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Versão On-line ISBN 978-85-8015-075-9 Cadernos PDE OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE NA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE Produções Didático-Pedagógicas ALEXANDRO MUHLSTEDT CADERNO TEMÁTICO A IDENTIDADE E A PROFISSIONALIDADE DO PROFESSOR REFLEXIVO CURITIBA – PARANÁ 2013 2 SUMÁRIO IDENTIFICAÇÃO ................................................................................................... 3 APRESENTAÇÃO ................................................................................................. 4 ORIENTAÇÕES METODOLÓGICAS …................................................................ 8 TEXTO 1 O professor e a escola na sociedade contemporânea .......................................... 11 TEXTO 2 O professor e a sua identidade ............................................................................. 21 TEXTO 3 O professor e a sua prática: do habitus ao conceito de profissionalidade ............ 32 TEXTO 4 O professor e o ato de ensinar .............................................................................. 41 TEXTO 5 O professor reflexivo ............................................................................................. 50 3 IDENTIFICAÇÃO Título da Produção Didático-pedagógica: A IDENTIDADE E A PROFISSIONALIDADE DO PROFESSOR REFLEXIVO Autor: ALEXANDRO MUHLSTEDT Área: PEDAGOGIA Escola de Implementação: COLÉGIO ESTADUAL DO PARANÁ - ENSINO FUNDAMENTAL, MÉDIO E PROFISSIONAL RUA JOÃO GUALBERTO, 250 – ALTO DA GLÓRIA – CURITIBA - PARANÁ Município da Escola: CURITIBA Núcleo Regional de Educação: CURITIBA Instituição de Ensino Superior: UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ Orientador: PROFº DR. GRACIALINO DA SILVA DIAS Resumo: O material que ora se apresenta é um Caderno Temático, resultado de pesquisa bibliográfica e de campo, sobre o trabalho docente que é desenvolvido por professores de escola pública estadual de Educação Básica do Paraná e direciona-se a estes sujeitos como fonte de formação e reflexão. Está organizado em cinco textos sendo que no primeiro texto há uma breve reflexão sobre o professor e a escola no mundo contemporâneo, sinalizando interferências deste na ação docente; no segundo texto analisa-se a questão da constituição da identidade do professor, forjada inicialmente na licenciatura e lapidada pelos saberes docentes da prática, sendo embasada pelos estudos de Maurice Tardif; no terceiro texto há um aprofundamento teórico sobre a categoria habitus de Pierre Bourdieu e o conceito de profissionalidade; no quarto texto há uma breve explanação a respeito do ato de educar, elucidado pelo pensamento educacional de Paulo Freire, bem como uma exposição sobre os contextos de adversidade que dificultam o trabalho do professor e, finalmente, no quinto texto apresenta-se a possibilidade de constituir-se como professor reflexivo, a partir do conhecimento específico e ligado à ação, de acordo com postulados de Donald Schön. Ante a isso, concretizam-se neste material as reflexões oriundas da prática, a teorização refletida e a busca por uma educação pública melhor e mais crítica. Tem o intuito de, pelo trabalho docente, transformar o ensino e construir um espaço-escola de bem viver. Palavras-chave: Escola pública; Profissionalidade docente; Identidade profissional; Professor reflexivo. Formato do Material Didático: CADERNO TEMÁTICO Público Alvo: PROFESSORES DA ESCOLA PÚBLICA DA EDUCAÇÃO BÁSICA 4 APRESENTAÇÃO Compreender supõe, antes de tudo, perguntar-se algo e abrir com isso um espaço de novas significações e sentidos. (Josep Maria Puig) O que importa para mim, querida Sofia, é que você não esteja entre aqueles que consideram o mundo uma evidência. (Jostein Gaarder) O material que ora se apresenta é resultado de pesquisa bibliográfica e de campo sobre o trabalho docente dos professores da escola pública de Educação Básica e direciona-se a estes sujeitos como fonte de estudos e reflexão. O interesse pela compreensão de como ocorre a construção da identidade e profissionalidade do professor vem acontecendo ao longo da minha carreira como docente, pedagogo e gestor na educação pública. Em 1996 iniciei o curso de Pedagogia, na Universidade Estadual do Centro- Oeste, em Guarapuava e também minha atividade profissional como professor alfabetizador de jovens e adultos, no Centro de Estudos Supletivos (CES), no município de Pinhão, no estado do Paraná. Desenvolvi trabalho junto a trabalhadores domésticos, trabalhadores rurais, presidiários e operários da indústria madeireira, bem como com outras categorias de trabalhadores que se encontravam em situação de analfabetismo. No ano 2000 fui aprovado no concurso do Paranaeducação - Serviço Social Autônomo vinculado à Secretaria de Estado da Educação - assumindo também no CES, agora denominado Centro Estadual de Edução Básica para Jovens e Adultos (CEEBJA) a função de Supervisor de Ensino. Em 2002 realizei curso de Pós graduação na Universidade Norte do Paraná e aprimorei a compreensão sobre o fenômeno educacional. Desenvolvi estudo sobre a motivação dos alunos jovens e adultos. No ano de 2003 transferi-me para escola de ensino regular, Colégio Estadual Santo Antonio, onde desenvolvi trabalho junto aos professores na função de Supervisor. Nesse mesmo período, também coordenei a implantação do Programa de Educação de Jovens e Adultos junto à Prefeitura Municipal de Pinhão, estabelecendo parceria junto ao Serviço Social da Indústria (SESI) de Guarapuava. 5 Em 2005 realizei concurso público e assumi a função de Professor Pedagogo neste Colégio. Nessa escola, entre os anos de 2006 – 08 desenvolvi trabalho no âmbito da Gestão, coordenando, como diretor auxiliar, o período noturno. A partir de 2009 mudei-me para Curitiba, atuando no Colégio Estadual Professor Francisco Zardo - Ensino Fundamental, Médio e Profissional, no qual, entre outras atividades, coordenei a construção do Projeto Político Pedagógico e implementei os encontros semanais dos gestores e equipe pedagógica com o objetivo de constituir coletivos de trabalho e consolidar a “linguagem em comum” entre os profissionais da instituição. No ano de 2012 atuei como diretor do turno da tarde, priorizando a organização do trabalho pedagógico, enfocando a participação dos alunos e professores em atividades culturais de música, teatro, cinema, visitas orientadas, etc. e estabeleci parcerias com Fundação Cultural, Casa da Leitura e Secretaria Municipal Antidrogas. No período noturno dessa escola, minha atuação dirigiu-se principalmente na consolidação do trabalho pedagógico junto aos coordenadores e professores atuantes na Educação Profissional. Em 2012, por meio de concurso, fiz remoção para o Colégio Estadual do Paraná (CEP), sendo esta a instituição na qual o estudo sobre a Identidade e a Profissionalidade Docente ocorrerá, bem como a implementação do Projeto. E foram nessas três instituições públicas estaduais (CES, Santo Antonio e Zardo) que aconteceram observações, vivências, discussões e reflexões que despertaram meu interesse em analisar mais profundamente a prática docente. Não na intenção ingênua de tentar “ensinar o peixe a nadar”, mas imbuído pelo compromisso em refletir, revisitar, reelaborar e, sobretudo, analisar as formas de ser professor, repensar as possibilidades de atuar com coerência considerando os limites impostos pelas situações políticas e sociais, bem como pelas condições e necessidades. Esses limites e possibilidades tem feito que, ao longo dos anos, tem contribuído para que eu observe que escola pública atuam professores que pouco se comprometem com o processo de ensino aprendizagem, comportando-se com indiferença e desilusão, cinismo ou ceticismo com o trabalho pedagógico. São profissionais iniciantes, com bagagem experiencial, emfinal de carreira. A este grupo, percebo também aqueles que atuam de modo ético, crítico e comprometido, em diferentes estágios da profissão, com diversas vivências escolares e, sobretudo, 6 buscando inovar em suas práticas pedagógicas. E são a esses professores que minha atenção se volta, com intuito de compreender o que eles possuem em sua atuação profissional que os diferencia positivamente no coletivo escolar. A partir de observações, diálogos, intervenções pedagógicas, discussões, reflexões, leituras e tentativas de acerto, fui formulando várias hipóteses a respeito desses professores. Uma dessas hipóteses tem sido sobre como acontece a construção da identidade profissional. Para isso tenho buscado subsídios nas teorias do conhecimento, nas práticas escolares, nas tarefas rotineiras e no diálogo com os professores. A partir das atividades do Programa de Desenvolvimento Educacional (PDE), articuladas na Universidade Federal do Paraná, tornou-se possível sistematizar as questões que fazem parte das minhas reflexões pedagógicas e análises educacionais. Propus-me a dialogar com os professores do Colégio Estadual do Paraná para conhecer deles a história pessoal de início na profissão docente. Por meio da Memória Pedagógica busquei relatos, registrados na ferramenta Blog, das histórias de como se deu a escolha pelo curso de licenciatura e como foi o primeiro contato com a docência. Compreendo que o professor da escola pública estadual vivencia inúmeras situações e enfrenta diferentes condições de trabalho. Estudar o cotidiano da ação docente é um exercício que exige sensibilidade e senso crítico, uma vez que envolve as histórias de vida, os processos culturais, as crenças, os posicionamentos, os pensamentos, as verdades de cada um. Assim, construí a ideia da necessidade, pedagógica e social, de, ao explorar a práxis docente na escola pública da educação básica, também investigar a construção da identidade profissional e observar as dificuldades oriundas das condições de trabalho. Com isso, pretendi analisar as razões, as motivações e os elementos constitutivos da identidade profissional e dos saberes docentes dos professores da educação básica no CEP. Recorri, então, às reflexões de Paulo Freire sobre o ato de educar, elaboração dos saberes docentes de Maurice Tardif e formação do professor reflexivo de Donald Schön. Com esses educadores, foi possível lançar as redes no campo intelectual sobre a profissionalidade do professor e embasar as hipóteses de construção da identidade profissional. 