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ELETROMAGNETISMO Sidney Cerqueira Bispo dos Santos Problemas de valor de fronteira em eletroestática Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: � Interpretar as equações de Poisson e Laplace para o potencial eletroestático. � Relacionar resistência e capacitância nos materiais. � Determinar o princípio fundamental do método das imagens. Introdução O eletromagnetismo estuda as interações que surgem entre os campos elétricos e magnéticos gerados por cargas elétricas. Esses campos podem surgir no espaço livre ou na matéria. Existem diversas formas de se calcular o campo elétrico: normal- mente, utiliza-se as leis de Gauss ou de Coulomb, quando se conhece a distribuição de cargas, ou o relacionamento entre o potencial e o campo elétrico, quando se conhece o potencial de uma região. Infelizmente, o que acontece é que, na maioria das situações de interesse prático, não se conhece o potencial elétrico, nem a distribuição das cargas. Neste capítulo, analisaremos situações referidas como problemas de valor de fronteira em eletroestática, onde as cargas e os potenciais são conhecidos apenas nas fronteiras de algumas regiões determinadas, e se quer calcular o campo elétrico E e o potencial V, nessa região. Esses tipos de problemas normalmente são resolvidos por meio de equações (de Poisson e Laplace) ou do método das imagens. Abordaremos, também, a utilização da equação de Laplace para calcular o valor da resistência de materiais ou a capacitância de um capacitor. Identificação interna do documento EFJB2XFV1E-IJJCN61 Equações de Poisson e Laplace Para chegarmos às equações de Poisson e Laplace, é necessário utilizarmos a lei de Gauss para um meio linear, dada por: � ∙ D = � ∙ εE = ρv (1) onde D é o vetor densidade de fluxo elétrico, E é o vetor campo elétrico, ε é a permissividade do material e ρv é a distribuição de cargas em um volume. Precisamos, também, da equação que nos permite obter o campo elétrico, independente da lei de Gauss, se o potencial for conhecido: E = –�V (2) onde o campo elétrico E é igual ao gradiente do campo potencial V. O sinal negativo indica que o campo elétrico tem direção contrária à do crescimento do potencial elétrico. Combinando-se as equações (1) e (2), tem-se que: � ∙ (–ε�V) = ρv (3) que pode ser utilizada para cálculos em qualquer meio. Se este for homo- gêneo, ela pode ser escrita como: �2V = – ρvε (4) que é a chamada equação de Poisson. Quando uma região está livre de cargas (ρv = 0), chegamos à equação de Laplace, que é um caso especial da equação de Poisson. Fazendo a distribuição de cargas, na equação (4), igual a zero, ela se torna: �2V = 0 (5) Problemas de valor de fronteira em eletroestática2 Identificação interna do documento EFJB2XFV1E-IJJCN61 A equação (3) é a de Poisson para meios não homogêneos. A equação (4) é para meios homogêneos, onde ε é o mesmo em qualquer região considerada. Mas, para uma região onde a distribuição de cargas é zero, ela se torna a equação de Laplace para meios não homogêneos. O Laplaciano é definido como a soma das derivadas parciais segundas da função na direção de cada eixo coordenado. A equação (5), por exemplo, em coordenadas cartesianas, se torna: ∂2V ∂x2 ∂2V ∂y2 + ∂ 2V ∂z2 + = 0 (6) Se o zero, do lado direito da equação (6), for substituído por – ρv ε , essa equação se torna a equação de Poisson. Formas da equação de Laplace A parte esquerda da equação de Laplace, equação (5), é a divergência do gradiente de V. Podemos, então, explicitar essa equação para alguns sistemas de coordenadas. Em coordenadas cartesianas, pode-se escrever: �V = ∂V∂x ax+ ∂V ∂y ay+ ∂V ∂z az = 0 (7) Assim como um campo vetorial genérico S pode ser escrito como: � ∙ S = ∂Sx ∂x + ∂Sy ∂y + ∂Sz ∂z = 0 (8) Chega-se à equação de Laplace em coordenadas cartesianas: �2V = ∂ 2V ∂x2 ∂2V ∂y2 + ∂ 2V ∂z2 + = 0 (9) 3Problemas de valor de fronteira em eletroestática Identificação interna do documento EFJB2XFV1E-IJJCN61 Em coordenadas cilíndricas, será igual a: (r )�2V = 1r 1 r2 ∂ ∂r ∂V ∂r ∂2V ∂φ2 ∂2V ∂z2+ + = 0 (10) Já em coordenadas esféricas: (r2 )�2V = 1r2 ∂ ∂r ∂ ∂θ ∂V ∂r ∂2V ∂φ(sen θ ) ∂V ∂θ+ + 1 r2sen θ 1 r2sen2 θ = 0 (11) Essas equações são de enorme importância na resolução de muitos pro- blemas envolvendo não só a eletroestática, como também o magnetismo, a dinâmica de fluidos, a condução térmica, entre muitos outros. Unicidade das soluções da equação de Laplace Uma questão que frequentemente é colocada a respeito da equação de Laplace é a unicidade de suas soluções, já que existem diversos métodos para resolução dos problemas de valor de fronteiras utilizando essas equações. Sadiku (2004, p. 194) apresenta o teorema da unicidade, que diz: “[...] se uma solução para a equação de Laplace que satisfaz as condições de fronteira pode ser encon- trada, então essa solução é única [...]”. Portanto, isso nos garante que qualquer solução encontrada para a equação de Laplace, que satisfaça as condições de fronteira, será uma solução adequada. O teorema da unicidade, ao exprimir que qualquer solução da equação de Laplace que satisfaça, também, às condições de fronteira, deve ser a única solução existente, podendo conduzir a dúvidas em determinadas situações. Por exemplo, se tivermos um plano condutor em x = 0 com uma tensão de 50 V, tanto a solução V1 = 50 como V2 = 5x + 50 satisfarão à exigência de 50 V em x = 0 e, também, à equação de Laplace. Nesse caso, deve-se ter em mente que simplesmente especificar um único plano condutor com uma tensão específica e sem nenhuma referência não caracteriza completamente as condições de fronteira numa região definida. Problemas de valor de fronteira em eletroestática4 Identificação interna do documento EFJB2XFV1E-IJJCN61 Resistência e capacitância Cálculo da resistência de um condutor com seção reta não homogênea A resistência de um condutor com seção reta uniforme é dada pela equação: R = V I (12) Entretanto, se a seção reta não for uniforme, a equação (12) não pode ser utilizada, e será necessário calcular a resistência, utilizando a equação (13): R = ∫ E · dl∮σE · dS (13) A solução dessa equação pode ser tratada como um problema de fronteira. Após escolher um sistema de coordenadas para se trabalhar (cartesianas, cilíndricas ou esféricas), e que facilite a solução do problema, admita que a diferença de potencial entre os terminais do condutor é V0. Resolva a equação (5), a equação de Laplace, e calcule V. Em seguida, determine o campo elétrico, utilizando a equação (2), e calcule a corrente por meio de: I = ∮σE · dS (14) Em seguida, calcule R, por meio da equação (12): R = V0 I onde V0 é um valor assumido. Cálculo da capacitância de um capacitor Um capacitor normalmente é composto de duas placas condutoras, carregadas eletricamente com a mesma carga, mas com polaridades opostas e separadas por um dielétrico ou espaço livre. Podemos generalizar o conceito de capa- citor, considerando qualquer par de condutores com cargas iguais e opostas, separados por um dielétrico ou espaço livre. 5Problemas de valor de fronteira em eletroestática Identificação interna do documento EFJB2XFV1E-IJJCN61 Devido ao fato de os condutores apresentarem cargas iguais e opostas, surge um campo elétrico cujo fluxo sai de um condutor e termina na superfície do outro. Considere um capacitor de dois condutores, como mostrado na Figura 1, a seguir, que apresentam uma diferença de potencial V entre eles, ou seja: V = V1 – V2 = –∫ 1 2 E · dl (15) onde E é o campo elétrico, dl é um comprimento infinitesimal, 1 é o condutor carregado positivamente, e 2 é o condutor carregado negativamente. Define-se a capacitância C como a razão entre o módulo da carga de um dos condutores (lembre-se de que as cargas são iguais) e a diferença de potencial entre eles, ou seja: C = Q V = ε ∫ E · dS ∫ E · dl (16) Figura 1. Capacitor de doiscondutores. + Q ++++ – Q –– – – E 2 + V – 1 Podemos calcular a capacitância, para qualquer par de condutores, por meio da equação de Laplace, obtendo Q em função de V , ou pela lei de Gauss, obtendo V em função de Q. A sequência para o cálculo é simples: primeiro, escolha o sistema de coor- denadas que facilite seu cálculo; associe uma carga Q , com sinais opostos, aos condutores; determine