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MÓDULO DE: PSICOPATOLOGIA E EXAMES PSICOLÓGICOS AUTORIA: LUCIANA GENELHÚ ZONTA Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 2 Módulo de: Psicopatologia e Exames Psicológicos Autoria: Luciana Genelhú Zonta Primeira edição: 2009 CITAÇÃO DE MARCAS NOTÓRIAS Várias Marcas Registradas São Citadas No Conteúdo Deste Módulo. Mais Do Que Simplesmente Listar Esses Nomes E Informar Quem Possui Seus Direitos De Exploração Ou Ainda Imprimir Logotipos, O Autor Declara Estar Utilizando Tais Nomes Apenas Para Fins Editoriais Acadêmicos. Declara ainda, que sua utilização tem como objetivo, exclusivamente na aplicação didática, beneficiando e divulgando a marca do detentor, sem a intenção de infringir as regras básicas de autenticidade de sua utilização e direitos autorais. E Por Fim, Declara Estar Utilizando Parte De Alguns Circuitos Eletrônicos, Os Quais Foram Analisados Em Pesquisas De Laboratório E De Literaturas Já Editadas, Que Se Encontram Expostas Ao Comércio Livre Editorial. Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 3 Apresentação A relevância da Psicopatologia concentra-se na contribuição que a mesma presta a todo o grupo das ciências humanas, colabora com psiquiatras, psicólogos e sociólogos. Até mesmo o historiador tem necessidade de conhecer os princípios fundamentais da Psicopatologia, pois somente assim poderá descrever e compreender determinados comportamentos de líderes políticos que tentaram mudar os destinos da humanidade. Não será exagero afirmar que o político profissional precisa conhecer Psicopatologia, porque de posse desses conhecimentos, estará em condições de interpretar comportamentos anormais de graves consequências para o país (PAIM, 1993). Objetivo Compreender os principais sintomas das doenças psicológicas e relacionà-los aos exames psicológicos. Ementa História da Psicopatologia. Desenvolvimento da Personalidade. Psicopatologia e psicologia do normal. Escolas principais da psicopatologia. Funções Psíquicas Elementares e suas alterações. Psicopatologia e doença mental. Transtornos por uso de substâncias. Transtornos psicóticos. Transtornos da personalidade. Testes psicológicos e suas práticas. Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 4 Sobre o Autor Possui graduação em Administração de Empresas pela Universidade Federal do Espírito Santo (2002). É especialista pela PUC/SP em Economia e Gestão das Relações de Trabalho (2004). Mestranda em Administração, pela FUCAPE Business School (2009). Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 5 SUMÁRIO UNIDADE 1 .............................................................................................................................. 8 Contextualização Histórica .................................................................................................... 8 UNIDADE 2 ............................................................................................................................ 12 PSICOPATOLOGIA E CONTEMPORANEIDADE............................................................... 12 UNIDADE 3 ............................................................................................................................ 20 DESENVOLVIMENTO DA PERSONALIDADE ................................................................... 20 UNIDADE 4 ............................................................................................................................ 37 Psicopatologia e psicologia do normal ................................................................................ 37 UNIDADE 5 ............................................................................................................................ 47 Funções Psíquicas e suas alterações ................................................................................. 47 UNIDADE 6 ............................................................................................................................ 54 Funções Psíquicas Elementares e suas alterações (vivências espaciais e temporais, senso-percepção e representações, memória) ................................................................... 54 UNIDADE 7 ............................................................................................................................ 57 Funções Psíquicas Elementares e suas alterações (Afetividade e humor) ......................... 57 UNIDADE 8 ............................................................................................................................ 61 Funções Psíquicas Elementares e suas alterações (PENSAMENTO)................................ 61 UNIDADE 9 ............................................................................................................................ 68 Classificação das Doenças Psicológicas - Introdução ........................................................ 68 UNIDADE 10 .......................................................................................................................... 73 Detalhamento das Doenças Psicológicas - NEUROSE ...................................................... 73 UNIDADE 11 .......................................................................................................................... 93 Detalhamento das Doenças Psicológicas – PSICOSE ....................................................... 93 UNIDADE 12 ........................................................................................................................ 115 Detalhamento das Doenças Psicológicas - ESQUIZOFRENIA ......................................... 115 UNIDADE 13 ........................................................................................................................ 126 EXEMPLOS CLÍNICOS ..................................................................................................... 126 UNIDADE 14 ........................................................................................................................ 133 Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 6 Detalhamento das Doenças Psicológicas – AUTISMO ..................................................... 133 UNIDADE 15 ........................................................................................................................ 145 Classificação das doenças psicológicas ........................................................................... 145 UNIDADE 16 ........................................................................................................................ 148 Detalhamento das Doenças Psicológicas – DEPRESSÃO ............................................... 148 UNIDADE 17 ........................................................................................................................ 164 Detalhamento das Doenças Psicológicas - CLAUSTROFOBIA ....................................... 164 UNIDADE 18 ........................................................................................................................ 165 Detalhamento das Doenças Psicológicas - DOENÇAS PSICOSOMÁTICAS .................. 165 UNIDADE 19 ........................................................................................................................ 179 Detalhamento das Doenças Psicológicas – SÍNDROME DE BOURNOT ......................... 179 UNIDADE 20 ........................................................................................................................ 181 Detalhamento das Doenças Psicológicas -TRANSTORNO BIPOLAR............................. 181 UNIDADE 21 ........................................................................................................................184 Detalhamento das Doenças Psicológicas - SÍNDROME DE MUNCHAUSEN .................. 184 UNIDADE 22 ........................................................................................................................ 188 Detalhamento das doenças Psicológicas - SÍNDROMES MANÍACAS ............................. 188 UNIDADE 23 ........................................................................................................................ 189 Detalhamento das Doenças Psicológicas – TRANSTORNO DE PERSONALIDADE BORDERLINE ................................................................................................................... 189 UNIDADE 24 ........................................................................................................................ 191 Detalhamento das Doenças Psicológicas – XENOFOBIA ................................................ 191 UNIDADE 25 ........................................................................................................................ 192 Detalhamento das Doenças Psicológicas - TRANSTORNO HIPOCONDRÍACO ............. 192 UNIDADE 26 ........................................................................................................................ 194 Detalhamento das Doenças Psicológicas – TRANSTORNO OBSESSIVO COMPULSIVO .......................................................................................................................................... 194 UNIDADE 27 ........................................................................................................................ 197 OS TESTES PSICOLÓGICOS E SUAS PRÁTICAS ......................................................... 197 UNIDADE 28 ........................................................................................................................ 204 TESTES PSICOLÓGICOS E SUAS PRÁTICAS ............................................................... 204 UNIDADE 29 ........................................................................................................................ 209 Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 7 Instrumentos psicológicos utilizados em seleção profissional ........................................... 209 UNIDADE 30 ........................................................................................................................ 214 VISÃO GERAL DE TESTES PSICOLÓGICOS ................................................................. 214 GLOSSÁRIO ........................................................................................................................ 226 BIBLIOGRAFIA .................................................................................................................... 227 Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 8 UNIDADE 1 Objetivo: Oferecer instrumentos teóricos para o estudo e a reflexão da psicopatologia, visando à compreensão crítica do conteúdo Contextualização Histórica A análise etimológica da palavra "Psicopatologia" é composta de três termos gregos: psychê, que produziu psique, psiquismo, psíquico, alma; pathos, que resultou em paixão, excesso, passagem, passividade, sofrimento, assujeitamento, patológico e logos, que resultou em lógica, discurso, narrativa, conhecimento. Psicopatologia seria, então, um discurso sobre o sofrimento psíquico; sobre o padecer psíquico. O atual cenário psicopatológico representa a evolução de um contexto histórico-político marcado por várias fases, cada uma com referências próprias e diferentes perspectivas teórico-clínicas. Na Grécia pré-socrática, o sofrimento psíquico era um castigo dos deuses irritados com a hybris dos homens (Pessotti, 1995). Platão dá uma visão completamente nova da psychê ao considerá-la como composta por três almas: uma racional, o logos, uma afetivo-espiritual e uma terceira que seria apetitiva. Para Platão, a loucura atestaria o desarranjo no equilíbrio das três componentes da psychê, fazendo com que a parte racional, o logos, perdesse o controle. A visão medieval da loucura está intimamente associada, ou mesmo identificada, à possessão demoníaca. Esta perspectiva ganha espaço à medida que a hegemonia do cristianismo se impõe. Enquanto no século XVII às categorias platônicas são acrescentadas às teorias da loucura, o século XVIII é marcado por uma psicopatologia desordenada. As classificações são ora Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 9 extremamente abrangentes, o que as torna pouco úteis, ora drasticamente limitadas, tornando-as de difícil confirmação. No início do século XVIII o pensamento médico em relação às "doenças do espírito" e a prática do internamento permaneceram estranhos um ao outro; no final desse século as duas correntes - pensamento e prática - sofrem uma primeira convergência, embora não se tratasse ainda de uma conscientização de que os internos eram doentes (Foucault apud Ceccarelli, 2005). Desse modo, a psicopatologia atravessou diversas etapas em sua evolução, porém, são considerados dois grandes momentos revolucionários na sua história que se relacionaram mais à atitude da sociedade em relação ao psicopata do que aos progressos intrínsecos dessa ciência. O primeiro com a postura de Philippe Pinel1 estudioso que abordou as doenças mentais como resultado da exposição excessiva ao estresse psicológico e social, em oposição às opiniões tradicionais repletas de misticismo e discriminação. Já no final do século XX ocorreu o segundo, quando tendências agrupadas sob a denominação genérica de antipsiquiatria (loucura como fenômeno social) passaram a recomendar o fim dos manicômios e a integração do psicopata à sociedade, mediante técnicas específicas. A partir do século XIX, adotou-se uma perspectiva essencialmente anátomo-clínica, ou seja, voltada para a descrição clínica e a busca de lesões orgânicas causadoras do quadro mórbido. Fase diversa se inicia com o advento da psicanálise, na qual se consagra uma posição, adotada por Freud2, que descarta os fundamentos somáticos das perturbações mentais e afirma que os pensamentos humanos são desenvolvidos, obtendo acesso à consciência, por processos diferenciados, relacionando tal ideia à de que a sistemática do nosso cérebro trabalha essencialmente com o campo da semântica, isto é, a mente desenvolve os pensamentos num sistema intrincado de linguagem baseados em imagens, as quais são meras representações de significados latentes. 1 Médico, pioneiro no tratamento dos doentes mentais, considerou as doenças mentais como resultados de tensões sociais e psicológicas excessivas, de causa hereditária, ou ainda originadas de acidentes físicos, desprezando a crendice entre o povo e mesmo entre os médicos de que fossem resultado de possessão demoníaca 2 Médico, com interesses pelo inconsciente e pulsões, entre outros, foi influenciado por Charcot e Leibniz, abandonando a hipnose em favor da associação livre. Estes elementos tornaram-se bases da Psicanálise Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 10 No início do séc. XX surge outro tipo de abordagem, o behaviorismo de John B. Watson3 para quem grande parte dos quadros mórbidos ou patológicos admite interpretação em termos de aprendizagem. Daí deriva a prática de implantar controles que visam à inibição da conduta desajustada. A corrente fenomenológica se caracteriza metodologicamente pela intenção de captar o significado da relação assumida entre o paciente e o mundo. Nessa abordagem, omite-se a referência aos processos neurofisiológicos e se considera básica a noção de referência intencional, numa dimensão existencial. Assim, a psicopatologia chega à contemporaneidade, tema da Unidade 2. Complemente sua leitura com os textos abaixo listados. LEITURA COMPLEMENTAR CARRARA, K.Behaviorismo Radical: crítica e metacrítica. São Paulo: FAPESP, 1998. Disponível em: http://www.cemp.com.br/novo/dados/upload/Origens%20do%20Behaviorismo.pdf FACCHINETTI, C. Philippe Pinel e os primórdios da Medicina Mental. Rev. latinoam. psicopatol. fundam. [online]. 2008, vol.11, n.3, pp. 502-505. ISSN 1415-4714. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_pdf&pid=S1415- 47142008000300014&lng=en&nrm=iso&tlng=pt THA, F. Representação e pensamento na obra freudiana: preliminares para uma abordagem cognitiva. Ágora (Rio J.) [online]. 2004, vol.7, n.1, pp. 109-128. ISSN 1516-1498. 3 Ficou muito conhecido pela publicação do chamado "manifesto behaviorista": um conjunto de palestras publicadas em forma de artigo em 1913 no qual defendeu o abandono da introspecção e a adoção da observação direta do comportamento como o único método possível para uma psicologia científica. O manifesto behaviorista coordenou muitas das manifestações esparsas que já vinham criticando o método introspectivo e se tornou um marco histórico na psicologia Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 11 doi: 10.1590/S1516-14982004000100007. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S151614982004000100007&script=sci_abstract STRAPASSON, B. A. John B. Watson, o cuidado psicológico do infante e da criança: possíveis conseqüências para o movimento behaviorista. Fractal, Rev. Psicol. [online]. 2008, vol.20, n.2, pp. 629-636. ISSN 1984-0292. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_pdf&pid=S198402922008000200023&lng=en&nrm =iso&tlng=pt Links Relacionados Laboratório de Psicopatologia Fundamental – PUC/SP http://www.psicopatologiafundamental.org/ Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_serial&pid=1415-4714 Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 12 UNIDADE 2 Objetivo: Contextualizar a psicopatologia no cenário atual. PSICOPATOLOGIA E CONTEMPORANEIDADE Tânia Maria José Aiello Vaisberg Como sabemos, a Psicopatologia é uma disciplina teórica que fundamenta ações psiquiátricas, psicoterapêuticas, psicodiagnósticas e psicoprofiláticas. Os autores concordam em atribuir à obra de Jaspers (1913), Psicopatologia Geral, o papel de marco inaugural, o que nos permite considerar que se trata de uma ciência relativamente nova, com cerca de um século de existência. Etimologicamente, o termo significa estudo do sofrimento psíquico. Trata-se, portanto, de um modo moderno de focalizar uma questão absolutamente antiga e essencial, a do sofrimento que parece inerente à condição humana (Ferry, 2007). Entretanto, sendo, de fato uma ciência humana, a Psicopatologia não é um campo unificado de saber, mas abrange, antes, uma grande diversidade de hipóteses, explicações e teorias, que se vinculam a diferentes referenciais teóricos. Cada referencial, por sua vez, não se limita às suas afirmações manifestas, mas assenta-se sobre determinadas visões do que é o homem, do que é o mundo, do que é o processo de produção de conhecimento. Em outros termos, partem de ontologias, antropologias e epistemologias distintas. Deste modo, não nos deve surpreender o fato de terem sido identificados nada menos do que catorze enfoques teóricos da psicopatologia (Ionescu,1994). Entretanto, um grande número de estudiosos reconhece que o campo pode ser bem organizado, em seu estado atual, a partir da distinção de três grandes correntes: a neurobiológica, a psicanalítica e a sociológica. Enquanto a primeira privilegiaria a importância Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 13 causal da dimensão orgânica e a terceira apostaria na produção social do sofrimento psíquico, a psicanálise tanto ignoraria os determinantes somáticos como os sociais, para destacar o papel do aparelho psíquico. Estas três correntes são, muitas vezes, consideradas à luz das afinidades que mantém com ideologias políticas, de modo que os organicistas são considerados de direita, os sociólogos de esquerda e os psicanalistas como esquerdistas que tem deslizado, ao longo dos anos, para o centro (Zefaradian,1988). Ainda que bastante popular esta divisão em três correntes não deixa de ser simplista e até certo ponto ingênua, uma vez que tributária de uma visão positivista segundo a qual cada ciência tem direitos de exclusividade sobre determinados objetos. Além disso, está basicamente não atualizada, uma vez que não é correto identificar a Psicanálise à metapsicologia clássica. Assim, o ramo que detém o domínio do corpo biológico clamaria pela “posse” do fenômeno do sofrimento psíquico numa luta contra sociólogos e psicanalistas que, estudando a sociedade ou a mente inconsciente, fariam idêntica reivindicação. No entanto, se considerarmos que o fenômeno humano é uma complexidade não passível de ser reduzida a elementos mais simples, mas um todo, que deve ser abordado como tal, chegará à conclusão de que as diferentes ciências humanas, entre as quais se deveriam incluir a biologia humana, lidam com um mesmo e único fenômeno (Bleger, 1963). Nesta perspectiva, cessam as disputas em favor do reconhecimento de que tanto há espaço para uma biologia, como para uma psicanálise ou uma sociologia voltadas, todas elas, ao estudo do sofrimento psíquico-emocional. Sendo assim, nenhuma descoberta em qualquer desses campos de conhecimento, anularia os outros dois, tornando-os inúteis ou supérfluos. Por outro lado, o uso ideológico de um ou outro modelo, seja para negar a concorrência das dimensões sociais, seja para negar o valor da subjetividade individual, seja para negar a importância do corpo, será mais facilmente neutralizado, se prevalecer uma lucidez epistemológica. A constituição da Psicopatologia, como ciência moderna, ligou-se, fundamentalmente, à crença, já existente, de que o sofrimento psíquico teria, forçosamente, uma base material. Mais do que uma hipótese, esta era e é, para muitos, uma convicção que, entretanto, não Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 14 garantiu a descoberta imediata da etiologia da maior parte das chamadas doenças mentais, cuja causalidade continua, em sua maior parte, obscura. Passaram-se algumas décadas antes que se tornasse aceita a idéia de que a sociedade desempenhava importante papel na produção do sofrimento psíquico (Miles,1981). Hoje é claro para a maioria dos estudiosos que o fato de existirem determinantes orgânicos não anula a importância das condições concretas da vida social no surgimento de manifestações psicopatológicas. Deste modo, não surpreende que as relações existentes entre Psicopatologia e contemporaneidade possam interessar tanto a clínicos como a pesquisadores. Um fenômeno chama, desde o inicio, nossa atenção. Trata-se do fato de ocorrer uma relativa diminuição dos quadros mais conhecidos e melhor definidos, vale dizer, da neurose e da psicose, em favor de um aumento expressivo dos chamados quadros limites ou borderlines. O tema já foi bastante explorado por autores da estatura de um Bergeret (1974), que sistematizou uma Psicopatologia Psicanalítica tripartite, seguindo indicações freudianas, no interior da qual distinguia as estruturas neurótica e psicótica, ligadas fundamentalmente a angústias de fragmentação e castração, ao lado do que denominava organizações limites, que, possuindo caráter antidepressivo, exteriorizar-se-iam em termos clínicos como agressividade, adição, distúrbios alimentares, depressões, psicossomatoses e normopatias. Encontramos uma organização similar, igualmente tripartite, no contexto do pensamento winnicottiano, o que, a nosso ver, pode ser considerado como uma Psicopatologia explícita. Aceita, assim, a existência de neuróticos, psicóticos e borderlines, mas afirma, curiosamente,que os neuróticos teriam simplesmente desaparecido na Inglaterra, pois já teriam feito um trabalho de desenvolvimento pessoal por meio do acesso a grandes obras, literárias e musicais, da cultura ocidental (Winnicott, 1963). Entretanto, pode-se captar ao longo de sua brilhante obra, a vigência do que temos designado uma Psicopatologia implícita, no interior da qual os quadros conhecidos corresponderiam a arranjos de caráter meramente defensivo contra a impossibilidade de se sentir vivo, real e capaz de gestualidade espontânea. Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 15 transformadora de si e do mundo. Surge aqui uma contribuição inestimável à Psicopatologia Psicanalítica, que permite uma compreensão das demandas que nos chegam, atualmente, na clínica psicológica, em variados contextos institucionais, que ultrapassa a mera consideração do registro defensivo, neurótico, psicótico ou borderline. Esta possibilidade de sentir-se vivo e real como condição de sanidade verdadeira surgiu, é importante lembrar, num contexto de teorização que retoma uma valorização do ambiente que a Psicanálise abandonara desde o tempo em que Freud substituiu a teoria da sedução para privilegiar as fantasias desejantes como elementos determinantes das neuroses (Laplanche e Pontalis,1967). Ora, como teoriza mantendo uma grande proximidade em relação ao acontecer clínico, Winnicott não pensa o individuo de modo abstraído das condições concretas nas quais sua vida tem lugar, evitando naturalmente abstrações metapsicológicas e enfatizando a importância do ambiente. Como sabemos, Winnicott inspira-se no bebê para pensar o humano porque, em sua obra, o bebê é um dos modos de ser pelos quais a natureza humana se manifesta. Assim, não tem sentido, a nosso ver, pensar, como fazem alguns que o ambiente só tem importância na vida do bebê e não na vida do adulto, como se tornar-se adulto pudesse significar transcender a dimensão de coexistência que caracteriza a condição humana. Entendemos que a contribuição winnicottiana sustenta que o ambiente é absolutamente fundamental ao longo de toda a vida individual. Valorizar o ambiente significa, então, reconhecer que as condições concretas de vida, prevalentes na sociedade contemporânea globalizada, desempenham importante papel na geração do sofrimento psíquico emocional. Claro está que não queremos dizer que a vida tem sido fácil, no planeta, ao longo da História e que só hoje enfrentamos dificuldades. A leitura de um livro bastante atraente, na medida em que muito claro e simultaneamente rigoroso, o Aprenda a Viver: Filosofia para Novos Tempos (Ferry, 2007) convence no sentido de lembrar como a condição humana, ao conjugar finitude e autoconsciência, é inerentemente geradora de sofrimento, o que, segundo este autor, motiva o nascedouro de Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 16 duas importantes realizações humanas: a filosofia e a religião. Entretanto, muitos pensam que a vida atual, na qual os ideais estão ausentes e parecem substituídos por frenesis fundamentalistas de consumo (Santos, 2001), traz consigo um quadro novo, desconhecido em épocas históricas anteriores. A vida perde sentido e torna-se, deste modo, verdadeiramente absurda, o que gera sofrimento emocional importante. Não se trata, assim, de negar a importância de dimensões orgânicas, de amadurecimento emocional ou mesmo de exercício ético de escolha de posições existenciais mais construtivas e solidárias – que podemos presenciar mesmo em pessoas que se mantém a expensas de um falso self cuidador, mas de reconhecer que o mundo em que vivemos pode dificultar enormemente a constelação do sentir-se vivo e real numa vida que valha a pena. Num primeiro momento, podemos pensar que o sentir-se vivo e real seja o que se pode chamar de “problema de foro íntimo”. Esta dissociação seria, assim, o mero descompasso entre o intelecto e a existir psicossomático, decorrente do fato de ter sido vitima de invasões ambientais que teriam interrompido a continuidade do ser do bebê. Entretanto, se levarmos em conta que a vida transcorre no ambiente humano e interrogarmos mais detidamente o fenômeno da invasão ambiental que, em última instância, visa criar submissão, veremos que sentir-se vivo e real é algo que depende das condições concretas do viver, que depende da qualidade das relações humanas. Será, pois, fundamental, articular a possibilidade de sentir-se vivo e real com o ambiente familiar, lembrando que este último dependerá sempre das condições concretas da vida social. Sabemos que desde o Renascimento, quando progressos científicos até então inimagináveis tiraram a sociedade de um cosmo fechado para um universo infinito, para adotar a expressão de Koyré (1973), os homens deixaram de encontrar sentidos na religião ou numa visão filosófica do mundo como todo harmonioso. Surgiram, assim, o humanismo e a filosofia moderna, inaugurando-se uma mudança profunda, a partir da qual os homens passaram a produzir os sentidos do viver, fundamentando-se não mais no cosmo ou em Deus, mas em si mesmos. Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 17 O projeto científico, como manifestação do humanismo, baseou-se em dois pressupostos. O primeiro deles diz respeito à crença de que a ciência emanciparia a humanidade de várias formas de superstição, obscurantismo e autoritarismos. O segundo é a convicção de que um aumento do domínio do mundo natural transformaria a vida humana, trazendo-lhe maior conforto, segurança e qualidade. Até aqui, navegava a cultura ocidental em mares nos quais se articulavam ideais de progresso das ciências com os de desenvolvimento da civilização. Entretanto, parece que a própria noção de progresso sofreu uma modificação drástica, que se liga, evidentemente, a vicissitudes do sistema capitalista, frequentemente designada como passagem da ciência à técnica, que consiste no desaparecimento dos fins em proveito dos meios. Evidentemente, trata-se de fenômeno dotado de alta complexidade, que merece ser estudado desde pontos de vista históricos, sociais, econômicos e filosóficos. Entretanto, tendo em vista nossos propósitos, que focalizam os efeitos destas transformações sobre as experiências emocionais de vida, basta levar em conta as linhas gerais deste movimento: “Daí o formidável e incessante desenvolvimento da técnica preso ao crescimento econômico e largamente financiado por ele. Daí também o fato de que o aumento do poder dos homens sobre o mundo tornou-se um processo absolutamente automático, incontrolável e até mesmo cego, já que ultrapassa asa vontades individuais conscientes. É simplesmente o resultado inevitável da competição. Neste ponto, contrariamente às Luzes e à filosofia do século XVIII que, como vimos, visavam à emancipação e à felicidade dos homens, a técnica é realmente um processo sem propósito, desprovido de qualquer espécie de objetivo definido: na pior das hipóteses, ninguém mais sabe para onde o mundo nos leva, pois ele é mecanicamente produzido pela competição e não é de modo algum dirigido pela consciência dos homens agrupados coletivamente em torno de um projeto , no seio de uma sociedade que, ainda no século passado, podia se chamar res publica, república, etimologicamente negócio ou causa comum” (Ferry, 2007, p.247). O efeito da perda de ideais, sobre a experiência emocional individual, é, a nosso ver, devastador, porque torna a vida absurda, afetando o sentimento de que a vida valha a pena. Em ultima análise,como bem coloca Camus (1942), é o suicídio que se desenha no horizonte quando o absurdo ganha a cena, suicídio que tanto pode ocorrer de modo concreto como sutilizado sob diferentes roupagens sintomatológicas. Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 18 Tenho realizado, majoritariamente, dois tipos de investigação.O primeiro deles diz respeito à proposição de enquadres clínicos diferenciados, mediante os quais se possa estender os benefícios oriundos do conhecimento psicanalítico a populações tradicionalmente dele excluídas. Estes enquadres são, então, investigados em termos da detecção de sua eficácia clínica ou potencialidade mutativa. É claro que este tipo de pesquisa nos ensina sobre pessoas que buscam alguma forma de atendimento, mas não nos dizem muito sobre quem não se abre para este tipo de experiência. Nossa experiência tem comprovado a idéia de que predomina, no mundo atual, um sofrimento derivado da falta de ideais, esperanças e perspectivas, que afeta a capacidade de se sentir vivo, real e capaz de gestualidade espontânea e transformadora de si mesmo e do mundo. O segundo tipo de trabalho é conhecido como pesquisa psicanalítica de imaginários coletivos, iniciativa que abraçamos a partir da preocupação com os preconceitos existentes contra pessoas que necessitam de tratamento psiquiátrico. Assim, pesquisamos as concepções, crenças, idéias, sentimentos, fantasias de vários grupos da população, mais ou menos diretamente envolvidos com a problemática psiquiátrica, para detectar tanto como, e em resposta a que tipo de angústia, organizava-se seu imaginário. Pudemos entender que existe um grande medo sob a hostilidade, discriminação e preconceito contra o doente mental. Demo-nos, conta, então, de que havíamos desenvolvido uma metodologia de pesquisa que servia não apenas para a investigação do imaginário relativo ao doente mental, mas também a toda e qualquer figura humana, abrangendo todos os chamados excluídos sociais. Assim, passamos a investigar o imaginário de coletivos humanos sobre usuários de drogas, crianças com dificuldades escolares, crianças adotadas, obesos, deficientes, presidiários e muitos outros. Entretanto, ao realizar tais trabalhos, fomos nos dando conta de um fenômeno bastante interessante que consiste no fato dos grupos pesquisados trazerem sempre visões de vida fundamentalmente desanimadas, desesperançadas e carentes de perspectivas de futuro. A julgar pelo que temos encontrado nestas pesquisas, poderíamos afirmar que uma das formas mais comuns de sofrimento no mundo de hoje é a carência de sentido que impede o indivíduo de sentir-se vivo, real e capaz de gestualidade espontânea. Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 19 O quadro geral indica, a meu ver, que são inegáveis as relações entre o sofrimento humano e as condições concretas da vida contemporânea, de modo que se torna indispensável a constituição de projetos coletivos de produção de sentido e, em última análise, de esperança. Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 20 UNIDADE 3 Objetivo: Apreensão da teoria psicanalítica de Freud, bem como outras teorias enquanto um conjunto de premissas referentes a uma concepção de homem e de mundo. DESENVOLVIMENTO DA PERSONALIDADE Podemos definir personalidade como sendo um ser humano com individualidade, nitidamente expressa, a qual, nem a moda do dia a dia, nem as adversidades conseguirão desviar da rota fixada. A noção científica de personalidade se empregará, pois, para discernir as marcas particulares inerentes aos indivíduos, isto é, as diferenças inter-individuais; visará igualmente determinar as variedades do comportamento de um só e único indivíduo, segundo as situações e as épocas de sua existência (Schaaml, 1976). A maturidade emocional é um termo relativo, pois não se limita a um único padrão comportamental nem a uma determinada cultura. A singularidade é uma característica essencial da natureza humana. É preciso supor, pois, uma grande variação no quadro do ajustamento emocional. Os estudiosos da personalidade estão basicamente interessados em explicar o porquê das diferenças existentes entre as pessoas. Por que algumas são bem-sucedidas e outras não Por que algumas desenvolvem uma capacidade de ver o mundo com toda a sua riqueza, variedade e encanto, enquanto outras apresentam comportamento explosivo, inquietação geral, preocupação excessiva com a opinião dos outros, recusando-se a participar de situações sociais. Por que algumas são tão talentosas e outras não conseguem desenvolver suas potencialidades, impondo-se limitações que as levam ao conformismo e à passividade. Os teóricos tentam responder a essas questões buscando descobrir qual a interação existente entre os diferentes aspectos responsáveis pela formação da personalidade, tais como: aprendizagem, percepção e motivação. Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 21 As várias teorias da personalidade se distinguem pela descrição do modo pelo qual essa interação ocorre e pelo peso dado a cada um dos fatores (aprendizagem, percepção e motivação) na determinação da personalidade. A Teoria Psicanalítica de Freud A psicanálise nasceu com objetivos bastante limitados. Originalmente, seu único fim era compreender algo da natureza de enfermidades nervosas chamadas funcionais, para vencer a impotência médica da época quanto ao seu tratamento. Entre os neurologistas de então, havia uma crença generalizada a respeito da existência de uma ligação íntima, e talvez exclusiva, entre determinadas partes do cérebro e certas funções. Como não sabiam o que fazer com o fator psíquico, nem como apreendê-lo, deixavam essas especulações para os filósofos, para os místicos e para os curandeiros. Assim, não se abria nenhum acesso às causas das neuroses, principalmente da enigmática histeria, que delas consistia em medidas de caráter geral, tais como prescrições de medicamentos, choques elétricos e tentativas, na maioria das vezes inadequada, de exercer influência psicológica sob forma de conselhos, repreensões, ameaças etc. Dadas as características da formação médica da época, inicialmente a psicanálise sofreu uma violenta rejeição. No entanto, com o passar do tempo ela foi sendo aceita, tornando-se posteriormente a terapia mais difundida no tratamento de problemas psíquicos. Atualmente, a psicanálise é um termo geral que abrange três coisas: um método de investigação de processos psíquicos, um método de terapia e uma teoria da personalidade. Como teoria da personalidade, a psicanálise está fundamentada em relatos verbais de idéias, sentimentos e auto-descrições feitas pelos pacientes. Freud estabeleceu um paralelo entre o funcionamento patológico dos processos psíquicos e os normais. Ele fazia uma análise cuidadosa do comportamento verbal (relatos) de pacientes neuróticos e psicóticos para esclarecer a causa de tais doenças e supunha que cada aspecto do funcionamento patológico fosse um exagero da atividade normal. Dessa forma, a prova que Freud freqüentemente apresentava para confirmar uma hipótese a respeito de um componente da personalidade eram os dados obtidos com pacientes submetidos à psicanálise. Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 22 Outras características da psicanálise como teoria da personalidade é o fato de basear-se mais nos pensamentos e sentimentos do que no comportamento. Freud supunha e os psicólogos que seguem sua orientação concordam que o comportamento explícito de uma pessoa só pode ser interpretado corretamente quando há conhecimento de seus motivos, temores, sentimentos etc. Ele considerava o comportamento humano como: 1) um resultado de lutas e acordos entre motivos, impulsos e necessidades; 2) ocorrendo em diferentes níveis de organização, de tal forma que comportamentos semelhantes podem expressar diferentes forças e a mesma força pode ser representada em diferentes comportamentos; 3) ocorrendo em vários níveis de consciência. As qualidades da vida psíquica Freud opôs-se à tendência dominante em sua época de explicar os fenômenos psíquicos apenas pelos fatos que o indivíduo temna consciência em um determinado momento. Ele não via nos processos consciente a essência da vida psíquica. Ao contrário, na determinação do psiquismo, os processos conscientes se somariam aos pré-conscientes e aos inconscientes. Os processos conscientes são aqueles baseados nas percepções imediatas do mundo exterior ou nas sensações do mundo interior, aqueles que estão clara e intensamente definidos em nossa mente. Os processos latentes, isto é, que podem vir à consciência a qualquer momento, na forma de recordações ou lembranças, são denominados pré- conscientes. Os processos e conteúdos psíquicos que não têm fácil acesso à consciência são os inconscientes. Os processos inconscientes são alógicos e têm grande fluidez e plasticidade, de tal forma que coisas que ocorreram em momentos e espaços diferentes podem estar unidas como elementos de um mesmo conjunto. Tais processos nunca são observados diretamente, e quando se manifestam à consciência vêm camuflados com um simbolismo próprio. Essas três qualidades dos processos psíquicos (consciente, pré-consciente e inconsciente) são dinâmica e não descritivas da personalidade, pois não são absolutas nem permanentes. O conteúdo da consciência em um determinado momento pode deixar de sê-lo no momento Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 23 seguinte. Além disso, muitas das coisas que pensamos ser verdadeiras em determinado momento se tornam contraditórias no momento seguinte, pois outros eventos mostraram que a nossa percepção não era correta. Na consciência, pois, existem processos intelectivos que podem persistir, ser substituídos ou extinguir-se. Os processos pré-conscientes podem irromper na consciência a qualquer momento e os inconscientes, por sua vez, por mais resistência que ofereçam, podem ser captados pela consciência por meio de técnicas especiais. A estrutura da personalidade Segundo Freud, a personalidade é composta por três sistemas: id, ego e superego. O núcleo da personalidade é formado pelo id, que não tem comunicação direta com o mundo exterior. O id é a fonte de toda energia psíquica da personalidade. Dentro dele operam duas forças distintas, uma derivada do instinto de vida e a outra do instinto de destruição. Cada uma dessas classes de instintos está subordinada a um processo fisiológico especial (criação e destruição) e ambas se conduzem de forma conservadora, buscando a reconstituição do equilíbrio perturbado pela gênese da vida. Essa gênese seria a causa tanto da continuação da vida como da tendência à morte. Por sua vez, a vida seria um combate e uma transição entre ambas as tendências. O id opera dentro do princípio do prazer, que se define pelo alívio da tensão, pela liberação da energia e pela esquiva à dor. O objetivo do id, portanto, é a satisfação imediata e irrestrita dos instintos. Para realizar isso, ele dispõe de dois processos: ação reflexa e processo primário. As ações reflexas são reações inatas que geralmente conduzem a uma imediata redução da tensão. O organismo humano está equipado com um certo número de reflexos que estão relacionados com formas relativamente simples de excitação. O processo primário envolve uma reação psicológica mais complicada. A descarga da tensão é feita por meio de uma imagem mental. Um processo primário, por exemplo, fornece a uma pessoa faminta a imagem do alimento. Essa experiência oferece uma forma alucinatória de Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 24 satisfação do impulso. Tal alucinação não ocorre automaticamente. Primeiro a pessoa deve ter experienciado a satisfação concreta do desejo para depois representar mentalmente o objeto associado a essa satisfação. Para Freud, o aparato psíquico de um indivíduo é dominado por um id desconhecido e inconsciente, em cuja superfície aparece o ego. O ego é a parte modificada do id por influência do mundo exterior. Ele representa a parte racional da personalidade. Considerado sob o aspecto dinâmico, o ego é fraco. Todas as suas energias são emprestadas do id. Sua função psicológica consiste em trazer ao nível do pré-consciente e do consciente as exigências dinâmicas do id. Por isso ele é considerado o executivo da personalidade. Ele deve controlar quais aspectos instintivos serão satisfeitos e buscar meios para satisfazê-los, bem como prever as conseqüências dos atos destinados à satisfação das necessidades em questão. É preciso considerar, no entanto, que, como uma parte organizada do id, o ego existe para satisfazê-lo, e não para frustrá-lo. Durante o longo período da infância, no qual o ser humano em desenvolvimento vive na dependência de seus pais, forma-se no ego uma instância especial que perpetua essa influência parental. A este sistema Freud deu o nome de superego. À medida que se diferencia do ego, o superego se opõe a este e passa a constituir a terceira força que o ego tem que levar em conta. Uma ação do ego será correta, portanto, se satisfizer, ao mesmo tempo, às exigências do id, do superego e da realidade. As relações entre o ego e o superego ficam claras se as compararmos às relações entre uma criança e seus pais. O superego é o representante interno dos valores sociais que são transmitidos inicialmente à criança pelos pais, por meio de um sistema de recompensa e punições. Posteriormente, o superego incorpora valores que são transmitidos por substitutos ulteriores dos pais, tais como educadores e pessoas consideradas modelos sociais. Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 25 Apesar das diferenças fundamentais entre o id e o superego, eles têm uma coisa em comum: ambos representam a influência do passado o id, as influências herdadas, e o superego, as recebidas socialmente. Por outro lado, o ego é determinado pelas vivências próprias do indivíduo, pelo atual e acidental. Em resumo, a força do id expressa o verdadeiro propósito vital de um organismo: satisfazer às suas necessidades inatas. A missão do ego é buscar formas de satisfação que sejam mais favoráveis e menos perigosas no que se refere ao mundo exterior. O superego, por sua vez, coloca novas necessidades ao ego, visto que sua função principal é restringir a satisfação das necessidades inatas. O superego aplica um rigoroso critério moral ao ego, que está à sua mercê. O superego é, assim, o representante da moralidade que nos faz sentir culpa cada vez que o ego tenta se libertar de seu domínio, e auto-satisfação quando o ego se comporta de acordo com os ideais sociais. O superego é constituído, pois, por dois sistemas: o ego ideal, que representa a introjeção dos valores familiares, grupais, religiosos, raciais etc. (ou seja, a personalidade social), e a consciência moral, que representa a introjeção da censura dos agentes sociais controladores. A dinâmica da personalidade A dinâmica da personalidade diz respeito às formas pelas quais a energia do id é liberada ou bloqueada. Freud denominou de instintos as forças que atuam nas tensões causadas pelas necessidades do id. Essas forças representam as exigências somáticas que atuam na vida psíquica. As cargas de energia que emanam do id não têm qualquer organização. Não se originam de uma vontade única e só aspiram à satisfação das necessidades instintivas de acordo com o princípio do prazer. Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 26 Para os processos desenvolvidos no id não são válidos os princípios lógicos do pensamento, nem mesmo o princípio da contradição. Impulsos contrários podem coexistir sem anular-se mutuamente ou um submeter-se ao outro. No id não há nada equivalente à negação e nada que corresponda à representação do tempo. Eventos que ocorreram em momentos diferentes podem estar juntos numa mesma manifestação. Da mesma forma, o id não conhece o bem e o mal nem qualquermoral. É possível distinguir um número indeterminado de instintos, embora, como já dissemos, para Freud todos derivem de dois instintos fundamentais: o instinto de autoconservação e conservação da espécie e o instinto de destruição. O primeiro tem como fim básico estabelecer e conservar unidades cada vez maiores, isto é, tende à união (por exemplo, o amor). O segundo, ao contrário, busca a dissolução das conexões, reduzindo a substância viva a um estado inorgânico. Este segundo foi denominado por Freud de instinto de morte. Esses dois instintos básicos podem antagonizar-se ou combinar-se. Assim, por exemplo, o ato de comer equivale à destruição de um objeto com a finalidade de incorporá-lo ao organismo. Da mesma forma, o ato sexual equivale a uma agressão com o propósito da mais íntima união. Modificações na proporção de um dos dois instintos no momento da combinação levam a diferentes conseqüências, podendo predominar o amor ou a agressão. A energia liberada pelo instinto de conservação foi denominada por Freud de libido. Os instintos não têm qualidades perceptivas, por isso não podem atingir diretamente a consciência. A expressão das forças instintivas é uma das funções do ego, que estabelece uma ordem temporal para a satisfação dos instintos e os submete ao teste da realidade. Pela interpolação de processos mentais, o ego escolhe a forma e o objeto para liberação da tensão, conseguindo, assim, um estado precário de equilíbrio com a redução da excitação. Contudo, essa redução é mais formal do que efetiva, pois o ego utiliza apenas as ações que no passado foram bem-sucedidas, ma que nem sempre são adequadas ao presente. Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 27 O ego se assemelha a um monarca que, não podendo legislar sobre as sanções (superego), pensa muito antes de vetar uma proposta do parlamento (id). O conteúdo do id pode passar pelo ego por dois caminhos distintos. Um é o direto e o outro por meio do ego ideal. As atividades psíquicas são resultantes da eleição de um desses caminhos que levam à liberação ou à coerção dos instintos. A coerção é realizada pelo ego ideal, que é em parte uma formação reativa contra os instintos do id. A esse processo de liberação e inibição da energia do id, Freud deu o nome de catexe e anticatexe (ou catexe contrária). Submetido a três forças distintas o mundo exterior, a energia do id e o superego ?, o ego se sente ameaçado. Com a ameaça surge a ansiedade. A ansiedade é uma reação emocional frente à impotência motora ou psicológica ou frente a uma situação traumática. Essa reação coloca o ego em alerta, pois representa um perigo para sua integridade. Há três espécies de ansiedade: real, neurótica e complexo de culpa. A ansiedade real ocorre quando o ego se sente impotente frente a um objeto ou a uma situação do mundo exterior, que pode colocar em risco a sua sobrevivência ou a sua integridade psicológica. O homem não tem condições de detectar todos os perigos que existem no mundo exterior, por isso às vezes se sente impotente frente à realidade. A situação traumática contra a qual somos impotentes causa ansiedade, visto que, nessas condições, a satisfação de nossas necessidades significa perigo. As crianças pequenas, que não têm ainda a noção de perigo, fazem a todo o momento coisas que põem em risco a sua vida. Na ansiedade neurótica, o ego experiência uma sensação dolorosa que não passa, pois coincide com o bloqueio total de uma necessidade do id. Essa impotência psicológica é semelhante à impotência motora, pois a satisfação da necessidade poderia por em risco a integridade do aparato psicológico. Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 28 O complexo de culpa é a ansiedade produzida pela consciência moral. A pessoa portadora de um superego muito rígido tende a ter sentimentos de culpa quando faz ou pensa em fazer algo que contraria o código moral no qual foi educada. A ansiedade é um estado doloroso que o indivíduo não é capaz de tolerar por muito tempo. Para fugir dela, o ego desenvolve mecanismos de defesa. Os principais mecanismos de defesa são: a projeção, a repressão, a formação reativa, o isolamento e a sublimação. Todos esses mecanismos possuem duas características comuns: distorcem ou negam a realidade e operam inconscientemente, de modo que a pessoa não sabe as verdadeiras causas de seu comportamento. Projeção. O aspecto essencial desse mecanismo é a atribuição a outra pessoa de uma característica indesejável ou de um impulso perigoso. Um dos exemplos clássicos é a crença de uma pessoa pudica de que as outras pessoas estejam excessivamente interessadas em sexo ou sejam sexualmente incontroláveis. Subjacente a essa crença, existe o impulso libidinoso que aparece na preocupação com o comportamento sexual dos outros. Como a sexualidade é atribuída a outra pessoa e é acompanhada de reprovação, ela acaba tendo acesso à consciência, embora na forma de um sentimento hostil. Nesse caso, portanto, grande parte das ações do ego estão a serviço da libido. Na repressão os pensamentos, idéias ou desejos que causam ansiedade são colocados fora da consciência. A pessoa oferece uma enérgica resistência quando alguém tenta falar sobre o assunto. Comumente a repressão atinge todas as idéias que tenham qualquer elo associativo com o impulso reprimido. A repressão está presente em todos os mecanismos de defesa. Na formação reativa o indivíduo reconhece a existência de um impulso indesejável, mas impede sua expressão liberando energia do impulso diametralmente oposto ao primeiro. Essa estratégia defensiva geralmente está presente em comportamentos sociais que, embora desejáveis, são exagerados e rígidos. A pessoa que utiliza esse mecanismo procura não admitir outro sentimento a não ser aquele exageradamente manifestado. Esse é o caso de mães supeprotetoras, que não podem permitir que venham à consciência sentimentos de Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 29 hostilidade contra seus filhos. A formação reativa fica mais evidente quando as defesas se rompem, como quando uma pessoa que aparentemente era incapaz de fazer mal a uma mosca comete um assassinato violento. Algumas vezes a bondade pode ser uma formação reativa contra a maldade. Uma pessoa que faz atos filantrópicos com exagero pode estar querendo impedir que venha à tona o prazer que sente frente à vulnerabilidade dos outros. A hostilidade aparece quando ela passa a falar mal ou a ignorar os seus beneficiários com a justificativa de que eles foram ingratos e não souberam dar valor a quem tanto os ajudou. Outra forma de lidar com a ansiedade é o isolamento. No isolamento o conteúdo do impulso vem à consciência, mas o sentimento associado a ele é reprimido. Algumas pessoas parecem impermeáveis quando são insultadas. Elas agem como se não estivessem percebendo o que está acontecendo. Na verdade estão conscientes da intenção da outra pessoa, contudo não se sentem encolerizadas, ou, melhor dizendo, não deixam vir à tona seus sentimentos de cólera. Tais pessoas agem friamente, dando a impressão de que não há sentimentos a serem controlados. O isolamento pode estar presente nas atitudes de uma pessoa que faz uma rígida separação entre religião e ciência. Isso permite que ela interprete misticamente os fenômenos, para os quais aceita também uma explicação científica. Essa separação faz com que ela concilie sem dificuldades duas interpretações de alguns fenômenos naturais. Na sublimação o objeto original de gratificação do instinto é substituído por um cultural. Posteriormente, o instinto primário é totalmente afastado da consciência, ficando apenas a expressão cultural substituta. Conseqüentemente, o ego não precisa manter um constante controle sobre a expressão do instinto, pois a energia é completamente liberada.Freud interpretou a Madona de Leonardo da Vinci como uma sublimação dos desejos libidinosos que o artista sentia por sua mãe. O desenvolvimento da personalidade Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 30 Na teoria psicanalítica, a personalidade é resultante do desenvolvimento das estruturas (ego e superego), dos processos de pensamento e da sexualidade. Como já dissemos anteriormente, a vida psíquica é função de um aparato extenso e composto de várias partes. A mais primitiva delas é o id, que tem por conteúdo tudo o que é herdado, inato e constitucionalmente estabelecido. Os instintos originados na organização somática alcançam no id sua primeira expressão psíquica, da qual muitas formas ainda são desconhecidas. Esta parte primitiva do aparato psíquico continuará sendo a mais importante durante toda a vida. Sob a influência do mundo exterior, uma parte do id passa por uma transformação especial e adquire função mediadora entre o id e o mundo exterior. Este setor de nossa vida psíquica é o ego. A tarefa do ego consiste na autoconservação, que ele realiza de duas formas. Em primeiro lugar, por meio de um processo de aprendizagem, ele se adapta ao mundo exterior, gravando na memória as conseqüências dos estímulos, de forma que consegue fugir da estimulação desagradável e aproximar-se das situações agradáveis. Em segundo lugar, como resultado dessa experiência, o ego vai se caracterizando e adquire certo domínio sobre a estimulação interior (instintos do id). Graças a esse domínio ele pode selecionar os instintos que serão satisfeitos, bem como as condições mais favoráveis para isso. Essa atividade do ego é governada tanto pelas tensões provocadas pelos impulsos do id como por aquelas que vão se formando no seu contato com o meio social. O aumento da tensão faz com que o indivíduo experiencie um estado de desprazer, e a diminuição da tensão, um estado de prazer. Esses estados não têm uma magnitude absoluta. Representam apenas graus diferentes no ritmo geral das modificações. Na busca do prazer o ego responde com ansiedade a toda situação esperada ou prevista de desprezar. A ansiedade, portanto, só aparece na medida em que o ego acumulou um conjunto de experiências. A criança pequena é praticamente dominada pelo princípio do prazer, buscando a satisfação imediata de suas tensões. Quando essa satisfação é cerceada, a criança reage Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 31 emocionalmente, chorando ou dirigindo sua cólera para o obstáculo que a impede de obter o que deseja. Às vezes ela utiliza processos primários para diminuir a tensão (imagens mentais, sonhos, devaneios etc). Paulatinamente, os processos primários vão sendo substituídos pela satisfação real da tensão. Essa satisfação é realizada pelo ego que vai substituindo o princípio do prazer pelo princípio da realidade e os processos primários pelos secundários. Os processos secundários envolvem uma análise da realidade e a escolha do objeto para a descarga da tensão. Nesses processos predominam a aprendizagem, a consciência, a memória e a lógica. Ocasionalmente, o ego abandona sua conexão com o mundo exterior. Nesses momentos há uma modificação na organização do aparato psíquico: os processos primários voltam a ter predomínio. Isso ocorre nos estados de sono, nos devaneios, nos atos falhos etc. As manifestações que ocorrem nesses estados são muito importantes para o conhecimento do aparato psíquico, porque nesses momentos vem à tona parte do que estava sendo reprimido pelo ego. A transformação da relação parental em superego se faz por um processo de identificação. A identificação é uma forma de vinculação com outra pessoa; é a equiparação do ego de uma com o ego da outra. Inicialmente, a criança começa a se comportar como os pais por um processo de imitação, depois acolhe os seus valores, incorporando-os à sua personalidade. A partir do momento em que o controle parental torna-se interno é que se pode falar em superego. O comportamento de um menino de 3 a 5 anos de idade é marcado pelo complexo de Édipo. Como o menino se identifica com o pai, ele não somente quer ser igual a ele mas também escolhe o mesmo objeto para as suas catexes libidinosas. A ligação amorosa da criança com a mãe foi denominada por Freud de complexo de Édipo. Embora essa ligação se modifique e sofra repressão após os 5 anos de idade, as catexes originárias do complexo de Édipo permanecem como uma força vital da personalidade durante toda a vida. As atitudes para com as pessoas do sexo oposto, bem como para com Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 32 aquelas que representam a autoridade, são, em grande parte, determinadas pela forma como a criança resolveu o complexo de Édipo. O superego emerge do ego como um herdeiro do complexo de Édipo. O menino se sente ameaçado por temer as conseqüências de seu apego amoroso à mãe. O medo da castração leva-o a reprimir o desejo sexual pela mãe, bem como a hostilidade pelo pai. Essa situação resulta numa identificação com o pai, denominada de identificação com o agressor. Esse processo envolve uma relação ambivalente da criança com o pai. Os sentimentos hostis que o menino experimenta na situação edipiana geram ansiedade. Para se defender dessa ansiedade, ele reprime seus desejos agressivos em relação ao pai e passa a admirá-lo, introjetando seus valores. Torna-se, portanto, o mais semelhante possível a ele. É como se a criança seguisse o seguinte raciocínio: Se sou igual a ele e me comporto como ele, não posso ser punido. O medo da castração não é único motivo da repressão no complexo de Édipo, pois o mesmo sentimento ocorre nas mulheres, que não poderiam ter medo da castração. Outro componente na formação do superego é, pois, o temor de perder o amor dos pais. Quando a mãe está ausente ou retira seu carinho, a criança fica exposta às mais penosas situações de tensão, que vão desde a não-satisfação de suas necessidades básicas até a sensação de estar sozinha num mundo perigoso. O perigo da perda do amor dos pais faz com que a criança interiorize todos os valores dos mesmos. Esse processo se faz pela identificação que Freud denominou de anaclítica. A menina desenvolve inicialmente uma relação de amor e dependência para com as pessoas que cuida dela, ou seja, a mãe. Essa relação leva-a a escolher o pai como objeto de seu amor, por ter sido o objeto escolhido pela mãe. Quando a menina faz essa escolha, a mãe torna-se sua rival, gerando hostilidade na criança. Essa hostilidade também é superada pela identificação com a mãe. O medo da perda do amor não desaparece totalmente com o desenvolvimento do superego. Esse componente aparece nas situações em que uma pessoa experiencia sentimentos de culpa, envolvendo a ansiedade pelo medo de perder o amor ou a aceitação dos outros. Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 33 Alguns adultos que não resolveram adequadamente a identificação anaclítica no momento da formação do superego se tornam extremamente dependentes dos outros, manifestando uma conduta infantil. No adulto, um superego sadio reflete-se em um conjunto integrado de valores, na capacidade de aceitar abalos à auto-estima e aceitar limitações sem recorrer à fantasia. As formas de controle disciplinar exercidas pela família são muito importantes na determinação de um superego sadio. Grande parte da teoria psicanalítica do desenvolvimento refere-se à forma de expressão da libido. Freud acreditava que durante a infância os impulsos originários da libido se concentram em determinadas regiões do corpo, denominadas zonas erógenas. O desenvolvimento é biologicamente determinado e tem como ponto de referência as zonas erógenas. Durante os cinco primeiros anos de vida, a criança passa por três fases de desenvolvimentoque Freud denominou de pré-genitais. Ele acreditava que as atividades características de cada fase são de natureza sexual e exercem uma influência marcante na personalidade do adulto. A primeira região que surge como erógena é a boca, a segunda é o ânus e a terceira, os órgãos genitais. O desenvolvimento emocional da criança depende das interações sociais, das ansiedades e das gratificações que ocorrem para as atividades ligadas a essas partes do corpo. Desde o nascimento, a maioria das atividades da criança está concentrada na boa. Essas atividades têm a função de proporcionar a satisfação das necessidades de autoconservação e dos impulsos libidinosos. Para Freud, a sucção do polegar, a tendência da criança de colocar tudo na boca e o sugar no vazio mostram que existe uma necessidade a ser satisfeita que não está ligada somente à autoconservação. Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 34 Durante essa fase, com o aparecimento dos dentes, começam a se manifestar também os impulsos sádicos (ligados ao instinto agressivo), embora sua expressão seja esporádica. A agressividade manifesta-se com maior extensão durante a segunda fase. Essa fase foi denominada por Freud de sádico-anal, porque a satisfação se realiza na agressão e na função excretora. Ele justifica a inclusão dos impulsos agressivos na libido argumentando que o sadismo é a fusão dos impulsos libidinosos com os destrutivos. Essa fusão, que se inicia nessa etapa, permanecerá durante toda a vida. A terceira fase, fase fálica é a predecessora da forma final da vida sexual. Desse momento em diante os sexos se diferenciam. Os meninos entram na fase edipiana e as meninas sofrem sua primeira desilusão quando tomam consciência das diferenças existentes entre o homem e a mulher. Como já dissemos, o complexo de Édipo termina, no menino, por causa da ansiedade de castração. Nas meninas, a problemática edipiana não é tão intensa quanto nos meninos, por isso as mulheres desenvolvem um superego mais fraco e menos severo. Isso explica o fato de elas serem mais bondosas e mais compreensivas do que os homens. Os componentes de uma fase não são substituídos com o advento de outra. Eles podem se sobrepor ou ocorrer simultaneamente. Nas duas primeiras fases, os diferentes componentes instintivos começam a buscar o prazer independentemente um do outro. Na fase fálica, inicia-se uma organização que subordina a satisfação dos outros impulsos aos genitais. Essa organização só se completará na puberdade, ou seja, na quinta fase, fase genital, na qual há a conservação de algumas catexes primitivas que se incorporam à função sexual como atividades preparatórias. Outros impulsos, no entanto, são excluídos da organização. A energia gerada por esses impulsos ou é totalmente suprimida por um processo de repressão ou é expressa de outras maneiras, constituindo-se em característica da personalidade, ou ainda é sublimada com o deslocamento de seus fins. O processo de organização da vida sexual não se realiza sem dificuldades. Podem ocorrer inibições no seu desenvolvimento. Quando isso acontece, encontramos nas fixações da manifestação da libido características de qualquer uma das três fases iniciais. Nesses casos, Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 35 os impulsos da libido tornam-se independentes de seus objetivos sexuais normais e se transformam em perversões. Freud deu extrema importância às catexes dos cinco primeiros anos de vida na determinação da personalidade. Segundo ele, a personalidade é resultante, em grande parte, dos impulsos fixados nesse período. A isso se acrescentam os impulsos adquiridos por meio da sublimação e os mecanismos de defesa do ego, destinados a substituir os impulsos libidinosos e agressivos por outros socialmente aceitos. Entre a terceira e a quinta fases do desenvolvimento, há um período em que os impulsos sexuais apresentam certa calmaria, não ocorrendo nenhum progresso. Essa fase foi denominada de latência e não mereceu nenhum interesse por parte de Freud. Nesse período há o desenvolvimento dos processos cognitivos e a maior parte da energia psíquica é gasta no conhecimento do mundo. As proposições freudianas exerceram profunda influência na maioria dos estudiosos da personalidade. Alguns deles seguiram a linha psicanalítica, embora tenham rejeitado alguns conceitos e ampliado outros. Outros teóricos, no entanto, se dedicaram à comprovação experimental dos conceitos essenciais da teoria psicanalítica. Depois de algum tempo de pesquisa, rejeitaram toda a proposta dessa teoria quanto ao desenvolvimento da personalidade. Os atos delituosos dos neuróticos consistem, de modo geral, em furtos, mentiras, calúnias, fraudes, denúncias falsas, cartas anônimas, emissão de cheques sem fundo. Raramente esses enfermos praticam ações criminais violentas. Portanto, com referência ao problema da responsabilidade penal dos neuróticos não há dificuldades periciais: fora das crises eventuais que possam apresentar, não se deve negar a esses enfermos a capacidade de imputação, pois agem como pessoas normais (Bleuler). Os atos delituosos desses enfermos são imputáveis e os mesmos estão sujeitos às sanções penais correspondentes. Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 36 Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 37 UNIDADE 4 Objetivo: Compreender os fundamentos da psicopatologia, conjunto de conhecimentos referentes ao adoecimento mental e seus limites e aportes ao entendimento do ser humano Psicopatologia e psicologia do normal Normal ou Patológico em Psicopatologia Clínica Adalberto Tripicchio4 Resumo Analisando os conceitos de normal e patológico segundo as principais correntes do pensamento psiquiátrico (a fenomenologia, a psicanálise e a anti-psiquiatria), o autor propõe repensá-los a partir do discurso próprio "louco" e da desidealização desses conceitos que enfatizam três dimensões: a real, a social e a humana. A colocação do problema Logo nas páginas iniciais de seu livro, Devereux (7) coloca em xeque a teoria psiquiátrica. Pois se esta se fundamenta sobre o conceito de normal e seu oposto, anormal (lido como patológico), a verdade é que o problema de conceituação desses termos não foi resolvido, nem ao menos ficou delineada a fronteira que os delimita e, por condição, define. A partir daí - isto é, de conceitos indefinidos - ergue-se uma semiologia bastante sofisticada que estabelece diagnósticos, que classifica, que coloca os indivíduos em locais precisos: os sãos e os loucos. E continua, numa subdivisão minuciosa, propondo-se a descrever a loucura de 4 PhD em Medicina pela University of London Institute Neurologista e Psiquiatra pela Univ. Paris VII - Dennis Diderot - Sorbonne Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 38 cada um, mas não a sanidade, vista como um todo unitário. Mesmo a "revolução psicanalítica" não trouxe mudanças substanciais à taxonomia psiquiátrica, porquanto as categorias ficaram (com maior ou menor sofisticação de detalhes). Foi preciso haver uma "invasão alienígena" para que a psiquiatria começasse a questionar esse arcabouço. Estudando grupos, e não indivíduos, sociólogos e antropólogos introduziram uma nova dimensão na análise da pessoa (dimensão que Freud apreendera, embora lendo do ângulo do indivíduo): a cultura. E perceberam também que esta apresentava tantas variáveis, de tal modo presentes na organização daquela pessoa, que Marx, anos antes, questionava o próprio conceito de "ser humano", enquanto um conceito abstrato. Assim, o problema conceitual torna-se mais complexo. Ao nível do orgânico, quando o que define é a possibilidade ou não de sobrevivência, ou a qualidade dessa sobrevivência, poderia sermais simples estabelecer a fronteira. Mas, ao lidarmos com comportamento, com sentimento, como definir? A partir de uma estreita correlação com a "vida dos órgãos" ou a partir de "uma análise filosófica da vida compreendida como atividade de oposição à inércia e à indiferença" (5)? De qualquer modo, lidamos com valores, posicionamo-nos ideologicamente frente ao problema (e haveria outra possibilidade?). A angústia do questionamento No entanto, não se trata aqui de uma elucubração a respeito de um tema filosófico: a oposição entre vida e morte, corpo e alma, saúde e doença, idealismo e materialismo ou alguns desses pares antitéticos que preenchem o corpo teórico da filosofia. Muito mais do que isso. É em cima de uma definição indefinida que calcamos a nossa prática médica. E esta é a angústia do questionamento. Porque frente aos nossos pacientes impõem-se dois níveis de compreensão: o social e o individual; o sociológico e o médico. Em outras palavras: o observar e analisar e o fazer (a partir de premissas teóricas que fundamentam e justificam essa prática, mas que não necessariamente são por ela determinadas). Pois que aquelas pessoas "doentes", "alteradas", de comportamento "anormal", algumas até necessitando de exclusão, mesmo que temporária, do mundo dos normais, estão ali à nossa frente agindo, falando, e seu discurso é essencial para a nossa ação, embora o invalidemos com um diagnóstico. Mas mesmo assim lá estão elas, agindo e interagindo, como fazem quaisquer Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 39 pessoas em outras situações. São algumas das entrevistas colhidas junto a tais pacientes de que me utilizo aqui para colocar o problema (2). E se Marx diz que "suscitar uma questão é resolvê-Ia", parece-me que não consegui suscitá-Ia adequadamente. Em busca de clareza, tento organizar algumas idéias, como numa primeira abordagem. Normal e Patológico: Uma questão de leitura? I. A busca de parâmetros - Que parâmetros são usados para definir, na prática psicoclínica, normal e patológico? - "Não estou doente não" - diz L. - "estou é com raiva daquela mulher" (da mãe-de-santo que lhe prometera um favor e não cumprira). -"Não é doença não, doutora, é esquecimento" - diz H., não se recordando do nome de uma antiga paciente. Que parâmetros estão usando esses pacientes para distinguir doença de não-doença? A corrente fenomenológica lança os parâmetros na Psicopatologia. E o que nos diz ela a esse respeito? De início, define Jaspers o objeto da psicopatologia como "a atividade psíquica real e consciente [...]. Mas não se trata aqui de toda a atividade psíquica: apenas da patológica [...] (a não delimitação clara entre a psicologia e a psicopatologia) resulta do fato do conceito de doença não ser uma entidade [...] não atribuímos qualquer valor ao conceito preciso de doença física; nós nos baseamos em nossa intuição pessoal e, sobretudo no uso tradicional da divisão do trabalho quanto à delimitação de nosso tema de estudo". (11) Numa edição posterior consideraria fenômenos anormais como aqueles que "excedem o habitual em medida, grau e duração [...] as associações que se tornam hábitos mecânicos [...] A cisão ou dissociação (da vida psíquica) que acabe sendo definitiva e insuperável [...] o mecanismo de comutação do estado de consciência [...]"(12) Devemos lembrar que o primeiro parâme- tro aproxima-se da colocação de K. Schneider, um dos principais teóricos da prática clínica Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 40 psicopatológica. Distingue ele enfermidade, que "existe apenas na esfera somática" e anormalidade, entendida como "apenas uma variedade do normal" (15). A corrente psicanalítica não busca tanto descrever os processos quanto entendê-los. "A resposta da psicologia freudiana a esta dicotomia é que tanto os processos mentais normais quanto os patológicos têm seu lado fisiológico e são ainda funções cerebrais amplamente desconhecidas [...] Não há diferenças fundamentais entre psicologia e psicopatologia: ambas seguem os mesmos princípios básicos" (1). Princípios esses que serão buscados no conflito intra-individual entre as "pulsões instintivas e as demandas ambientais, entre as pulsões instintivas e os padrões superegóicos e entre instintos opostos [...]"; o distúrbio decorre assim, de uma estruturação desviada da norma ou da expectativa para uma determinada idade, de tal monta que o propósito de adaptação fica apenas parcialmente realizado e assim o funcionamento do indivíduo é prejudicado" (10). Até aí estamos frente ao Homem - entidade abstrata, fora de qualquer contexto. Uma terceira corrente - a da antipsiquiatria - procuraria superar esta abstração. Diz Cooper (6): "Esquizofrenia é uma situação crítica microssocial, onde os atos e experiências de uma certa pessoa são invalidados por outros a partir de certas razões inteligíveis culturais e microculturais (usualmente familiais), ao ponto em que esta é eleita e identificada como sendo mentalmente enferma de certo modo, e então confirmada (por um processo de rotulação específico, embora altamente arbitrário) na identidade de paciente esquizofrênico por agentes médicos ou quase-médicos". A pessoa eleita teria sofrido um processo de socialização que lhe condicionaria uma "perda global ou parcial de validação consensual de sua auto-percepção e de sua hétero-per- cepção". Negando a doença como processo intra-individual exclusivo e estendendo-a ao grupo, a antipsiquiatria ampliaria o conceito de normal e patológico, mas, reproduzindo-o, não o questionaria. II. Os auto-retratos - E O que dizem os interessados? Isto é, as pessoas rotuladas como "doentes mentais"? Aquelas pessoas cujas biografias passam a ser marcadas por um rótulo Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 41 de origem polêmica (interno/externo; adquirido/inerente à sua constituição; aceito/imposto etc.)? Formariam elas uma "quarta corrente"? - "Maluco é quem agride, mas eu estou quase doida, pois me irrito à toa. Sou até capaz de bater quando irritada." (Z). - "Doida é a que quer pegar, quer avançar no homem [...] mulher-homem, isso é doido [...] café demais dá loucura, café com leite dá nervoso [...] (louco) é ficar bom com choque [...] quem bate na mãe é maluco [...] (sobre a paciente que saía de alta) esta é assim [...], assim [...], não faz nada, nem a cama fazia." (N). - "O que tenho é problema de nervos. Tomo remédio já estou boa." (M.) "Não gosto de estar em casa. Meu pai me chama de doido, eu não gosto." (Ne.). - "Eu só estava querendo acender velas p'ros mortos, mas N. e M. estão aqui e se me virem vão falar com o diretor; vão dizer a ele que estou maluca, que estou querendo botar fogo no hospital [...]. (Aquele hospital) é uma carnificina: se o sujeito ri vai para a triagem, se chora vai também, não é todo mundo que agüenta ver essas coisas." (L.). - "Qual é o caso de seus pacientes que a senhora não deixa trabalhar? Os que são agressores?" (In.). - "Estou tomando remédios e fiquei assim, sem vontade de trabalhar, sem vontade de conversar, com as idéias atrapalhadas. Isto foi do tombo que levei, não foi?" (E.) - "Ela não é doente não, é cachaça mesmo [...] aquela lá é que não quer comer; há dois dias não come p'ra fazer charme p'ro marido. (Vovó Marina) não comia de desgosto porque a família tirou o IPASE dela e a internou como indigente; quando ela veio para cá já era tarde, estava toda queimada por dentro; desgosto; ainda bem que eu estava de alta; se eu estivesse aqui teria ficado maluca." Sobre outra paciente, pergunto se está "fazendo charme": "não, esta é louca mesmo." (X.) "era uma doçura, muito boa. Um dia ela disse que viu o disco-voador e o marido a internou; quem sabe ela viu mesmo?" (o marido) fazia ela descer dez andares de barriga (grávida) para buscar Coca-Colapara ele. Ela pediu o Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 42 desquite e ele não quis, por isso a internou." "Ela não é doente, apenas bebe; não se devia internar prostitutas aqui." (H.). - (T.) aproxima-se furiosa; está no hospital há três dias e ninguém da família sabe; quer uma licença no fim-de-semana para avisar a família, pois eles devem estar preocupados, pensando que ela morreu. A médica a entrevistara durante duas horas; ficara de voltar naquele dia e não apareceu, assim ela não conseguiu licença para tirar a carteira de saúde, a fim de trabalhar. "Não estou maluca, estou é irritada." - "Eu quero conversar com a senhora... é sobre a minha doença. . . escreve tudo porque já levei muito choque e já esqueci." (R.). - (Es.) contando para mim sua sensação ao ver a autópsia da esposa, morta em acidente de trânsito no dia do aniversário do filho caçula: "Ah, doutora, quando vi ali minha companheira de fé, com as vergonhas p'ra fora, fiquei que nem doido. . . só vi quando o corpo de bombeiros me amarrava." - (Z.) reclamando do médico recusar-se a tirar uma radiografia do crânio: "A cabeça é minha, como ele é quem sabe se deve pedir a chapa? Tenho vontade de dar uma porrada nele para ver a cabeça dele doer; aí ele vai pedir chapa." O que podemos inferir desses relatos aparentemente desconexos? Em primeiro lugar, que existem esquemas implícitos permitindo distinguir doente de não- doente, o que é aceito do não aceito, mesmo quando o comportamento é semelhante (como o fato das duas pacientes que não comiam: uma era "charme" e a outra, doença). Em outras palavras, existem parâmetros que definem o comportamento normal distinguindo-o do anormal, podendo este ter uma conotação de patológico ("mulher-homem, isto é doido"), ou não ("ela é cachaça mesmo"). Segundo, o conceito de patológico aproxima-se de algum modo do conceito psicanalítico, porquanto expressa uma exacerbação das pulsões: agressividade e sexualidade ("maluco é quem agride", "doida é quem quer pegar, quer avançar no homem"). Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 43 Terceiro, esses conceitos estão eivados de ideologia médica, absorvida espontânea ou compulsivamente ("Louco é ficar bom com choque"; "tomo remédio, já estou boa"; "foi do tombo, não foi"?). Aqui deve ser feita uma ressalva: a tendenciosidade da amostra, já que todos eram pacientes internados. Seria preciso ampliá-Ia, incorporando elementos que não tivessem entrado em contato direto com a instituição (o que não exclui o aprendizado, que se faz também de modo indireto). Quarto, traduzem, afinal, um conhecimento comum partilhado pelo grupo e absorvido pelo indivíduo. Em nenhum momento aquelas pessoas questionavam seu diagnóstico ou a própria situação de internação. Muito menos as atitudes do corpo clínico em relação a elas (na continuidade, Z. justificará a atitude do médico). E todas possuíam um diagnóstico preciso; havia um rótulo geral bem definido. Aquelas pessoas eram, sem dúvida, "anormais", segundo o discurso oficial, discurso esse por elas assumido e/ou por elas redigido? Conclusão: A validação do sistema Não resta dúvida que um tema assim abrangente não cabe nesse espaço. Mas o pretendido não foi esgotar um tema e sim arrumar idéias, a fim de colocar o problema. Assim, a primeira idéia que me ocorre é a da validação do discurso. Se ouvirmos a "quarta corrente" podemos perceber que, ou os pacientes absorvem de algum modo a psicopatologia aprendida formalmente pelo médico e a transmitem retraduzida e ampliada, ou essa psicopatologia faz parte da bagagem cultural deles, isto é, é partilhada pelo senso comum. Sendo assim, a validade desse conhecimento e de sua manipulação, sobretudo, deve ser questionada, já que sua proposta é tão-somente referendar o conhecimento comum e não discuti-Io. Abre-se aqui um caminho a ser analisado: a dicotomia normal/patológico ligar-se-ia a toda uma corrente maniqueísta do pensamento sobre a qual se funda a moral burguesa do bem e do mal. E aqui se introduz, suponho eu, a segunda pergunta: que o discurso é validado nos diz a oficialização de seu uso, mas por quem? Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 44 Canguilhem refere-se a uma "classe normativa" que teria conquistado "o poder de identificar a função das normas sociais com o uso que ela própria fazia das normas cujo conteúdo determinava", posição essa que chamaria de "um belo exemplo de ilusão ideológica" (S). Quem sabe nessa ilusão cai Devereux, ao propor um critério de normalidade independente da especificidade cultural, tendo por parâmetros a maturidade afetiva, o sentido do real, a racionalidade e a capacidade de sublimar (1)? Como definir tais parâmetros? Pois em que critérios nos baseamos para afirmar que morrer em resposta à perda do IPASE (retirado pela família) é imaturidade afetiva? Ou que ver o disco-voador é perder o sentido do real? Ou que "receber santo" tem algo de irracional? Em que elementos nos baseamos para dizer que determinadas situações fogem do real (são anormais) e quem as vive deve ser tratado, e que outras são normais, e os que internam, os que tratam ou levam para tratar são sadios, os paradigmas do normal? Haverá, como supõe Devereux, critérios independentes da cultura, do momento histórico, da posição de cada um na sociedade (sua posição de classe)? Esse questionamento torna-se crucial, pois o corpo teórico da psicopatologia clínica, que tende a padronizar comportamentos em termos de normalidade ou anormalidade, surge em um determinado momento histórico, em uma outra sociedade, dentro de uma determinada classe social e vem normatizar as diversas sociedades do mundo, para esse fim idealmente sem classes. E eis que, mesmo não tendo parâmetros para conceituar normal e anormal (com sentido geralmente de patológico), ou tendo parâmetros frágeis e contraditórios, altamente subjetivos, o clínicopsi trata. Trata o quê? O desviante da média; o comportamento bizarro; um conflito interior do indivíduo; o grupo social ao qual o médico pode não pertencer; os valores que não são os do médico; o disco-voador, talvez. Neste ponto, suponho ser possível recolocar o problema. Na verdade, a base conceitual da psicopatologia seria a divisão em categorias de normal e patológico? Há que introduzir, sem dúvida, alguns conceitos prévios e que os fundamentam. Qual é esta "atividade psíquica real e consciente?" De que real estamos falando? Pois o que nos parece é que real tem conotação de ideal. E um real inexistente, porquanto desvinculado, idealizado, ideológico. Volta-se aqui a dicotomia maniqueísta de um bem, e um Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 45 mal, transcendentes, como é transcendente o próprio real sem sociedade, sem classe social, sem contexto histórico. A seguir, ou antes, talvez, a realidade de quem. Pois o perigo mais imediato é que, sem uma conceituação do próprio objeto da ação clínica - o ser humano - toda discussão acerca desse objeto fica invalidada. E se o clínicopsi trabalha com um objeto não definido (embora suponha que o esteja) e um objeto abstrato, como irá evitar a tendenciosidade de sua prática? Quem é este ser tratado por ele? Um ser universal, um ente hegeliano ideal dominado pelo mundo das idéias, ou um ser inserido em um contexto determinado, produtor de seus meios de subsistência" e dessas idéias que supostamente dominam? Pois entre o liberalismo vienense de Freud e o anticapitalismo de Cooper estão duas visões do homem. Se lidarmos com um ente ideal, então o nosso discurso não deve ser questionado, pois os termos são indiferentes. Nem é mesmo necessário "a quarta corrente", pois que ela só nos dirá o que já sabemos. Mas se lidamos com um ser determinado, inserido em um grupo social determinado, em um dado momento histórico, então é importanteouvir - e respeitar - o discurso de "louco", pois é este o homem "que nos interessa como sujeito e objeto de nosso estudo e de nossa prática. E o seu discurso provavelmente não será um repetir ideologias impostas, já que está eivado de sua própria ideologia de grupo e reflete as condições que permitem a esse "louco", enquanto membro de seu grupo social, ser agente da história desse grupo, mesmo que um agente externamente invalidado. Finalmente, o terceiro conceito a ser pensado: o do social. Alienar o louco do seu grupo é, como já vimos, tirar dele uma parte vital de sua identidade e colocar seu discurso ao nível do incompreensível. Porque para Es., vindo do sertão nordestino, ao ver sua "companheira de fé" nua, em meio a tantos homens, cortada e manipulada com indiferença, não havia outra resposta senão a da agressão física, já que seu braço é a única arma, a força de trabalho, que aprendeu a usar. Mas para o clínico, formado em um centro urbano, a arma, o instrumento de trabalho que maneja, é o saber: "furor epilético", justificando uma internação psiquiátrica que anula a denúncia, abafa o afeto e invalida a resposta. Por outro lado, alienar o louco é tirar do grupo uma parte de sua identidade e podar-lhe um de seus meios de expressão. A leitura ficará assim duplamente incompreensível. Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 46 A ameaça que nos persegue - e é de algum modo explicitada no discurso dos pacientes - é a de sermos reduzidos a uma atitude de guardiões da moral vigente na sociedade determinada onde nos inserimos, como missionários da ideologia dominante. Reproduzir as relações sociais extra-muros. Reproduzir a ideologia que representa essas relações, poderíamos concluir a respeito do discurso psicopatológico, onde normal e patológico se inserem como, em outro campo, se inserem os privilegiados e os sem privilégios, os que formam alianças e os que são delas alijados, os que dominam e os que são dominados. Assim, se é possível extrairmos algumas conclusões realmente fidedignas desse artigo, a primeira é a de que, para abrirmos uma discussão que se proponha sincera sobre o problema da definição da loucura é preciso ouvir primeiro a parte mais diretamente atingida pela definição: os loucos. A segunda é a de que, ao "ouvirmos" o louco, e o modo como ouvimos, ao nos posicionarmos assim frente à própria definição de homem, estamos inserindo assumidamente o ideológico no discurso psicopatológico (e ele inexiste em algum discurso científico?). O que nos resta talvez, seguindo o exemplo de Howard Becker, é definirmos "de que lado nós estamos" (4). Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 47 UNIDADE 5 Objetivo: Permitir a compreensão dos fundamentos da clínica dos transtornos mentais. Funções Psíquicas e suas alterações Carlos Eduardo Sandrini De Castro5 O presente trabalho tem como objetivo abordar as funções psíquicas, dentre elas especialmente a consciência, atenção e orientação. Psicopatologia é a ciência que estuda as anormalidades psíquicas do ser humano. Para este fim podemos utilizar diferentes meios. O método utilizado pela psiquiatria como ferramenta para diagnóstico sindrômico e nosológico é a fenomenologia: psicopatologia fenomenológica, que baseia-se na descrição dos fenômenos psíquicos, conforme sejam observados ou relatados. O importante na fenomenologia é descrever o que é vivido diretamente pelo indivíduo. Existem dois meios de adoecer, segundo a psicopatologia fenomenológica: o desenvolvimento - o adoecer é compreendido pela constituição, personalidade e história do paciente; e o processo - algo diferente e novo na constituição e história do paciente. Normalmente, examina-se de forma isolada cada função psíquica do paciente para depois formular o todo psíquico. A psicopatologia é, pois, uma abstração analítica da realidade e da totalidade do psiquismo humano, decompondo-o em conceitos operativos para formular, mais tarde, os quadros nosológicos. A psicopatologia importa-se fundamentalmente com a forma de cada função psíquica, os conteúdos têm uma importância secundária. Exemplificando, podemos dizer que a forma de 5 Professor da Universidade Federal de Santa Catarina Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 48 um livro é aquilo que faz com que reconheçamos que se trata de um livro, isto é, a essência deste objeto; e o conteúdo é aquilo que define tal livro, ou seja, sua mensagem. Através da caracterização das funções psíquicas, distinguimos os principais quadros clínicos das diversas síndromes mentais, valendo-nos desses parâmetros para a adoção da conduta terapêutica mais adequada. Resumiremos a seguir três funções psíquicas e suas anormalidades mais freqüentes nas diversas síndromes psiquiátricas. CONSCIÊNCIA É a capacidade neurológica de captar o ambiente e de se orientar de forma adequada, é estar lúcido. A consciência pode ser considerada do ponto de vista psiquiátrico, como um processo de coordenação e de síntese da atividade psíquica. "É uma atividade integradora dos fenômenos psíquicos, é o todo momentâneo que possibilita que se tome conhecimento da realidade naquele instante." (Rosenfeld, 1929). É uma das funções psíquicas com a qual estabelecemos contato com a realidade, através do qual tomamos conhecimento direto e imediato dos fenômenos que nos cercam. Podemos ter alterações "fisiológicas" da consciência, dentre elas, sono, sonho, hipnose e cansaço. As anormalidades da consciência podem ser classificadas como quantitativas ou qualitativas. Nas alterações quantitativas, há variação do nível de consciência, ou seja, da claridade com que os fenômenos psíquicos são vivenciados, o indivíduo apresenta fala, pensamento e emoções que dificilmente podemos entender, confunde percepções, não consegue fixar sua atenção e geralmente está desorientado. As alterações qualitativas referem-se a variação de amplitude do campo de consciência. Uma alteração qualitativa, é o estado crepuscular, onde há um estreitamento do campo da consciência, o paciente parece ter perdido o elo com o mundo exterior, quase não fala e age como se estivesse psiquicamente ausente. O estado crepuscular pode estar presente em algumas doenças como a epilepsia e a histeria. Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 49 Se desenhássemos uma escala para as alterações quantitativas, ou seja, para a diminuição do nível de consciência, esta seria da seguinte forma: inicialmente teríamos o paciente em lucidez, daí passando para sonolência, da sonolência este poderia ficar em topor ou obnubilação, a diferença é que na obnubilação teríamos um conteúdo anormal na consciência, de qualquer um destes dois estágios o paciente passaria para o coma. Resumidamente, poderíamos considerar somente: Estreitamento: é a redução quantitativa e qualitativa da consciência, havendo um conteúdo menor e uma seleção sistemática dos temas, como ocorre nas manifestações histéricas (nas dissociações) e nos estados crepusculares (na epilepsia). Entorpecimento: diminuição ou perda da lucidez e da vigília, portanto a atenção dificilmente se forma ou se mantém. Ocorre em situações de febre, acidente vascular encefálico, traumatismo crânio encefálico, etc. Obnubilação: é a diminuição da lucidez (como no entorpecimento) associado à presença de um conteúdo anormal na consciência. Geralmente acompanhado de distúrbios sensoperceptivos e do pensamento, como ocorre por exemplo no delirium. No Exame Psíquico é importante: Observar modificações no nível de consciência, registrar possíveis flutuações no nível de consciência e observar se há estreitamento da amplitude do campo de consciência. Isso pode ser observado pela capacidade de responder ao ambiente, em especial a participação no exame.Duas outras funções auxiliam na avaliação da consciência, pois já estão alteradas em diminuições bem discretas do nível de consciência, quando o indivíduo nem aparenta estar sonolento ainda, que são: a atenção e a orientação. ATENÇÃO Considera-se a atenção como um processo psicológico mediante o qual concentramos a nossa atividade psíquica sobre o estímulo que a solicita, seja este uma sensação, percepção, representação, afeto ou desejo, a fim de fixar, definir e selecionar as percepções, as representações, os conceitos e elaborar o pensamento. Resumidamente pode-se Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 50 considerá-la como a capacidade de se concentrar, que pode ser espontânea ou ativa; é um processo intelectivo, afetivo e volitivo. É importante ressaltar que a atenção não é uma função psíquica autônoma, visto que ela encontra-se vinculada à consciência. Por exemplo, o indivíduo que está em obnubilação geralmente se encontra com alterações ao nível da atenção, apresentando-se hipervigil. Contudo, um paciente em torpor se encontra hipovigil. Sem a atenção a atividade psíquica se processaria como um sonho vago, difuso e contínuo. Segundo Alonso Fernández, ao concentrar a atenção escolhemos um tema no campo da consciência e elevamos este ao primeiro plano da mesma, mantendo este tema rigorosamente perfilado, sem deixar-se desviar pelas influências dos setores excêntricos do campo da consciência, podendo modificar o tema escolhido com plena liberdade. Este tema poderia ser um objeto, uma ação, um lugar, uma palavra, etc. Distinguem-se duas formas de atenção: a espontânea (vigilância) e a ativa (tenacidade). No primeiro caso ela resulta de uma tendência natural da atividade psíquica orientar-se para as solicitações sensoriais e sensitivas, sem que nisso intervenha um propósito consciente. A atenção voluntária é aquela que exige certo esforço, no sentido de orientar a atividade psíquica para determinado fim. Entretanto, o grau de concentração da atenção sobre determinado objeto não depende apenas do interesse, mas do estado de ânimo e das condições gerais do psiquismo. O interesse e o pensamento são os dirigentes da atenção, sendo que a intensidade com que a efetuamos é o grau de concentração alcançado. As alterações da atenção desempenham um importante papel no processo de conhecimento. Em geral estas alterações são secundárias, decorrem de perturbações de outras funções das quais depende o funcionamento normal da atenção. A fadiga, os estados tóxicos e diversos estados patológicos determinam uma incapacidade de concentrar a atenção. Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 51 Hipoprosexia: é a diminuição da atenção, ou o enfraquecimento acentuado da atenção em todos os seus aspectos. É observada em estados infecciosos, embriaguez alcoólica, psicoses tóxicas, esquizofrenia e depressão. Pode ocorrer por: - falta de interesse (deprimidos e esquizofrênicos) - déficit intelectual (oligofrenia e demência) - alterações da consciência (delirium) Os estados depressivos geralmente se acompanham de diminuição da capacidade de concentrar a atenção como um todo. No entanto, têm aumento da concentração ativa para temas depressivos (hipertenacidade). Hipotenacidade: diminuição da atenção "ativa". Hipertenacidade: aumento da atenção "ativa" Hipovigilância: diminuição da atenção "passiva" Hipervigilância: "distratibilidade", ou aumento da atenção "passiva" Hipervigilância e Hipotenacidade: ocorrem nos casos de mania. Hipovigilância e Hipertenacidade em temas depressivos: ocorrem nos casos de depressão. No Exame Psíquico é importante: Referir se o paciente está disperso ou não, como se comporta em relação ao que acontece no ambiente. Descrever se responde às perguntas prontamente ou é necessário repeti-las. Pode-se pedir para que o paciente realize operações aritméticas ou enumere dias da semana ou meses, em ordem normal ou inversa o que exigiria mais atenção. ORIENTAÇÃO "Complexo de funções psíquicas em virtudes das quais temos consciência, em cada momento de nossa vida, da situação real em que nos encontramos", ou seja, é a capacidade Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 52 de situar-se em relação a si e ao mundo no tempo e no espaço. É bastante complexo e exige a inter-relação entre vários dados psíquicos. A orientação requer atividades mentais como tendências instintivas, percepção, memória, atenção e inteligência. Alterações nestas atividades mentais podem levar à graus variados de desorientação. Orientação autopsíquica: relativa ao próprio indivíduo, ou seja, à capacidade de fornecer dados de sua identificação, saber quem é, seu nome, idade, nacionalidade, profissão, estado civil, etc. Orientação alopsíquica: relacionada ao tempo e espaço, ou seja, à capacidade de estabelecer informações corretas acerca do lugar onde se encontra, tempo em que vive, dia da semana, do mês, etc. As desordens destes dois estados são chamadas de desorientação autopsíquica e alopsíquica, respectivamente. Essas alterações dependem estritamente do tipo de perturbações das funções psíquicas a que se acham subordinadas a orientação no tempo, no espaço e sobre si próprio. Em geral, a desorientação ocorre de modo gradual, inicialmente em relação ao tempo, depois ao espaço e a ultima a ser alterada é a autopsíquica. Os tipos de desorientação distinguem-se ainda em três outras formas: Desorientação apática: decorrente de alterações da vida instinto-afetiva. Paciente está lúcido e percebe com clareza e nitidez o que se passa no mundo exterior, porém há falta de interesse, inibição psíquica ou insuficiente energia psíquica para a elaboração das percepções e raciocínio. O enfermo percebe o ambiente porém não forma um juízo sobre a sua própria situação. Ocorre com frequência em esquizofrênicos crônicos e em quadros depressivos. Desorientação amnésica: relativa ao bloqueio dos processos mnêmicos. Incapacidade do doente em fixar acontecimentos (memória) e consequentemente, incapacidade de orientar-se no tempo, espaço em relações com outras pessoas. Pode ocorrer em pacientes com quadros demenciais. Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 53 Desorientação delirante: produzida por perturbações do juízo de realidade, devido à presença de falsos conteúdos (ou conteúdos anormais) no campo da consciência. Pode ocorrer em pacientes que estão psicóticos: na esquizofrenia, na mania e depressão psicótica. Os esquizofrênicos com desorientação delirante geralmente apresentam, também, dupla orientação. Dupla orientação: permanência simultânea da orientação verdadeira ao lado de uma falsa, ou seja, o mundo real sincrônico ao mundo psicótico, como ocorre em esquizofrênicos. Por exemplo, um paciente orientado em tempo e lugar que acredita estar no inferno ou em uma prisão. Desorientação com turvação da consciência: aqui a pessoa encontra-se desorientada pois está com comprometimento do nível de consciência. Ocorre no delirium, seja no causado devido ao álcool (tremens) ou por doenças físicas e/ou medicamentos. Desorientação oligofrênica: A pessoa está com alteração do nível de orientação pois este não possui inteligência para correlacionar ambientes, pessoas, dias, etc. Pode ocorrer no retardo mental. No Exame Psíquico é importante: Observar desorientação no tempo, pelo correto conhecimento do dia, mês, época do ano, dia da semana e ano. Observar se o paciente tem noção do tempo decorrido no hospital ou entre eventos recentes. Quanto ao espaço, perguntar sobre o lugar (nome do hospital, andar, cidade, endereço). Quanto à pessoa, perguntar sobre dados pessoais (nome, idade, data de nascimento), bem como sobre familiares. Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 54 UNIDADE 6 Objetivo: Permitira compreensão dos fundamentos da clínica dos transtornos mentais. Funções Psíquicas Elementares e suas alterações (vivências espaciais e temporais, senso-percepção e representações, memória) Texto de Aline Costa Gil6 A consciência pode ser definida por pelo menos três aspectos diferentes. - Definição neuropsicológica: Trata-se especificamente do nível de consciência, no sentido de estado vigil, no estado de estar desperto, acordado, vigil, lúcido. - Definição psicológica: é a soma total das experiências conscientes de um indivíduo em um determinado momento. Definição ético-filosófica: significa tomar ciência dos deveres éticos e assumir as responsabilidades, direitos e deveres. Verificado o fato de se ter na rotina hospitalar, o critério médico de avaliação de consciência procura-se diferenciar dois subtipos de consciência: “consciência clínica ou quantitativa” e “consciência do eu”. 6 Disponível em: http://inf.unisul.br/~psicologia/wp-content/uploads/2008/07/AlineCostaGil.pdf Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 55 A Consciência Clínica é aquela avaliada dentro dos parâmetros quantitativos, de acordo com os critérios médicos de avaliação de consciência, em que, segundo Fongaro e Sebastiani, destacam-se oito níveis, sendo eles: normal, torpor, turvação, obnubilação, coma I, coma II, coma III e morte cerebral. Consciência do Eu é a consciência dita qualitativa, avaliada sob critérios psicológicos, cujo objetivo é verificar a consciência da “vida psíquica”, que se dá a partir de um sofisticado processo de interação da criança recém-nascida com o mundo, a capacidade de diferenciação dela e do mundo, que mais tarde irá complementar a estrutura do “eu físico”, compondo, então, o “eu self”. A atenção é a direção da consciência, processo psíquico que concentra a atividade mental sobre um determinado setor, envolvendo um determinado esforço mental. A Sensopercepção compreende a capacidade sensorial e perceptiva do sujeito, ou seja, como os órgãos do sentido, estão captando e interpretando as impressões que o meio externo ou interno emitem. Aqui é importante lembrar que esta função psíquica, quando está alterada, juntamente com alteração do pensamento, pode indicar um caso de estrutura psicótica. Memória caracteriza-se como a capacidade de registrar, manter e evocar os fatos já ocorridos. Segundo Paim, “[...] a memória propriamente dita é considerada por alguns psicólogos como um processo puramente fisiológico, enquanto a capacidade de fixação e a evocação das lembranças são tidas como atos psíquicos, pelo fato de serem vividos pelo indivíduo”. Vontade ou Volição define-se pela capacidade de cada sujeito determinar-se. A vontade expressa a relação entre intenção e ação na realização dos desejos, se existe coerência entre o desejo interno e a capacidade de operacionalizá-lo. Sobre esta função é importante avaliar se o sujeito hospitalizado deseja e operacionaliza, se ele deseja e não operacionaliza, ou se não deseja. Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 56 A linguagem é a atividade especificamente humana e é o principal instrumento de comunicação dos seres humanos. Define-se pela expressão de sentimentos e pensamentos verbalizados através da comunicação verbal direta, voluntária e de forma simbólica. Em uma avaliação dentro de uma instituição hospitalar observa-se os processo de comunicação verbal e não-verbal-faciais, posturais, gestuais - manifestos pelo paciente. Avalia-se, neste sentido o discurso do sujeito doente e não só o discurso sobre a doença. Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 57 UNIDADE 7 Objetivo: Permitir a compreensão dos fundamentos da clínica dos transtornos mentais. Funções Psíquicas Elementares e suas alterações (Afetividade e humor) Texto de Aline Costa Gil7 O estudo da afetividade abrange as emoções, os sentimentos em geral, o humor ou estado de ânimo, afetos, paixões e suas repercussões no psiquismo e no corpo. Segundo Dalgalarrondo, [...] a vida afetiva é a dimensão psíquica que dá cor, brilho e calor a todas as vivências humanas. Sem afetividade a vida mental torna-se vazia, sem sabor. O termo afetividade é genérico, compreendendo várias modalidades de vivências afetivas como o humor, as emoções e os sentimentos. De acordo com Paim, sentimento “[...] é um estado afetivo acentuado, estável, duradouro e organizado com maior riqueza e complexidade do que os elementos representativos”. E segundo Schneider, os sentimentos são considerados com “estados do eu, não podem ser controlados pela vontade e que são provocados por nossas representações, pelos estímulos procedentes do mundo exterior ou por alterações sobrevindas no interior do organismo”. Os sentimentos, muitas vezes podem ser confundidos com as sensações, devido os sentimentos sensórias encontrarem-se muito próximos a partes do corpo, como o “desânimo”. A emoção “[...] é um estado afetivo intenso e complexo, proveniente de uma reação ao mesmo tempo psíquica e orgânica, do indivíduo inteiro contra certas excitações internas e externas”. 7 Disponível em: http://inf.unisul.br/~psicologia/wp-content/uploads/2008/07/AlineCostaGil.pdf Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 58 Segundo Störring, “[...] o estado afetivo fundamental de um indivíduo (alegria, bem-estar, júbilo, felicidade, angústia, tristeza, desespero) depende inteiramente das circunstâncias pessoais da vida, dos sujeitos, inclinações e especialmente do estado de sua vida física.” 56 E que segundo Paim, “[...] influi consideravelmente na direção de nossa conduta e no curso do pensamento”. A importância em avaliar a função psíquica afetividade é verificar que sentido e qual a importância da afetividade na vida do paciente, pois de modo geral quando a afetividade está alterada todas as outras funções psíquicas também se alteram. Pode-se dizer que a função psíquica afetividade é aquela que, juntamente com o pensamento, conduz a vida psíquica dos seres humanos, sendo diferente para cada tipo de sociedade e particular para cada sujeito. Ao ser avaliada a afetividade, encontram-se algumas dificuldades técnicas, pois em psicologia vários termos são utilizados e, dependendo da abordagem, terão o mesmo sentido com nomes diferentes ou ainda com nomes semelhantes, com outro sentido. Pode-se citar, por exemplo, a psicanálise. Em psicanálise o termo que se utiliza é ‘afeto’, significa “[...] a expressão qualitativa da quantidade de energia pulsional e das suas variações”. O afeto, em psicanálise, é um dos elementos representativos da pulsão. Pulsão é um conceito, [...] situado na fronteira entre o mental e o somático, como representante psíquico dos estímulos que se originam dentro do organismo e alcançam a mente, como uma medida da exigência feita à mente no sentido de trabalhar em conseqüência de sua ligação com o corpo. Assim, pode-se dizer que cada abordagem da psicologia vai ter uma qualificação diferente, já na visão médica podemos encontrar, o que é bastante comum, o termo humor. O humor, de acordo com Bleuler “[...] consiste na soma total dos sentimentos presentes na consciência em dado momento”. Mas, independentemente do termo que se utiliza e da a abordagem adotada, esta função psíquica pode ser considerada como um “termômetro” de como está o paciente. Por vezes, podese encontrar pacientes internados com alterações importantes no seu estado afetivo, e o que vai ser fundamental estar avaliando e verificando é o contexto em que se apresenta Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 59 esta alteração, pois, algumas destas alterações são perfeitamente compreensíveis e respondem de maneira adequada a situação apresentada.Desta forma, entre as alterações da afetividade, podemos encontrar: A hipertimia como sendo um estado de ânimo morbitamente elevado, a hipotimia que em geral apresenta-se através de uma diminuição do estado geral da afetividade, e a distimia, de acordo com Dalgalarrondo “[...] é o termo que designa a alteração básica do humor, tanto no sentido da inibição quanto no da exaltação”. Apatia: a apatia é caracterizada por uma diminuição afetiva, “[...] no sentido de que a afetividade esteja completamente abolida” 61. De acordo com Dalgalarrondo “[...] os pacientes queixam-se de não poderem sentir nem alegria, nem tristeza, nem raiva, nem nada [...] Na apatia, o indivíduo, apesar de saber da importância afetiva que tal experiência deveria ter para ele, não consegue sentir nada.” O que se percebe é uma alteração qualitativa dos processos afetivos causando sentimentos inadequados. Humor Triste: segundo Dalgalarrondo, está relacionado com o humor depressivo, que geralmente está associado a desesperança e muito angústia. Ideação Suicida: está relacionada à “[...] idéias com a morte, em que o sujeito gostaria de morrer para acabar com o sofrimento; idéias suicidas, que o sujeito pensa em se matar; planos suicidas, aqui o sujeito planeja como iria fazer; os atos, em que o sujeito diz que comprou remédios, veneno, corda ou revólver e tentativas de suicídio”. Euforia: diferente da ‘hipertimia’, a euforia é o humor morbidamente exagerado, um estado de alegria intenso e desproporcional. Hipomodulação de afeto: “[...] é a incapacidade do paciente em modular a resposta afetiva de acordo com a situação existencial, indicando rigidez do indivíduo na sua relação com o mundo”. Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 60 Inadequação do afeto: enquanto na hipomodulação o paciente não consegue construir uma relação mais flexível com o mundo, na Inadequação do afeto o paciente mostra-se completamente “[...] incongruente a situação existencial ou a determinados conteúdos ideativos” . Por exemplo, alguém ter um ataque de riso frente a notícia de um ente muito querido. Embotamento afetivo: ocorre em sujeitos que apresentam um esvaziamento afetivo, por exemplo, não expressam afeto na hora de relatando algum fato. Anedonia: é a ausência ou diminuição da capacidade de sentir prazer total ou parcial com determinada atividade e experiência da vida, a perda do prazer com algo que antes em sua vida era muito prazeroso, isto dentro de um determinado contexto de vida, pois em momentos de luto isso é comum e não deve ser avaliado como alteração patológica. Labilidade Afetiva: é revelada por estados afetivos nos quais ocorrem mudanças súbitas, o sujeito oscila de forma abrupta, rápida e inesperada. De acordo com Dalgalarrondo, isto ocorre quando um paciente está contando algo e, por exemplo, começa a chorar compulsivamente, passando logo a seguir a sorrir tranquilamente. Ambivalência Afetiva: ocorre quando as reações do individuo frente a eventos e vínculos é dúbia. É um termo utilizado por Bleuler para descrever sentimentos opostos em relação ao mesmo estímulo. Segundo Paim “[...] o doente com freqüência não pode unir ambas as tendências; ama e odeia ao mesmo tempo, sem que ambos os sentimentos ajam entre si ou se debilitem”. Irritabilidade Patológica: de acordo com Bleuler é uma predisposição especial ao desgosto. Os enfermos manifestam inapetência, irritabilidade, apresentando uma atitude explosiva, diferente da tenacidade afetiva.70. Tenacidade Afetiva: esta alteração da afetividade, diz respeito a permanência anormal de alguns estados afetivos, uma fixação prolongada de alguns sentimentos desagradáveis, por exemplo o ‘rancor’. Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 61 UNIDADE 8 Objetivo: Permitir a compreensão dos fundamentos da clínica dos transtornos mentais. Funções Psíquicas Elementares e suas alterações (PENSAMENTO) Texto de Aline Costa Gil 8 O pensamento é uma das atividades mentais mais sofisticadas que o sujeito possui. Diz respeito à capacidade de elaborar conceitos, articular juízos, constituir raciocínio e ter a capacidade de síntese e propor uma solução adequada para um problema. De acordo com Dalgalarrando, “[...] o pensamento se constitui a partir de elementos sensoriais, que, embora não sejam propriamente intelectivos, podem fornecer substrato para o do pensar: são imagens perceptivas e representações”. Os elementos propriamente intelectivos do pensamento podem ser distinguidos por alguns elementos constitutivos, em que autores se utilizam, sendo eles: o conceito, o juízo e o raciocínio. Segundo Dalgalarrondo, o conceito forma-se a partir das representações, sendo propriamente cognitivo e intelectivo, exprimindo-se apenas as características mais gerais dos objetos e fenômenos. O juízo representa “[...] o processo que conduz ao estabelecimento de relações significativas entre os conceitos básicos” e que tem “[...] por função formular uma relação unívoca entre um sujeito e um predicado”. 8 Disponível em: http://inf.unisul.br/~psicologia/wp-content/uploads/2008/07/AlineCostaGil.pdf Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 62 O raciocínio, segundo Paim, é usado em dois sentidos: lógico e psicológico. No sentido lógico, o raciocínio consiste em “[...] orientar os dados do conhecimento, tendo como objetivo alcançar uma integração significativa, que possibilite uma atitude racional ante as necessidades do momento” e no sentido psicológico tem o mesmo sentido de pensar. O pensamento é uma das funções psíquicas mais importantes para avaliar em uma primeira entrevista, pois em casos graves como a psicose é a uma das funções que estará alterada e sua avaliação auxilia na hora de um diagnóstico diferencial. Mas é sempre importante lembrar que um componente do aparelho psíquico não funciona isoladamente, mas, para que haja adequação do pensamento, há a integração com a linguagem, a afetividade, a sensopercepção entre outras funções. De acordo com Sebastiani, quando um paciente internado encontra-se com o pensamento alterado, não importa o grau, geralmente é uma tentativa simbólica de negar o conflito real, pois em geral, tem um objetivo ligado a da satisfação de um desejo, como o de criar fantasias e crenças que são diferentes, ao contrário, da situação atual. Quando se faz uma avaliação do pensamento em um paciente internado, é importante estar atento à situação real do paciente, do momento atual que este sujeito está vivenciando, sempre verificar qual a doença e principalmente o tratamento, pois substâncias tóxicas introduzidas no organismo, bem como a febre alta, podem produzir alterações importantes. Caso verifique-se que há uma alteração do pensamento em um paciente, como por exemplo, o delírio, o profissional deve procurar verificar qual o sentido desta alteração, mesmo que ela apareça de forma “bizarrra”. Desta forma, após ser verificado, encontrado e reconhecido o sentido, poderá auxiliar no curso do tratamento desse paciente. Segundo Sebastiani, inúmeros pacientes portadores de patologias graves, após passarem por um período anterior de extremo sofrimento físico e emocional, entram em quadro de dissociação, com alterações importantes na afetividade, consciência e pensamento. Muitas vezes este paciente que se encontra em um momento de confusão psíquica passa a incomodar a equipe de saúde, principalmente no hospital geral, em que grande parte desses profissionais não tem preparo, ou não sabe o que fazer com estes pacientes. Isto de alguma forma acaba por afastar a Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 63 equipe de profissionais da saúde do contato com este paciente, e pode causar uma sensação dem desconforto e até mesmo de hostilidade. Por este motivo, considera-setão importante a avaliação psíquica e o diagnóstico, para que tente evitar um elemento a mais, que agrave a situação do sujeito internado, já que este se encontra afastado de todas as coisas que mantêm o seu bem-estar mental, como a ausência do seu lar, da sua cama, dos objetos pessoais e do convívio familiar. O pensamento pode ser analisado através do processo de pensar, em que, frequentemente, é utilizado em uma avaliação psicológica nos hospitais gerais, assim como esta pesquisa pretende analisar através do discurso dos pacientes. Desta forma, o pensamento pode-se dividir em três componentes Curso: identifica a velocidade em que o pensamento ocorre, se normal, acelerada ou lentificada. - Forma: verifica a estrutura do pensamento propriamente dita, ou seja, se o pensamento possui ordenação (começo, meio e fim). - Conteúdo: avalia a substância do pensamento, sua coerência e grau de concordância com a realidade. Aquilo que corresponde à temática do pensamento. De acordo com Dalgalarrondo, o pensamento de um sujeito que não possui nenhum tipo de doença mental, normalmente é apresentado de maneira lógica, mas muitos sujeitos tendem a utilizar estereótipos, em que muitas vezes decisões são tomadas sem evidências concretas, concluindo algo que aparentemente são ditas como certas. Com isso, o autor coloca que é “[...] difícil discriminar entre o pensamento normal e patológico, principalmente no que concerne aos tipos de pensamento e o estilo de pensar”. Mesmo assim, pode-se verificar uma série de alterações do pensamento, assim como: Pensamento mágico: esse tipo de pensamento normalmente se apresenta em crianças e não é considerado patológico. Em adultos verifica-se uma “relação puramente subjetiva de idéias” que são associadas a fatos objetivos. O pensamento mágico, segundo Dalgalarrondo, fere os princípios da lógica formal, não respeitando indicativos da realidade. Geralmente o pensamento mágico aparece como desejos, fantasias e temores do sujeito, consciente ou inconsciente, adequando-se a realidade ao pensamento. Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 64 Pensamento concreto: o pensamento apresenta-se de tal forma que o sujeito não consegue metaforizar, o pensamento está pautado no concreto. O seja, o sujeito não consegue “[...] fazer a distinção entre uma dimensão abstrata ou simbólica e uma dimensão concreta e imediata dos,fatos”. Pensamento derreísta: este tipo de pensamento assemelha-se com o pensamento mágico, a diferença é que, o pensamento, somente obedece à lógica e à realidade naquilo que interessa ao desejo do sujeito, distorcendo a realidade para que se adapte aos seus anseios. Pensamento demencial: o pensamento mostra-se empobrecido, há uma limitação dos conceitos, uma diminuição dos elementos representativos e uma dificuldade de encontrar as palavras adequadas. O paciente geralmente apresenta uma narrativa pobre, de forma lenta e com dificuldade para passar de um assunto a outro. Pensamento vago: de acordo com Dalgalarrondo, o pensamento vago apresenta-se quando o paciente expõe um pensamento muito ambíguo, mostrando-se obscuro. Há uma imprecisão de raciocínio, relativos às relações conceituais e a formação de juízo. Pensamento prolixo: quando o sujeito apresenta dificuldade de chegar a conclusões sobre um determinado tema, mostra uma dificuldade em construir um pensamento direto, claro e acabado, com uma incapacidade de síntese. Pensamento confusional: um pensamento incoerente, com dificuldades marcantes em fazer os vínculos entre os conceitos e juízos, devido à turvação da consciência. Pensamento desagregado: trata-se de um pensamento incoerente, em que o paciente ao falar não comunica nada ao “interlocutor”, uma “salada de palavras”. Pensamento obsessivo: são idéias ou representações que impõem-se à consciência do sujeito de modo persistente e incontrolável. De acordo com Paim, “[...] o pensamento obsessivo se acompanha de certo grau de tensão, que pode ‘cristalizar’ num estado de dúvida permanente. O estado afetivo permanente do enfermo é de apreensão e ansiedade”. Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 65 Desintegração dos conceitos: segundo Paim “[...] a palavra se desprende por completo de sua significação propriamente dita: simultaneamente podem corresponder-lhe as significações heterogêneas; até os próprios conceitos se modificam [...] ou acontece que os conceitos se desfazem e uma mesma palavra ter significados cada vez mais diversos”. Condensação dos conceitos: o pensamento mostra-se condensado quando o sujeito está relatando algo e duas ou mais idéias são condensadas ou se fundem em um pensamento. Bleuler exemplifica: “Deus é uma nave do deserto”, neste caso foram condensadas idéias relacionadas com a bíblia, com Deus, com deserto e com camelo; segundo o autor o camelo é vulgarmente de Taquipsiquismo: é quando curso do pensamento apresenta-se de forma muito acelerada, uma idéia se sucede à outra rapidamente, podendo perder a capacidade de articular linguagem e pensamento. Bradipsiquismo: ao contrário do taquipsiquismo, no bradipsiquismo o pensamento é lento, apresenta-se de forma dificultosa, o paciente não consegue articular ideias. Bloqueio ou interceptação do pensamento: “[...] verifica-se o bloqueio do pensamento quando um paciente, ao relatar algo, no meio de uma conversa, brusca e repentinamente interrompe seu pensamento, sem qualquer motivo aparente”. Fuga de idéias: de acordo com Paim, “[...] a fuga de idéias é uma perturbação da expressão do pensamento, caracterizada por uma variação incessante do tema e uma incapacidade absoluta de levar o raciocínio a uma conclusão”. 99 Idéias Prevalentes: são idéias que, por terem uma importância afetiva grande para o sujeito, adquirem uma predominância maior sobre os demais pensamentos e se conservam obstinadamente na mente do sujeito. As idéias prevalentes diferenciam-se das obsessivas, por terem sentido para o paciente. É importante destacar que nem todas as idéias prevalentes podem ser consideradas patológicas. De acordo com Paim, “o paciente portador de idéias prevalentes se encontra impossibilitado para se subtrair a sua influência e revela uma tendência a associa-lás a novas vivências”. Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 66 Dissociação do pensamento: o pensamento não consegue seguir uma seqüência lógica e organizada. Afrouxamento das associações: neste caso há um afrouxamento das associações, parecem mais livres, estão expostas de maneira lógica, mas não muito bem articuladas. Descarrilhamento do pensamento: o descarrilhamento do pensamento acontece quando o sujeito está falando e de repente o pensamento é desviado de seu curso normal, começa a falar sobre outra coisa e de repente volta novamente. Desagregação do pensamento: “[...] profunda e radical perda dos enlaces associativos, total perda da coerência do pensamento. Sobram apenas ‘pedaços’ de pensamento, conceitos e idéias fragmentadas, muitas vezes irreconhecíveis [...]”. Uma alteração importante do pensamento e que deve ser observada é o delírio, definido como “[...] pensamentos afastados da realidade e formados por idéias incompreensíveis, inamovíveis, irredutíveis, incorrigíveis, impenetráveis e não-relacionados a fatores causais” mediante uma lógica apresentada pela realidade. No que diz respeito aos delírios existem inúmeras classificações, de acordo com Dalgalarrondo, os frequentemente encontrados são: - Delírio religioso: acontece quando o sujeito, por exemplo, passa a afirmar ser um novo Messias, ou quando acredita ter poderes místicos. - Delírio persecutório: o sujeito acredita que está sendo perseguido por alguém, geralmente pessoas desconhecidas e que querem prejudicá-lo. - Delírio de referência: apresenta-se quando um sujeito acredita que os outrosestão constantemente falando dele, que ele é alvo freqüente de referencias depreciativas e caluniosas. - Delírio de culpa: ocorre normalmente em casos graves de depressão, em que o sujeito afirma ser culpado de tudo de ruim que acontece no mundo e na vida das pessoas. E também que devem ser punidos por seus pecados. Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 67 - Delírio hipocondríaco: o sujeito acredita que tem uma doença grave, incurável. Mesmo que este sujeito faça exames, que o médico constate que ele não apresenta nenhuma doença, não é possível remover este pensamento. Constam também, algumas manifestações psíquicas e comportamentais ligadas ao processo de hospitalização do sujeito, que estão relacionados com o pensamento, sendo eles: negação, aparecimento ou intensificação do sofrimento, fantasias, culpa e limitação das atividades. Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 68 UNIDADE 9 Classificação das Doenças Psicológicas - Introdução Tratado sobre patologia e terapêutica das doenças mentais9 Wilhelm Griesinger* Sobre o substrato das enfermidades mentais e o método que convém seguir em seu estudo 1º A obra que hoje publicamos tem como finalidade estudar as enfermidades mentais, aprender a reconhecê-las e a curá-las. A loucura, estado anormal da inteligência e da vontade, é apenas um sintoma; somente estudando essas enfermidades mentais sob um ponto de vista sintomatológico poderemos chegar a dividi-las em um certo número de grupos principais, cuja existência não poderia justificar-se de nenhum outro modo. O primeiro passo para chegar a entender estes sintomas consiste em localizá-los. A que órgão pertencem os fenômenos da loucura? Qual deve ser o órgão repetida e principalmente enfermo nos casos de loucura? A resposta a estas perguntas constitui a condição primeira de toda a psiquiatria. Se os fatos psicológicos e patológicos nos indicam que este órgão não pode ser outro que o cérebro, deduz-se que, antes que nada, em toda enfermidade mental devemos ver sempre uma afecção do cérebro. 2º A psicologia considera a vida psíquica uma forma vital particular do organismo; nos atos psíquicos, vê as funções de um órgão determinado, assim como tenta deduzi-las a partir da 9 Traduzido pelo Prof. Dr. Mário Eduardo Costa Pereira, do Laboratório de Psicopatologia Fundamental / Unicamp, a partir de: Rev Psiquiatria Fac Med Barna, v. 28, n. 5, p. 308-10, 2001. GRIESINGER, W. Traité sur la pathologie et la thérapeutique des maladies mentales. Paris: A. Delahaye Libraire-Éditeur, 1873. Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 69 estrutura desse órgão. Na verdade, algumas experiências conhecidas demonstram que, se as faculdades psíquicas, no sentido mais amplo do termo, vão ligadas a todo o sistema nervoso, o centro da inteligência e das faculdades afetivas reside no cérebro, e mesmo apenas em algumas partes desse órgão. Certamente, os diferentes estados de todo o sistema nervoso, transmitidos imediatamente ao cérebro, aportam alguns elementos capazes de manter e excitar as faculdades mentais (todo o sistema nervoso periférico pode ser o ponto de partida de impressões que modificarão nossos instintos e nossos afetos, que nos dão concepções mais ou menos claras ou obscuras). Mas o cérebro é o único que capta e percebe estas impressões, nele é onde se traduz a influência que exercem estas impressões sobre toda uma série de movimentos determinados e coordenados (sobre os atos). Observamos que, na série animal, as faculdades psíquicas são muito mais numerosas e mais variadas, que alcançam um aperfeiçoamento mais completo, que o cérebro apresenta um volume mais considerável, uma organização mais complexa e que a substância própria dos hemisférios em particular é mais volumosa. Por outro lado, observamos que no ser humano um defeito considerável no desenvolvimento do cérebro vai ligado a uma debilitação dos atos psíquicos elevados, da inteligência e da vontade (como freqüentemente podemos observar nos casos de idiotismo). Além disso, a experiência nos ensina que, em todos os seres humanos, as faculdades mentais experimentam modificações essenciais segundo o desenvolvimento e os câmbios que sofre o cérebro nas diferentes idades da vida. Nessas modificações temporais, nesse desenvolvimento progressivo através do qual o cérebro alcança progressivamente seu apogeu, para em seguida sofrer um retrocesso, a atividade intelectual do cérebro segue o mesmo ritmo que todas as funções orgânicas e se revela submetido, tal como estas, à lei do desenvolvimento do organismo. 3º Tal como os fatos fisiológicos, os fatos patológicos revelam que unicamente o cérebro pode ser o centro das faculdades mentais, sejam normais ou mórbidas, e que a integridade do funcionamento psíquico depende da integridade desse órgão, ambas podendo ver-se alteradas por um fato patológico que tenha seu substrato em algum órgão mais ou menos próximo ao cérebro. Os sintomas constantes e essenciais das enfermidades cerebrais, sejam Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 70 produzidas por causas internas ou por uma lesão externa, consistem igualmente, além das anomalias da sensibilidade e do movimento, quando a enfermidade é grave, em alterações intelectuais (exaltação ou perda da inteligência, perda da consciência, delírio etc.). Os casos menos freqüentes, nos que, na presença de uma desorganização grave do cérebro ou de uma perda de substância desse órgão, não se observa nenhuma alteração mental, não podem retirar valor aos resultados obtidos na observação diária. Sem dúvida, além do transtorno das faculdades intelectuais e afetivas, na maioria das enfermidades mentais ainda se observam anomalias importantes de outras funções, que evidentemente também são próprias ao cérebro. Em primeira linha encontram-se as alucinações, anomalias da função central dos sentidos, que em grande parte são percebidas como impressões periféricas, mas cuja produção deve ser obrigatoriamente transmitida ao cérebro, como assim o demonstram os fatos das alucinações persistentes da visão, em indivíduos que padecem de cegueira total com atrofia dos nervos ópticos (Esquirol). 4º Apesar de os fatos nos levarem forçosamente a transmitir a inteligência e a vontade ao cérebro, não devemos prejulgar nada sobre a relação existente entre os atos psíquicos e o cérebro, entre a alma e a matéria. Desde um ponto de vista empírico, antes de tudo devemos ratificar o fato da unidade da alma e do corpo e deixar que os métodos concebidos a priori estudem uma alma imaterial, a alma independente do corpo, e contentar-se com considerações abstratas sobre sua imaterialidade e sua unidade em oposição à multiplicidade da matéria etc. Como pode ser que um fenômeno material, físico, que tem lugar nas fibras nervosas ou nas células ganglionares, possa converter-se em uma idéia, em um ato da consciência?, fato totalmente incompreensível. Eu ainda iria mais longe: nem sequer sabemos como colocar uma pergunta relativa à existência e à natureza dos intermediários que unem estas duas ordens de fatos. Nesse sentido, tudo permanece relegado ainda ao campo da possibilidade. Nem o materialismo, que pretende explicar todos os atos físicos através da matéria, nem o espiritualismo, que pretende explicar a matéria através da alma, nos dão uma idéia exata daquilo que ocorre na alma. Além disso, se chegarmos a saber tudo o que se produz no cérebro quando este entra em ação, a penetrar em todos os secretos da química, da Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 71 eletricidade etc., de que nos serviria tudo isto? Como podem esses fatos transformar-se em fatos espirituais? Este problema permanecerá insolúvel para o homem até o fim dos tempose pessoalmente creio que, a não ser que um anjo desça dos céus e nos resolva este mistério, nossa alma não será capaz de compreendê-lo por si própria 5º De acordo com as premissas apresentadas até agora, a questão que tanto e durante tanto tempo tem tratado a antiga psiquiatria alemã, isto é, se a enfermidade afeta realmente e do mesmo modo a alma no caso da loucura e as anomalias da inteligência e da vontade, encontrará sua solução simples e afirmativa. Mas, certamente, não poderemos falar de enfermidades da alma em si mesmas; tal como o que ocorre com as patologias exatas, que podem nos falar das enfermidades dos fenômenos vitais e das funções, mas unicamente das enfermidades cerebrais que implicam uma alteração nos atos da inteligência e da vontade. 6º Mas se todos os casos de loucura dependem de uma afecção cerebral, nem todas as enfermidades do cérebro devem ser englobadas nas enfermidades mentais por esta mesma razão. Qual é então o tipo de afecção cerebral à qual nos defrontamos no caso da loucura? Desde um ponto de vista anatômico, tratam-se das enfermidades mais diversas, cujos conjuntos de sintomas levam o nome de loucura. Em grande parte, a patologia cerebral se encontra, mesmo hoje em dia, no ponto onde caiu a patologia dos órgãos torácicos, antes de Laennec. Em lugar de tomar como ponto de partida em geral algumas alterações estruturais dos órgãos e poder deduzir de maneira precisa a produção de sintomas das alterações produzidas nos tecidos, a patologia cerebral vai em geral relacionada com os conjuntos de sintomas cujo centro conhece apenas aproximadamente e cujo mecanismo de produção lhe escapa por completo... 7º Dado que a loucura não é mais que um complexo sintomático de diferentes estados anormais do cérebro, poderíamos perguntar se seria legítimo, de maneira geral, levar a cabo um estudo específico das enfermidades mentais separado das outras afecções do cérebro ou, antes, a psiquiatria não deveria entrar de nenhum modo, nem mesmo formalmente, na patologia cerebral. Ainda que isto não me pareça impossível em um futuro mais ou menos longínquo, qualquer tentativa que tenha como finalidade mesclar, no que se refere ao Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 72 presente, estas duas ordens de enfermidades seria, não obstante, prematura e absolutamente impraticável. 8º Tendo em conta que a loucura é uma enfermidade e, ainda, uma enfermidade do cérebro, disso se deduz que esta não pode ser estudada adequadamente senão desde um ponto de vista médico. A anatomia, a fisiologia e a patologia do sistema nervoso e toda a patologia e a terapêutica específicas entendidas em conjunto representam os conhecimentos prévios que mais necessita o médico alienista. Todos os estudos extramédicos sobre a loucura, e em particular todos os que têm sido realizados por poetas e moralistas, têm muito pouco valor, desde o ponto de vista do conhecimento dessa afecção. WILHELM GRIESINGER (1817-1868) Psiquiatra alemão; catedrático da Universidade de Frankfurt; autor do Tratado sobre patologia e terapêutica das doenças mentais (1845); primeiro titular da clínica psiquiátrica do Hospital Burghölzli, em 1860 Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 73 UNIDADE 10 Objetivo: Instrumentalizar, a partir da compreensão clínica dos transtornos mentais, estudo e prática em psicologia Detalhamento das Doenças Psicológicas - NEUROSE Em seu livro Tratado de Clínica Psiquiátrica, Isaias Paim, faz um profundo estudo sobre o tema. O termo neurose, segundo Pierre Janet, foi introduzido em linguagem médica em 1772, por William Cullen (1712-1792), para designar certas afecções protonaturais do sensório e do movimento, como parte da enfermidade primária, e aquelas que não dependem de uma afecção local dos órgãos, senão de uma afecção geral do sistema nervoso, e daqueles potenciais do sistema nervoso das quais depende, especialmente o sensório e o movimento. Com estas enfermidades estabelece-se um grupo com o título de 'neuroses' ou de 'enfermidades nervosas'. Com Charcot (1825-1893) tem início um período fecundo no estudo das neuroses, embora tenha centralizado o seu interesse, especificamente, na investigação da histeria. Baseando- se na observação clínica, estudou a histeria como uma enfermidade que se manifestava através de sintomas permanentes (estigmas histéricos) e transitórios (paralisias, contraturas e convulsões), que não se distinguem dos orgânicos por seus caracteres intrínsecos. Insistia na significação da herança neuropática nos histéricos e destacava o papel das emoções, considerando a enfermidade como o resultado de representações e idéias fixas e, na interpretação dos fatos clínicos, introduziu o conceito de sugestão. Na opinião de Iracy Doyle, a verificação mais importante de Charcot refere-se à possibilidade de reproduzir paralisias nos pacientes histéricos, à custa da sugestão hipnóica, o que o levou a admitir que as paralisias histéricas resultavam da idéia de paralisia, preparando assim o caminho para o estudo psicológico das neuroses. Entretanto, considerava que, sem a Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 74 degeneração hereditária, de que eram portadores os histéricos, não seria possível provocar paralisias por via da hipnose. Bernheim (1837-1919), discípulo de Charcot, chegou à conclusão de que as perturbações de que sofriam os histéricos podiam ser provocadas por via sugestiva. Dizia: a sugestão consiste na influência exercida por uma idéia que, apresentada ao indivíduo, é aceita por sua mente. Desse modo, a sugestão não representa um fenômeno propriamente histérico, mas, ao contrário, constitui uma disposição mental particular, que pertence ao acervo psicológico do homem, e que o coloca em condições de submissão às influências exteriores que, sobre o mesmo, possam ser exercidas. Joseph Babinski (1857-1932) empreendeu uma revisão geral do conceito de histeria da escola de Charcot, considerando que se deveria empregar o termo pitiático para designar o caráter de certas manifestações, abandonando-se de vez a palavra histeria, no sentido em que era empregada, para designar uma enfermidade especial, uma entidade mórbida inexistente. Assim, uma manifestação anormal seria denominada pitiática quando for reconhecida por seu caráter mórbido e tenha possibilidade de ser removida pela sugestão. Com base neste princípio, criou o axioma: Histórico é tudo aquilo que aparece pela sugestão e é removido pela persuasão. Pierre Janet (1859-1946) foi quem primeiro reconheceu a importância dos fatores psicológicos na produção de sintomas neuróticos. É o criador da expressão tensão psíquica, para designar a capacidade que tem todo o indivíduo de elevar-se, em suas ações, até determinado grau, dentro da hierarquia de suas tendências. Admitia a existência de condutas de baixa tensão, em que estão em atividade as tendências inferiores, e condutas de alta tensão, que reclamam a total atividade das tendências que ocupam um elevado posto no quadro hierárquico. Considerava, de modo geral, que o grau de tensão psíquica ou a elevação do nível mental de um indivíduo depende do grau hierárquico das tendências que se encontram em ação e do grau de atividade a quem podem chegar as mais elevadas. Concebida nestes termos, a tensão psíquica desempenha importante papel na interpretação das condutas normais e patológicas e na compreensão dos caracteres e das enfermidades mentais. Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 75 Para Pierre Janet, o conceito de tensão não deve ser confundido com a noção de força ou debilidade psíquica. A baixa da tensão psíquica, ocasionada por fadiga, sofrimentos ou choques, determina estreitamento do campo da consciência, dando margem ao aparecimento de sintomas neuróticos. Janet criou tambémo conceito de dissociação, que está em íntima relação com o anterior, para explicar como certos elementos, uma vez estreitado o campo da consciência, em decorrência de enfraquecimento da tensão psíquica, isola-se do restante dos conteúdos e tomam curso autônomo, manifestando-se como fugas, personalidades alternantes, paralisias, anestesias e outros sintomas histéricos. Foi ele o introdutor em psiquiatria do conceito de subconsciente, afirmando que certos elementos psíquicos, dos quais a pessoa não tem conhecimento, desempenham importante papel na produção de sintomas histéricos, admitindo que determinados processos mentais se tornam subconscientes, quando dissociados da corrente mental predominante no indivíduo. O aparecimento da obra de Freud (1856-1939) representa uma etapa decisiva no processo evolutivo do conhecimento das neuroses. Baseando-se na observação de Breuer, de que uma enferma histérica obtinha alívio dos sintomas quando relembrava, mediante hipnose, certa experiência traumática, esquecida, Freud admitiu a existência de uma relação entre manifestações neuróticas e experiências passadas, principalmente aquelas de conteúdo emocional e de intensa significação pessoal. Estabeleceu a fórmula: Os histéricos sofrem de reminiscências. Considerou ainda que os acontecimentos de natureza sexual eram os mais importantes na patogenia das neuroses, chegando à conclusão de que a angústia era expressão de frustração sexual. Desenvolveu em seguida a Teoria da Libido, considerada como uma das pedras angulares nas concepções da psicanálise. De acordo com essa teoria, o fator mais importante na determinação do desenvolvimento pessoal é a sexualidade. Para Freud, a neurose seria uma espécie de acordo estabelecido pelo ego entre os impulsos do id e a instância repressora do superego. Desse modo explicava que o neurótico reprime, como os demais, entretanto, o material reprimido retorna por outros caminhos sob a forma de sintomas. Os sintomas seriam o estabelecimento de compromisso, representando a satisfação substitutiva de tendências inconscientes, que continuariam a agir, embora disfarçadas e deformadas pela censura. Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 76 Posteriormente Kurt Schneider introduziu o conceito de reação vivencial anormal, como tentativa para substituir as concepções anteriores sobre a neurose. Kurt Schneider define a reação vivencial como a resposta sentimental, dotada de motivação plena de sentido, a uma vivência, isto é, a resposta oportuna, motivada e sentimentalmente adequada à referida vivência. Exemplifica: tristeza por algo, arrependimento por algo, medo diante de algo, colega por algo, constituem em si mesmo os elementos de que derivam, freqüentemente, a ação e o abster-se de agir. Este tender e este agir, este opor-se à tendência e o abster-se, pertence também à reação vivencial. No conceito de Kurt Schneider, as reações vivenciais anormais diferem das reações normais em virtude de sua extraordinária intensidade, ao que se deve acrescentar o fato de não serem adequadas sem relação ao motivo, ou melhor, a anormalidade da duração. Os critérios para delimitar as reações vivenciais anormais foram estabelecidos por Jaspers, e podem ser assim resumidos: 1) a situação reativa não teria surgido se não tivesse ocorrido a vivência que a originou; 2) o conteúdo, o tema da situação se encontra em relação compreensível com a causa determinante; 3) a situação, no que diz respeito ao curso temporal, depende da causa e, sobretudo, cessa quando desaparece a causa. A essência da reação vivencial anormal consiste no fato de ser originada por uma vivência. Nas reações vivenciais anormais, há uma relação compreensível entre o acontecimento e a reação desencadeada, reação essa que não ocorreria na falta do acontecimento, tudo mais que daí decorre depende do acontecimento original, isto é, as reações estão em relação temporal com os acontecimentos. A esse propósito, diz Jaspers: Resumimos ainda, para concluir, os traços comuns a todas as reações verdadeiras: o motivo ocasional, que está em relação temporal estreita com o estado reativo, é suficiente para nossa compreensão. Entre o conteúdo deste acontecimento e o conteúdo da reação anormal, há uma relação compreensível. Como se trata de uma reação a um acontecimento psíquico particular, a Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 77 anomalia se apaga no decurso do tempo. Sobretudo, com a cessação da causa, a reação anormal desaparece. Isto coloca a reação anormal em oposição a todos os fenômenos mórbidos que nascem espontaneamente. Como bem assinalou Kurt Schneider, as reações vivenciais anormais, quando provocadas por motivos externos, são independentes do caráter individual: são humanas, próprias de todo homem. Isto é perfeitamente compreensível se levarmos em consideração a freqüência de reações vivenciais anormais em épocas de turbulência social. DEFINIÇÃO E CONCEITO Mira e Lopez (2009) define a neurose como um curso mórbido constituído pelo conjunto de alterações funcionais, psíquicas e somáticas, que ocasionam intenso mal-estar e sofrimento íntimo. Aparecem motivadas, fundamentalmente, por conflitos psíquicos, que propendem a cronificar-se e que não alteram de modo essencial à concepção do mundo, nem os meios de adaptação habitual às exigências da vida social, sendo essencialmente curáveis pela psicoterapia. Siebeck considera as neuroses como manifestações mórbidas, psíquicas e somáticas, de uma personalidade biologicamente predisposta, por cuja atitude típica o indivíduo fracassa em seu ajustamento ao ambiente, manifestações mórbidas que têm uma psicodinâmica especial e que são originadas com freqüência por impressões extraordinárias. Baseando-se em princípios psicanalíticos, Laplanche e Pontalis (2008) definem a neurose como afecção psicogênica em que os sintomas são a expressão de um conflito psíquico que tem suas raízes na história infantil do indivíduo e constitui compromissos entre o desejo e a defesa. Pode-se ainda conceituar as neuroses como estados de perturbação da personalidade que dão origem a dificuldades nas relações interpessoais, na adaptação à realidade e na realização existencial, e que se acompanham de manifestações psíquicas e somáticas, redutíveis, no plano psíquico, ao sofrimento que se expressa sob a forma de angústia. São Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 78 perturbações de natureza não qualitativa, o que serve como elemento para diferencia-las das psicoses. Apesar da diversidade observada na definição da neurose, pode-se verificar a existência de um amplo acordo quanto à delimitação clínica do conjunto de síndromes consideradas como neuróticas. ETIOPATOGENIA As teorias etiopatogênicas da neurose constituem motivos de controvérsia, entretanto, admite-se sem contestação que a gênese e o desenvolvimento de um quadro neurótico está na dependência de fatores internos e externos. Entre os fatores internos significação especial a predisposição originária, unificada no conceito de personalidade neurótica. Os fatores externos que podem contribuir para o aparecimento de distúrbios neuróticos consistem em situações próprias da existência humana: experiências traumáticas no curso do desenvolvimento infantil, frustrações, medos não reconhecidos, conflitos entre tendências fundamentais e restrições culturais, necessidade de defesa ou segurança, sentimentos de culpa. Desse modo, verifica-se que os sintomas neuróticos são maneiras individuais de reagir a tensões específicas: O papel que desempenham estará determinado pela natureza da necessidade psicológica que lhe deu origem. A neurose, diz Iracy Doyle, cria oportunidade para o enfermo escapar ao conflito, um alívio para sua ansiedade, freqüentemente de nível simbólico. Por estarazão, o sintoma neurótico pode representar uma indicação precisa da natureza do conflito. Binder admite que a neurose é o resultado de um transtorno da elaboração psíquica dos conflitos internos. As influências ambientais desfavoráveis que provocam tais conflitos intrapsíquicos consistem, com muita freqüência, numa atmosfera familiar ou profissional negativa, do que em simples acontecimentos isolados. De qualquer modo, costumam ser ações combinadas extraordinárias, não cotidianas, as que produzem a neurose. Por isso, em geral, trata-se de desenvolvimentos psicogênicos. QUADROS CLÍNICOS Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 79 Apesar das dificuldades inerentes à classificação das neuroses, é evidente que a descrição de tipos clínicos se torna indispensável, mesmo que seja por necessidade de comunicação da experiência. O mais importante, porém, é considerar que se trata apenas de tipos clínicos. Em geral, são tipos mistos, pois o exame de um paciente neurótico revela certa complexidade na sintomatologia, elementos de outros tipos, porém existe uma gradação no aspecto sintomatológico, e o traço mais saliente serve como elemento para designar o quadro. É certo que, desse modo, realizamos simplesmente uma primeira aproximação com o problema, aproximação indispensável do ponto de vista empírico, pelo menos como meio de comunicação de conhecimentos. Adotando um critério empírico-fenomenológico, é possível descrever, com finalidade didática, alguns tipos fundamentais de neuroses, tais como: a histeria, a neurose de angústia, a neurose hipocondríaca, a neurose depressiva, a neurose fóbica e a neurose obsessiva. HISTERIA Binder emprega a expressão histérico não para caracterizar uma entidade patológica, e muito menos ainda para designar determinados sintomas estas duas formas de aplicação da palavra não chegaram a ficar estabelecidas senão que designa como histérica uma atitude psíquica especial e que pode apresentar-se através dos sintomas os mais diversos. A atitude histérica, diz Binder, consiste em que o indivíduo representa para as pessoas que o rodeiam um papel determinado o mais freqüente é o de enfermo com a intenção secreta de obter delas atenção, compaixão, amor, ajuda, o reconhecimento de direitos e vantagens materiais. O que pretende o enfermo é falso, porque emprega esse expediente como recurso para conseguir outro fim: obter algo do ambiente. Diz Iracy Doyle que nem toda fuga na enfermidade pode ser considerada como manifestação de histeria. O fenômeno histérico, ensina, aparece como um recurso psicológico desenvolvido de modo inconsciente, ou pelo menos em grande parte inconsciente, com a finalidade de permitir a adaptação do indivíduo a situações particularmente difíceis e penosas. Desse modo, a manifestação histérica é economicamente útil, pois oferece solução para o problema pessoal, reduzindo a ansiedade despertada pela situação perturbadora. Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 80 Nessas condições, faz parte de uma série de manifestações defensivas e adaptativas de gradações insensíveis, que começa com os planos conscientes do indivíduo normal, passando pelas atitudes simuladas, em que a pessoa adota certas pautas de conduta consciente e, fraudulentamente, com o intuito de resolver dificuldades interiores ou dificuldades exteriores, chega às manifestações histéricas, em que as necessidades interiores ou dificuldades exteriores ditam atitudes irracionais, total ou parcialmente inconscientes. Como foi dito anteriormente, nem toda fuga na enfermidade deve receber o diagnóstico de histeria. Para isso, é necessário a existência de uma solicitude secreta do ambiente, que representa a motivação da enfermidade. Nesses casos, as funções normais podem servir de material para a apresentação histérica da enfermidade. Assim, os motivos para dramatizar, do mesmo modo como a forma como isso se realiza, são reprimidos. Por esta razão, o histérico não tem consciência exata do papel que está representando. Somente nos casos em que a repressão é muito débil, superficial e fragmentária, o indivíduo adquire uma vaga noção de que está representando algo perante o ambiente. O sofrimento do histérico constitui o elemento que o distingue do simulador. Diz Binder que todas as reações vivenciais podem servir de material para as manifestações histéricas. Reações depressivas podem converter-se numa depressão teatral, com a finalidade de provocar a compaixão de outras pessoas e, ao agir dessa maneira, mesmo em meio aos seus lamentos tormentosos, é perfeitamente capaz de aprender as reações do observador e de modificar, de acordo com elas, a sua tonalidade. No entanto, os tipos de manifestações mais comuns nos histéricos são as reações primitivas e as de conversão: paralisias, convulsões, tiques, tremor, anestesias. Essa ocorrência se deve ao fato de que, semelhantes manifestações, em si mesmas, exercem profunda impressão no ambiente do enfermo e, por isso, são especialmente aptas para dramatizar a enfermidade. O grande ataque histérico, tal como foi descrito por Charcot, é, atualmente, uma raridade diagnóstica. Pode ser observado, ainda, em um número reduzido de pessoas pertencentes a comunidades sociais inferiores, de cultura limitada e mentalmente primitiva. O ataque se manifesta por uma agitação desordenada, tumultuosa, acompanhada de contorsões e Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 81 atitudes extravagantes. A crise se acompanha, na maioria das vezes, de agitação verbal, gritos, riso incontido, pranto, lamentações e invectivas. Não se verifica alteração da lucidez, ou acompanha-se apenas de leve obnubilação da consciência. As paralisias e contraturas são sintomas mais freqüentes do que o grande ataque histérico. Consistem, as primeiras, em monoplegia, paraplegia, hemiplegia, sem hipotonia muscular e sem alteração dos reflexos. A contratura psicógena se diferencia da contratura orgânica por sua exagerada intensidade, pela persistência dos reflexos cutâneos e pela coexistência de anestesias localizadas. As anestesias histéricas nunca acompanham a distribuição real do nervo: afetam em geral a mão, o pé ou a metade do corpo. Funções sensoriais, como a visão, podem manifestar inibições, das quais resultam: diminuição da acuidade visual, sensações de turvação da visão, escotomas e amaurose. Os demais órgãos dos sentidos costumam ser menos freqüentemente afetados. É compreensível que as formas de reações primitivas e as de conversão, por seus aspectos dramáticos, sejam colocadas a serviço das tendências histéricas, porque semelhantes acontecimentos, por si mesmos, costumam causar grande impressão no ambiente e, por isso, alcançam os objetivos a que se destinam. Os psiquiatras clínicos admitem a existência de uma relação estreita entre os sintomas histéricos e a estrutura correspondente da personalidade. Os traços da personalidade que se encontram associados com as manifestações histéricas são: imaturidade emocional, instabilidade afetiva e sugestibilidade exagerada. Jaspers fez uma descrição sucinta dessa personalidade: Encontramos sempre a mesma característica fundamental: em lugar de contentar-se com seus dotes e possibilidades pessoais, tal como são na realidade, o histérico tem necessidade de aparentar mais do que é e de experimentar mais do que é capaz de experimentar. Em lugar da experiência mental direta e genuína, com o seu modo natural de expressão, seus sentimentos são artificiais, representados, afetados. Mas, não se trata de uma simulação deliberada; graças aos seus dotes histriônicos característicos, vive inteiramente em sua representação teatral, é imediatamente absorvido Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 82 por ela e isto faz com que pareça genuína [...] A personalidadehistérica não tem núcleo, ao contrário, consiste unicamente em uma série de máscaras sempre cambiantes. [...] Para convencer a si próprio de sua importância, o histérico necessita representar um papel, fazendo-se sempre interessante, inclusive às custas de sua honra e do seu bom nome, e se sente realmente infeliz se não o levam a sério, mesmo que seja por alguns instantes, pois, de vez em quando, subitamente, se dá conta de sua própria vacuidade. No meio hospitalar, as manifestações histéricas mais chamativas são observadas em débeis mentais, primitivos e infantis: Compreende-se que essas pessoas, que não se bastam a si mesmas, apelem com insuficiente autocrítica e com egoísmo ingênuo, para a representação histérica de enfermidade. NEUROSE DE ANGÚSTIA Sob esta denominação, Freud descreveu um quadro neurótico cuja característica consiste na predominância da angústia: expectativa ansiosa, acessos de angústia ou manifestações corporais da ansiedade. A sintomatologia é extremamente variável e está centralizada na angústia, estado que se caracteriza pelo sentimento de um perigo ameaçador ou pela expectativa de uma catástrofe imaginária, que ocasiona sofrimento físico e psíquico. Os estados de angústia podem seguir com uma gradação desde o simples mal-estar indefinido, acompanhado de idéias pessimistas, estados de inquietação, de ansiedade e, finalmente, grandes manifestações de angústia aterrorizante. Os sintomas corolários do quadro da neurose de angústia consistem em: palpitações, falta de ar, inapetência, sensação de fome constante ou de plenitude gástrica permanente, obstipação, crises diarréicas, tremores, fraqueza muscular, câimbras, dormência localizada, cansaço fácil, fadiga visual, embaçamento da vista e zumbidos. Os sintomas psíquicos se manifestam como limitação do rendimento intelectual, dificuldade da concentração, inquietude aparente ou interior, às vezes depressão ou irritabilidade. Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 83 Sob esse fundo de alterações psíquicas e corporais surgem, periodicamente, crises agudas de ansiedade, acompanhadas de sofrimento indescritível e impressão de perigo iminente. Os acessos de angústia podem sobrevir sem nenhum motivo exterior desencadeante ou, o que é mais comum, por ocasião de um acontecimento eventual. As crises agudas se acompanham de taquicardia, palidez, sudorese, resfriamento das extremidades e lassidão. Após a crise o enfermo sente-se extremamente fatigado. O medo da repetição das crises de ansiedade constitui uma fonte permanente de sofrimento. Nos casos em que as manifestações corporais da crise de angústia se localizam na área cardíaca, observa-se, além das intensas palpitações, dispnéia e aceleração do pulso, dor na região cardíaca, simulando uma crise de angor pectoris. A personalidade dos indivíduos que apresentam neurose de angústia tem como traços fundamentais a instabilidade emocional, preocupações excessivas e mais ou menos infundadas, grande insegurança e tendência ao pessimismo. NEUROSE FÓBICA No quadro da neurose fóbica verifica-se que a angústia difusa, observada na neurose de angústia, se centraliza em torno de certas situações sumamente específicas, configurando verdadeiros estados de angústia condicionada: medo da escuridão, de espaços amplos, de espaços fechados ou de lugares elevados. Na opinião de Franz Alexander, nesses casos, o paciente retorna a certos medos da primeira infância, desde logo comuns e normais na criança, tais como medo às pessoas estranhas, à escuridão, às quedas, ao estar só em uma rua cheia de pessoas. Os psicanalistas, que dedicaram atenção especial à neurose fóbica, consideram que a fobia representa o substituto de um medo real aos problemas comuns da vida, aos quais o paciente não tem condições de enfrentar. Os mais comuns entre os problemas que o paciente trata de evitar são os vinculados com a maturidade sexual, as responsabilidades do casamento e da paternidade, e às tarefas ocupacionais que requerem decisões Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 84 independentes, competência, e todas as complexas relações interpessoais que integram a existência do adulto. Em alguns casos a angústia fóbica permanece centralizada desde o início em um só objeto, mas é possível observar casos em que ela se propaga de maneira progressiva, determinando maior restrição à liberdade do enfermo. Nos casos mais acentuados, é fácil verificar que a vida social do paciente, vai progressivamente, se tornando cada vez mais estreita, até que, finalmente, fica limitada a uma existência puramente vegetativa dentro de sua própria residência. Esta fase final revela de modo claro a tendência inconsciente para a dependência infantil, uma fuga de todos os perigos e esforços da existência do adulto. O problema etiológico, segundo Franz Alexander, consiste em estabelecer a causa da reativação regressiva dos medos infantis. NEUROSE HIPOCONDRÍACA Apesar de alguns autores considerarem necessário abandonar o conceito de hipocondria, a prática médica revela casos em que as queixas hipocondríacas dominam inteiramente o quadro mórbido. Desse modo, a neurose hipocondríaca corresponde a uma realidade clínica, especialmente pela uniformidade do sintoma. A nota dominante no quadro da neurose hipocondríaca consiste nas preocupações excessivas e angustiosas do enfermo relativas a doenças de que se considera portador. As preocupações se referem a diferentes enfermidades, porém de preferência às mais temidas: câncer, tuberculose, enfarte, sífilis, lepra e loucura. Esses temores hipocondríacos não permanecem limitados apenas à idéia de padecer a enfermidade temida, mas se transfere de uma forma profundamente inquietante à observação do funcionamento de órgãos internos. A atenção do enfermo se concentra no funcionamento de seus órgãos em geral, ou em um deles, com prejuízo, nos casos graves, do que normalmente deveria interessar-lhe, e isto explica o seu ostensível egoísmo (H. Aubin). Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 85 Alguns autores admitem que na base da neurose hipocondríaca existe uma disposição constitucional especial, o que conduz o indivíduo à auto-observação e à interpretações patológicas. Outros, como Binder, consideram as reações hipocondríacas como a conseqüência de sentimentos de culpa por enfermidades venéreas adquiridas, por aborto provocado e, sobretudo, pelo onanismo excessivo, especialmente depois da leitura de artigos explicativos, que enumeram as enfermidades que o mesmo pode originar. As idéias hipocondríacas, pelo fato de expressarem um temor invencível e sem fundamento, estão muito próximas das fobias, marcando, assim, a transição entre a neurose fóbica e a neurose obsessiva, caracterizada pelo aparecimento de pensamentos que se impõem à consciência e dominam sem motivo. Franz Alexander considera que as preocupações angustiosas pelo próprio corpo e o temor de enfermidade constituem manifestações de uma profunda necessidade de sofrimento que dimana de sentimentos de culpa inconsciente. São predispostos à neurose hipocondríaca as pessoas muito impressionáveis, receiosas e/ou com debilidade mental. NEUROSE DEPRESSIVA A expressão neurose depressiva é empregada para designar os quadros depressivos produzidos por conflitos psíquicos. Como é sabido, Kurt Schneider fala de reação vivencial anormal quando há desproporção entre a intensidade, duração e colorido dos sintomas e os motivos desencadeantes. Na maior parte dos casos, as manifestações depressivas surgem após um acontecimento de grande significação emocional. Servem de exemplo: o rompimento de noivado, o desquite, a perda de parente próximo, a falência ou o fracasso na vida social. A resposta sentimental mantém uma relação compreensível com o acontecimento.A anormalidade da reação se encontra, precisamente, na intensidade e duração dos sintomas depressivos. Os sintomas da neurose depressiva consistem em tristeza, angústia, desânimo, desinteresse pela vida, crises de choro e insônia. São freqüentes as idéias, as tentativas e mesmo a Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 86 consumação do suicídio. Na depressão neurótica não se observam sintomas corporais acentuados, tais como anorexia, emagrecimento, constipação, impotência sexual ou frigidez, bem assim as crises de excitação ansiosa. Laughlin (1956) destacou os traços característicos das personalidades predispostas a reagir depressivamente: a) trata-se de indivíduos circunspectos, taciturnos, submissos, sem senso de humor, estudiosos e dignos de confiança; b) revelam grande vulnerabilidade à rejeição, ao desapontamento e à frustração; c) esses traços indicam que o indivíduo nega, reprime e esconde de si mesmo todos os sentimentos de ódio e hostilidade. Por isso, revela tendência a concordar sempre, a ser conciliador, com superpolidez, subserviência e obsequiosidade. Em nossa época, verifica-se a diminuição progressiva das manifestações histéricas, enquanto aumentam assustadoramente os casos de neurose depressiva. NEUROSE OBSESSIVA A neurose obsessiva corresponde, por sua sintomatologia, ao conceito primitivo de psicastenia, de Janet. O seu fundamento etiopatogênico é a personalidade neurótica do tipo compulsivo. Segundo Ernest Jones, estas personalidades têm os seguintes traços: as personalidades compulsivas possuem ou podem possuir, como qualidades positivas (favoráveis) o individualismo, a perseverança, o espírito de ordem e a capacidade de organização e sistematização, a minuciosidade e precisão na realização de seus trabalhos, o bom senso e uma especial habilidade manual. Mas em oposição a esses traços, revelam também, mais ou menos desenvolvido, um caráter extremamente difícil: são mal-humorados, suscetíveis, teimosos, com tendência a molestar aos demais e a martirizar-se a si próprios; são predispostos à hipocondria, à tirania, e se mostram muito irregulares em seu rendimento exterior. Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 87 Segundo Freud, as personalidades compulsivas têm por princípio deixarem tudo para o último momento e uma vez iniciado um trabalho qualquer, não o abandonam até a sua terminação, revelando desse modo uma energia, obstinação e perseverança em completa oposição com a suposta debilidade ou falta de tensão psíquica, que lhes era atribuída por Janet. O quadro clínico está caracterizado pela presença de pensamentos obsessivos e atos compulsivos. Pensamentos obsessivos são aqueles que se impõem à consciência do enfermo e dos quais não se pode livrar pelo esforço da vontade. A impossibilidade de reprimir os pensamentos obsessivos não pode ser explicada pelos motivos ordinários. Störring admite que, nesse caso, há perda da liberdade espiritual, uma impossibilidade de afastar os pensamentos ?próprios? indesejáveis, que se impõem de modo poderoso à consciência do paciente. As variedades clínicas da obsessão podem ser multiplicadas ao infinito, de acordo com os diferentes aspectos do sintoma, seu objeto ou tema, sua intensidade e duração, destacando- se como os mais freqüentes: o de sacrilégio, o de crime, o de vergonha de si mesmo, o de vergonha do próprio corpo e o de enfermidade. O pensamento obsessivo se acompanha de certo grau de tensão, que pode cristalizar num estado de dúvida permanente. O estado afetivo permanente do paciente é de apreensão e ansiedade. A existência do pensamento obsessivo no campo da consciência, apesar do esforço desenvolvido pelo enfermo para afastá-lo, dá como resultado os chamados cerimoniais obsessivos. Esses cerimoniais consistem na execução de uma infinidade de atos, realizados de maneira compulsiva. Os atos podem ser simples ou complicados, mas obedecem sempre a uma necessidade de alívio momentâneo para o estado de angústia intensa ou flutuante experimentado pelo paciente. FREQUÊNCIA Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 88 Não se dispõe de dados estatísticos sobre a incidência das neuroses, no entanto, os especialistas consideram-nas como transtornos psiquiátricos mais freqüentes em nossa época. Os psiquiatras americanos admitem que 50% dos pacientes que procuram os consultórios de clínica médica são portadores de distúrbios neuróticos. Provavelmente, nessa cifra não se incluem os casos psicossomáticos, nem fazem referência ao grande número de ansiosos, depressivos, hipocondríacos, fóbicos e obsessivos. Em relação à freqüência relativa, embora não se disponha de dados seguros, tudo leva a admitir que a histeria, tão difundida em épocas anteriores, especialmente em suas manifestações espetaculares, esteja em franca decadência. Somente nas comunidades sociais inferiores é que se pode observar ainda casos de ataques histéricos à maneira como se verificava na época de Charcot. Os conflitos relacionados a desejos inconscientes manifestam-se, atualmente, através de quadros psicossomáticos. Na medida em que diminui a freqüência das reações histéricas, aumentam de maneira progressiva os casos de neurose depressiva. A investigação das neuroses em relação ao sexo revela que a histeria, as neuroses hipocondríaca e depressiva são mais comuns no sexo feminino, enquanto as neuroses fóbica e obsessiva têm maior incidência no sexo masculino. DIAGNÓSTICO O diagnóstico de um caso de neurose deve basear-se numa impressão geral do quadro clínico, tornando-se como princípio para a diferenciação dos diversos tipos o sintoma psíquico dominante: O traço mais saliente serve como elemento para designar o quadro. O mais importante é saber distinguir certos estados neuróticos das manifestações aparentemente neuróticas que podem ser observadas no início de afecções orgânicas do sistema nervoso central ou no grupo das psicoses endógenas. É demasiadamente conhecido que a forma inicial da aterosclerose encefálica, assim como as manifestações prodômicas de paralisia geral, são quase sempre integradas por sintomas de tipo neurótico. No primeiro Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 89 caso, a idade do enfermo e alguns sinais de aterosclerose periférica podem contribuir para o esclarecimento do diagnóstico. Do mesmo modo, o exame neurológico e a positividade das reações do liquor decidem o diagnóstico de neurolues. Convém assinalar, ainda, a possibilidade do início reacional neurótico de verdadeiros processos esquizofrênicos. O critério prático para o diagnóstico diferencial deve ser, neste caso, o de investigar os sintomas de primeira ordem, entre os quais se destacam: a sonorização do pensamento, vozes dialogadas, vivência de influência corporal, roubo do pensamento, percepção delirante. Ali onde estas vivências se achem presentes e não se encontrem enfermidades corporais básicas, fala-se clinicamente de esquizofrenia. Além disso, nas neuroses os sintomas são compreensíveis, enquanto na esquizofrenia não existem fatores etiológicos provenientes do meio exterior. Os principais sintomas dos quadros neuróticos consistem em angústia, fobias, obsessões, idéias hipocondríacas e depressivas, conversão e certas inibições, como, por exemplo, a impotência psíquica. A angústia se caracteriza pela presença do sentimento da eminência de um perigo indeterminado. Esse sentimento se acompanha da elaboração de temas trágicos, que ampliam as representações de um modo desproporcionado. A angústia é tensa, expectante e tende a perturbar as funções orgânicas, expressando-se através de uma série de distúrbios neurovegetativos: constrição respiratória, dispnéia, opressão cardíaca acompanhada de taquicardia e palpitações, lentidão ou aceleração dopulso, palidez, relaxamento da musculatura facial, espasmos em órgãos diversos, transpiração nas mãos, nos pés e na face. A angústia é o elemento fundamental das neuroses: Os demais sintomas ou traços neuróticos devem ser considerados como transformação ou disfarces da angústia; por mecanismos inconscientes, o ego é defendido contra a irrupção ou permanência da angústia. As fobias são manifestações de medo patológico. Aparecem, especificamente, diante de certos objetos ou situações: animais, espaços amplos, recintos fechados, multidões, elevadores. As obsessões se caracterizam pela invasão da consciência por palavras, idéias e representações, independentemente da vontade, e que são consideradas como estranhas Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 90 e absurdas. São infinitas as variedades clínicas das obsessões, observando-se com mais freqüência as de sacrilégio, de crime, de vergonha de si mesmo, de vergonha do próprio corpo e de enfermidade. Os esforços despendidos pelo paciente, no sentido de afastar os pensamentos e as imagens obsessivas da consciência são improdutivos. Os meios empregados para se libertar desses pensamentos são ineficazes e, quando muito podem determinar um alívio superficial e passageiro. Os fenômenos causam desagrado, desprezar e dão origem ao sentimento de perda da liberdade espiritual. A conversão consiste na transformação de um conflito psíquico em sintoma somático. A amaurose histérica, por exemplo, desenvolve-se com integridade do meio ocular e da retina, e conservação do reflexo fotomotor. Admite-se que os sintomas conversivos consistem na expressão deformada de exigências instintivas reprimidas, sendo que o tipo de deformação é determinado pelos acontecimentos do passado que deram lugar à repressão. Por esse mecanismo podem originar-se paralisias, anestesias regionais, manifestações convulsivas, dores e espasmos viscerais. É precisamente a predominância de determinados sintomas que torna possível descrever, com relativa autonomia, os quadros clínicos das neuroses: a histeria, as neuroses de angústia, hipocondríaca, depressiva, fóbica e obsessiva, onde se observam processos de simbolização. A neurastenia, pelo fato de ser conceituada, atualmente, como uma perturbação adquirida, em virtude de suas causas serem de natureza corporal, vai aos poucos sendo afastada do grupo das neuroses. Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 91 Atividade 1 “Não será exagero afirmar que o político profissional precisa conhecer Psicopatologia, porque de posse desses conhecimentos, estará em condições de interpretar comportamentos anormais de graves consequências para o país”. Qual o seu ponto de vista a respeito da afirmação acima? Justifique sua resposta. Antes de dar continuidades aos seus estudos é fundamental que você acesse sua SALA DE AULA e faça a Atividade 1 no “link” ATIVIDADES. Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 92 Fórum I A psicopatologia atravessou diversas etapas em sua evolução, porém, são considerados dois grandes momentos revolucionários na sua história que se relacionaram mais à atitude da sociedade em relação ao psicopata do que aos progressos intrínsecos dessa ciência. O primeiro com a postura de Philippe Pinel, estudioso que abordou as doenças mentais como resultado da exposição excessiva ao estresse psicológico e social, em oposição às opiniões tradicionais repletas de misticismo e discriminação. O segundo, quando tendências agrupadas sob a denominação genérica de antipsiquiatria (loucura como fenômeno social) passaram a recomendar o fim dos manicômios e a integração do psicopata à sociedade, mediante técnicas específicas. No seu ponto de vista, o que significa “momentos que se relacionaram mais à atitude da sociedade em relação ao psicopata”. Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 93 UNIDADE 11 Objetivo: Instrumentalizar, a partir da compreensão clínica dos transtornos mentais, estudo e prática em psicologia Detalhamento das Doenças Psicológicas – PSICOSE A expressão loucura moral foi introduzida na linguagem médica por Prichard, em 1835, para designar o comportamento de certos indivíduos que apresentavam desarmonia constitucional da afetividade e da vontade, com integridade da capacidade de julgamento, da crítica e do pensar. A expressão foi amplamente difundida e, até 1927, era reconhecida em caráter oficial pela jurisprudência inglesa. Em 1888, J. L. Koch empregou o termo inferioridade psicopática, para definir certas variantes do caráter, em sua maioria congênitas e, em uma pequena parte, como conseqüência de enfermidades cerebrais. Kraepelin, por sua vez, distinguiu personalidades psicopáticas e estados psicopáticos constitucionais, admitindo que os indivíduos pertencentes aos dois grupos eram portadores de uma anomalia psíquica geral, mas advertiu que não se trata de um processo crônico. Na última edição do "Tratado" descreve tipos de conduta psicopática, destacando alguns sintomas formais, como a impulsividade, a labilidade afetiva e a agressividade. CONCEITO DE PERSONALIDADE A personalidade pode ser definida como o conjunto de qualidades psíquicas e morais do indivíduo, isto é, a soma total de seus conhecimentos, capacidades, propensões, hábitos e reações afetivas, que se exteriorizam através da conduta no meio social. A personalidade do indivíduo deve ser compreendida em relação com as influências ambientais – condições Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 94 econômicas, meios físico e social, fatores culturais. A personalidade é o resultado de todas as influências ambientais sobre o indivíduo e a sua resposta conseqüente. Nela estão não somente as bases físicas, biológicas da individualidade, como as múltiplas influências econômicas, sociais e culturais. Kurt Schneider define a personalidade como o conjunto dos sentimentos e valorizações, das suas tendências e volições. Exclui deste conceito a inteligência com a suas faculdades de juízo, lógica e memória, e os sentimentos e tendências corporais ou vitais, mas, é claro, tem grande significação o jogo recíproco e íntimo destas partes da individualidade humana, pois a inteligência é a condição de desenvolvimento da personalidade. Jaspers define-a como "a maneira particular como um indivíduo manifesta as tendências e sentimentos e a forma como é impressionado, como reage às situações que se deparam". No estudo da personalidade devem ser considerados os três aspectos: constitucional (hereditário), temperamental (fisiológico) e caracterológico (psicossocial). A constituição é a base hereditária da personalidade. O temperamento é a fase fisiológica-endócrina e o caráter a face psicológica da personalidade. PERSONALIDADE ANORMAL - As personalidades anormais são, para Kurt Schneider, as variantes, os desvios do plano médio - para baixo ou para cima, para mais ou para menos - da personalidade humana. Schneider adverte que o termo "anormal" é empregado com dois significados diferentes, o estatístico e o ideal, e que somente no primeiro sentido é que a ciência pode aplicá-lo. Das personalidades anormais separa como personalidades psicopáticas aquelas que sofrem por sua anormalidade ou que por ela própria fazem sofrer a sociedade. Esta delimitação em dois grupos, os que sofrem e os que fazem sofrer, é em todos os sentidos arbitrária e os seus limites imprecisos entre si e com as personalidades anormais, mas baseia-se em razões práticas, pois é destas que terá de se ocupar o psiquiatra. Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 95 PERSONALIDADE PSICOPÁTICA - os termos psicopatia, psicopata e personalidade psicopática são empregados como sinônimos. Bleulerdefiniu a psicopatia como um conceito unitário, que compreende os desvios psíquicos da normalidade, não sendo possível, em sua opinião, delimita-los de outra maneira. Afirma que "é sempre incorreto dizer que os psicopatas têm esta ou aquela qualidade", pois, segundo a natureza de sua exteriorização sintomatológica, não pode esta ter nenhuma limitação determinada, nem pode haver sintoma comum a todos os estados. Apesar do caráter individual da sintomatologia, predominam traços essenciais, o que permite a descrição de tipos de personalidades psicopáticas, embora existam, entre os mesmos, variações, formas de transição e combinações. Apesar de ser impossível descrever quadros bem delimitados, não se duvida mais da existências de pessoas que manifestam anomalias do comportamento, sendo muitas vezes necessário afasta-las do convívio social. Esse traço característico permitiu a Verbeek afirmar que a alteração fundamental do psicopata consiste numa falha do ser-em-o-mundo, em conseqüência de defeituosa disposição hereditária para a comunicação interpessoal. G. E. Störring pretendeu dar uma definição psicológica das personalidades psicopáticas, considerando que se devia falar em disposições psicopáticas, "quando os desvios, de origem disposicional, da vida instintiva, dos sentimentos, dos afetos e da vontade se tornam tão intensos que dissolvem a estrutura própria do caráter e da personalidade, assim como sua ordem inferior, sua firmeza, sua unidade e sua totalidade". Já Kurt Schneider procurou dar uma definição mais de natureza sociológica, admitindo que as personalidades psicopáticas são aquelas que sofrem por sua anormalidade ou que por ela própria fazem sofrer a sociedade. As personalidades psicopáticas sempre despertaram grande interesse clínico e social, em virtude da freqüente incidência criminal dos seus portadores e das dificuldades que, muitas vezes, surgem para a solução dos problemas de natureza forense. As maiores dificuldades incidem, porém, em torno da sistemática, delimitação clínica e problemas etiopatogênicos. O seu conceito esteve, durante muitos anos, ligado à doutrina das "degenerações psíquicas". Os fatores hereditários desempenham importante papel em sua etiologia, bem assim o Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 96 alcoolismo paterno, a lues, doenças infecciosas da genitora no período da gestação, traumatismos obstétricos, encefalopatias infantis, disendocrinias, encefalite e até mesmo os traumatismos crânio-encefálicos. PROBLEMA DAS BASES CORPORAIS DAS PERSONALIDADES PSICOPÁTICAS - Kurt Schneider, ao estudar o problema das bases corporais ou orgânicas das personalidades psicopáticas, considera que esta questão, em sua essência, é idêntica ao problema das bases corporais da personalidade em geral. Para esclarerimento desse problema, devem ser analisados três aspectos principais: a) Ponto de vista localizatório cerebral - Vários autores nacionais tentaram encontrar as bases corporais das personalidades psicopáticas ao estudar as alterações do comportamento de indivíduos jovens que haviam sofrido encefalite epidêmica. Esses estudos foram iniciados por Reichardt, na Alemanha, que procurou colocar o núcleo da personalidade no tronco cerebral. Os casos estudados aqui e no estrangeiro mostraram que a encefalite epidêmica determina graves alterações do caráter, do temperamento e da conduta no meio social, que seriam o resultado de lesões de estruturas subcorticais. Thiele, que estudou os "estados residuais consecutivos à encefalite epidêmica", assinalou que o mais comum é a "tendência à descarga sem finalidade e sem direção, amorfa, inteiramente primitiva, que é descrita, de acordo com a sua representação psíquica, como inquietação e tensão sobre o objeto, ou por sua interferência com atos intencionais e dirigidos, se transforma em ação de conteúdo determinado". O próprio Thiele procurou estabelecer diferenciação entre esses estados e aas psicopatias. Segundo Homburger, esses casos se diferenciam dos verdadeiros psicopatas porque neles se nota uma desinibição dos mecanismos motores subcorticais, em conseqüência de lesão dos gânglios subcorticais. Desse modo, verifica-se que a atividade motora dos pós-encefalíticos revela a regressão à motilidade impulsiva e primitiva da primeira infância. Os roubos, as agressões e as destruições correspondem ao fundo impulsivo motor. Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 97 Como conseqüência desses estudos, alguns autores americanos pretenderam encontrar, no aumento progressivo das personalidades psicopáticas, formas pós-encefalíticas mitigadas, que passaram despercebidas, significando esse ponto de vista uma explicação da psicopatia pela interferência de fatores patológicos exógenos. A experiência de muitos psiquiatras indica, não resta a menor dúvida, que existem alterações do caráter, estabelecidas de maneira definitiva, após a remissão de processos encefálicos. Dedicaram trabalhos ao assunto, em nosso meio psiquiátrico, Ribeiro de Souza (1928), Aluízio Câmara (1934), Cincinato Magalhães de Freitas (1934), Heitor Carrilho (1934), Aníbal Silveira (1938), André Teixeira Lima (1936-1942), Joy Arruda (1943) e José de Lima (1947). Em tese de docência, sobre a "Síndrome perversa pós-encefálica", apresentada à Faculdade de Medicina da Bahia, José de Lima, apoiado em quatro observações pessoais, estuda os seus aspectos psiquiátricos e considera que o quadro clínico da mesma se superpõe ao das personalidades psicopáticas perversas. Do ponto de vista descritivo, os perversos pós-encefalíticos se caracterizam pela "inversão da fórmula afetiva-ética". Isto determina uma gama extraordinária da inversão da fórmula aludida, desde a inversão total que se encontra nas formas graves, até as inversões discretas, apagadas, mas capazes de determinar alterações do comportamento no meio social. Os psicopatas pós-encefalíticos revelam tendências destruidoras: furtam, ocasionam desfalques, embriagam-se, entregam-se à vagabundagem e às maiores dissipações e, não raro, decaem aos últimos degraus das perversões sexuais. Falta-lhes a noção de solidariedade humana, mostrando-se insensíveis aos prêmios e castigos: "Nem a doçura nem a violência lhe modifica o caráter ingovernável, sempre prestes à revolta, e muitas vezes os familiares são obrigados a coloca-los em estabelecimento especial de repressão", medida que não exerce sobre os mesmos quaisquer modificação em sentido favorável. Nos casos estudados por José de Lima não existiam distúrbios na esfera intelectual: raciocínio lógico, memória íntegra, boa capacidade de compreensão e até de invenção e de crítica. Na maior parte dos casos a síndrome é de tal modo manifesta que os diagnóstico se Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 98 impõe desde os primeiros contatos, pois a sintomatologia surge, de quando em quando, nas atividades verbais e práxicas dos pacientes. Refere José de Lima que a síndrome perversa, tal como é descrita pelos autores, se encontra nos estados mórbidos pós-encefalíticos, constituindo a síndrome perversa adquirida, como ainda nas personalidades psicopáticas perversas, representando a síndrome perversa diagnóstico constitucional. Nos dois casos, a superposição dos quadros clínicos é absoluta. A distinção dos perversos pós-encefalíticos com os psicopatas frios de ânimo, de Kurt Schneider, só é possível através da anamnese. Nos primeiros, verifica-se a ausência de fatores genético-constitucionais que possam ser responsabilizados; nasceram sãos e se desenvolveram normalmente, sem apresentarem desajustamento familiar e social, própria das personalidades psicopáticas desde os primeiros anos de vida. b) Ponto de vista constitucional e hereditário - O conceito de constituição psicopática com que Ziehen qualificava essasperturbações implicava num sentido de herança, de algo que era inato no indivíduo. Posteriormente se foi compreendendo que, se o fator hereditário tem um papel importante na gênese das personalidades psicopáticas, nem tudo depende deste fator, que representa somente o fundo sobre o qual se projeta a personalidade global. O fator hereditário só pode ser admitido como herança de predisposição, compreendendo esta como determinadas particularidades anatomofisiológicas. As predisposições são sempre variáveis, isto é, dadas as mesmas predisposições, porém em diferentes meios sociais, com diferentes meios de educação e de instrução, o resultado do desenvolvimento da personalidade será completamente distinto. A personalidade se forma no curso dos anos, deforma-se, sofre influências do ambiente; cada acontecimento, cada emoção, cada choque com o exterior deixa no indivíduo sua marca e influi em seu futuro comportamento. O psicopata vai, portanto, criando-se a si mesmo; parte de suas anomalias são devidas à predisposição constitucional, no entanto, grande parte é o resultado das condições econômicas, do meio social, da educação, do gênero de vida. Pelo processo da educação e da instrução, conscientemente dirigido e submetido a determinados fins, exigidos pela sociedade, desenvolve-se a atividade do indivíduo, realiza-se o desenvolvimento de sua psique e a Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 99 formação de sua personalidade. Pode-se desse modo admitir que a educação bem dirigida é capaz de modificar a predisposição psicopática. A influência do meio se evidencia ao observar como difere a freqüência dos diversos tipos de personalidades psicopáticas nas diferentes classes sociais. c) Ponto de vista psicológico - A escola psicodinâmica americana e a psicologia genética de Wallon pretendem explicar as alterações da personalidade pelo exame retrospectivo dos primeiros períodos da vida e pela ação das vivências ou experiências dos primeiros anos de existência, mas parece bastante unilateral este ponto de vista e talvez por isso não é aceito pelos psiquiatras. Para a psicanálise o transtorno básico na personalidade psicopática consiste no desvio da linha normal do desenvolvimento psíquico, desvio que teve lugar na mais tenra infância. Esse desvio é concebido em termos de fixação da libido na fase oral ou na fase anal, precoce ou tardia. Na realidade, o próprio Freud, na formulação de sua teoria, previu as possibilidades dos efeitos de uma constituição hereditária, capazes de modificar os fatos subseqüentes, no entanto, ele próprio e os seus seguidores não foram conseqüentes nessa direção, passando a admitir que a perturbação inicial do desenvolvimento como o estado posterior psicopático consistem numa resposta a fatores psicológicos ambientais. As provas apresentadas em apoio dessa teoria são retiradas das entrevistas analíticas e, por isso mesmo, sem nenhum valor para o conhecimento real da perturbação. CLASSIFICAÇÃO - As classificações propostas e o número de tipos isolados varia entre as diversas escolas psiquiátricas, o que denota insegurança no estudo do problema das personalidades psicopáticas. De modo geral, cada autor, ao estudar o assunto, descreve um número limitado de formas de psicopatias, que deveriam constituir individualidades clínicas bem definidas. Kraepelin, por exemplo, na impossibilidade de classificar as personalidades psicopáticas, descreveu os tipos instáveis, irritáveis, impulsivos, excêntricos, mentirosos, disputadores e anti-sociais. Bleuler engloba sob a denominação genética de psicopatias os instáveis, os portadores de excitabilidade patológica, de impulsos especiais, os extravagantes, embusteiros e tartufos, pseudo-litigantes, os desvios éticos constitucionais, o Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 100 desvio do instinto sexual e o nervosismo. Grühle enumera os psicopatas tórpido, erético, epileptóide, paranóide, histeróide e inclui, também, um vagabundo nato e uma prostituta congênita. Kurt Schneider faz uma classificação não sistemática das personalidades psicopáticas, evitando as denominações que pertençam à sociologia, à criminologia e à ética. Por isso, não fala de "inconsistentes", de "mentirosos e estafadores", empregando apenas denominações psicológicas e evitando qualquer sentido de valorização. O que é necessário admitir é que essas classificações diferem entre si apenas em seus aspectos formais, não existindo entre as mesmas diferenças de natureza conceptual. Indiscutivelmente, nenhuma classificação pode ser completa, no sentido de abranger todos os tipos presumíveis de personalidades psicopáticas, consistindo a descrição do quadro sintomatológico verdadeiros cortes transversais no curso da vida tergiversante de determinado psicopata. 7.1 - Tipos de Personalidades Psicopáticas 1º) PSICOPATAS HIPERTÍMICOS - Recebem esta designação, segundo Kurt Schneider, os psicopatas que se caracterizam por humor alegre, temperamento vivo e certa atividade. Não raramente são bondosos, dispostos a ajudar; muitas vezes são eficientes, capazes de rendimento, porém não mostram firmeza nem profundidade, não inspiram confiança, sem autocrítica, descuidados, facilmente influenciáveis. Revelam um ingênuo sentimento de suficiência e se mostram otimistas, orientados para o imediato e o real. A conduta é com freqüência informal, sem sentido das distâncias e demasiadamente livre. Especialmente os hipertímicos jovens, em virtude de sua inquietação e vivacidade, esquecem as conveniências, não levam em conta o ambiente que os rodeia nem a posição que ocupam e praticam assim, perante a sociedade, muitas falhas e deslises. Mudam com freqüência de ambiente e de emprego, destacando-se pelos seus traços sociais de instabilidade e vez por outra praticam atos delituosos. Entre os jovens instáveis em situação de abandono social se encontram muitos psicopatas hipertímicos. A combinação com o alcoolismo e com distúrbios na esfera sexual é de observação freqüente. Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 101 Exemplo: Antenor, com 30 anos de idade, de cor branca, solteiro, mecânico, residente no Distrito Federal. Foi internado na Clínica de Repouso do Planalto no dia 26-12-73. Posteriormente, o Diretor da Clínica recebeu, do Coordenador Regional Policial, um ofício datado de 28-12-73, comunicando que o referido paciente somente poderia sair do Hospital com ordem expressa do Juiz de Direito da 1ª Vara de Itiuiutaba, em virtude de tratar-se de preso com prisão preventiva decretada pela referida autoridade. Convocada a família para prestar informações a genitora esclareceu ao médico que começou a notar alterações no comportamento do filho desde a idade de 14 anos. Na época chegou em casa com uma "Jardineira" (Camionete), que havia comprado sem ordem paterna. Admitiu a informante que, já naquela época, propalava-se entre as pessoas conhecidas, que Antenor era um menino perturbado, mas ela e o esposo relutavam em aceitar a realidade dos fatos. No entanto, ela própria reconhece, que, desde criança, ele sempre foi muito inquieto, brigando pelas coisas insignificantes e, algumas vezes, era capaz de passar horas seguidas chorando de maneira espalhafatosa. A partir do fato relatado acima, a compra da "Jardineira", os pais começaram a observar que ele fazia "trapalhadas" com extraordinária freqüência: comprava objetos caros sem dispor de recursos para o pagamento; passava cheques sem fundo, utilizando o talão de cheques do genitor; praticava agressões sexuais a moças; ficava noivo de várias moças ao mesmo tempo e em seguida as abandonava sem explicações; brigava sem motivo; praticava pequenos furtos, mentia de maneira excessiva. Quando ingeria pequena dose de álcool, perdia por completo o controle sobre si mesmo, tornando-se altamenteagressivo e violento, nesse estado, tentou algumas vezes matar o irmão mais novo e até mesmo o genitor. Sempre gostou de exibir atitudes de grandeza, procurando apresentar-se como pessoa importante e propalando que descende de família muito rica. Nos últimos tempos era proprietário de uma oficina mecânica, onde trabalhava em consertos de automóveis, profissão que aprendeu com muita facilidade e para a qual demonstrou o maior interesse. Apesar de revelar dedicação pelo trabalho, mostra-se desorganizado, desleixado, destruindo todos os seus pertences em pouco tempo. Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 102 A informante esclareceu ao médico examinador que, no ano passado (1973), a família foi informada que ele, Antenor, depois de sair de uma churrascaria em companhia de duas moças (uma de 31 e outra de 38 anos de idade), levou-as para sua oficina mecânica e ali teria estuprado a ambas. As moças, de família importante na cidade de Ituiutaba, onde estava residindo, deram queixa à Polícia. Instaurado inquérito, o paciente foi preso, permanecendo na cadeia local durante sete dias, aproximadamente. Do Processo Policial consta o depoimento das moças, tomado separadamente e em dias diferentes e sem nenhuma discordância, e Laudos Médicos Legais, do exame pericial procedido nas duas moças. Sonia, de 38 anos de idade, declarou ao Delegado que havia começado a flertar com Antenor há mais ou menos quinze dias. No sábado último, ele a convidou para jantar na "Churrascaria Assis". Como ela não podia ir sozinha, propôs convidar uma amiga, no que ele concordou, acrescentando que desejava fazer boas amizades na cidade. Foram à casa de Marlene, que aceitou o convite, e assim partiram para a churrascaria. Esclareceu que Antenor, durante o jantar, mostrou-se muito cortês, amável e extremamente educado. Permaneceram no local até às 22 horas, quando regressaram à cidade, ficando combinado que iriam almoçar no mesmo lugar, no dia seguinte. Recorda-se que, durante o regresso, sua amiga disse que no próximo domingo seria o "Dia das Mães". Ao ouvir esta referência, Antenor ficou exaltado, dizendo que não suportava ouvir esta palavra. Esclareceu que não tinha mãe, que fora criado por pais adotivos, depois de passar a infância num orfanato, acrescentando que seu pai adotivo é um militar importante em Brasília. Despediram-se com a promessa de almoçarem no domingo, no mesmo local. No dia aprazado e na hora combinada, Antenor passou pela casa de Marlene, onde Sonia se encontrava e dali seguiram para a churrascaria, onde almoçaram e permaneceram até às 14 horas. Durante o almoço Antenor "se mostrava uma companhia agradável, alegre, expansivo e muito comunicativo". Regressaram à cidade num Volkswagen e, ao chegarem à Avenida 17, Antenor imprimiu grande velocidade ao veículo, ganhou a Rua 14 e, virando na contra-mão, na Avenida 15, foi entrar rapidamente no galpão de sua oficina. As duas moças, um pouco assustadas, tentaram descer do veículo, mas foram impedidas por Antenor. Ele desceu do carro, apanhou uma marreta e ameaçou-as de morte, caso tentassem fugir. Em seguida, trancou o Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 103 portão da oficina, ligou o rádio no volume mais alto. Ao descer do veículo, Marlene pediu "pelo amor de Deus" que as deixassem ir embora. Como resposta, Antenor desferiu-lhe violento soco no rosto, quebrando-lhe os óculos e ferindo-a no nariz e no olho esquerdo. Como estivesse sangrando muito pelo nariz, Antenor, aos gritos, mandou que ela lavasse o rosto em uma "bica" ali mesmo na oficina. Depois começou a falar de maneira agressiva que elas estavam habituadas a morar em "casas bonitas" e que agora iriam conhecer o que é a vida. Sempre gritando e ameaçando com a marreta, Antenor dizia que elas, como "filhas de papai", não conheciam "macho", que naquele momento iriam conhecer um homem de verdade. Dirigiu-se a um canto da oficina, apanhou uma toalha suja e esfregou no rosto de Marlene. Empurrou as duas moças para dentro de um pequeno cômodo, muito sujo e desarrumado, trancou a porta e retirou a chave, guardando-a no bolso da calça. Marlene notou que junto ao guarda-roupa havia espingarda e no chão um canivete grande, com a folha aberta. Sem abandonar a marreta em nenhum instante, Antenor gritou para Marlene e Sonia que tirassem as roupas. Como relutassem, começou a gritar, dizendo que não se interessava se elas fossem "filhas de uma puta" ou "filhas do Presidente da República", que iriam conhecer, naquele instante "um verdadeiro macho". Como, apesar das ameaças, continuassem paralisadas pelo medo, ele começou a esbofeteá-las, "sempre gritando e ameaçando". Por fim, quando se encontravam todos nus, Antenor passou à prática de atos sexuais anormais, obrigando a declarante a manter com ele o coito anal e, alguns momentos depois, realizou o coito vaginal com Sonia, deflorando-A. Depois de tudo consumado, ele manifestou uma estranha indiferença. Vestiu-se e mandou que elas também se vestissem, dizendo que a levaria para casa e, depois de calmamente pentear o cabelo, abriu a porta do quarto e ordenou que elas subissem para o carro. 2º) PSICOPATAS DEPRESSIVOS - Kurt Schneider descreve os psicopatas depressivos como aqueles em que o estado de ânimo é permanentemente deprimido; conservam uma concepção pessimista da vida. Permanecem numa atmosfera de expectativa ansiosa, revelando falta de confiança e incapacidade para alegrar-se de maneira simples. "Em tudo vê o lado mau, nada parece limpo. As preocupações impedem o cumprimento dos deveres cotidianos; preocupações de toda espécie, autocensuras, dúvidas sobre o valor e o sentido Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 104 da existência. As experiências penosas são vividas de modo profundo e persistente". "É como se a todo instante pesasse a presença de algo grave que, quando não provém do exterior, surge do próprio fundo. Quando o sofrimento ocasionado por algo exterior desaparece, seu lugar é em seguida ocupado por preocupações, com freqüência relacionadas a motivos afastados, ou a dificuldades íntimas, que desaparecem quando surge algo real que inquieta ou ameaça". Diz Kurt Schneider que, nestas pessoas, a tristeza não costuma ser afugentada por um acontecimento alegre, mas é apenas substituída pela própria tristeza. Schneider descreve dois subtipos: a) Os melancólicos: são brandos, bondosos, delicados, cheios de compreensão e de indulgência para os sofrimentos e as fraquezas alheias e, ao mesmo tempo, tímidos e desanimados diante de acontecimentos e tarefas não habituais. b) Os mal-humorados: são indivíduos frios e egoístas, resmungadores, irritáveis, criticadores, perversos e mal intencionados. Cultivam o pessimismo diante de todas as coisas e também diante de sua própria sorte têm algo de fanático. Alegram-se quando sofrem novos fracassos e não desejam nada de bom para os demais. Os atos delituosos praticados pelos psicopatas depressivos não são muito freqüentes, mas já foram registrados: a deserção, o incêndio, a fuga sem destino. São atos que têm sua origem numa situação de isolamento e representam o ápice de uma depressão crescente e asfixiante. 3º) PSICOPATAS INSEGUROS - A "insegurança interna" e o sentimento de "insuficiência" caracterizam o tipo de personalidade psicopática a que Kurt Schneider denomina de "inseguros de si mesmo". Ao completar o quadro descritivo diz Schneider que a "falta de liberdade interior e a timidez dos inseguros de si mesmos se acha, em certas ocasiões, compensada para o exterior por uma aparência muito segura, às vezes arrogante, ou também mediante um aspecto chamativo: não querem passar despercebidos. Isto pode ser Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 105 aplicado, particularmente, àquelas pessoas cuja insegurançaestá no próprio físico ou no terreno social. Os escrúpulos e sentimentos de insuficiência dos inseguros de si mesmos repercutem muitas vezes, ainda que nem sempre, no comportamento ético. Esses inseguros estão sempre lutando com remorsos e escrúpulos de consciência, e quando algo fracassa lançam em primeiro lugar a culpa em si mesmos". Aduz ainda que o psicopata inseguro de si mesmos não desfruta dos prazeres da vida, e são a todo instante assaltados por remorsos de consciência. Essas pessoas vivem em constante temor de haver descuidado algo ou de ter realizado algo mau. Esse temor retira o seu conteúdo de qualquer circunstância em aparência diferente: "A melodia encontra a letra que lhe corresponde". De acordo com a conceituação do Prof. Nelson Pires, os psicopatas inseguros experimentam grande reação emocional ante os fatos percebidos, mas quase não a exteriorizam. "Concentram a atenção sobre as próprias deficiências. Mulheres se acham feias ou pouco atraentes. Homens que se consideram pouco viris, portadores de defeitos físicos ou doenças julgadas incuráveis. Pessoas que duvidam da própria capacidade para o exercício das funções que exercem, seja na magistratura, na cátedra, nas profissões liberais, nas artes, na política". "Esses psicopatas não percebem os defeitos alheios, mas estão sempre prontos para observar em si mesmos, deslizes e imperfeições. A auto-análise rigorosa acentua, a cada passo, a vivência dos próprios erros e fracassos, cultivando um angustiante sentimento de culpa. Preocupados com as próprias debilidades, tendem os inseguros a atribuir a palavra e atos alheios o propósito de menospreza-los. São assim, suscetíveis de ressentimentos por motivos insignificantes". O Prof. Nelson Pires assinala que as situações mais inconvenientes para os psicopatas deste grupo são: a) a espera de decisão, de outrem; b) a necessidade de tomar uma decisão, especialmente se da mesma podem advir malefícios para outras pessoas ou para si mesmos; c) a aproximação de data em que deverá assumir grandes responsabilidades (familiares, profissionais); d) um acontecimento vergonhoso (ato desonesto, punição, deficiência funcional), e situações equívocas (cometimento de atos que poderiam ser interpretados como injustos ou desonestos). Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 106 Diz ainda o autor citado que em alguns psicopatas inseguros, os episódios agudos que possam ser observados, não são mais do que exacerbações de um estado permanente. Os motivos de ordem sexual aparecem entre as causas traumatizantes para esses psicopatas. E quando presentes, sempre motivando sentimento de vergonha. Este constitui a nota quase constante das personalidades psicopáticas inseguras. A impotência sexual, o homossexualismo, o amor não correspondido, a infidelidade do cônjuge fazem sofrer aos psicopatas deste grupo pelo que, para eles, têm de vergonhoso. O diagnóstico diferencial deve ser estabelecido com os psicopatas depressivos. De modo geral, o diagnóstico do psicopata inseguro "não exige a presença de um estado de ânimo nitidamente depressivo". Além disso, a "insegurança vital dos depressivos não está, necessariamente, unida a uma insegurança interna de si mesmos". No entanto, ao lado do humor triste costuma surgir diminuição da capacidade de decisão. "Nos depressivos, o primário seria o estado de ânimo e, na decorrência dele, estaria a insegurança. Nos inseguros, a tristeza seria conseqüência de insegurança. Entretanto, a coexistência de depressão e insegurança impõe, algumas vezes, observação meticulosa para que se possa estabelecer a diferença". Entre os psicopatas inseguros se encontra maior número de tentativas de suicídio. As infrações penais desses psicopatas se referem a atentados sexuais e conflitos éticos. 4º) PSICOPATAS FANÁTICOS - Segundo Schneider, o que caracteriza o grupo é a extrema importância que concedem a certos conceitos, quer relacionados com a própria personalidade, quer com determinados sistemas filosóficos ou políticos. Salienta que o verdadeiro fanático possui uma personalidade expansiva e acentuadamente ativa. O fanático de si mesmo luta por aquilo que considera ser, ou é na verdade, o seu direito; o fanático de idéias combate pelo seu programa. Os fanáticos psicopatas com que o médico entra mais vezes em contato são os querelantes, principalmente aqueles que exigem indenizações. Surgem neles, às vezes, desenvolvimentos paranóides, que não devem ser confundidos com o que habitualmente se chama desconfiança e que pode ter, por exemplo, um conteúdo de Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 107 ciúme. Não se trata aqui de simples personalidades expansivas, senão de personalidades de uma extrema complexidade. A psiquiatria francesa descreveu sob a denominação de "delírio passional" um grupo de reações anormais onde estavam incluídos muitos fanáticos denominados magnicidas, naturistas, sectários fundadores de doutrinas políticas e religiosas, reivindicadores, genealogistas e inventores. O Prof. Nelson Pires apresenta em sua casuística duas observações de psicopatas fanáticos. Um deles desenvolveu convicções esotéricas depois de ter perdido a fortuna e mantinha as suas idéias mais de vinte anos. O outro, solteirão de 56 anos, silencioso e rígido praticante do protestantismo, botequineiro, que se opunha ao sócio na venda de bebidas alcoólicas, por impedimentos religiosos. Era um homem sem vida sexual em obediência aos preceitos da castidade. Nenhum deles revelava comunicabilidade, mas o protestante não perdia oportunidade para distribuir bíblias e concitar os conhecidos ao culto do Evangelho. "Ambos levavam vida solitária, mas o esoterista era um pouco errante". A única distração dos dois era o culto da seita. Enquanto um deles enchia o seu quarto com livros de evangelistas e pastores, lendo-os sozinho até altas horas da noite, o esoterista fechava-se em casa para, "mentalizando", provocar visões fantásticas sobre a parede branca do quarto. O protestante há trinta anos seguia pontualmente os mandamentos religiosos e, estimulado por qualquer conversa, emitia opiniões com base em textos bíblicos, indo muitas vezes apanhar o livro para comprovar sua exatidão. O Prof. Nelson Pires chama a atenção para o fato de seus pacientes não terem vida sexual. Em ambos a curva de vida mostrou-se economicamente decadente, o que é natural para quem dedica o seu tempo a práticas místicas com sacrifício absoluto do pragmatismo. "Dificilmente um fanático enriquece, ao contrário, os litigantes desperdiçam a própria fortuna em pleitos". Do mesmo modo, não é próprio do fanático a prática de alcoolismo. Nos dois casos relatados, os pacientes foram sempre péssimos profissionais, tendo o exoterista abandonado há muitos anos qualquer atividade remunerada. Assinala ainda o autor que o fato de certos fanáticos lograrem obter evidência e facilidade de toda ordem, cria condições para que sejam estimuladas outras componentes caracterológicas. Cita o caso de um chefe Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 108 de "seita", que foram fanático puro durante mais de quinze anos, e terminou por enveredar pela "industrialização dos milagres, quando alcançara fugaz popularidade, se bem que funcionasse de modo discreto a "indústria". Desde que começou a auferir dinheiro dos peregrinos, multiplicou as audiências de modo mais ou menos equívoco. O dinheiro que os crentes lhe deixavam sob toalhas e panos bordados, ele dizia 'que vinha de Deus', numa evidente duplicidade. Esse fanático, até então imaculado e pacífico quando a Polícia interveio e terminou as atividades 'santificadas', já há muito tempo deixara de ser imaculado". O fato da corrupção do fanático é um dado concreto nada raro e tem o aspecto psicológico algo mencionável. A importância social dessespsicopatas, especialmente dos lutadores, está no fato de proferir injúrias e praticar atos de violência quando contrariados em seus desígnios de aliciamento. 5º) PSICOPATAS NECESSITADOS DE VALORIZAÇÃO - O Prof. Nelson Pires preferiu traduzir a denominação "Geltungebedurfrigen" como "necessitados de valorização", porque o traço distintivo desses psicopatas é a necessidade que têm de ser valorizados, às vezes, desejam essa valorização mesmo que seja desfavorável. Esses psicopatas foram descritos por Kurt Schneider como excessivamente vaidosos, que procuram aparentar mais do que são na realidade. Trata-se de personalidades imaturas e fátuas. A sua necessidade de valorização pode manifestar-se pela excentricidade; para chamarem a atenção dos outros defendem os pontos de vista mais extraordinários e praticam ações as mais espantosas. Procuram imprimir ao seu aspecto exterior qualquer característica que desperte a atenção. A necessidade de valorização pode também se manifestar pela gabarolice e pelo auto-elogio. Nos casos extremos esses indivíduos, para realçar sua pessoa, contam aventuras fantásticas ou representam-nas como atores. Para esses casos empregava-se antigamente a designação de pseudologia fantástica. Jaspers destacou nesses psicopatas, um traço fundamental: parecer mais do que são na realidade. Quanto mais se desenvolve o teatral, tanto mais falta a esses psicopatas qualquer emoção própria e verdadeira. São falsos, incapazes para qualquer relação afetiva duradoura ou realmente profunda. Estão sempre em cenário de vivências imitadas e teatrais; este é o estado extremo dos psicopatas necessitados de valorização. Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 109 A importância social desses psicopatas se acha na criminalidade dos fanfarrões e, especialmente, dos pseudologistas. Trata-se de roubos, fraudes, falsas promessas de casamento, exercício ilegal da medicina. 