7 Essas reflexões, pautadas também nas vivências pedagógicas em escolas da rede estadual, resultaram neste Caderno Temático, o qual está organizado da seguinte maneira: No primeiro texto há uma breve reflexão sobre o professor e a escola no mundo contemporâneo, sinalizando as situações impostas pelo processo de globalização, que, em certa medida, interferem na ação docente. No segundo texto analisa-se a questão da constituição da identidade do professor, forjada inicialmente na licenciatura por meio de elementos técnicos e, lapidada pelo cotidiano, ao construir os saberes docentes da prática, de acordo com Maurice Tardif. No terceiro texto há um aprofundamento teórico sobre a categoria habitus, de Pierre Bourdieu, e o conceito de profissionalidade, sendo que bem compreendidas, permitem ao professor enfrentar os desafios imponderáveis da profissão. No quarto texto há uma breve explanação a respeito do ato de educar, elucidado pelo pensamento educacional de Paulo Freire, enaltecendo a postura competente e compromissada com o processo de ensino aprendizagem. Também uma exposição sobre os contextos de adversidade que dificultam o trabalho do professor. No quinto texto apresenta-se a possibilidade de constituir-se como professor reflexivo, a partir do conhecimento específico e ligado à ação. Aprofunda- se a categoria professor-reflexivo, de Donald Schön, e os conceitos reflexão-na- ação, reflexão-sobre-a-ação e reflexão sobre a reflexão na ação. Ante a isso, concretizam-se neste material as reflexões oriundas da prática, a teorização refletida e o desejo por uma educação pública melhor e mais crítica. Creio que, sendo o professor um profissional reflexivo, ciente de sua responsabilidade e do seu compromisso social, envolvido em sua formação intelectual e competência técnica, é possível transformar o ensino e construir um espaço-escola de bem viver, de ensinar com convicção e de aprender com humildade. Alexandro Muhlstedt1 1 Professor Pedagogo da Rede Estadual de Educação Básica do Paraná. Atua no Colégio Estadual do Paraná (CEP), em Curitiba. E-mail: supervisorlaex@seed.pr.gov.br mailto:supervisorlaex@seed.pr.gov.br 8 ORIENTAÇÕES METODOLÓGICAS O conhecimento não se restringe ao “pronto”, mas ao que deve ser levado à discussão e à contradição para que novas verdades possam surgir a partir de raciocínios complexos. (Ilca Oliveira de A. Vianna) Esta Produção Didático-pedagógica, no formato de Caderno Temático denominado A Identidade e a Profissionalidade do Professor Reflexivo, foi concebida na perspectiva de contribuir para repensar a prática pedagógica a partir da constituição da identidade docente. Parte-se do princípio que para efetivar boas aulas, o professor deve ser profissional comprometido com a profissão, com o ato de ensinar, com a aprendizagem dos alunos. Para isso, ao assumir-se como professor, este profissional precisa ter a clareza dos muitos aspectos constituintes inerentes a sua função, estabelecendo metas e objetivos, sabendo sobre o que se vai ensinar, sem perder de vista para quem se está ensinando. Isso exige um compromisso social e uma responsabilidade com o aluno, o que permite avançar na exigência da compreensão da pessoa no processo de ensinar e aprender. É aí que se situam os aspectos da identidade e da profissionadade do professor. As ideias apresentadas neste Caderno são propostas a serem analisadas, ampliadas, criticadas, refletidas, contextualizadas e reinventadas por professores entendidos como sujeitos de sua prática. 1. Sugere-se a formação de um grupo de professores, entre 15 e 30 participantes, que deverão estar dispostos a discutir a própria profissão, no intuito de compreender a identidade docente e construir um processo intenso e consciente de profissionalidade. A principal característica do trabalho com um grupo de professores reside no fato de se trabalhar com a reflexão expressa através da “fala” dos participantes, permitindo que apresentem, simultaneamente, seus conceitos, impressões e concepções sobre o tema, no caso, a própria profissão. Em decorrência, as informações produzidas ou aprofundadas são de cunho essencialmente qualitativo. Não se objetiva respostas certas ou erradas, mas reflexões e opiniões acerca da identidade docente construída no bojo das escolhas pessoais e das relações sociais que se firmam no cotidiano escolar. Como processo de profissionalidade, a percepção de si e os questionamentos sobre a própria prática são questões promotoras de busca por melhorias evitando acusações ou culpabilizações. Incentiva-se a escrita das discussões como forma de registro e memória. 9 2. Cada um dos cinco textos foi elaborado a partir da Fundamentação Teórica do Projeto de Intervenção Pedagógica. Nos textos estão questões consideradas mais significativas, fruto de pesquisa, leitura e estudos, mas sem nenhuma intenção de serem verdades absolutas. O professor está em constante criação, buscando, estruturando, organizando o seu fazer pedagógico. E nesta constante busca, precisa ser leitor, escritor, pesquisador. Ele é um leitor, quando lê amplamente a realidade, a sua e a dosoutros, buscando nessa leitura, interpretar, significar, dar sentido. Ao registrar seu cotidiano e seu ponto de vista, ele é um escritor, pensando, questionando, revendo suas hipóteses. E pesquisador ao pensar a própria prática, conectada na necessidade de conhecer melhor o seu fazer pedagógico e constituir a sua profissionalidade. Não se espera uma resposta certa, mas respostas significativas e originais, fruto de crítica reflexão. 3. Para concretizar o estudo, os encontros deverão ter duração de 2 horas, em dia e horário a ser definido pelos participantes. Os encontros devem começar na hora, se não o valioso tempo dos professores se perderá. Uma vez acordado dia e horário, começar na hora exata, bem como concluir no tempo determinado. Para realizar as atividades previstas neste Caderno é necessária a leitura prévia do texto, pelos participantes, bem como o compromisso dos mesmos de postar os comentários no blog. O melhor dia e o melhor horário para estudar e refletir é aquele em que o professor tenha disponibilidade e vontade, com a articulação sensata e prudente do trabalho pelo professor coordenador. 4. Organizado o grupo, definido dia e horário dos encontros, num primeiro momento, faz-se a leitura, a discussão e a contextualização das ideias apresentadas no texto. Em seguida, cada participante responde as questões sugeridas, as quais são socializadas em pequenos grupos, e, por fim, apresentadas em plenária. A importância da escrita resi de no fato de permitir a construção da “memória compreensiva”, aquela memória que não é só simples recordação, lembranças vãs, mas é base para a reflexão do professor, tendo em vista a análise do cotidiano educativo e do trabalho desenvolvido com o grupo. O ato de escrever o vivido desencadeia um processo reflexivo no qual a vivência restrita e singular torna-se pensamento sistematizado, apropriação do conhecimento. É através da escrita, portanto, que percebe os erros, avanços, contempla o vivido diariamente na prática, não só para lembrar do que aconteceu, mas também compreender o acontecido, analisá-lo para poder aprender com o vivido. A reflexão registrada tece a memória, a história do sujeito e de seu grupo. Sem a sistematização deste registro refletido não há apropriação do pensamento do sujeito-autor, até porque um sujeito alienado do próprio pensamento torna-se um mero copiador da teoria do outro. 10 5. Num segundo momento, a síntese de cada grupo deverá ser postada em forma de comentário no blog www.docentescep.blogspot.com, no post de tema correspondente. Ou, se for o caso, enviado ao endereço eletrônico (e-mail) do coordenador do grupo, ou mesmo impressa e arquivada em uma pasta. O blog, como ferramenta educacional, contribui para afirmação de novas aprendizagens, oportunizando aos usuários condições de ampliarem os seus conhecimentos mediante diferentes formas de pensamentos. Pode ser considerado um instrumento de escrita colaborativa importante, na medida em que um leitor pode acrescentar informações, na forma de comentários, notadamente porque os “posts” e as mensagens a ele associadas podem ser vistos por outros leitores, cibernautas. É uma forma mais ágil e eficiente tendo em vista que o professor poderá postar no momento em que melhor lhe convier, desde que no prazo acordado entre um encontro e outro. 