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Ascite Ascite Deriva da palavra grega askos, que significa saco. Desse radical se derivou “askites”. É o acúmulo de líquido livre de origem patológica na cavidade peritoneal. Fisiopatologia Embora a origem do líquido que se acumula na cavidade peritoneal possa variar (plasma, bile, sangue, suco pancreático, líquido intestinal, linfa, urina, etc.), a grande maioria das ascites tem como causa a cirrose hepática. São fatores determinantes da ascite na cirrose hepática: - Diminuição da síntese de albumina, devido à lesão do hepatócito, com consequente hipoalbuminemia e queda da pressão coloidosmótica. - Hipertensão portal com considerável aumento da pressão hidrostática. Esses dois fatores levam à ruptura do equilíbrio entre as forças que comandam as trocas através das paredes capilares, provocando a transudação de líquido na cavidade abdominal. A fibrose hepática gera obstrução ao fluxo sanguíneo intra-hepático, levando à hiperfiltração na região sinusoidal hepática (que é amplamente permeável a líquido e proteínas por apresentar endotélio descontínuo). O aumento da pressão intra-sinusoidal gera aumento na formação de linfa. A hipoalbuminemia contribui para a formação de líquido intersticial. Quando a hiperfiltração excede a capacidade de retorno linfático, ocorre porejamento ou saída de fluido da superfície hepática para a cavidade peritoneal gerando ascite, com consequente queda do volume intravascular efetivo. - Retenção de sódio e água. A hipertensão portal leva a uma vasodilatação arteriolar, com vasodilatação da circulação esplâncnica), fato percebido pelos barorreceptores locais, que sinalizam com aumento de renina- angiotensina-aldosterona, ativação do sistema simpático e elevação da vasopressina (ADH), o que levaria, em conjunto, à retenção renal de água e sódio. O volume plasmático nos cirróticos, apesar de aumentado, é ineficaz (queda do volume intravascular efetivo – que estimula os receptores de volume), levando também à retenção de água e sódio pelos rins. Anamnese Questionar o tempo de aparecimento (em geral, o início insidioso tem pior prognóstico do que o agudo, pois não é associado com fatores curáveis). Pesquisar fatores de risco: Álcool (tipo de bebida, uso diário ou não, quantidade ingerida e tempo de uso); b) Exposição anterior aos vírus das hepatites crônicas (HP de hepatite e de icterícia, transfusões sanguíneas, uso de plasma e drogas intravenosas); c) Uso anterior de drogas farmacológicas com potencial hepatotóxico; d) Exposição ocupacional a substâncias hepatotóxicas; e) História familiar de insuficiência hepática sem causa conhecida. Em geral, a ascite não-complicada, associada com cirrose hepática, não produz dor abdominal e a presença dessa queixa pode indicar a existência de peritonite bacteriana espontânea ou apontar para outra causa para a ascite (tuberculose peritoneal, neoplasias, ascite pancreática, ascite hemorrágica). Ascite com retenção de água e sódio geralmente eleva o peso do paciente. Em caso de perda de peso, deve-se pensar em um grande catabolismo acompanhando o quadro (cirrose avançada, tuberculose peritoneal e neoplasias). Exame Físico do Abdômen Inspeção O aspecto do abdômen na ascite depende da quantidade de líquido contido na cavidade peritoneal, do grau de tonicidade dos músculos abdominais e da posição do paciente. Ascite de pequeno volume – abdômen de aparência normal ou ligeiramente distendido; Ascite de grande volume – abdômen globoso. Nesta situação, a distância entre o umbigo e a sínfise púbica é menor do que aquela entre a cicatriz umbilical e o apêndice xifoide. A pele é lisa e brilhante, podendo apresentar estrias. Quando a ascite é de médio a moderado volume e o tônus da musculatura abdominal está diminuído, o abdômen tende a cair sobre as regiões crurais quando o doente se coloca de pé – abdômen em avental ou em pêndulo. Nessa situação, quando o paciente está em decúbito dorsal, o abdômen tende a se alargar nos flancos em