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NUTRIÇÃO, UNIVERSIDADE FEDERAL DE VIÇOSA @larirodrigues.b 1 A Evolução da Ciência Psicologia No caso da Psicologia, a história tem por volta de dois milênios. Esse tempo refere-se à Psicologia no Ocidente, que começa entre os gregos, no período anterior à era cristã. A história de sua construção está ligada, em cada momento histórico, às exigências de conhecimento da humanidade, às demais áreas do conhecimento humano e aos novos desafios colocados pela realidade econômica social e pela insaciável necessidade do homem de compreender a si mesmo. A história do pensamento humano tem um momento áureo na Antiguidade, entre os gregos, particularmente no período de 700 a.C. até a dominação romana, às vésperas da era cristã. Os gregos foram o povo mais evoluído nessa época. Os avanços permitiram que o cidadão se ocupasse das coisas do espírito, como a Filosofia e a arte. Alguns homens, como Platão e Aristóteles, dedicaram-se a compreender esse espírito empreendedor do conquistador grego, ou seja, a Filosofia começou a especular em torno do homem e da sua interioridade. É entre os filósofos gregos que surge a primeira tentativa de sistematizar uma Psicologia. O próprio termo psicologia vem do grego psyché, que significa alma, e de logos, que significa razão. Portanto, etimologicamente, psicologia significa “estudo da alma”. A alma ou espírito era concebida como a parte imaterial do ser humano e abarcaria o pensamento, os sentimentos de amor e ódio, a irracionalidade, o desejo, a sensação e a percepção. Os filósofos pré-socráticos preocupavam-se em definir a relação do homem com o mundo através da percepção. Discutiam se o mundo existe porque o homem o vê ou se o homem vê um mundo que já existe. Havia uma oposição entre os idealistas (a idéia forma o mundo) e os materialistas (a matéria que forma o mundo já é dada para a percepção). Mas é com Sócrates (469-399 a.C.) que a Psicologia na Antiguidade ganha consistência. Sua principal preocupação era com o limite que separa o homem dos animais. Desta forma, postulava que a principal característica humana era a razão. O passo seguinte é dado por Platão (427-347 a.C.), discípulo de Sócrates. Esse filósofo procurou definir um “lugar” para a razão no nosso próprio corpo. Definiu esse lugar como sendo a cabeça, onde se encontra a alma do homem. A medula seria, portanto, o elemento de ligação da alma com o corpo. Aristóteles (384-322 a.C), discípulo de Platão, foi um dos mais importantes pensadores da história da Filosofia. Sua contribuição foi inovadora ao postular que alma e corpo não podem ser dissociados. Para Aristóteles, a psyché seria o princípio ativo da vida. Tudo aquilo que cresce, se reproduz e se alimenta possui a sua psyché ou alma. Portanto, 2.300 anos antes do advento da Psicologia científica, os gregos já haviam formulado duas “teorias”: a platônica, que postulava a imortalidade da alma e a concebia separada do corpo, e a aristotélica, que afirmava a mortalidade da alma e a sua relação de pertencimento ao corpo. Falar de Psicologia nesse período é relacioná- la ao conhecimento religioso, já que, ao lado do poder econômico e político, a Igreja Católica também monopolizava o saber e, conseqüentemente, o estudo do psiquismo. Nesse sentido, dois grandes filósofos representam esse período: Santo Agostinho (354-430) e São Tomás de Aquino (1225-1274). Psicologia e História Psicologia entre os Gregos: os primórdios A Psicologia no Império Romano e na Idade Média NUTRIÇÃO, UNIVERSIDADE FEDERAL DE VIÇOSA @larirodrigues.b 2 Santo Agostinho, inspirado em Platão, também fazia uma cisão entre alma e corpo. Entretanto, para ele, a alma não era somente a sede da razão, mas a prova de uma manifestação divina no homem. A alma era imortal por ser o elemento que liga o homem a Deus. E, sendo a alma também a sede do pensamento, a Igreja passa a se preocupar também com sua compreensão. São Tomás de Aquino viveu num período que prenunciava a ruptura da Igreja Católica, o aparecimento do protestantismo — a transição para o capitalismo, com a revolução francesa e a revolução industrial na Inglaterra. Essa crise econômica e social leva ao questionamento da Igreja e dos conhecimentos produzidos por ela. Dessa forma, foi preciso encontrar novas justificativas para a relação entre Deus e o homem. São Tomás de Aquino foi buscar em Aristóteles a distinção entre essência e existência. Como o filósofo