6. Após o estudo dos cinco textos, as respostas dos participantes, bem como as possíveis sínteses, deverão ser agrupadas e “costuradas” numa produção coletiva para fazer parte do Projeto Político Pedagógico da Escola. A produção de um texto final, ou relatório, constitui-se em uma síntese sistemática das reflexões, que expressa o percurso das discussões do grupo. É um documento que, de certo modo, representa a história do grupo e os avanços do próprio professor. O ato de refletir, parar e analisar a prática pedagógica é um ato libertador, por ser instrumento no pensar da prática. Através de reflexão se realiza as constatações, descobertas, reparos, aprofundamentos, fazendo mudar e transformar algo em si mesmo, no outro e na realidade vivida. Transformar isso em expressão no PPP da escola reforça a necessidade da seriedade no trabalho a ser desenvolvido. O conteúdo do material didático pretende ser um instrumento de diálogo entre os professores, sendo os mesmos convidados a assumirem uma postura reflexiva, crítica e formativa sobre as suas ações pedagógicas, tendo a realidade, o cotidiano e as vivências de cada participante como ponto de partida e de chegada e, nesse processo, articular variados saberes, experiências e conhecimentos. Ao se trabalhar em grupo nota-se que a fala de um colega, um olhar de estranhamento, a expressão de uma dúvida, a partilha de uma ideia, uma opinião sobre um assunto possuem uma profunda ligação com questões como cultura, identidade, memória, escolhas, valores e tantos outros conceitos correlatos. Assim o processo educativo deixa de ser paralelo a outras coisas que vivenciamos e se integra a um todo ao qual chamamos de vida. O Autor http://www.docentescep.blogspot.com/ 11 TEXTO 01 O professor e a escola na sociedade contemporânea A docência é um processo complexo que supõe uma compreensão da realidade concreta da sociedade, da educação, da escola, do aluno, do ensino aprendizagem, do saber, bem como um competente repensar e recriar do fazer na área da educação, em suas complexas relação e com a sociedade. (Ildeu Coelho) Nosso mundo é um mundo uno. Mas é um mundo dilacerado. (Roger Garauday) Ser professor é transforma o discente em sujeito do seu tempo. (Alfio Brandemburg) OBJETIVOS - Analisar elementos da sociedade contemporânea que atuam na construção da identidade do professor e influenciam na prática pedagógica e nos procedimentos do dia-a-dia escolar. - Compreender a relação entre as condições de trabalho e a saúde do professor. - Refletir sobre as características da sociedade contemporânea influentes nas rotinas da escola. PASSO A PASSO - Leitura e discussão do texto. - Resolução, em duplas ou trios, das questões sugeridas no item “QUESTIONAMENTOS”. - Socialização das respostas e síntese do grupo. Escolher um participante para anotar as ideias principais. - Orientação para postagem de comentário no Blog (www.docentescep.blogspot.com) sobre o tema discutido ou envio da resposta para o e-mail do coordenador do grupo. http://www.docentescep.blogspot.com/ 12 O trabalho é a identidade básica do ser humano, podendo ser definido como “[...] a intervenção intencional e consciente dos homens na realidade, elemento distintivo do homem dos outros animais” (RIOS 1993, p. 33). Saviani (2006) explica que “a essência humana não é, então, dada ao homem; não é uma dádiva divina ou natural; não é algo que precede a existência do homem. Ao contrário, a essência humana é produzida pelos próprios homens. O que o homem é, é-o pelo trabalho. A essência do homem é um feito humano. É um trabalho que se desenvolve, se aprofunda e se complexifica ao longo do tempo: é um processo histórico” (p. 35). A ação sistemática na escola designa, então, o que se pode chamar de trabalho do professor. É a escola o local primeiro onde a ação docente, junto aos alunos, materializa o ensino. Mas que tipo de trabalho é esse? Saviani (1991, p. 20) esclarece isso, explicando que a educação é um trabalho, situando-se na categoria do trabalho não-material, como produção de ideias, conceitos, valores. Trata-se, em última instância, “da produção do saber, seja do saber sobre a natureza, seja do saber sobre a cultura, isto é, o conjunto da produção humana”. Nessa produção não-material, o ato de produzir e o ato de consumir imbricam-se, diferenciando-se, por exemplo, de atividades – como a produção de livros e objetosde arte – em que o produto se separa do produtor, havendo um intervalo entre produção e consumo. Ao trabalhar, concretizando o ato de ensinar, o professor depende, dentre outras coisas, das condições de trabalho. Tais condições contribuem para a construção da identidade docente e suas variantes são fatores importantes para a formação daquilo que ocorre na prática. Saviani (2008, p. 43) assevera que quando são precárias, “essas condições neutralizam a ação dos professores”, mesmo que estes sejam bem formados (conhecimentos acadêmicos e técnicos). De modo geral, ilustram essas condições precárias as salas de aula lotadas, baixa remuneração, excessiva carga de trabalho, esgotamento físico e, principalmente emocional dos professores, entre outros. Como consequência, há efeitos subjetivos tais como uma forte sensação de impotência, angústia profissional, desalento e baixa autoestima. Há muitos estudos sobre as condições de trabalho e saúde dos professores que comprovam a relação direta entre o aumento de fatores estressores no trabalho e níveis elevados de fadiga, alterações do sono, transtornos depressivos e consumo de medicamentos. No trabalho docente, entre os fatores estressores de maior relevância encontram-se os relacionados ao ambiente de trabalho, conteúdo do 13 trabalho, condições organizacionais, estabilidade no emprego, salário, relações sociais no trabalho, carga de trabalho, autonomia, reconhecimento e valorização profissional. Ou seja, são cada vez mais frequentes classes superlotadas, baixos salários, escassos recursos materiais e didáticos, excesso de carga horária, falta de participação nas políticas e planejamento institucionais. O professor tem, ainda, a obrigatoriedade de desempenhar inúmeras funções dentro do âmbito escolar além de ministrar aulas: disciplinador e solucionador de problemas sociais dos alunos, bem como conflitos ocasionados pela expectativa de pais, administradores e comunidade (GASPARINI, BARRETO, ASSUNÇÃO, 2005). Observa-se que os trabalhadores docentes se sentem obrigados a responder às novas exigências pedagógicas e administrativas, contudo, expressam sensação de insegurança e desamparo tanto do ponto de vista objetivo (faltam-lhes condições de trabalho adequadas) quanto do ponto de vista subjetivo (um exigente carga mental para solucionar problemas). Há que se pensar, no entanto, que o papel da escola não deve ser o de reprodução da sociedade classista, mas antes o lugar da produção, apropriação e socialização do saber. Esta é a tarefa por excelência da escola. De acordo com Saviani (1997, p. 101) “a escola tem uma função específica, educativa, propriamente pedagógica, ligada à questão do conhecimento; e é preciso, pois, resgatar a importância da escola, e reorganizar o trabalho educativo”. Embora a escola não seja a única responsável pela transformação da sociedade e pelas contradições existentes, a partir dela poderá ser construída uma nova consciência que leve à superação do estado de dominação e desemboque na construção de uma nova ordem social, pois, “a escola não é a alavanca da transformação social, mas essa transformação não se fará sem ela” (GADOTTI, 1984, p.73). Assim sendo, se analisada a situação de boa parte das escolas públicas, da perspectiva de condições de existência, há o fato desta apenas cumprir, obedecer e pouco “pensar” (MORAES, p. 53) o processo pedagógico que nela se realiza, não se comprometendo efetivamente com o projeto de emancipação do ser humano. Na sala de aula é comum ocorrer a falta de postura filosófica, pedagógica e administrativa por parte de alguns professores, demonstrando com isso pouco compromisso com a educação e resistência em conhecer as diferentes dimensões do fenômeno educativo (MORAES, p. 53). E isso não pode ser tomado como a única fonte do despreparo profissional docente. 14 Com relação aos alunos, é notável a presença de indisciplina em sala de aula, desatenção sistemática, faltas à aula, baixo aproveitamento do ensino, manifestação de desinteresse e atitudes irresponsáveis, altos índices de desistência e reprovação, entre outros. Com relação aos pais, é elevado o número daqueles que não acompanham a vida escolar do filho e entendem que a sua presença na escola só deve ser feita quando convocado (matrícula, retirada de boletim, problemas de saúde do filho durante o período escolar, etc). Esse panorama pode ser melhor compreendido a partir da crise atual que toma conta do ser humano em dimensões planetárias. Não há este ou aquele indivíduo, sociedade ou nação atingidos por esta crise, mas todos (HOBSBAWM, 2001). A sociedade contemporânea é constituída, pois, por elementos dessa crise. Uma das principais características da sociedade atual é o fato desta ser marcada por profundas transformações: a rapidez de informações e o avanço de novas tecnologias modificaram o modo de pensar e de viver das pessoas. Atualmente, as regras e valores já não possuem mais a mesma rigidez de cinquenta anos atrás. Vive-se em um tempo de quebra de modelos e paradigmas. Moraes (2004, p. 48) explica que na sociedade contemporânea “[...] há uma valorização daquilo que é quantificável, ou seja, dá-se muita importância a aquisição de bens materiais, a expansão, a competição e a obsessão pela tecnologia, decorrentes da valorização do racionalismo crítico, do empirismo e do individualismo e de uma mentalidade manipuladora da era industrial”. Explica também que “vivemos hoje, numa sociedade dominada pelo interesse, pelo lucro, ao mesmo tempo, pela insegurança e pelo medo. Uma sociedade manipulada por interesses políticos, econômicos, sociais e religiosos sem precedentes. Na realidade, vivemos em um mundo cada vez mais globalizado, onde