; após o assassinato da própria esposa ele sai impune, tendo a justiça o inocentado porque o crime envolveu suposta traição da esposa. Mais tarde o mesmo se entrelaça na própria hipocrisia de envolver com uma mulher comprometida. Dessa forma, o filme nos leva a questionar o quanto um homem da época teria de direito sobre a vida de uma mulher, sendo isso concedido pela própria legislação, além disso, é bem notório a diferença de como homens e mulheres são tratados e devem se comportar, gerando visões bem diferentes quando o homem é o envolvido principal de uma situação (mais especifico como vítima) quando é uma mulher; além disso, as atitudes violentas e abusivas de Décio em relação à Sônia (quando ele descobre o romance dos dois) também é evidencia disso. Mauro, entretanto, consegue deixar em aberto o julgamento de quão impropria seria o relacionamento dos protagonistas, ele cria uma imagem de romance, tragédia e ao mesmo tempo culpa entre os dois, deixando, com isso, o público como responsável pelo próprio parecer. Ademais, ainda sobre a narrativa, é perceptível em Ganga Bruta as características mais presente nos primeiros filmes de Humberto Mauro, ou seja, a apresentação de ambientes rurais e os aspectos brasileiros da época. É notório a valorização do contato com a natureza em muitos filmes de Mauro, esse é mais um dele; nele é apresentado esse contato como uma forma de redenção e recomeço ao personagem principal, sendo essa a intenção dele ao abandonar o âmbito mais urbano a caminho do interior. Contudo, essa valorização não foi impedimento para espelhar contexto brasileiro da época; o diretor conseguiu com maestria ressaltar os progressos industriais que estavam acontecendo, Marcos vai ao interior, mas leva o progresso com ele; percebe a apresentação de construções e aparelhos tecnológicos, fazendo menção a esse progresso; vale ressaltar que esses progressos eram temas em altas no Brasil da época, mostrar isso durante o filme serviu para valorizar o país e a economia durante esse período. Tendo Adhemar Gonzaga como produtor e Cinédia como estúdio, era de se esperar que Ganga Bruta tivesse um grande investimento na produção, o estúdio previa criar filmes no nível dos produzidos em Hollywood; nota-se, assim, isso ocorreu como era de se esperar e teve tudo necessário para considerar uma produção grandiosa no Brasil. É fácil relacionar esse investimento à utilização do som nos filmes; para a época essa era uma grande novidade e ainda estava-se aprendendo a utiliza-la, esse, inclusive, foi um dos possíveis motivos para a recepção negativa que houve. Humberto Mauro utilizou-se do novo método de capitação de som e o filme tornou-se um dos prováveis primeiros a fazer isso no país; entende-se que o som nessa época não era utilizado como é atualmente, percebesse que Ganga Bruta espelha essa transição da passagem do cinema mudo para o sonoro; os diálogos capitados no filme tenderam a ser pequenos momentos, com repetição e efeitos sonoros humanos, isso se misturou, também com músicas, além disso, é perceptível que esses foram poucos momentos do filme, reservados em maior parte para as cenas mais românticas, o restante permaneceu mudo e utilizou-se das legendas. Vale salientar o quanto isso marcou o momento histórico do país, o filme evidenciou bem a passagem que começava a ocorrer dos dois cinemas – fazendo, para isso, essa mixagem – além de servir de exemplo para a tendência sonora que viria a existir; entende-se que essa tendência valorizava principalmente o Brasil, por isso mostrar as músicas e dar ao expectador a compreensão por sua própria língua era tão importante, e foi exatamente isso que Mauro nos proporcionou. Ademais, é importante ressaltar que Ganga Bruta teve como elogiador o cineasta Glauber Rocha, Glauber foi um dos mais importantes para o reconhecimento do filme e ele elogiou principalmente a montagem utilizada no filme e os conceitos técnicos; sobre tal montagem, nota-se que Mauro teve influência das montagens criadas pela Rússia e a chamada montagem soviética, ou seja, todas as características de uma montagem rápida e complexa. Além disso, outras estéticas bem perceptíveis são as do cinema clássico americano por exemplo, Mauro fez muito dos jogos de câmera e das narrativas vistas em Griffith, por exemplo. Com certeza o mais importante sobre os conceitos de estética e poética nesse filme, é as próprias características brasileiras, desde o cinema regional de Cataguases (Mauro foi grande nome nesse ciclo e ainda levava esses traços em seus filmes) e do cinema falado que valorizava os filmes brasileiros. Dessa forma, entende-se o porquê Ganga Bruta é tão valorizado e referencial filmes em geral; ele é extremamente importante para analisar a história do Brasil e do cinema brasileiro, servindo de exemplo para o cinema mudo, falado e para o nacionalismo mostrado pela visão cinematográfica; assim, ele é uma ótima opção para quem quer saber mais sobre esse tema. Contudo, é necessário cuidado ao assistir e pensar na figura da mulher, pois essa acaba sendo retratada de forma um pouco problemática e as intepretações podem ser levadas de forma errada. Com isso, é notório que o filme é produto da época no qual foi criado e isso, visto na atualidade, é ótimo para pesquisas e análises, e também é muito crítico no contexto social. Liriel Waad Patroca Ficha técnica: Ano de lançamento: 1933 Tempo de duração: 1h22 Gênero: Drama Companhia produtora: Cinédia Estúdios Cinematográficos Ltda. Produção: Gonzaga, Adhemar Companhia distribuidora: Estúdios Cinédia S.A Argumento: Mendes, Octávio Gabus Roteirista: Mauro, Humberto Direção: Mauro, Humberto Direção de fotografia: Castro, Afrodísio de Câmera: Morano, Paulo; Brasil Edgar Técnico de som: Seel, Luis Cenografia: Mauro, Humberto Música: Gnatalli, Radamés Música de: Gounod, Charles Locação: Ilhas das cobras, Rio de Janeiro-DF; Guaxindiba-RJ, com as obras de construção da companhia Nacional de Cimento Portland, Rio de Janeiro-RJ; Horto da Quinta da Boa Vista, Rio de Janeiro-DFElenco: Bellini, Durval Selva, Déa Marival, Lu Murillo, Décio Duarte, Andréa Nuness, Alfredo Villar Ivan Eugênio, Carlos Beviláqua, Francisco Baldi, João Cardoso, Ayres Oliveira, Renato de Cardoso, João Chagas, Edson Morena, Elza Moreno, Mario Barreto Filho, Edson Ribas, Peri Gonzaga, Adhemar Mauro, Humberto Fernandes, Jorge Marina, Glória
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