grego, considera que o homem, na sua essência, busca a perfeição através de sua existência. Porém, introduzindo o ponto de vista religioso, ao contrário de Aristóteles, afirma que somente Deus seria capaz de reunir a essência e a existência, em termos de igualdade. Portanto, a busca de perfeição pelo homem seria a busca de Deus. Pouco mais de 200 anos após a morte de São Tomás de Aquino, tem início uma época de transformações radicais no mundo europeu. É o Renascimento ou Renascença. Na transição para o capitalismo, começa a emergir uma nova forma de organização econômica e social. Dá-se, também, um processo de valorização do homem. Neste período, René Descartes (1596-1659) um dos filósofos que mais contribuiu para o avanço da ciência, postula a separação entre mente (alma, espírito) e corpo, afirmando que o homem possui uma substância material e uma substância pensante, e que o corpo, desprovido do espírito, é apenas uma máquina. Esse dualismo mente-corpo torna possível o estudo do corpo humano morto, o que era impensável nos séculos anteriores (o corpo era considerado sagrado pela Igreja, por ser a sede da alma), e dessa forma possibilita o avanço da Anatomia e da Fisiologia, que iria contribuir em muito para o progresso da própria Psicologia. No século 19, destaca-se o papel da ciência, e seu avanço torna-se necessário. O crescimento da nova ordem econômica — o capitalismo — traz consigo o processo de industrialização, para o qual a ciência deveria dar respostas e soluções práticas no campo da técnica. Há, então, um impulso muito grande para o desenvolvimento da ciência, enquanto um sustentáculo da nova ordem econômica e social, e dos problemas colocados por ela. O conhecimento tornou-se independente da fé. Os dogmas da Igreja foram questionados. O mundo se moveu. A racionalidade do homem apareceu, então, como a grande possibilidade de construção do conhecimento. Nesse período, surgem homens como Hegel, que demonstra a importância da História para a compreensão do homem, e Darwin, que enterra o antropocentrismo com sua tese evolucionista. A ciência avança tanto, que se torna um referencial para a visão de mundo. A partir dessa época, a noção de verdade passa, necessariamente, a contar com o aval da ciência. A própria Filosofia adapta-se aos novos tempos, com o surgimento do Positivismo de Augusto Comte, que postulava a necessidade de maior rigor científico na construção dos conhecimentos nas ciências humanas. Desta forma, propunha o método da ciência natural, a Física, como modelo de construção de conhecimento. É em meados do século 19 que os problemas e temas da Psicologia, até então estudados exclusivamente pelos filósofos, passam a ser, também, investigados pela Fisiologia e pela Neurofisiologia em particular. Psicologia no Renascimento A Origem da Psicologia Científica NUTRIÇÃO, UNIVERSIDADE FEDERAL DE VIÇOSA @larirodrigues.b 3 Os avanços que atingiram também essa área levaram à formulação de teorias sobre o sistema nervoso central, demonstrando que o pensamento, as percepções e os sentimentos humanos eram produtos desse sistema. Para se conhecer o psiquismo humano passa a ser necessário compreender os mecanismos e o funcionamento da máquina de pensar do homem — seu cérebro. Assim, aPsicologia começa a trilhar os caminhos da Fisiologia, Neuroanatomia e Neurofisiologia. Algumas descobertas são extremamente relevantes para a Psicologia. Por exemplo, por volta de 1846, a Neurologia descobre que a doença mental é fruto da ação direta ou indireta de diversos fatores sobre as células cerebrais. O caminho natural que os fisiologistas da época seguiam, quando passavam a se interessar pelo fenômeno psicológico enquanto estudo científico, era a Psicofísica. Estudavam, por exemplo, a fisiologia do olho e a percepção das cores. As cores eram estudadas como fenômeno da Física, e a percepção, como fenômeno da Psicologia. Por volta de 1860, há a formulação de uma importante lei no campo da Psicofísica. A Lei de Fechner-Weber, que estabelece a relação entre estímulo e sensação, permitindo a sua mensuração. Segundo Fechner e Weber, a diferença que sentimos ao aumentarmos a intensidade de iluminação de uma lâmpada de 100 para 110 watts será a mesma sentida quando aumentamos a intensidade de iluminação de 1000 para 1100 watts, isto é, a percepção aumenta em progressão aritmética, enquanto o estímulo varia em progressão geométrica. Ela importância na história da Psicologia porque instaurou a