consequência do alojamento da ascite nessas regiões – abdômen de batráquio. A cicatriz umbilical no abdômen ascítico comumente é plana, mas nos casos de grandes derrames peritoneais, o umbigo pode apresentar-se proeminente, como dedo em luva. Hérnias, diástase dos músculos retos abdominais e edema escrotal também podem ser verificados. Nas grandes ascites, os pacientes tendem a inclinar o tronco para trás, acentuando a lordose lombar, a fim de manterem o equilíbrio alterado pelo grande volume de seu ventre. Percussão e palpação Para que a ascite possa ser detectada na percussão do abdômen, são necessários cerca de 1.500 mL de líquido coletado na cavidade peritoneal. A ultrassonografia do abdômen é capaz de detectar até 100 mL de líquido ascítico. Com o paciente em decúbito dorsal, o líquido ascítico ocupa os flancos e a parte posterior do abdômen, rechaçando as alças intestinais para a parte anterior e a central. A macicez no flanco é um dos sinais úteis para a pesquisa das ascites de pequeno volume. O sinal da macicez móvel é outro recurso propedêutico útil na pesquisa da ascite, de importância equivalente à macicez no flanco. Percutimos o flanco até encontrar uma região claramente maciça. Fixamos esse ponto e solicitamos ao paciente que assuma o decúbito lateral do lado oposto ao que estamos percutindo. Nova percussão no ponto fixado revela som timpânico devido ao deslocamento do líquido, por gravidade, para o lado contralateral. Esse sinal é o método do exame físico mais útil para do diagnóstico da ascite e raramente deixa de ser obtido nas ascites pequenas, médias e grandes. O sinal do piparote ou da onda de fluido não é útil para o diagnóstico das ascites pequenas, sendo obtido com maior nitidez nas ascites médias e grandes (em geral acima de 5 litros). Devemos colocar uma das mãos espalmada sobre um dos flancos, enquanto no flanco contralateral damos um “piparote”. O piparote provoca uma onda no líquido ascítico cujo choque contra a parede pode ser sentido pela mão espalmada do outro lado. Nas ascites de menor volume, parede abdominal edemaciada ou com excessivo panículo adiposo, esse sinal deve ser pesquisado com a colaboração de um ajudante (que pode ser o próprio paciente), que coloca sua mão com a margem cubital apoiada sobre a linha média do abdômen. Essa manobra visa impedir a passagem cutânea da onda de percussão pela parede abdominal, permitindo apenas que a onda de fluido se propague. Semicírculos de Skoda Devemos percutir o abdômen a partir da região timpânica para a região maciça. Na presença de ascite, a região timpânica estará localizada na parte central do abdômen (pelo acúmulo de alças intestinais nesse local, rechaçadas pelo líquido ascítico). Percutimos, portanto, da cicatriz umbilical, de forma radiada, em direção aos flancos e à região hipogástrica. Em determinado ponto, a percussão torna-se maciça (na transição entre as alças intestinais e o líquido ascítico). Marcamos esse ponto imaginário e repetimos a manobra em outras direções marcando cerca de 5 pontos (2 pontos em cada flanco e 1 no hipogástrio). A união imaginária desses pontos forma um semicírculo que terá concavidade voltada para cima na ascite. Diagnóstico diferencial Cisto de ovário, bexigoma e gravidez possuem macicez na região central do abdômen e timpanismo nos flancos – concavidade voltada para baixo. Sinal do rechaço ou do tímpano Visto na aula de palpação do fígado. Ausculta É um recurso propedêutico que não contribui muito para o diagnóstico da ascite, pois a interpretação dos sons requer, em geral, muita atenção e prática. Sinais do duplo tom; Sinal da poça (puddle). Exame clínico Edema a) Hepatopatia crônica: concentra-se nos membros inferiores e abdômen, raramente chegando aos membros superiores e ao rosto. b) Nefropatia: edema distribuído pelo corpo, atingindo o rosto (edema matutino predominante) e os membros superiores. c) Cardiopatia: edema distribuído pelo corpo, podendochegar aos membros superiores, mas raramente atingindo o rosto. Sinais