E, por meio da lei de Coulomb ou de Gauss; em seguida, calcule V , utilizando a equação (15) e, finalmente, encontre C, com o uso da equação (16). Problemas de valor de fronteira em eletroestática6 Identificação interna do documento EFJB2XFV1E-IJJCN61 Capacitor de placas paralelas Suponha um capacitor de placas paralelas, com áreas iguais a S e separadas por uma distância d, como mostrado na Figura 2. Quando a separação entre as placas é pequena em relação às suas dimensões, podemos supor um plano infinito e desprezar os efeitos de borda ou o espraiamento das linhas de fluxo do campo elétrico, ou seja, podemos considerar que o campo elétrico E, entre as placas, pode ser considerado uniforme. Figura 2. Capacitor de placas paralelas. Fonte: Sousa (2017?, documento on-line). Va Vb d E + Q – Q + – + – + – + – + – + – + – + – + – Assumindo as placas carregadas com cargas Q opostas, e uniformemente distribuídas sobre elas, temos que: ρs = Q S (17) Além disso: D = ρs = –εE (18) Considerando um dielétrico homogêneo de permissividade ε, teremos: E = – ρs ε Q εS= (19) 7Problemas de valor de fronteira em eletroestática Identificação interna do documento EFJB2XFV1E-IJJCN61 onde o sinal negativo aparece porque o sentido das linhas do campo elétrico é contrário à densidade de fluxo elétrico. Calculando a diferença de potencial entre as placas a e b, utilizando a equação (15), temos: V = Va – Vb = –∫ a b E ∙ dl = –∫ d 0 dx = [ ]– QεS QdεS (20) Como, pela equação (16): C = Q V temos que: C = εS d (21) Isso nos mostra que a capacitância só depende de uma constante (ε) e das dimensões do capacitor, além de que nos permite uma forma de calcular a constante dielétrica de um determinado material dielétrico, por meio da medida de capacitâncias. Primeiro, mede-se a capacitância C0 com o ar entre as placas e, depois, a capacitância C com o espaço entre as placas preenchidas com material dielé- trico. Então, por meio da equação (21) e devido ao fato de que ε = εr εo, temos: dC S dC0 S= εr Simplificando: εr = C C0 (22) Podemos, também, deduzir a equação da energia armazenada no capacitor, utilizando a equação (SADIKU, 2004): W = 12 1 2∫ D · E dv = ∫ ε0 E 2 dv Chega-se a: W = CV2 = QV =12 1 2 Q2 2C (23) Problemas de valor de fronteira em eletroestática8 Identificação interna do documento EFJB2XFV1E-IJJCN61 Capacitor coaxial Um capacitor coaxial é composto de um núcleo cilíndrico e uma casca cilín- drica, igual ao mostrado na Figura 2. Ele é semelhante a um cabo coaxial, mas com um comprimento especificado. Para efeito de análise, considere os dois condutores apresentados na Figura 3, a seguir, com raios internos a e b, espaços entre eles preenchidos com mate- rial dielétrico homogêneo e permissividade ε e comprimento L. Considere, também, que o condutor interno esteja carregado com carga +Q e o externo com carga –Q. Desprezando o espraiamento das linhas de fluxo nas bordas e utilizando a lei de Gauss, em um cilindro imaginário de raio r entre os condutores, teremos: Q = ε ∮ E · ds = εEr2�rL (24) Ou seja: E = Q 2�εrL ar (25) onde ar é o vetor unitário na direção de r. Figura 3. Capacitor coaxial. Fonte: Electrical Library (2017, documento on-line). + Q a L b – Q 9Problemas de valor de fronteira em eletroestática Identificação interna do documento EFJB2XFV1E-IJJCN61 A tensão pode ser calculada da seguinte forma: Q 2�εrL ar[ ]V = –∫ E · dl= –∫ab ∙ dr ar V = Q2�εL ln b a (26) Como a capacitância é igual a C = Q/V, temos: C = 2�εL ln b a (27) Método das imagens Quando se quer evitar os cálculos envolvidos na utilização das equações de Poisson ou Laplace, normalmente se procura utilizar um método chamado de “método das imagens”, que leva em consideração a superfície equipotencial do condutor. Esse método não se aplica a todos os problemas de eletroestática. Entretanto, quando pode ser utilizado, reduz bastante a complexidade da solução. A teoria da imagem, segundo Sadiku (2004, p. 226): [...] estabelece que uma dada configuração de carga próxima a um plano infinito condutor perfeito aterrado pode ser substituída pela própria con- figuração de carga, por sua imagem e por uma superfície equipotencial no lugar do plano condutor. Assim, na solução de alguns problemas de eletroestática, podemos consi- derar as seguintes premissas: 1. Podemos utilizar o método das imagens para problemas que envolvem cargas na proximidade de condutores elétricos perfeitos. Problemas de valor de fronteira em eletroestática10 Identificação interna do documento EFJB2XFV1E-IJJCN61 2. Levamos em consideração que os bons condutores apresentam o mesmo potencial ao longo de seu volume. 