possibilidade de medida do fenômeno psicológico, o que até então era considerado impossível. Dessa forma, os fenômenos psicológicos vão adquirindo status de científicos, porque, para a concepção de ciência da época, o que não era mensurável não era passível de estudo científico. Outra contribuição muito importante nesses primórdios da Psicologia científica é a de Wilhelm Wundt (1832-1926). Wundt cria na Universidade de Leipzig, na Alemanha, o primeiro laboratório para realizar experimentos na área de Psicofisiologia. Por esse fato e por sua extensa produção teórica na área, ele é considerado o pai da Psicologia moderna ou científica. Wundt desenvolve a concepção do paralelismo psicofísico, segundo a qual aos fenômenos mentais correspondem fenômenos orgânicos. Por exemplo, uma estimulação física, como uma picada de agulha na pele de um indivíduo, teria uma correspondência na mente deste indivíduo. Para explorar a mente ou consciência do indivíduo, Wundt cria um método que denomina introspeccionismo. Nesse método, o experimentador pergunta ao sujeito, especialmente treinado para a auto- observação, os caminhos percorridos no seu interior por uma estimulação sensorial (a picada da agulha, por exemplo). A experiência da subjetividade privatizada, em que nós nos reconhecemos como livres, diferentes, capazes de experimentar sentimentos, ter desejos e pensar independentemente dos demais membros da sociedade é uma precondição para que se formulem projetos de psicologia científica. Embora para nós essas experiências sejam óbvias, os estudos históricos e antropológicos revelam que nem sempre é assim em outras sociedades e culturas. Outra precondição para a formulação de projetos de psicologia científica é a experiência de que não somos assim tão livres e tão diferentes quanto imaginávamos. Precondições Sócio-Culturais para o Aparecimento da Psicologia como Ciência NUTRIÇÃO, UNIVERSIDADE FEDERAL DE VIÇOSA @larirodrigues.b 4 É a suspeita de que há outras "forças invisíveis" nos controlando e de que não conseguimos espontaneamente ver com clareza as causas e os significados de nossas ações que nos leva a investigar o que há por detrás das aparências. Essa experiência se generaliza com o colapso da ideologia Liberal Iluminista e do Romantismo que, cada um à sua maneira, mantinham inquestionável a noção de subjetividade individual, embora já se encaminhassem para posições muito críticas a respeito. Esse colapso está associado ao desenvolvimento e ao domínio crescente do Regime Disciplinar e se expressa em elaborações filosóficas que põem em questão a soberania, a autonomia e a identidade dos indivíduos. A suspeita de que a liberdade e a singularidade dos indivíduos são ilusórias, que emerge com o declínio das crenças liberais e românticas, abre espaço, finalmente, para os projetos de previsão e controle científicos do comportamento individual. Este será um dos principais objetivos da psicologia como ciência a serviço das Disciplinas. Mas abre espaço, também, para problematizações teóricas e práticas das subjetividades totalmente avessas ao regime disciplinar e que alimentarão muitas das escolas contemporâneas do pensamento psicológico e, principalmente, suas incidências na clínica e na educação. O berço da Psicologia moderna foi a Alemanha do final do século 19. Seu status de ciência é obtido à medida que se “liberta” da Filosofia, que marcou sua história até aqui, e atrai novos estudiosos e pesquisadores, que, sob os novos padrões de produção de conhecimento, passam a: definir seu objeto de estudo (o comportamento, a vida psíquica, a consciência); delimitar seu campo de estudo, diferenciando-o de outras áreas de conhecimento, como a Filosofia e a Fisiologia; formular métodos de estudo desse objeto; formular teorias enquanto um corpo consistente de conhecimentos na área. Embora a Psicologia científica tenha nascido na Alemanha, é nos Estados Unidos que ela encontra campo para um rápido crescimento, resultado do grande avanço econômico que colocou os Estados Unidos na vanguarda do sistema capitalista. É ali que surgem as primeiras abordagens ou escolas em Psicologia, as quais deram origem às inúmeras teorias que existem atualmente. Essas abordagens são: o Funcionalismo, de William James (1842-1910), o Estruturalismo, de Edward Titchner (1867-1927) e o Associacionismo, de Edward L. Thorndike (1874-1949). Considerado como a primeira sistematização genuinamente americana de conhecimentos em