todos nós somos vítimas inocentes dos ataques terroristas e prisioneiros das loucuras alheias. Somos todos vítimas do terrorismo como também de suas represálias. Ao mesmo tempo, somos testemunhas históricas das enormes carências do ser humano, não apenas em termos de conhecimento e educação, mas também de afetividade, amor, solidariedade e espiritualidade” [p. 50]. Já Agostini (2009, p. 118) analisa que a sociedade contemporânea “descambou no utilitarismo, abriu o caminho ao consumismo, cultivou nacionalismos diversos, idolatrou o poder, resvalou num racionalismo fragmentado, cultivou um individualismo crescente, transmutou a liberdade em poder possuir 15 desmedidamente, transformou a razão em instrumentalização técnico-científica, elegeu o mercado como detentor do poder máximo”. De acordo com Rojas (2013) as conquistas técnicas e científicas propiciaram avanços evidentes: a revolução da informática, os progressos da ciência em seus diversos aspectos, uma nova ordem social, uma preocupação com os direitos humanos, a democratização de tantos países etc. Por outro lado, esse mesmo autor sinaliza aspectos da realidade que funcionam mal e que mostram a outra face da moeda: materialismo que faz com que um indivíduo obtenha certo reconhecimento social pelo simples fato de ganhar muito dinheiro; hedonismo em que viver bem a qualquer custo é o novo código de comportamento e significa a morte dos ideais, a ausência de sentido e a busca de uma série de sensações cada vez mais novas e excitantes; permissividade que arrasa os melhores propósitos e ideais; relativismo de tudo, o que leva a regras presididas pela subjetividade; consumismo que representa a fórmula pós-moderna da liberdade. Com isso, valores antes referenciais para a vida em sociedade tornam-se obsoletos, ou configuram atraso em relação às ideias de mercado. Vive-se sem balizas disciplinares e institucionais e o ser humano acaba mergulhando na sua própria subjetividade, na esfera privada, num verdadeiroculto ao individualismo de cunho narcisista, gerando um processo de isolamento e de perda da própria essência humanizadora. Dos meandros dessa realidade sociocultural vai surgindo o novo perfil de ser humano, produto de seu tempo. Rojas (2013) indica que é possível delinear alguns componentes ao perfil desse “novo” ser humano: pensamento fraco, convicções sem firmeza, assepsia nos compromissos, indiferença sui generis feita de curiosidade e relativismo ao mesmo tempo. Esse mesmo autor aponta que a ideologia é o pragmatismo, a norma de conduta, a vigência social: que vantagens leva, o que está na moda; a ética se fundamenta na estatística, substituta da consciência; a moral repleta de neutralidade, carente de compromisso e subjetividade, fica relegada à intimidade, sem se atrever a sair em público. Esses contornos complexos da vida moderna se tornam presentes nas rotinas escolares das mais variadas formas, inclusive por meio das ações docentes. Compreender o contexto mundial, para compreender o contexto local da unidade escolar é processo essencial no desenvolvimento reflexivo da práxis pedagógica. 16 Libâneo, Oliveira e Toschi (1998, p. 598-599) também analisam aspectos da sociedade contemporânea e destacam a importância, nessa nova realidade mundial, que a ciência e a inovação tecnológica adquirem. Estas têm levado os estudiosos a denominarem a sociedade de hoje de sociedade do conhecimento (DRUCKER, 1999), de sociedade técnico informacional (CASTELLS, 1999), de sociedade tecnológica (SANTOS, 1996), outros ainda, seguindo a tradição cronológica, de terceira revolução industrial (KUMAR, 1997). Com essa lógica o conhecimento, o saber e a ciência adquirem um papel muito mais destacado e por isso mesmo as pessoas aprendem na fábrica, na televisão, na rua, nos centros de informação, nos vídeos, no computador e, cada vez mais, vão se ampliando os espaços de aprendizagem. Como consequência, a educação é oferecida como uma mercadoria. Frente a essa realidade do mundo contemporâneo, Libâneo (2002) destaca alguns aspectos importantes sobre o posicionamento docente. Segundo ele, o professor, ao desenvolver sua prática pedagógica diante das transformações atuais, deve: assumir o ensino com mediação; adotar práticas interdisciplinares; conhecer estratégias de ensinar a pensar e ensinar a aprender; mediar os alunos a buscarem uma perspectiva crítica dos conteúdos; desenvolver um processo comunicacional e capacidades comunicativas; reconhecer o impacto das novas tecnologias de comunicação e informação na sala de aula; atender a diversidade cultural; respeitar as diferenças no contexto da escola; participar de formação continuada; integrar ao ensino a dimensão afetiva e desenvolver comportamentos éticos. Observa-se que isso constitui uma gama enorme de exigências que se impõem ao professor, como forma deste concretizar de modo atualizado o ato de ensinar. E é considerando esse contexto cultural, social e econômico, complexo, dinâmico e paradoxal, que a escola pública estadual de educação básica está imersa. Rios (1993, p. 45) aponta que a escola “tem características específicas e cumpre uma função determinada, na medida em que está presente e é constituinte de uma sociedade que se organiza de maneira peculiar, historicamente.” Nesse espaço o professor concretiza sua prática. E assim, vai constituindo a sua identidade. Moraes (2004, p. 221), em estudos sobre um novo paradigma para a educação escolar, propõe que se abandone a identidade “de um professor disciplinador, condicionador, que monopoliza a relação, a informação e a interpretação dos fatos, que sabe impor e induzir respostas, (e se busque) […] formar um novo mestre que saiba ouvir mais, observar, refletir, problematizar 17 conteúdos e atividades, propor situações-problema, analisar 'erros', fazer perguntas, formular hipóteses e ser capaz de sistematizar. É ele o mediador entre o texto, o contexto e o seu produto”. E isso constitui desafios para a formação de identidade docente em consonância com a escola que aí está. Mas que identidade é essa? Como ela se constitui? Qual sua importância enquanto categoria de análise do trabalho docente? REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AGOSTINI, N. Pós-modernidade e ser humano. Revista de Cultura Teológica, fascículo 63, 2008, p. 113-126 CASTELLS, M. A sociedade em rede. São Paulo: Paz e Terra, 1999. DRUCKER,P. F. Sociedade pós-capitalista. 7. ed. Rio de Janeiro: Campus, 1999. GADOTTI, M. Ação pedagógica e prática social transformadora. Educação e Sociedade, v.1, n. 4, p. 5-14, set. 1984. GASPARINI, S. M.; BARRETO, S. M.; ASSUNÇÃO, A. A. O professor, as condições de trabalho e os efeitos sobre sua saúde. Revista Educação e Pesquisa, vol.31, n.2, São Paulo, Mai/Ago. 2005. HOBSBAWM, E. J. Era dos extremos: o breve século XX. São Paulo: Companhia das Letras, 2001. KUMAR, K. Da sociedade pós-industrial à pós-moderna: novas teorias sobre o mundo contemporâneo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997. LIBÂNEO, J. C. Adeus professor, adeus professora?: novas exigências educativas e profissão docente. 6. ed. São Paulo: Cortez, 2002. ______; OLIVEIRA, J. F.; TOSCHI, M. S. Educação escolar: políticas, estrutura e organização. 7 ed. São Paulo: Cortez, 2009. MORAES, M. C. O paradigma educacional emergente. 10 ed. Campinas: Papirus, 2004. RIOS, T. A. Ética e competência. São Paulo: Cortez, 1993. ROJAS, E. O homem moderno: a luta contra o vazio. 22. ed. Curitiba: Editora do Chain, 2013. SANTOS, M. A natureza do espaço: técnica e tempo, razão e emoção. São Paulo: Hucitec, 1996. SAVIANI, D. Escola e democracia: teorias da educação, curvatura da vara, onze teses sobre educação e política. 31. ed. Campinas: Autores Associados, 1997. ______. Pedagogia histórico-crítica: Primeiras aproximações polêmicas do nosso tempo. 7. ed. São Paulo. Autores associados, 2008. 18 PARA REFLETIR I Segundo LIBÂNEO (2004), a função da escola é preparar o aluno para o exercício da cidadania, torná-lo capaz de interferir criticamente na realidade para transformá- la, envolvendo-se diretamente na luta pela justiça social e pela solidariedade humana, proporcionando serviços e resultados de qualidade, para que todos aqueles que passem por ela tenham asseguradas as condições de exercício de liberdade política e intelectual, interagindo e articulando-se com as práticas sociais. A escola necessária para fazer frente a essas realidades é aquela que garante um currículo de formação cultural e científica, que possibilita o contato com a cultura/conhecimento produzido pelo ser humano ao longo da história da humanidade. QUESTIONAMENTOS I 1. Levando em consideração o contexto mundial e local, como o professor que atua na escola percebe o seu papel? 2. Qual é o perfil de quem escolhe a profissão professor hoje? Ou, de quem inicia na profissão docente? 3. Quais as consequências, para a escola, das novas exigências impostas pela sociedade contemporânea? 4. A partir de seu trabalho, que valores o professor pode transmitir e desenvolver no cotidiano da escola, ao trabalhar com seus alunos e na convivência com seus colegas? 5. O que leva muitos professores a se desmotivarem com a educação e, em consequência, a não se comprometerem com um projeto educativo e com o Projeto Político Pedagógico da escola? 