3. Cargas de mesma magnitude e sinais opostos geram tensão nula no plano de simetria entre elas. Na realidade, o método funciona como se um plano condutor perfeito fosse um espelho que refletisse a carga de forma simétrica e invertida, e o plano tivesse potencial igual a zero, como mostrado na Figura 4, a seguir. Figura 4. a) Uma configuração de cargas qualquer sobre um plano condutor infinito. b) Equivalente utilizado no método das imagens. (a) +2 +2 +6 –2 Condutor Superfície equipotencial v=0 v=0 –6 –6 ρ ρ –ρ (b) Para aplicar o método das imagens, é preciso satisfazer a duas condições: � As cargas refletidas (imagens) devem estar dentro da região condutora — isso é necessário para satisfazer a equação de Poisson. � A reflexão das cargas deve ser de tal modo que resulte em um poten- cial zero ou constante na superfície condutora — isso garante que as condições de contorno serão satisfeitas. Vamos examinar um exemplo. Consideramos um ponto A = (2, 0, 1) na superfície de um plano condutor em y = 0 e uma linha de cargas com ρ = 20 nC/m, paralela ao eixo x e que passa pelo ponto (0,2,0), como mostrado na Figura 5a. 11Problemas de valor de fronteira em eletroestática Identificação interna do documento EFJB2XFV1E-IJJCN61 Figura 5. a) Linha de cargas sobre um plano condutor. b) Linha de cargas adicionada após a remoção do plano. (a) (b) 2 2 –2 2 2 1 1 x x y y z z A(2,0,1) A(2,0,1) ρL = 20 nC/m ρL = 20 nC/m ρL = –20 nC/m Para calcular o campo elétrico, remove-se o plano e insere-se uma linha de cargas imagem de –20 nC/m em (0, –2, 0), conforme mostrado na Figura 5b. Pode-se, agora, obter o campo no ponto A, utilizando o teorema da su- perposição dos campos. O vetor r+, que vai da linha de cargas positivas até o ponto A, é dado por r+ = –2 ay + az , e o vetor r–, que vai da linha de cargas negativas até o ponto A, é dado por r– = 2 ay + az. Assim, a contribuição de cada campo para o campo elétrico total é dada por: E+ = ρ 2�ε0R+ ar+ = 20 × 10–9 2�ε0√5 –2ay + az √5 e 20 × 10–9 2�ε0√5 –2ay + az √5 E– = Somando as duas contribuições, obtém-se: E = –80 × 10–9 ay 2�ε05 = –287,6 ay V/m Esse é o campo em A nos dois esquemas apresentados na Figura 5. Pode-se verificar que o campo elétrico resultante é perpendicular ao plano condutor. Se quisermos calcular a densidade de fluxo elétrico, basta fazer: D = ε0E = – 2,55ay nC/m 2 Problemas de valor de fronteira em eletroestática12 Identificação interna do documento EFJB2XFV1E-IJJCN61 ELECTRICAL LIBRARY. 2017. Disponível em: <http://www.electricallibrary.com/ 2017/08/18/resistencia-capacitancia-indutancia-impedancia-e-reatancia>. Acesso em: 11 maio 2017. SADIKU, M. N. O. Elementos de eletromagnetismo. 3. ed. Porto Alegre: Bookman, 2004. SOUSA, A. S. Apostila de física III para engenheiros. [2017?]. Disponível em: <http:// www.ebah.com.br/content/ABAAAANuQAJ/apostila-fisica-iii-engenheiros?part=11>.Acesso em: 11 maio 2017. Leituras recomendadas HAYT JR., W. H.; BUCK, J. A. Eletromagnetismo. 8. ed. Porto Alegre: AMGH, 2013. MACHADO, K. D. Teoria do eletromagnetismo. Ponta Grossa: UEPG, 2002. NOTAROS, B. M. Eletromagnetismo. São Paulo: Pearson, 2012. REGO, R. A. Eletromagnetismo básico. Porto Alegre: LTC, 2010. SILVA, C. E. S. et al. Eletromagnetismo: fundamentos e simulações. São Paulo: Pearson, 2014. WENTWORTH, S. M. Eletromagnetismo aplicado: abordagem antecipada das linhas de transmissão. Porto Alegre: Bookman, 2008. WENTWORTH, S. M. Fundamentos de eletromagnetismo. Porto Alegre: LTC, 2006. 13Problemas de valor de fronteira em eletroestática Identificação interna do documento EFJB2XFV1E-IJJCN61
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