Psicologia. Uma sociedade que exigia o pragmatismo para seu desenvolvimento econômico acaba por exigir dos cientistas americanos o mesmo espírito. Desse modo, para a escola funcionalista de W. James, importa responder “o que fazem os homens” e “por que o fazem”. Para responder a isto, W. James elege a consciência como o centro de suas preocupações e busca a compreensão de seu funcionamento, na medida em que o homem a usa para adaptar- se ao meio. A Psicologia Científica O Funcionalismo NUTRIÇÃO, UNIVERSIDADE FEDERAL DE VIÇOSA @larirodrigues.b 5 O Estruturalismo está preocupado com a compreensão do mesmo fenômeno que o Funcionalismo: a consciência. Mas, diferentemente de W. James, Titchner irá estudá-la em seus aspectos estruturais, isto é, os estados elementares da consciência como estruturas do sistema nervoso central. Esta escola foi inaugurada por Wundt, mas foi Titchner, seguidor de Wundt, quem usou o termo estruturalismo pela primeira vez, no sentido de diferenciá-la do Funcionalismo. O método de observação de Titchner, assim como o de Wundt, é o introspeccionismo, e os conhecimentos psicológicos produzidos são eminentemente experimentais. O principal representante do Associacionismo é Edward L. Thorndike, e sua importância está em ter sido o formulador de uma primeira teoria de aprendizagem na Psicologia. Sua produção de conhecimentos pautava-se por uma visão de utilidade deste conhecimento, muito mais do que por questões filosóficas que perpassam a Psicologia. O termo associacionismo origina-se da concepção de que a aprendizagem se dá por um processo de associação das idéias — das mais simples às mais complexas. Assim, para aprender um conteúdo complexo, a pessoa precisaria primeiro aprender as idéias mais simples, que estariam associadas àquele conteúdo. Thorndike formulou a Lei do Efeito, que seria de grande utilidade para a Psicologia Comportamentalista. De acordo com essa lei,todo comportamento de um organismo vivo (um homem, um pombo, um rato, etc.) tende a se repetir, se nós recompensarmos (efeito) o organismo assim que este emitir o comportamento. Por outro lado, o comportamento tenderá a não acontecer, se o organismo for castigado (efeito) após sua ocorrência. A Psicologia científica, que se constituiu de três escolas — Associacionismo, Estruturalismo e Funcionalismo —, foi substituída, no século 20, por novas teorias. As três mais importantes tendências teóricas da Psicologia neste século: Behaviorismo ou Teoria (S-R) (do inglês Stimuli-Respond — Estímulo-Resposta), a Gestalt e a Psicanálise. O Behaviorismo, que nasce com Watson e tem um desenvolvimento grande nos Estados Unidos, em função de suas aplicações práticas, tornou-se importante por ter definido o fato psicológico, de modo concreto, a partir da noção de comportamento (behavior). A Gestalt, que tem seu berço na Europa, surge como uma negação da fragmentação das ações e processos humanos, realizada pelas tendências da Psicologia científica do século 19, postulando a necessidade de se compreender o homem como uma totalidade. A Gestalt é a tendência teórica mais ligada à Filosofia. A Psicanálise, que nasce com Freud, na Áustria, a partir da prática médica, recupera para a Psicologia a importância da afetividade e postula o inconsciente como objeto de estudo, quebrando a tradição da Psicologia como ciência da consciência e da razão. Projeto de Wundt O alemão W. Wundt (1832-1920) costuma ser reconhecido como um pioneiro na formulação de um projeto de psicologia como ciência independente, na criação de instituições destinadas à pesquisa e ao ensino da psicologia e na formação de inúmeros psicólogos não só alemães, mas também de outras nacionalidades. O Estruturalismo O Associacionismo As Principais Teorias do Século XX Os Projetos de Psicologia como Ciência NUTRIÇÃO, UNIVERSIDADE FEDERAL DE VIÇOSA @larirodrigues.b 6 O objeto da psicologia é, para Wundt, a experiência imediata dos sujeitos, embora ele não esteja primordialmente interessado nas diferenças individuais entre esses sujeitos. Experiência imediata é a experiência tal como o sujeito a vive antes de se pôr a pensar sobre ela, antes de comunicá-la, antes de "conhecê-- la". É, em outras palavras, a experiência tal como se dá. Contudo, Wundt não reduz a tarefa da psicologia à descrição dessa experiência subjetiva. Ele quer ir além e tenta fazê-lo de duas formas: utilizando o método experimental, ele pretende pesquisar os processos elementares da vida