6. Em que se situações se percebe o individualismo e o isolamento no trabalho do professor? ATIVIDADE I Acesse o blog www.docentescep.blogspot.com, localize o texto “O professor e a escola na sociedade contemporânea”, clique em Comentários e envie sua opinião sobre o tema abordado. Lembre-se: Pontue as questões pautadas em sua prática pedagógica e conste seu nome e a disciplina que ministra. http://www.docentescep.blogspot.com/ 19 SUGESTÕESI - LIVROS O homem moderno: a luta contra o vazio, de Enrique Rojas (Editora do Chain, 2013). No livro, o autor faz uma reflexão sobre a sociedade atual mencionado drogas, televisão, egoísmo, liberdade, permissividade, cansaço, amor, sexo e muitos outros temas. Apresenta um ser humano descomprometido com o mundo, com os valores e com a moral, capaz de produzir uma realidade, argumentos e opções conforme seus interesses, sendo extremamente manipulado pela mídia, pelo capital, pelo materialismo. O autor aponta caminhos em que a felicidade, o amor e outros valores precisam fazer parte da vida só ser humano. Neste sentido, a obra é m ais uma tentativa de fazer o homem mais feliz interiormente, com espírito de luta, garra e firmeza nos objetivos. Sociedade dos filhos órfãos, de Sergio Sinay (Editora Best Seller, 2012). O autor usa o conceito de órfãos funcionais para explicar a orfandade com pais ainda vivos e faz críticas aos pais que se gabam de serem amigos e, muitas vezes cúmplices de seus filhos, em situações de risco, como o consumo de álcool. Na sociedade atual, em que pais e mães vivem excessivamente atribulados, crianças e adolescentes carecem de orientação, referências, limites e valores que deem sentido às suas vidas. O autor faz um chamado para que seja assumida a responsabilidade da educação dos filhos, tarefa que não cabe exclusivamente às escolas, muito menos às mídias, apresentando uma reflexão extremamente lúcida das consequências dessa omissão, como a violência crescente entre grupo de adolescentes, a obesidade infantil, números estarrecedores de dependentes menores de idade de álcool e outras drogas, etc. 20 LEITURA COMPLEMENTAR I Dermeval Saviani Nasceu em Santo Antônio de Posse –São Paulo, em 1944. Formado em filosofia pela PUC-SP, é doutor em filosofia da educação e livre-docente em história da educação, tendo realizado “estágio sênior” na Itália em 1994-1995. De 1967 a 1970, lecionou nos cursos colegial e normal. Desde 1967, é professor no ensino superior. Autor de grande número de trabalhos publicados, atualmente é professor emérito da UNICAMP e coordenador geral do Grupo Nacional de Estudos e Pesquisas História, Sociedade e Educação no Brasil. Considerado filósofo da educação e/ou pedagogo latu sensu, fundador de uma pedagogia dialética, que denominou Pedagogia Histórico-Crítica. Sempre defendeu de forma sistemática e intransigente a escola pública e preocupou-se com o alcance político da ação pedagógica enquanto estratégia de construção da contra ideologia, sem, no entanto confundir esta ação com uma ação propriamente política. Sua atividade intelectual, sempre a serviço da contra ideologia, destina-se a explicitar valores necessários à libertação dos oprimidos. Esse caráter de solidária militância é um traço fundamental que marca sua obra. Os acontecimentos políticos e os eventos históricos que constituem a história da sociedade brasileira e que direta ou indiretamente marcaram a educação nacional sempre estiveram presentes no pensamento de Saviani, que em todas as obras se preocupou em analisar a prática educacional inserida num processo político-social, com uma visão de organicidade do pensar sobre a ação e sob a perspectiva da globalidade. Outra peculiaridade da obra de Saviani é a grande quantidade de textos elaborados com um objetivo pedagógico, enquanto resposta a sua atuação como professor em sala de aula e sua interação com os alunos. A elaboração destes textos pedagógicos suscitou condições de criação de uma obra que transcende os limites críticos da realidade. (Fontes: http://pt.wikipedia.org/wiki/Dermeval_Saviani http://www.educadores.diaadia.pr.gov.br/arquivos/File/2010/artigos_teses/Pedagogia2/apedhistcritica.pdf ) (Foto: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Demerval_saviani.JPG ) http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Demerval_saviani.JPG http://www.educadores.diaadia.pr.gov.br/arquivos/File/2010/artigos_teses/Pedagogia2/apedhistcritica.pdf http://pt.wikipedia.org/wiki/Dermeval_Saviani 21 TEXTO 02 O professor e a sua identidade Uma instituição não tem cara e não tem alma, não tem histórias... Cara e história têm pessoas que ali trabalham. E são elas que lhe fornecem alma. (Luiz Fernando Veríssimo) Não há educação fora das sociedades humanas e não há homem no vazio. (Paulo Freire) A identidade é resultado a um só tempo estável e provisório, individual e coletivo, subjetivo e objetivo, que, conjuntamente, constroem os indivíduos e definem as instituições. (Claude Dubar) OBJETIVOS - Compreender as razões, os motivos e os interesses que conduzem os sujeitos ao exercício profissional da docência. - Estabelecer as características que compõem a identidade do professor como trabalhador, cientista e educador, na formação inicial e na prática pedagógica escolar. - Analisar as motivações e o grau de satisfação que mantêm os docentes exercendo sua profissão de modo comprometido. PASSO A PASSO - Leitura e discussão do texto. - Resolução, em duplas ou trios, das questões sugeridas no item “QUESTIONAMENTOS”. - Socialização das respostas e síntese do grupo. Escolher um participante para anotar as ideias principais. - Orientação para postagem de comentário no Blog (www.docentescep.blogspot.com) sobre o tema discutido ou envio da resposta para o e-mail do coordenador do grupo. http://www.docentescep.blogspot.com/ 22 É na escola que o professor desenvolve seu trabalho por meio do exercício de sua profissão. Nesse espaço assume a responsabilidade de trabalhar com o conhecimento historicamente elaborado, situando-o sem neutralidade. A prática profissional do professor não é a simples aplicação dos saberes acadêmicos, mas, sim, a realização de um processo de “filtração, onde eles (os saberes) são transformados em função das exigências do trabalho” (TARDIF, 1999, p.17). E a prática pedagógica do professor é concretizada quando realiza o processo de ensino. Mas essa prática não é dada simplesmente, ela precisa ser lapidada e construída por um processo de profissionalização, sendo que é por meio da convivência no cotidiano escolar que o professor vai constituindo sua identidade e concretizando essa profissionalização. Nesse caso, “o termo profissionalização indica o processo de formação de um sujeito numa profissão, que se inicia com a formação inicial e atravessa todos os momentos de formação continuada” (PENIN 2009, p. 25). O professor tem uma atividade que deriva do latim professus, “aquele que declarou em público”, do verbo profitare, “declarar publicamente, afirmar perante todos”. Os dicionários (Aurélio, Luft, Michaelis) definem professor como “aquele que professa ou ensina uma ciência, uma arte, uma técnica, uma disciplina”. Trata-se, então, de um sujeito que se declara apto a ensinar. E o processo de ensinar, ação desse profissional, situa-se numa sociedade determinada, em contextos bem delimitados que necessitam ser compreendidos e avaliados. Nesse sentido, as condições do contexto contribuem ao que se pode denominar como a competência profissional do professor. Esta ocorre na práxis, ou seja, por meio da ação concreta em seu fazer pedagógico. Não se é competente de uma vez por todas, mas “ela (a competência) se amplia na construção coletiva, na partilha de experiências, de reflexão” (RIOS 2001, p.91). E sem prática, não há como conferir competência a quem se denomina professor. Ao realizar sua função com competência, o professor realiza seu papel social que é o de orientador, o do formador de seus alunos por meio do conhecimento. Considerando o professor como sujeito de suas ações não é mais possível associar a docência somente à vocação, ao amor, à abnegação, à doação eà missão, vinculando o ensino como transferência de informação e a aprendizagem, como o recebimento e a armazenagem de informações. Para ser professor, cumprindo seu papel social e construindo-se como sujeito, não basta gostar de ensinar e dominar 23 conhecimentos específicos de determinada área e algumas habilidades técnicas. É preciso algo mais, é preciso articular os conhecimentos elaborados na academia (formação inicial) e as informações do mundo globalizado, com os conhecimentos da prática (formação continuada e experiência). Inclui-se aí a sensibilidade para refletir, atenta, crítica e criteriosamente, as ações do cotidiano. Em consequência, é possível perceber que a identidade do professor vai sendo forjada através de duas perspectivas: uma, a partir da formação adquirida no ensino superior, em curso de licenciatura – a técnica, e a outra, pela formação vivida na prática – a experiência. O professor, enquanto técnico, tem em sua trajetória de formação as instituições de ensino superior, via de regra, que se apoiam no modelo de ‘racionalidade técnica’, onde a resolução de problemas colocados pela prática está relacionada ao domínio e à aplicação de teorias científicas (BOLFER, 2008. p. 46). A racionalidade técnica na formação de professores acaba por defender, simplesmente, a aplicação do conhecimento e do método científico, ou seja, uma racionalidade instrumental. Essa posição, porém, se depara com situações do mundo real que frequentemente são complexas, singulares e imprevisíveis, não apresentando estruturas bem delineadas, mas caóticas e indeterminadas. Em contraposição a isso, nota-se a exigência para a formação docente que leve em consideração uma racionalidade prática, a qual supõe a existência de um professor reflexivo que examina os resultados de suas ações (do ponto de vista pessoal, acadêmico ou sócio-político). Na racionalidade prática, o professor vai aprendendo a ser professor e a como agir na ação. Nesse processo de profissionalização o professor age também de acordo com as representações de suas experiências como aluno, ora imitando os bons professores, ora rejeitando ações pedagógicas consideradas negativas ou inadequadas. Afinal, o professor já tem certa experiência e uma espécie de leitura da docência pelos anos vividos como aluno, na educação básica e no curso de licenciatura. Assim, desenvolve, historicamente, padrões metodológicos que combinam os seus conhecimentos acadêmicos e suas experiências vivenciadas com os alunos, no cotidiano escolar. O conjunto de saberes que explica suas ações e que o identifica na profissão – construído pelo próprio professor – dimensiona a relação que o professor estabelece entre sua formação e sua prática. 