de insuficiência hepática na cirrose: aranhas vasculares, eritema palmar, sinais de feminilização (queda dos pêlos, ginecomastia). Em 6% dos pacientes com cirrose e ascite, podemos detectar a presença do derrame pleural. Em cerca de 70% das vezes, o derrame pleural ocorre do lado direito, devido principalmente a defeitos do diafragma que permitem a passagem do líquido do abdômen para o espaço pleural. O balanço das pressões favorece a passagem do líquido apenas no sentido abdômen-pleura e não no sentido contrário. Contribuem para esse fenômeno a pressão negativa do espaço pleural e a maior pressão abdominal gerada pelo líquido acumulado e pela descida do diafragma durante a respiração. É importante notar que o derrame pleural está em equilíbrio com a ascite e seu controle depende do controle da ascite. No paciente com ascite, o espaço pulmonar ocupado pelos pulmões no tórax é menor devido à elevação das cúpulas diafragmáticas pelo líquido ascítico. Pode haver falsa macicez nas bases apenas por esse motivo. O ictus cardíaco pode estar elevado em relação à sua posição normal, devido ao deslocamento do coração. Diagnóstico diferencial Principais causas: cirrose hepática (80-90%), carcinomatose peritoneal, insuficiência cardíaca e peritonite tuberculosa. Diagnóstico laboratorial A análise do líquido ascítico é a melhor abordagem para a definição diagnóstica no estudo da ascite. Todo caso de ascite de recente começo ou de recente piora deve ser Paracentese abdominal Propedêutica: pesquisar a presença de líquido na cavidade peritoneal e/ou obtenção de líquido ascítico para análises laboratoriais. Terapêutica: esvaziar a ascite com finalidades terapêuticas. De alívio: aliviar o paciente dos sintomas compressivos e daqueles decorrentes do aumento da tensão abdominal (ascites volumosas). Paracentese abdominal Pontos de punção: Ponto situado nas proximidades da união do 1/3 externo com os 2/3 internos da linha imaginária que vai da cicatriz umbilical à espinha ilíaca ântero-superior E; Na linha alba avascular, mais ou menos na metade da distância entre o umbigo e a sínfese púbica (após o esvaziamento da bexiga). Exames do líquido ascítico Principais: contagem celular, gradiente soro-ascite de albumina (GSAA), Gram e cultura (balão de hemocultura). Opcionais: proteína total, LDH, glicose e amilase. Suspeita de determinadas doenças específicas: citologia oncótica (neoplasias), BAAR, cultura e ADA (tuberculose), triglicérides (ascite quilosa), bilirrubina (escape de bile). GSAA = albumina soro – albumina ascite Tem correlação direta com a pressão portal. Quanto maior o GSAA, tanto maior a pressão portal. GSSA > 1,1 g/ dL sugere hipertensão portal. Outros métodos diagnósticos - Laparoscopia com biópsia de peritônio: útil nas ascites de etiologia não esclarecida. Ultrassonografia: muito sensível, detectando até 100 mL de líquido na cavidade peritoneal. Pode fornecer dados sobre a etiologia da hipertensão portal e sobre o aspecto macroscópico do fígado. Tomografia computadorizada: pode ajudar na suspeita de carcinomatose peritoneal (implantes nodulares ou espessamento irregular do peritônio parietal) e de tuberculose peritoneal (espessamento peritoneal e do grande omento). Complicações Peritonite bacteriana espontânea Cultura do líquido ascítico positiva para apenas um agente microbiano e contagem de PMN acima de 250/mm3. A patogênese parece centrar-se no fenômeno da translocação bacteriana da flora intestinal. A atividade opsônica do líquido ascítico relaciona-se diretamente com a proteína da ascite. Dessa forma, apenas nas ascites com baixo teor de proteínas há risco de desenvolvimento da PBE. Peritonite secundária Cultura positiva para múltiplos organismos. PMN superior a 250/ mm3. Há fonte intra-abdominal para a infecção tratável cirurgicamente (perfuração intestinal, abscesso perinefrético, etc.). Hérnias (umbilical, incisional, inguinal e femoral). Hidrotórax hepático Ascite tensa Hiponatremia
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