mental que são aqueles processos mais fortemente determinados pelas condições físicas do ambiente e pelas condições fisiológicas dos organismos. Com o método experimental, em situações controladas de laboratório, Wundt procura analisar os elementos da experiência imediata e as formas mais simples de combinação desses elementos. Mas isto é apenas o começo da psicologia, e não é o mais importante para Wundt; e por meio da análise dos fenômenos culturais - como a linguagem, os sistemas religiosos, os mitos, etc. -, segundo Wundt, manifestam-se os processos superiores da vida mental - como o pensamento, a imaginação, etc. A dificuldade de Wundt era a de entender como no homem - que é uma unidade psicofísica, em que o corpo e a mente não existem separados - as duas causalidades se ligavam uma à outra. Wundt acaba criando, assim, duas psicologias (embora ele próprio pense que está fazendo uma coisa só): a psicologia fisiológica experimental, em que a causalidade psíquica é reconhecida, mas não é enfocada em profundidade – e nesse sentido não se cria nenhum problema mais sério para ligar essa psicologia às ciências físicas e fisiológicas; e a psicologia social ou "dos povos", cuja preocupação é exatamente a de estudar os processos criativos em que a causalidade psíquica aparece com mais força. Como esses processos são essencialmente "subjetivos" - mas só ocorrem claramente na vida social -, não se podem fazer experimentos controlados com eles, apenas estudá-los por meio de seus produtos socioculturais. Projeto de Titchener Titchener (1867-1927) - um dos mais famosos alunos de Wundt e principal responsável pela divulgação da obra deste nos EUA - que redefine o objeto da psicologia como sendo a experiência dependente de um sujeito - sendo este concebido como um puro organismo e, em última análise, como um sistema nervoso -, e não mais a experiência imediata. Isto significa que ir além da experiência do sujeito, para elucidá-la, acarretaria a busca de justificativas fisiológicas para os fenômenos da vida mental. Titchener defende a posição denominada paralelismo psicofísico, em que os atos mentais ocorrem lado a lado a processos psicofisiológicos. Um não causa o outro, mas o fisiológico explica o mental. Como a mente e o corpo andam lado a lado, é possível fazer psicologia usando exclusivamente, segundo Titchener, os métodos das ciências naturais: a observação e a experimentação. A única diferença seria a de que na psicologia a observação se daria sob a forma de auto-observação ou introspecção. Nessa medida, Titchener deixa de lado toda a obra de Wundt orientada para a psicologia dos povos. NUTRIÇÃO, UNIVERSIDADE FEDERAL DE VIÇOSA @larirodrigues.b 7 Em completa oposição à psicologia de Titchener e em relativa oposição ao funcionalismo - mas devendo a ele alguns pressupostos básicos surgiu, no começo do século XX, um outro projeto de psicologia científica: o comportamentalismo. Segundo esse projeto, elaborado originalmente pelo psicólogo americano J. 13. Watson (1878- 1958), o objeto da "psicologia" científica já não é a mente (por isso o termo psicologia foi colocado entre aspas). O objeto é o próprio comportamento e suas interações com o ambiente. O método deve ser o de qualquer ciência: observação e experimentação, mas sempre envolvendo comportamentos publicamente observáveis e evitando a auto- -observação. Redefinindo a psicologia como "ciência do comportamento", Watson podia não só se livrar do método da auto-observação, tão discutível, mas resolvia, também, a questão que desde Wundt vinha perturbando os psicólogos: a questão da "unidade psicofísica". A partir de agora, supunha Watson, já não seria necessário dizer que mente e corpo interagem ou que somente caminham lado a lado: vamos estudar o comportamento, isto é, os movimentos do corpo e suas relações com o ambiente. Nessa medida, o "sujeito" do comportamento não é um sujeito que sente, pensa, decide, deseja e é responsável por seus atos: é apenas um organismo. Enquanto organismo, o ser humano se assemelha a qualquer outro animal, e é por isto que essa forma de conceber a psicologia científica dedica uma grande atenção aos estudos com seres não humanos, como ratos, pombos e macacos, entre outros. Ele não tem o mínimo interesse na "vivência" do sujeito, na sua experiência imediata. O comportamentalismo watsoniano interessa-se exclusivamente pelo comportamento observável, com o objetivo muito prático de prevê-lo e controlá-lo de