24 As experiências docentes, que constituem a historicidade do sujeito, quando valorizadas, possibilitam, no coletivo, refletir e recriar novos conhecimentos. Como consequência, o docente vai forjando sua identidade e cristalizando ações, posturas e modos de pensar o mundo. Afinal, somente a formação técnica (acadêmica) do professor não é suficiente para sua ação pedagógica na docência, tendo em vista que os conhecimentos elaborados a partir da prática são fundamentais para a constituição de sua identidade, sendo que já há um conjunto de procedimentos éticos e morais que precedem a atuação do professor, bem como o contexto social no qual a unidade escolar está situada. Sobre isso, Berger e Luckmann (1985) explicam que a identidade se configura como um elemento chave da subjetividade e da sociedade, formando-se e sendo remodelada através dos processos e relações sociais. As identidades são singulares ao sujeito e produzidas a partir de interações do indivíduo, da consciência e da estrutura social na qual este está inserido, sendo a “identidade um fenômeno que deriva da dialética entre um indivíduo e a sociedade” (p. 230). Pimenta (2012, p. 22) alerta para “a natureza do trabalho docente (que) é ensinar como contribuição ao processo de humanização dos alunos historicamente situados.” Nesse sentido, a atuação competente do professor exige deste os conhecimentos constituídos em sua formação inicial e os conhecimentos que são elaborados em sua prática cotidiana. Essa prática é construída pelas vivências cotidianas na sala de aula e apropriação dos modos de agir da profissão que incluem procedimentos éticos, morais, pedagógicos e sociais. Essa interação possibilita o desenvolvimento pessoal e social do sujeito. A identidade pessoal e a identidade construída coletivamente são essenciais para definir a identidade profissional do indivíduo. A esse respeito Pimenta (1997, p. 07) define que a identidade profissional “[...] se constrói a partir da significação social da profissão e, também, pelo significado que cada professor, enquanto ator e autor confere à atividade docente de situar-se no mundo, de sua história de vida, de suas representações, de seus saberes, de suas angústias e anseios, do sentido que tem em sua vida: o ser professor”. A identidade docente constitui-se então numa construção que envolve o professor em sua individualidade, mas que o envolve, também, como ser histórico e social. Nas reflexões de Dubar (2005), a constituição da identidade é resultante de diferentes socializações, revelando-se produto inacabado marcado por sucessivas 25 transformações. No que diz respeito à construção da identidade profissional de docentes, Gatti (1996) alerta para a necessidade de perceber a ação tanto dos sujeitos construtores quanto das circunstâncias em que tal construção ocorre. Essa identidade profissional, expressão inspirada nos trabalhos desenvolvidos por Dubar (2005), pode ser empregada não somente como a maneira socialmente reconhecida pelos indivíduos de se identificar uns aos outros no campo das atividades remuneradas, mas também, e em especial, como a projeção que os indivíduos fazem de si no futuro, como a antecipação de uma trajetória de emprego a ser viabilizada por certos investimentos na formação. Não se trata simplesmente da escolha de uma profissão ou da obtenção de um certo diploma, mas da construção de estratégias de identificação, que colocam em perspectiva a imagem de si, a apreciação de suas próprias aptidões e capacidades, a realização de seus desejos. Afinal, ao ingressar na profissão docente, o sujeito já tem diante de si um universo de dispositivos legais e regulamentares que delineiam seu estatuto profissional e definem os termos de troca entre tempo e salário. São as legislações prescritas que determinam os modos de atuação na prática pedagógica do professor. Uma dessas leis é a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB 9394/96). À luz da legislação federal, todos aqueles profissionais de Educação Escolar, em particular os das redes oficiais de ensino, que ingressam no serviço público através de concurso público de provas e títulos são, portanto, detentores de cargos públicos e, por isso, têm incumbências enumeradas ou responsabilidades explicitadas pelo Estado. Em seu artigo 13 a LDB estabelece as incumbências aos docentes que são: participar da elaboração da proposta pedagógica do estabelecimento de ensino; elaborar e cumprir plano de trabalho, segundo a proposta pedagógica do estabelecimento de ensino; zelar pela aprendizagem dos alunos; estabelecer estratégias de recuperação para os alunos de menor rendimento; ministrar os dias letivos e horas-aula estabelecidos, além de participar integralmente dos períodos dedicados ao planejamento, à avaliação e ao desenvolvimento profissional; colaborar com as atividades de articulação da escola com as famílias e a comunidade. Nesse artigo da LDB é possível perceber três componentes principaisque atuam na constituição da identidade docente: 1 – posicionamento do professor como 26 aquele a quem incumbe zelar pela aprendizagem do aluno - inclusive daqueles com ritmos diferentes de aprendizagem tomando como referência, na definição de suas responsabilidades profissionais, o direito de aprender do aluno, o que reforça a responsabilidade do professor com o sucesso na aprendizagem do aluno; 2 - associação do exercício da autonomia do professor, na execução de um trabalho próprio, ao trabalho coletivo de elaboração da proposta pedagógica da escola e 3 – ampliação da responsabilidade do professor para além da sala de aula, colaborando na articulação entre escola e a comunidade. Ainda em referência à legislação vigente, de acordo com o artigo 82 da Lei Complementar 007/1977, que dispõe sobre o Estatuto do Magistério do Estado do Paraná, todo professor “tem o dever constante de considerar a relevância social de suas atribuições, cabendo-lhe manter conduta moral, funcional e profissional adequada à dignidade do Magistério”, apresentando um conjunto de normas a serem observadas pelos docentes em sua ação pedagógica na escola pública. Vale ressaltar que esta lei foi implantada em um contexto de restrição de liberdades democráticas e forte intervencionismo político (Ditadura Militar), ficando bastante evidenciados os preceitos morais e políticos daquele momento histórico. Essas incumbências, articuladas a outros elementos mais particulares da unidade escolar, como o Projeto Político Pedagógico, o Regimento Escolar e o Regulamento Interno compõem as obrigações, normas e deveres do trabalho prescrito do professor, sendo estes “aspectos que antecedem a realização do trabalho e que os professores precisam levar em consideração para desenvolvê-lo” (ALVES, 2010. p. 149). No entanto, em se tratando do que ocorre no cotidiano escolar, é comum observar que a atividade docente de planejar, estudar e organizar o ensino confundem-se com as atividades de compreender como o aluno aprende, vencer a falta de motivação do aluno, gerenciar conflitos, fazer cursos, preencher documentos, etc. Tudo isso contribui para a elaboração de formas de perceber a escola e de como a identidade docente vai se constituindo. Nota-se que na construção da identidade do professor tem havido, por falta de análise mais apurada, um certo empobrecimento do conteúdo do seu trabalho, tendo em vista ser comum o professor deparar-se, nas diversas realidades escolares, com atividades de resolução de questões acessórias ou secundárias em detrimento das essenciais. De certo modo, o professor se torna gestor dos conflitos alheios e vítimas de seus 27 próprios conflitos, dificultando que a reflexão de sua ação, na sua ação, ocorra de modo adequado. O cotidiano escolar, repleto de atividades desgastantes, consomem tempo e energia, não possibilitando que o professor realize uma reflexão crítica sobre a própria atuação. Quando se observa esse cotidiano do trabalho do professor verifica-se que este está imerso em atividades escolares com os alunos que parecem prolongamento dos cuidados da família, protegendo os mais fracos e desvalidos, ocupando o tempo ocioso das ruas, atendendo as necessidades básicas (através da alimentação, das merendas, bolsa-escola), e, eventualmente, provendo conhecimentos e formação cultural. Com isto, pode-se dizer que aspectos importantes na relação educacional e docente vem sofrendo modificações. A realidade de trabalho na escola vem mudando, assim como a própria escola. Afinal, esta já não é mais a mesma como há algumas décadas, assim como os alunos, que depositam outras expectativas e atribuem outros valores à instituição. Por outro lado, como destaca Enguita (1991) “[...] os educadores podem ser mártires, mas isso não garante que sejam santos”, pois