forma mais eficaz. Passemos agora aos projetos de psicologia científica que, sem negar a experiência subjetiva, procuram compreendê-la e explicá- -la. Ainda no começo do século XX surgiu outro projeto de psicologia científica na Alemanha. Essa escola psicológica denominou-se "psicologia da gestalt", palavra alemã de difícil tradução: ora traduz-se por psicologia da estrutura, ora por psicologia da totalidade, ora por psicologia da forma, e freqüentemente conserva-se o termo alemão não traduzido ou aportuguesado, como na denominação "gestaltismo". Os psicólogos gestaltistas mais importantes- M. Wetheimer (1880-1943); K. Koffka (1886- 1941) e W. Kohler (1887-1967) partiam da experiência imediata e adotavam, como procedimento para captação da experiência tal como se dava ao sujeito, o método fenomenológico. Esse método consiste na descrição ingênua dos fenômenos tais como aparecem na consciência, antes de qualquer reflexão ou conhecimento, ou de qualquer tentativa de análise. Aplicando o método fenomenológico, os gestaltistas descobriram que todos os fenômenos da percepção, da memória, da solução de problemas, da afetividade, etc. eram vividos pelo sujeito sob a forma de estruturas, isto é, sob a forma de relações entre partes que faziam com que a forma resultante fosse mais que a mera soma das suas partes. O caráter do projeto de psicologia científica dos gestaltistas, que comporta dois aspectos essenciais: o reconhecimento da experiência imediata; e a preocupação de relacionar essa experiência com a natureza física e biológica e com o mundo dos valores socioculturais. O Comportamentalismo A Psicologia de Gestalt NUTRIÇÃO, UNIVERSIDADE FEDERAL DE VIÇOSA @larirodrigues.b 8 Um outro projeto de psicologia científica foi desenvolvido pelo psicólogo americano B. E Skinner (1904-1990). Embora se trate de um comportamentalismo, o projeto de Skinner afasta-se imensamente do de Watson, sendo um erro absurdo reuní-los numa mesma análise. Skinner torna-se importante para a psicologia além da sua importância para o estudo do comportamento dos organismos - quando se põe a falar da subjetividade: do mundo "privado" das sensações, dos pensamentos, das imagens, etc. Skinner não rejeita a experiência imediata, mas trata de entender sua gênese e sua natureza. Ele não duvida que os homens sintam sem expressar seus sentimentos, que os homens se iludam, alucinem, reflitam sobre as coisas e sobre si mesmos, relatem temores, aspirações e desejos. Tudo isso é real, mas, segundo Skinner, devemos investigar em que condições a vida subjetiva privatizada se desenvolve. A resposta do autor remete às relações sociais. É em sociedade que se aprende a falar e uma parte da fala pode referir-se ao próprio corpo e ao próprio comportamento do sujeito. Contudo, essa capacidade para falar de si é aprendida na convivência com os outros. O mundo privado de cada um é uma construção social. Segundo Skinner, as experiências subjetivas não têm nada de imediato; são sempre construídas pela sociedade. O projeto de psicologia skinneriano pode ser, então, caracterizado como o do reconhecimento e crítica da noção de experiência imediata a partir de um ponto de vista social. É clara aí a intenção de desiludir: aquilo que aparentemente mais nos pertence não é nosso, mas é apenas um produto social. A crença de que nossa consciência é a causa determinante de nossas ações deveria ser tratada como um último preconceito ou ignorância. A simples existência de uma alma (mente) independente do corpo ou do ambiente já não faria qualquer sentido. Assim, a noção moderna de sujeito, como aquilo que "subjaz" a tudo e é livre para determinar seu destino cai totalmente por terra com Skinner. Outra proposta de psicologia científica foi desenvolvida pelo psicólogo suíço J. Piaget (18961980). Ao lado dessa proposta, com um desenvolvimento totalmente independente, com outros pontos de partida e outras finalidades, encontramos a psicanálise concebida e desenvolvida por S. Freud (1856- 1939). O que une esses dois autores é apenas - mas isso não é pouco - a perspectiva de estudar a gênese do sujeito, levando em consideração sua experiência imediata, mas não se restringindo a essa experiência na busca de compreensões e explicações mais profundas. Piaget e Freud fazem o caminho: do ser biológico ao ser moral. Ambos partem em suas teorizações de certos pressupostos biológicos, mas em nenhum dos casos a experiência imediata dos sujeitos são reduzidos a seus condicionantes naturais. Piaget, ex-biólogo, estuda o desenvolvimento das funções cognitivas (da inteligência) e da moralidade (da capacidade de julgar e comportar-se moralmente) pelo chamado "método clínico". Ele observa o comportamento de crianças e pede a elas que descrevam o que estão fazendo; pede, também, que justifiquem o que e como estão fazendo, propõe a elas algumas tarefas para desenvolverem, sempre as observando e conversando com elas. O Comportamentalismo Diferenciado: O Behaviorismo Radical de Skinner A Psicologia Cognitivista de Piaget e a Psicanálise Freudiana NUTRIÇÃO, UNIVERSIDADE FEDERAL DE VIÇOSA @larirodrigues.b 9 Seu objetivo é, antes de tudo, tentar entender a experiência imediata das crianças, como elas "vivem” , percebem e pensam sobre o mundo. Com base nisto, ele procura construir uma teoria que explique essas experiências e por que, ao longo do crescimento, as experiências da criança vão mudando e ela vai "vivendo" o mundo de forma cada vez mais complexa e adaptativa. Freud, como Piaget, veio da biologia, mas, depois de abandonar o laboratório de fisiologia, cria e se dedica à clínica psicanalítica. Como é sabido, Freud teve sua formação em neurologia. Ao receber em sua clínica certos pacientes - denominados histéricos - com sintomas de paralisias e anestesias localizadas, ele se defrontou com a falta de instrumental neurológico para responder ao sofrimento deles. Seus mestres não reconheciam a existência de uma doença nesses pacientes, na medida em que não podiam identificar neles lesões orgânicas - se não havia lesão, não poderia haver doença. Além do que, esses pacientes eram altamente dramáticos e as paralisias de que reclamavam não correspondiam ao mapeamento nervoso ou muscular do corpo, o que fazia com que os médicos simplesmente não reconhecessem como legítimo seu sofrimento. Tendo que lidar com o sofrimento desses pacientes, Freud não pôde se contentar com a atitude de seus colegas médicos e chegou à compreensão de que a "lesão" de que se tratava na histeria não incidia sobre um nervo, mas sobre a idéia relativa à determinada parte do corpo. Freud articula um evento corporal – uma conversão histérica ao universo representativo da pessoa. Num certo sentido, ele atravessa a distinção simples e clássica entre mente e corpo. Os sintomas histéricos passaram a ser tomados como resultado de uma dinâmica psíquica composta por: conflito, repressão e retorno do reprimido. Determinados conflitos entre tendências contraditórias geram um tal sofrimento, que se toma impossível suportá-los; como defesa contra esse sofrimento, há então a inibição de uma das tendências, a repressão da representação (ou de um conjunto delas) cuja consciência gera dor. Essa exclusão do campo da consciência de fato evita a dor imediata, mas a representação excluída persiste inconscientemente no psiquismo, agora fora do controle do eu. Na medida em que ela é real e significativa, acabará por se manifestar à revelia do "eu". Como resultado de um embate entre representação inconsciente e defesa, e por uma série de compromissos, dá-se o retomo simbólico do reprimido como sintoma, sonho, ato falho, etc. Freud define o inconsciente como o objeto da psicanálise, o que seria um contra-senso do ponto de vista positivista: o inconsciente por definição não é um fenômeno positivo no sentido de que "dado diretamente à observação". Neste ponto em que se coloca o impedimento para que a psicanálise seja reconhecida como uma ciência nos moldes positivistas, reside provavelmente o que a psicanálise tem de mais particular entre as teorias psicológicas. Freud tenta, então, desenvolver uma técnica de interpretação do sentido oculto. Pede aos pacientes que lhe contem tudo sem censura alguma, tudo que lhes venhaà cabeça. Quando eles começam a falar sem receio e sem tentar elaborar um discurso lógico, começam a despontar os sentidos ocultos. Mas Freud não se contenta em compreender a experiência imediata do paciente melhor do que ele próprio a compreendia, e isto já seria muito importante em termos científicos; já seria uma forma de transcender a experiência imediata. Freud, porém, quer explicar essa experiência e, para tanto, precisa desenvolver uma teoria da psique e do desenvolvimento psicológico. Como essa teoria vai além do "psicológico" e do "vivido", essa parte de sua obra foi denominada "metapsicologia" (meta quer dizer "além de”).
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