o funcionamento do ensino público, somada à relativa autonomia de cada docente no exercício de seu trabalho permite que seus rendimentos e esforços individuais se movam em graus de grande amplitude. As atitudes e os comportamentos do professor, explica o autor, não são iguais, podendo ir desde uma alta preocupação com seu trabalho, um desejo constante de atualização, uma elevada responsabilidade etc. até a passividade, a rotina e a aplicação da lei do menor esforço mais absolutas. Há ainda, professores que preferem trabalhar apenas o mínimo, conformando-se em receber pouco, em troca de não dar mais. Com esse comportamento, degradam a imagem de sua categoria e cerceiam as oportunidades daqueles que trabalham mais duramente sem ver reconhecido o valor de seu trabalho. Enguita (1991, p. 60) ainda considera que “[...] um setor do professorado encontra em sua vocação e responsabilidade estímulo suficiente para render adequadamente em seu trabalho; para estes, o problema é simplesmente de justiça: que seu bom trabalho seja reconhecido e recompensado. A questão é que a organização do corpo docente, como a de qualquer outro, não pode estar baseada na presunção da boa vontade individual e carecer de meios para atuar quando esta não exista; ao contrário, deve estar organizada à prova da pior vontade, ou da falta de qualquer vontade, e contar com os meios para recompensar a boa e, onde não 28 exista, criá-la ou aproximar-se dos mesmos resultados através de outras motivações”. Por isso, é importante questionar: como construir uma identidade docente que seja científica, educadora e política? REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALVES, W. E. O trabalho dos professores: saberes, valores, atividade. Campinas: Papirus, 2010. BERGER, P. L. ; LUCKMANN, T. A construção social da realidade: tratado de sociologia do conhecimento. 6 ed. Petrópolis: Vozes, 1985. BOLFER. M. M. M. de O. Reflexões sobre prática docente: estudo de caso sobre formação continuada de professores universitários. 237 f. Tese de Doutorado em Educação da Universidade Metodista de Piracicaba, Piracicaba, 2008. (mimeo) BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação: Lei nº 9.394/96 – 24 de dez. 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Brasília, 1998. DUBAR, C. A socialização: construção das identidades sociais e profissionais. São Paulo: Martins Afonso, 2005. ENGUITA, M.F. A ambiguidade da docência: entre o profissionalismo e a proletarização. Revista Teoria & Educação, Porto Alegre, n. 4, p. 41-61, 1991. GATTI, B. Os professores e suas identidades: o desvelamento da heterogeneidade. Cadernos de pesquisa, São Paulo, n.98, p. 85-90, ago. 1996. PARANÁ. Lei Complementar 007/1977 – Estatuto do Magistério, 22 de dezembro de 1976. Dispõe sobre o Estatuto do Magistério Público do Ensino de 1º e 2º graus, de que trata a Lei Federal n.º 5.692, de 11 de agosto de 1971, e dá outras providências. DIOE: 13/01/1977. PENIN, S; Profissão docente e contemporaneidade. In ARANTES, V. A. (Org.). Profissão docente: pontos e contrapontos. São Paulo: Summus, 2009. p. 16-39. PIMENTA, S. G. Saberes pedagógicos e atividade docente. 8 ed. São Paulo: Cortez, 2012. ______. Formação de professores: saberes da docência e identidade do professor. Nuances, vol III, Presidente Prudente, 1997, p.05 – 14. PLACCO, V. M. N. de S. Perspectivas e dimensões da formação e do trabalho do professor. In: Simpósio: A formação docente sob diversos olhares e o compromisso com a inclusão social, 2006. RIOS, T. A. Ética e Competência. São Paulo: Cortez, 1993. SAVIANI, D. Pedagogia histórico-crítica: Primeiras aproximações. Polêmicas do nosso tempo. 7. ed. São Paulo. Autores associados, 2000. TARDIF, M; LESSARD, C. O trabalho docente: elementos para uma teoria da docência como profissão de interações humanas. 7 ed. Petrópolis: Vozes, 2012. 29 PARA REFLETIR II O ser professor se estabelece pela representação construídaa respeito da escola e da docência, de forma que se torna um produto da própria experiência individual, estabelecido a partir das práticas sociais em que cada sujeito se constituiu. O sujeito se significa em relação a alguma coisa e o significado, tão indispensável ao homem, não se faz no vazio. O ser professor se institui pelas práticas e nos discursos acadêmicos, sociais, escolares, históricos (FAISTEL, Ana Luisa Klein - A construção da identidade nos discursos de professoras, p. 34) António Nóvoa (1992) explica que a identidade do professor “é um lugar de lutas e conflitos, é um lugar de construção de maneiras de ser e de estar na profissão”. Portanto, discutir, analisar e debater a formação profissional e pessoal constitui a própria formação da identidade do professor. QUESTIONAMENTOS II 1. De onde vem o interesse pela profissão docente? Que motivações conduzem os sujeitos ao magistério? 2. Baseado na sua vivência e no seu cotidiano, como descreveria a realidade escolar a um estudante de Licenciatura? 3. De modo geral, quais são os valores presentes nos discursos e na prática dos professores? 4. Quais seriam as atividades escolares que competem ao professor e que atividades são desenvolvidas na escola que podem ser consideradas acessórias ou secundárias em relação a sua verdadeira função no ensino? 5. Em que medida o ambiente e a cultura da escola interferem no fazer pedagógico do professor? ATIVIDADE II Acesse o blog www.docentescep.blogspot.com, localize o texto “O professor e a sua identidade”, clique em Comentários e envie sua opinião sobre o tema abordado. Lembre-se: Pontue as questões pautadas em sua prática pedagógica e conste seu nome e a disciplina que ministra. http://www.docentescep.blogspot.com/ 30 SUGESTÃO II - FILME O Substituto (Detachment, 2011. EUA, Drama, 97 min). Henry Barthes é um professor brilhante com um verdadeiro talento para se conectar com seus alunos. Em outro mundo, ele seria um herói para sua comunidade. Mas, assombrado por um passado conturbado, ele escolhe ser professor substituto - nunca na mesma escola por mais que algumas semanas, nunca permanecendo tempo suficiente para formar qualquer relação com os alunos ou colegas. Uma profissão perfeita para alguém que busca se esconder ao ar livre. Quando uma nova missão o coloca numa decadente escola pública, o isolado mundo de Henry é exposto por três mulheres que mudam a sua visão sobre a vida: uma estudante, uma professora e uma adolescente fugitiva. O filme expõe, de modo atual e sincero, a realidade de um professor numa escola com um meio social complicado. De certa forma, explora os desejos dos professores, aquelas motivações primárias que os encaminharam à profissão – a vontade de ajudar e marcar a diferença –, e depois o seu cair na realidade, no desespero, na pressão por resultados forçadamente positivos, conformando-se com a inaptidão de alunos desinteressados e pais indiferentes. Retrata, de forma crua, a realidade pessoal e social, os sentimentos mais íntimos de vidas sofridas, relacionamentos interpessoais insanos, um ambiente escolar dramático, o fracasso de uma política educativa concebida em escritórios de políticos, famílias que somente agravam a tragédia na vida dos adolescentes. Junto ao protagonista aparecem outros professores e diretores escolares, desencantados, decepcionados, frustrados, em algum caso próximo já da demência. Os problemas dos outros somente acrescentam mais carga de culpa, de vergonha, de desespero. Sem confiança, sem esperança, sem horizonte nem rumo, o professor acaba se transformando em vítima da vida, em objeto de chacota, de humilhação por parte de todos. Não tem nada para oferecer para os adolescentes porque não tem vida própria, somente um se arrastar dia após dia pela realidade hostil e violenta. Neste tempo complexo e difícil somente os indiferentes sobrevivem, mas isso é vida? O Substituto é um filme provocativo, que impacta e conduz, diante desse mundo caótico e complicado, a formulação de inúmeros questionamentos. 31 LEITURA COMPLEMENTAR II Maurice Tardif É filósofo, sociólogo e investigador canadense. Professor da Universidade Laval, em Quebec, e da Universidade de Montreal, onde leciona sobre a história do pensamento pedagógico. É membro de diversos grupos, comissões e associações de investigação sobre o trabalho docente e participa com frequência de debates internacionais sobre as reformas do ensino e da escola. Suas pesquisas são voltadas para evolução e a situação da profissão docente, além da formação de professores e os conhecimentos de base da docência. Para o autor, a docência é uma profissão de interações humanas. Nesta perspectiva, segundo Tardif, as ações do professor se constituem de forma completamente diferente de qualquer outra profissão. “Esse profissional precisa realizar um trabalho interativo com os alunos, como objetos de sua ação docente”. Esta interação constante e intensa entre os atores da educação é que norteará o trabalho na sala de aula. Assim, “o planejamento pedagógico se dará em um processo dialético, contínuo e em constante elaboração, considerando o pensamento do aluno e compondo, através da observação e da intervenção, o contexto das ações na sala de aula”, ensina Tardif. É na mesma linha de Paulo Freire que Tardif vê o professor como agente de mudanças e intelectual engajado. Contextualiza a prática docente com a cultura local, abrindo possibilidades de entendimento de como os saberes docentes são construídos. Para o autor, o saber também é um “constructo social, produzido pela racionalidade concreta dos atores, por suas deliberações, racionalizações e motivações que constituem a fonte de seus julgamentos, escolhas e decisões”. (Fonte: http://antonioluceni.blogspot.com.br/2011/06/maurice-tardig.html) (Foto: http://mestrado2010-lpii.blogspot.com.br/2010/10/memorias.html ) http://mestrado2010-lpii.blogspot.com.br/2010/10/memorias.html http://antonioluceni.blogspot.com.br/2011/06/maurice-tardig.html 32 TEXTO 03 O professor e a sua prática: do habitus ao conceito de profissionalidade Do diálogo entre o já adquirido e o que ora se adquire, e uma certa nuance do devir, surgem sincretismos que correspondem à emergência de uma nova dimensão do ser, não estática, nunca terminada, sempre sujeita a mudanças, a reconstruções identitárias. (Ricardo Vieira) A presença no mundo não é a de quem a ele se adapta, mas a de quem nele se insere. É a posição de quem luta para não ser apenas objeto, mas sujeito também da Historia. (Paulo Freire) É na inconclusão do ser, que se sabe como tal, que se funda a educação como processo permanente. Mulheres e homens se tornaram educáveis, na medida em que se reconheceram inacabados. (Paulo freire) OBJETIVOS - Compreender as atribuições delegadas e as ações concretizadas pelo professor no cotidiano da sala de aula. - Refletir sobre as práticas docentes que constituem o habitus profissional. - Compreender as relações pedagógicas que se estabelecem na escola por meio do diálogo e troca de experiência. - Analisar a prática do professor sob a perspectiva da profissionalidade. - Estabelecer relação entre a atuação do professor, sua identidade profissional e as condições de trabalho no cotidiano da escola. PASSO A PASSO - Leitura e discussão do texto. - Resolução, em duplas ou trios, das questões sugeridas no item “QUESTIONAMENTOS”. - Socialização das respostas e síntese do grupo. Escolher um participante para anotar as ideias principais. - Orientação para postagem de comentário no Blog (www.docentescep.blogspot.com) sobre o tema discutido ou envio da resposta para o e-mail do coordenador do grupo. http://www.docentescep.blogspot.com/33 É no contexto mundial da sociedade contemporânea, e também local, de lógica capitalista, com forte presença da ideologia neoliberal, que a escola pública de educação básica do Paraná está situada e onde configura-se o espaço de formação da identidade docente do professor. As questões econômicas, de mercado, entram na escola por meio de mecanismos que causam, entre outras coisas, problemas de repetência, evasão dos alunos e, ao professor, um desânimo e adoecimento físico e mental. E este quadro não pode servir de tônica única para a formação política do professor, visto que o fazer pedagógico do professor não pode ser deixado de lado, assim como a consciência política não pode ser desvinculada da ação do professor. A consciência política alivia as culpabilizações emocionais individuais e coletivas e contribui para construir autoestima com a profissão, identificar-se com o fazer pedagógico docente e entender também os limites da ação profissional. Como já foi mencionado, é por meio de sua atuação que o professor vai constituindo sua práxis e os saberes da experiência. Estes, como exercício da prática cotidiana da profissão, são fundados no trabalho e no conhecimento do meio. “São saberes que brotam da experiência e são por ela validados. Incorporam-se à vivência individual e coletiva sob a forma de habitus e de habilidades, de saber fazer e de saber ser” (TARDIF, 1991. p. 220). Dialogar com os saberes da experiência, que têm origem na prática cotidiana do professor em confronto com as condições de trabalho, se torna fundamental para compreender que eles "...não são saberes como os demais, eles são, ao contrário, formados de todos os demais, porém retraduzidos, 'polidos' e submetidos às certezas construídas na prática e no vivido" (TARDIF, 1991. p. 232). O processo de construção dos saberes da prática não é automático. Dominar tais saberes não garante a competência técnica e política da ação docente. Uma das formas de compreender como esse processo se realiza é trabalhar com a categoria de habitus de Bourdieu. Tal categoria pode ser compreendida no contexto de trabalho do professor como disposições adquiridas na e para a prática real, e que permitem ao professor enfrentar os desafios imponderáveis da profissão, constituindo a condição básica para um novo profissionalismo. Habitus é conceito capaz de conciliar a oposição aparente entre realidade exterior e as realidades individuais. 34 Pensar a relação entre indivíduo e sociedade, entre professor e escola, com base na categoria habitus implica afirmar que o individual, o pessoal e o subjetivo são simultaneamente sociais e coletivamente orquestrados. O habitus é uma subjetividade socializada (BOURDIEU, 1992, p. 101). Analisar a ação docente, tendo como base e ferramenta a categoria habitus, propicia a compreensão da relação que se estabelece entre os condicionantes sociais exteriores (condições de trabalho do professor, por exemplo) e a subjetividade dos sujeitos (formas de proceder em sala de aula, por exemplo). Habitus não é fatalidade. Habitus é consequência de uma trajetória de vida que auxilia a pensar as características de um ser social (no caso, o professor) e que se materializa como um sistema de disposições ora consciente ora inconsciente de suas escolhas (no caso, a práxis docente). Por meio do conceito habitus entende-se “o processo de constituição das identidades sociais no mundo contemporâneo, uma vez que o habitus passa a ser o social incorporado” (SETTON, 2002, p. 33). Bourdieu (2004, p. 134) assevera que o habitus é produto da inculcação exercida pelas condições objetivas de existência, e este ao ser incorporado através de um processo longo, é transformado em uma forma de ser, pensar e agir presente em cada indivíduo, oportunizando uma quebra entre individuo e sociedade, sendo o habitus o princípio não escolhido de tantas escolhas que desespera os nossos humanistas As atividades que são desenvolvidas na escola, coordenadas pelo professor, criam o ser social. O meio utilizado são as estratégias educacionais que são movidas pelos habitus tanto do professor (com seus saberes adquiridos e incorporados na sua trajetória de vida) como dos alunos e esses vão sendo mobilizados durante todo o processo educacional. Setton (2001, p.61) explica habitus como “uma matriz cultural que predispõe os indivíduos a fazerem suas escolhas.” Assim, pode se compreender que o habitus profissional do professor é constituído antes mesmo de sua inserção no espaço escolar. Uma vez desenvolvendo sua práxis pedagógica e construindo seus saberes docentes, o professor pode questionar seu habitus, buscando compreender, por meio da reflexão, a sua própria ação. Com isso, construir novo habitus a partir de ações experienciadas na prática. A partir da categoria habitus é possível compreender o sujeito no mundo. Nesta perspectiva, há uma tendência em reduzir a prática docente a uma prática 35 individualizada. A crise que ocorre nas instituições sociais afeta sobremaneira o fazer pedagógico docente. Afinal, o processo de globalização acompanhado ao avanço tecnológico tem provocado alterações significativas na sociedade atual. O destaque é a individualização, a luta pelos direitos individuais e a busca pela afirmação da identidade. Perceber o professor e desvelar sua ação docente no interior da escola é percebê-lo neste contexto altamente globalizador, na perspectiva de indivíduo e sujeito ativo no processo de seu trabalho. A finalidade da educação escolar na sociedade tecnológica, multimídia e globalizada, grosso modo, é trabalhar os conhecimentos científicos e tecnológicos, desenvolvendo aptidões para operá-los, revê-los e reconstruí-los. Inegável o papel do professor para conduzir de modo competente e coerente este processo. Ao analisar a prática educativa do professor, há que se levar em consideração os seus processos de formação e desenvolvimento profissional, haja vista que sua função docente abrange enorme quantidade de atribuições e atividades. Enquanto prática social, a educação ocorre em inúmeras instituições da sociedade, mas é na escola, enquanto processo sistemático e intencional, que esta ocorre com destaque. E é justamente no trabalho do professor que este processo acontece. Assim, no trabalho com seus alunos, o professor assume uma responsabilidade que é pedagógica, ao mesmo tempo que é social e política. A formação profissional do professor é construída, pois, por diversificadas experiências que compõem e fundamentam a prática pedagógica. Construir-se professor requer, desde a formação inicial, a constante reflexão do que se faz, como se faz e como deveria ser feito. Esse movimento de construir e reconstruir a prática pedagógica resulta no processo dialético que norteará a formação profissional Nas atuais tendências investigativas sobre a docência, a constituição da profissionalidade do professor vem emergindo como uma temática relevante, que tem como referência os contextos e processos envolvidos na constituição do ser professor. Sacristán (1995, p. 65) entende a profissionalidade como, “[...] a afirmação do que é específico na ação docente, isto é, o conjunto de comportamentos, conhecimentos, destrezas, atitudes e valores que constituem a especificidade de ser professor”. De acordo com Ambrosetti e Almeida (1999) o conceito de profissionalidade sugere uma nova perspectiva para a docência visando compreendê-la, em sua complexidade, como uma construção que se dá nas 36 relações entre os indivíduos e os espaços sociais nos quais exercem sua atividade profissional. Na perspectiva da profissionalidade os professores
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