6º) PSICOPTAS LÁBEIS DE HUMOR - São caracterizados, segundo Kurt Schneider, pelas alterações súbitas do humor, principalmente no sentido irritável-depressivo. Em muitos casos, torna-se difícil esclarecer se essas disritmias são reativas, no sentido de serem psiquicamente motivadas. O certo é que esses indivíduos, em determinados dias, reagem de maneira fácil e de modo duradouro, depressivamente. Trata-se de uma reatividade depressiva aumentada e reforçada, sobre um fundo que não se acha em si determinado de modo reativo. Diz Schneider que, a partir dessas alterações do humor desenvolve-se toda a espécie de atos impulsivos, tais como fugas, vagabundagem, embriaguez, prodigalidade periódica. A perturbação afetiva durante esses dias críticos pode mesmo levar à prática de certos delitos. Na maior parte das pessoas "impulsivas", trata-se de lábeis de humor: a alteração do estado de ânimo tem aqui um caráter primário. 7º) PSICOPATAS EXPLOSIVOS - Caracterizados por Kurt Schneider como indivíduos que "fervem em água fria", irritáveis, coléricos, exteriorizando reações denominadas de "curto circuito". Reagem de maneira primitiva. Esses indivíduos ouvem, por exemplo, uma palavra, e antes que tenham compreendido o seu exato significado reagem de maneira explosiva, respondendo com insultos ou com violências. Os psicopatas explosivos exercem ação particularmente destruidora sobre o matrimônio; revelam uma incapacidade absoluta para a educação dos filhos. Praticam ações criminosas com extrema facilidade. Muitos explosivos revelam-se como tal apenas durante a embriaguez. Os delitos cometidos por esses psicopatas são sempre por agressões, delitos de sangue, imotivados, resistência às autoridades e estragos materiais. O Prof. Nelson Pires apresenta a observação de uma paciente considerada como psicopata explosiva. Trata-se de uma mulher de 23 anos, casada, funcionária pública, aposentada em conseqüência da "doença". Sempre apresentou cenas de grande violência, agressão física armada e desarmada, escândalos em casa e na repartição do marido, o que motivou várias internações em sanatórios e hospitais psiquiátricos. Paciente sexualmente fria, com desamor Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 110 aos filhos, aos quais seviciava e descuidava. Quando internada, seu comportamento se tornava exemplar. 8º) PSICOPATAS FRIOS DE ÂNIMO - Kurt Schneider descreve-os como indivíduos destituídos de compaixão, vergonha, sentimentos de honra, remorso e noção de moral. No seu modo de ser esses indivíduos são sombrios, metidos consigo próprio, irritáveis; nas suas ações anti-sociais mostram-se impulsivos, brutais, cruéis. Por sua conduta altamente perigosa, Kraepelin os chamou de "inimigos da sociedade" ou "anti-sociais". Schneider considera que as designações de "loucura moral", "estupidez moral", "imbecilidade moral" para esses casos são impróprias. Há muitos criminosos que são psicopatas inafetivos ou com defeito moral; nesses casos são inúteis as tentativas de reeducação ou regeneração, visto que não há na personalidade qualquer base ou fundamento sobre que se possa exercer influência. Lichtenstein e Small publicaram, há muitos anos, um exemplo admirável de psicopata desse tipo, cuja observação apresentamos em resumo: "Artur Warrer Waite era um cirurgião-dentista, que, em virtude de ter assassinado o sogro e a sogra, foi eletrocutado. Em declaração a um de nós, enquanto estava encarcerado, aguardando julgamento, Waite explicou que, durante o curso de bacharelado e, mais tarde, já exercendo a profissão de dentista, arrombava fechaduras, roubara modelos de dentaduras feitos por outros estudantes e havia mentido repetidamente. Logo que terminasse o curso, pretendia conseguir um lugar de dentista numa empresa na África do Sul. Quando estava terminando os últimos preparatórios em determinado colégio, tornou-se amigo de um dos professores e se vangloriava de ter sido aprovado graças à influência do mesmo. "Enquanto estava exercendo a sua profissão na África do Sul roubava todo ouro, prata e platina que encontrava ao seu alcance e levou a sua promiscuidade sexual aos maiores extremos. Quando sua existência se tornara precária por causa da iminência de descoberta dos seus delitos, resolveu praticar os assassinatos, os quais mais tarde foram realizados. Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 111 Ainda não mantinha relações com suas vítimas, mas conhecia sua reputação. Tratava-se de pessoas que viviam em casa própria na mesma cidade e tinham fama de ricos. Concluído o plano, renunciou o posto na África do Sul e partiu para Nova Iorque onde se matriculou numa faculdade para fazer cursos de bacteriologia e toxicologia, pois isso fazia parte da preparação de seus crimes. "Pouco antes de concluir os cursos, publicou nos jornais de Michigan a notícia de que estava prestes a regressar a sua cidade natal, onde pretendia abrir consultório. Chegou à cidade precedido do maior prestígio. O cenário estava preparado. Desde logo começou a receber convites de famílias distintas para comparecer a acontecimentos sociais, e apesar de que muitos convites provinham de famílias que tinham filhas em idade de casar-se e eram pessoas de alto nível social, declinou invariavelmente a todas essa distinções. Esperava que chegasse a escolhida e esta não foi recusada. Pouco tempo depois estava casado com a filha daquela família que havia incluído em seus planos. Não perdeu tempo e, imediatamente, começou a por em prática as suas maquinações diabólicas. Vejamos como ele as descreve: "A velha (a sogra) se comportou muito bem, porém o velho me deu um trabalho horrível. Administrei um pouco de arsênico à velha e ela morreu tranqüilamente. Era um dia frio e úmido, convidei o velho para dar um passeio. Eu me agasalhei bem e disse ao velho que não havia necessidade de abrigar-se, pois não fazia frio. Molhei seus sapatos eumedeci o assento do automóvel. Deixei os vidros do carro abertos. Na mesma noite começou a queixar-se de irritação da garganta e eu o mediquei, fazendo-lhe uma embrocação com germes de difteria, porém os malditos não se desenvolveram. Poucos dias depois retirei a lâmpada de sua mesinha de cabeceira e coloquei uma caixa na entrada do seu dormitório para que tropeçasse e caísse. Efetivamente, levou uma queda e ficou com um ferimento na tíbia da perna direita; apressei-me em fazer um curativo, tendo aplicado bacilos de tétano sobre a ferida e feito compressão com algodão e esparadrapo. Mas, infelizmente não aconteceu nada! Nos dias seguintes administrei ao velho grandes quantidades dos bacilos que tinha à mão: bacilos de tipo, pneumococos e outros que não me lembro no momento. Não adoecia! O velho era imune a todas as enfermidades infecciosas. Tive que decidir-me e Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 112 aplicar-lhe arsênico. E isto deu resultado. Ao anoitecer chamou à porta do meu quarto: 'Vem depressa, por favor. Estou me sentindo mal'. "Mandei que ele se deitasse no sofá e fui ao meu quarto apanhar um frasco de clorofórmio. Molhei bem a almofada com clorofórmio e apertei-a sobre o seu rosto até o momento em que ele morreu. O senhor não imagina o trabalho que me deu aquele maldito velho". Lichtenstein e Small fazem alguns comentários sobre esta observação e dizem que Waite, durante o tempo em que fazia as declarações comia tranqüilamente a sua refeição. Esclareceu ainda que era amante da música e côo sua esposa tocava piano de maneira admirável, por isso, não tinha sido possível matá-la. 9º) PSICOPATAS ABÚLICOS - O psicopata abúlico, individualizado por Kurt Schneider, tem encontrado confirmação de parte dos psiquiatras que dedicaram estudos especiais às personalidades psicopáticas. De acordo com a descrição de Schneider, esses psicopatas estão caracterizados pela ausência de vontade e pela incapacidade de oporem resistência às influências do ambiente. Deixam-se influenciar, com facilidade, por outras pessoas e pelas situações. Em geral são bondosos, não oferecem dificuldades nas clínicas e nos estabelecimentos pedagógicos; são razoáveis, dóceis, laboriosos e modestos. Mas nada do que se consegue deles, sob a ação de influências favoráveis, dura muito tempo. Posto em liberdade, deixam-se facilmente corromper pelo primeiro que encontrar e que sabe levá-los com habilidade. Como diz Bleuler, são "homens de temperamento variável com o ambiente". O Prof. Nelson Pires considera apropriada a denominação dada por Kurt Schneider a esses psicopatas. "Todos conhecem o indivíduo incapaz de resistir às solicitações dos companheiros, de resistir às tentações e que são, aparentemente, excelentes pessoas que, no entanto, claudicam às primeiras dificuldades que a vida oferece". Faz parte da experiência de todos os psiquiatras um certo tipo de alcoolista que promete não voltar a beber. As promessas são sinceras, mas jamais serão cumpridas. Fora do alcoolismo os fatos são sempre os mesmos: o pai que leva o filho ao psiquiatra e diz que: "as más companhias é que são responsáveis pelos desvios", ou que o filho "se deixa levar facilmente". Nisto consiste o Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 113 traço característico do psicopata abúlico: não oferecer resistência às solicitações de qualquer tipo: contravenção, licenciosidade, aventura, alcoolismo, desvio sexual, vagabundagem e crime. Os psicopatas abúlicos apresentam um índice muito elevado nas estatísticas da criminalidade. Em primeiro lugar surgem os roubos, os desfalques e as fraudes. Além disso, esses psicopatas desempenham importante papel na questão social da vagabundagem. 10º) PSICOPATAS ASTÊNICOS - Esta designação nada tem a ver com os indivíduos fisicamente astênicos. Kurt Schneider classifica os psicopatas astênicos em dois grupos, os quais podem aparecer combinados entre si de todas as maneiras possíveis. No primeiro subgrupo, inclui certas personalidades psicopáticas que se sentem psiquicamente insuficientes. Suas queixas consistem em sensação de incapacidade intelectual, diminuição da capacidade produtiva, dificuldade de concentrar a atenção e enfraquecimento da memória. No segundo subgrupo estão incluídos os indivíduos que se sentem facilmente sujeitos a transtornos das funções orgânicas. O indivíduo normal não presta atenção a certas indisposições periódicas sem importância e em pequenas perturbações funcionais dos diferentes órgãos as quais, de modo geral, desaparecem com a mesma rapidez com que aparecem. O psicopata astênico, pelo contrário, procura concentrar a atenção sobre o próprio corpo e assim prejudica o jogo recíproco dos órgãos, o qual só se pode efetuar de modo normal quando não está sujeito à observação. Esses auto-observadores não se interessam pelas coisas exteriores e sim, unicamente, pelo seu organismo, e acabam por perder, em relação às funções orgânicas, a atitude normal de despreocupação que tão necessária é ao seu bom funcionamento. Esses psicopatas queixam-se de fadiga fácil, insônia, cefaléia, perturbações cardíacas, vasculares, menstruais e de distúrbios da função genital. São freqüentes as combinações com as toxicomanias, especialmente com o abuso de hipnóticos. Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 114 A importância social dos psicopatas astênicos consiste, especialmente, na sobrecarga que representam para as instituições de assistência pública e órgãos de previdência social. DIAGNÓSTICO - A expressão é utilizada aqui no sentido de diagnóstico psicológico. Os psicopatas não são doentes, nem constituem um grupo nosológico definido por traços característicos de comportamento. O que se deve levar em consideração ao formular o diagnóstico desses pacientes é, simplesmente, o "desvio do estado normal". Deve-se admitir, portanto, que os traços característicos das personalidades psicopáticas consistem em anomalias do caráter, anomalias essas que se exteriorizam através do comportamento no meio social. Assim considerado, o diagnóstico de psicopatia representa a conclusão natural decorrente da análise de determinado paciente e a síntese lógica das informações colhidas nos antecedentes pessoais do caso estudado. Segundo Kurt Schneider, no diagnóstico das personalidades psicopáticas é necessário "mostrar, salientar, destacar as qualidades que as caracterizam de modo acentuado, sem que por isso nos encontremos de posse de algo equiparável a sintomas de enfermidades". Em sua opinião, esse destacar se realiza sempre a partir do determinado ponto de vista e, especialmente, "no sentido de como se encontra subjetivamente o indivíduo em questão, desde o sentimento vital e da própria existência, ou das dificuldades que o ambiente e a sociedade sofrem por causa destas pessoas e devido às qualidades das mesmas". Ao lado das qualidades que foram destacadas, a partir destes pontos de vista, o indivíduo possui muitas outras, que não podem ser incluídas "dentro de uma denominação no estilo de diagnóstico, qualidades que permanecem ocultas na sombra perante uma consideração deste tipo". Desse modo, a designação diagnóstico corresponde somente a certas "qualidades do homem concreto, importantes especialmente de certos pontos de vista". Não se deve perder de vista que as qualidades destacadas "podem ser encontradas em profundidades muito diferentes". Em alguns casos, procedem de estratos centrais e, em outros, de camadas superficiais da personalidade, "de acordo com a secção descoberta"." Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 115 UNIDADE 12 Objetivo: Instrumentalizar, a partir da compreensão clínica dos transtornos mentais, estudo e prática em psicologia Detalhamento das Doenças Psicológicas - ESQUIZOFRENIA ManifestaçõesCorporais As investigações sobre os problemas somáticos da esquizofrenia têm sido realizadas de maneira sistemática, visando sempre encontrar em determinadas alterações corporais os fundamentos etiopatogênicos da enfermidade. Em que pese o critério rigoroso com que se promove essas investigações, até hoje não foi possível encontrar a causa e os mecanismos produtores da psicose esquizofrênica. Apesar disso, não se pode obscurecer a existência de transtornos somáticos em quase todos os casos de esquizofrenia, embora não se possa dizer com segurança se esses transtornos são primários, contemporâneos ou decorrentes de uma alteração central básica. Os distúrbios neurológicos mais importantes são encontrados na esquizofrenia catatônica. Observam-se hipertonia, alterações do tônus muscular durante os movimentos e iteração. Os enfermos apresentam diminuição da sensibilidade geral, com analgesia mais ou menos acentuada nos estados de estupor. Os reflexos tendinosos estão exaltados. Os reflexos cutâneos, ao contrário, apresentam-se diminuídos ou abolidos. Em alguns pacientes, observa-se o gatismo por insuficiência esfincteriana. Verifica-se, ainda, na catatonia, rigidez pupilar absoluta. São muito comuns as alterações do diâmetro das pupilas, midríase, miose e enfraquecimento da reação pupilar à luz e à acomodação. No início da enfermidade observa- se cefaléia de longa duração. Além disso, são comuns as alterações do sono: insônia, pesadelos, terrores noturnos. Em alguns casos, aparecem ataques epileptiformes, os quais Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 116 representam sinal de irritação da zona motora do córtex cerebral. Tremor dos músculos da face, especialmente do orbicular das pálpebras. Ao lado dessas perturbações, observam-se alguns sinais clínicos relacionados com o sistema nervoso vegetativo. Registram-se, nesses enfermos, uma série de distúrbios vasomotores, entre os quais se destacam: bradicardia, hipotensão, vasoconstrição periférica, ausência de reação psicopletismográfica, resfriamento das extremidades, edemas, cianose localizada no dorso das mãos e dos pés, e várias alterações cutâneas. Esses transtornos se manifestam com maior freqüência nos casos agudos, especialmente na forma catatônica. Notam-se, ainda, alterações nas secreções sudoral e sebácea, esta última emprestando à face do enfermo um aspecto untuoso característico. Tipos Clínicos A falta de uniformidade nos pontos de vista em relação ao conceito de esquizofrenia contribui, decisivamente, para manter certas divergências que se observam ainda na exposição dos tipos clínicos desta enfermidade. De acordo com a nossa orientação, descreveremos os quatro tipos clínicos que não estão submetidos a grandes controvérsias: o tipo simples, o hebefrênico, o catatônico e o paranóide. ESQUIZOFRENIA SIMPLES No quadro clínico da esquizofrenia simples aparecem como sintomas fundamentais o empobrecimento da vida afetiva, a indiferença emocional, a vacuidade do pensamento e o enfraquecimento da vontade e dos impulsos. A enfermidade tem início, aproximadamente, na puberdade e, desde logo, vai operando completa transformação da personalidade e do comportamento do doente. As aptidões intelectuais decaem, os pacientes se tornam cada vez mais indiferentes e apáticos, sendo necessária a internação em serviço especializado. Nos casos leves, a doença passa despercebida e, muitos jovens de futuro promissor, terminam ocupando postos inferiores na escala social. Algumas vezes, os familiares chegam Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 117 a notar as modificações sobrevindas na personalidade do enfermo, a indiferença e a incapacidade para o trabalho. Como a doença não é ainda suspeitada, a causa dessas alterações é comumente atribuída a circunstâncias do meio exterior. Recorre-se, por isso, a uma série de meios corretivos inadequados, que concorrem para agravar a situação do enfermo. A doença progride durante anos até a completa destruição da personalidade. Entretanto, é possível ocorrer emissões de longa duração, com precário ajustamento ao meio social. ESQUIZOFRENIA HEBEFRÊNICA Por hebefrenia entende-se, atualmente, um dos quadros clínicos da esquizofrenia que, em geral, tem início entre 15 e 25 anos de idade, e conduz, através de um desenvolvimento lento ou às vezes rápido, a um estado de enfraquecimento da atividade psíquica. A alteração básica do quadro hebefrênico consiste no distúrbio do pensamento. Não se trata de uma perturbação de conteúdo, nem tampouco daquilo que, habitualmente se chama de alterações formais, mas de um transtorno no processo efetivo do pensar, das operações psíquicas necessárias à coordenação do pensamento. Nos casos típicos, os enfermos apresentam uma forma de pensamento vago, inconsistente, indeterminado, com diferentes graus de intensidade, desde a leve indeterminação até a completa desorganização do pensamento e da linguagem. Em segundo lugar, a inadequação emocional. Os sentimentos desses enfermos são inadequados e inteiramente incompreensíveis ao indivíduo normal. O estado de ânimo é instável, notando-se repentinas e imotivadas alterações do humor. É possível verificar, muitas vezes, que os doentes passam de um estado de intensa alegria à profunda tristeza, da euforia à cólera, sem que se possa perceber a existência de uma causa justificável. Os processos afetivos se caracterizam, nos hebefrênicos, pelo amortecimento das emoções e dos sentimentos delicados, revelando alguns enfermos a mais completa indiferença pela família, pelas pessoas de suas relações anteriores e por sua própria situação. Desperta a atenção, nesses enfermos, a disparidade entre os conteúdos ideativos e as reações afetivas. Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 118 As concepções delirantes mais extravagantes não se acompanham de uma tonalidade emocional apropriada. Esta discordância entre o pensamento e os sentimentos se reflete na conduta desses doentes; podem rir alegremente diante de um acontecimento em que a reação normal seria a tristeza. Os enfermos revelam perda da iniciativa e não realizam nenhuma atividade com fins pragmáticos. As alucinações desempenham aqui um papel pouco expressivo. Em alguns casos, os doentes fazem referência a vozes que interferem em sua atividade, vozes imperativas que os comandam ou que repetem os seus pensamentos. Os delírios dos hebefrênicos são desconexos, mutáveis e transitórios, sem tendência à sistematização. No quadro clínico da hebefrenia se encontram muitos dos sintomas dominantes na esquizofrenia simples, especialmente os sintomas negativos, como a insensibilidade emocional, a vacuidade do pensamento e as manifestações de passividade. Por esta razão, alguns autores incluem a esquizofrenia simples entre os subgrupos hebefrênicos, no entanto, como os esquizofrênicos simples se ajustam em um quadro clínico bem definido e constituem um grupo que, embora restrito, tem importância prática especial, convém mantê- los num quadro independente (Mayer-Gross). ESQUIZOFRENIA CATATÔNICA A catatonia é concebida, atualmente, como um dos quadros clínicos da esquizofrenia, caracterizando-se pela alternância de períodos de inibição e de excitação, com predominância na fase de estado de uma série de fenômenos psicomotores, chamados sintomas catatônicos, sobressaindo entre eles o negativismo, a sugestibilidade e as estereotipias. ?Sob os sintomas dominantes, de modo temporário ou permanente, não faltam os distúrbios do pensamento e da afetividade e, raramente, se nota a ausência completa de formações delirantes e de alucinações (Lange). A moléstia se declara, em geral, entre 15 e 25 anos de idade. Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 119 Os sinais e os sintomas do quadro catatônico são inconfundíveis.Os doentes podem permanecer dias inteiros numa imobilidade absoluta. Não reagem a nenhum estímulo do meio exterior. Não falam nem respondem às perguntas do interrogatório. Sentado ou de pé, o enfermo persiste na mesma posição por tempo indefinido. No quadro clínico dominam as estereotipias de atitude, as posições extravagantes, os maneirismos. No início da enfermidade e nos períodos de excitação, os doentes apresentam estados alucinatórios de grande intensidade. Sobressaem, em primeiro lugar, as alucinações cenestésicas, vindo em seguida as auditivas e, por último, as ilusões e alucinações visuais. Nos estados crônicos as alucinações se atenuam ou mesmo desaparecem. O bloqueio do pensamento é um sintoma freqüentemente observado no quadro catatônico. Os delírios são variáveis, confusos, absurdos, habitualmente de matiz depressivo; delírios de culpabilidade, místico, de perseguição, de negação, de transformação corporal. Em muitos casos, o pensamento dos catatônicos apresenta uma alteração muito semelhante à incoerência dos estados amenciais. O estado de ânimo reflete indiferença. É, porém, na esfera da atividade voluntária que se encontram os principais sintomas do quadro clínico. No período de estado, verifica-se acentuada inibição da atividade, adquirindo significação definida os denominados sintomas catatônicos. Sobressai a repetição automática de movimentos: a ecopraxia, realização de um ato por imitação, e a ecocinesia, repetição automática dos movimentos executados diante do paciente. Em resultado da sugestibilidade e da plasticidade muscular, os catatônicos podem manter durante muito tempo as mais extravagantes posições em que sejam colocados os seus membros. As estereotipias de atitudes são freqüentes, consistindo na capacidade que o enfermo manifesta de conservar, durante um espaço de tempo relativamente longo, a mesma posição, a mesma atitude. Nas estereotipias de movimento, ?o doente executa de modo constante e uniforme, um dado movimento qualquer que seja ele, durante meses e até anos. Podem variar desde simples movimentos dos dedos, até marchas estereotipadas. Em geral, Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 120 o mesmo paciente conserva de maneira constante, por anos seguidos, os movimentos adotados desde o início?. Em determinados períodos as manifestações da atividade voluntária estão reproduzidas ao grau mínimo ou mesmo abolidas, constituindo o quadro do estupor catatônico. Durante a evolução da enfermidade é possível observar períodos de excitação, sobrevindos de maneira inesperada e sob a forma de crises passageiras. Nas fases de excitação, observa-se com extraordinária freqüência os atos impulsivos. As alterações da linguagem, na catatonia, são muito freqüentes, em virtude da tendência revelada pelos movimentos a tornarem-se estereotipados. A mais comum dessas alterações é a verbigeração. Observam-se, ainda, mutismo, pararrespostas, ecolatia e ecomímia. Como componentes do quadro da esquizofrenia catatônica, obsevam-se vários transtornos corporais: edemas localizados na face dorsal dos pés; acrocianose, resfriamento das extremidades; desmografismo; vertigens, arritimia e pulso filiforme; hipersalivação, hiperidrose, aumento da secreção sebácea; diminuição da taxa de ácido clorídrico; temperaturas subnormais, hipertemia nas fases iniciais da enfermidade. Reichdardt assinala a apresentação de hipertensão cerebral aguda, acompanhada de bradicardia, vômitos e perplexidade. Essa hipertensão cerebral seria devida a edema cerebral agudo, responsável pelas mortes súbitas de muitos esquizofrênicos catatônicos. Exemplo clínico: Rufino, com 23 anos de idade, de cor branca, solteiro, servente de fábrica, natural do Estado do Rio de Janeiro. Adoeceu há cerca de três anos. Estava trabalhando, quando, de maneira súbita, recebeu a notícia do falecimento da genitora. Saiu correndo, em completo desespero, dirigindo-se ao hospital da Ilha do Governador, onde se dera o infeliz acontecimento. Desde então, embora continuasse saindo para o trabalho, o paciente começou a desleixar-se de suas obrigações, o que chegou a despertar a atenção de seus companheiros e dos patrões. Afastado do trabalho, passou a ficar em casa sem nada fazer. Permanecia calado, sem estabelecer contato com as demais pessoas da família, muito inquieto, sempre andando de um lado para outro. Ria sozinho. Certo dia, apanhou as economias que costumava guardar numa gaveta e Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 121 ateou fogo ao dinheiro. Levado ao psiquiatra, fez tratamento de ambulatório, melhorou, retornando ao trabalho. Entretanto, não chegou a completar um mês, quando começou a piorar de maneira lenta e progressiva. Os patrões mandaram chamar o pai, comunicando-lhe que o paciente passava a maior parte do tempo parado, absorto, inteiramente aleado do ambiente. Foi novamente conduzido ao médico que o havia tratado anteriormente, o qual, dessa vez, achou que o tratamento só podia ser realizado sob regime de internação. Deu entrada na Casa de Saúde Dr. Eiras, no dia 23 de setembro de 1959. ao ser examinado, manteve diante do médico uma atitude imobilizada, demonstrando ausência de iniciativa e respondendo por monossílabos. Negou a existência de alucinações, nem revelou atividade delirante. Inibição do curso do pensamento. Indiferença afetiva, risos imotivados e negativismo passivo. Prescrito o tratamento pelo método de Sakel, não chegou a concluí-lo, porque, apesar das doses elevadíssimas de insulina, o enfermo não entrava em coma, ou, às vezes, caía em coma ao adormecer. Em 3 de maio de 1960, trazido à presença do médico, aí permaneceu sentado, o tronco fortemente recurvado para frente e fazendo movimentos com as mãos, como se estivesse penteando os cabelos. Mutismo absoluto. Obediência automática, estereotipia de atitude, maneirismos e negativismo. ESQUIZOFRENIA PARANÓIDE Denomina-se esquizofrenia paranóide o tipo clínico da enfermidade que se caracteriza pela predominância de delírio e alucinações. O quadro paranóide é extremamente rico em manifestações psicopatológicas, encontrando-se nele todos os sintomas de primeira ordem, de Kurt Schneider. Na esquizofrenia paranóide, à medida que a enfermidade progride, o enfermo se integra em seu mundo delirante e alucinatório, afastando-se cada vez mais da realidade, da qual retira apenas aqueles elementos que contribuem para fortalecer a sua convicção delirante. A doença tem início na idade média da vida ou na maturidade. Em toda a sua evolução, não se observam alterações profundas da personalidade, como ocorre habitualmente nos tipos Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 122 simples, hebefrênico e catatônico. Entretanto, nas fases tardias, a maior parte dos casos apresenta acentuado defeito esquizofrênico. É nesta variedade clínica de esquizofrenia que as preocupações delirantes se manifestam com maior freqüência e adquirem valor excepcional para o diagnóstico. São dotadas de significação especial e têm, para o doente, o valor de sinal, de mensagem, como se através da percepção falasse ? uma realidade superior?. Os traços característicos da vivência consistem em sua significação alterada e em seu caráter de ? imposição?, procedente do mundo exterior. O fundamental, nesse caso, não é o conteúdo da percepção, mas o que ela representa em si mesma como vivência delirante. As percepções delirantes estão sempre unidas ao difuse Wahnstimmung, estado de ânimo ou humor delirante que, habitualmente, é experimentado pelo enfermo como um sentimento de inconsistência e de insegurança, que o leva a procurar instintivamente um ponto sólido em que firmar-se e agarrar-se (Jaspers). As alucinações são muito comuns no quadro paranóide e têm a particularidade de se manifestarem com a mais completa lucidezda consciência. Observam-se a sonorização do pensamento, as vozes que interferem na própria atividade, o roubo do pensamento, a divulgação do pensamento e as vivências de influência corporal. Os fenômenos alucinatórios mais comuns correspondem à esfera auditiva. Apresentam-se, geralmente como vozes que censuram, ameaçam ou interferem diretamente nos atos do paciente. Nos casos em que as alucinações auditivas se manifestam como vozes dialogadas, o enfermo percebe que várias pessoas falam entre si a seu respeito: umas vozes o elogiam, outras comentam os seus atos, outras condenam a sua conduta. Os fenômenos alucinatórios, na esquizofrenia paranóide, se confundem muitas vezes com ilusões e interpretações delirantes. Os enfermos se queixam de escutar vozes, porém com esta expressão designam habitualmente produtos patológicos da atividade imaginativa, que não têm características das verdadeiras alucinações. O segundo lugar é ocupado pelas vivências de influência corporal. Apresentam-se, habitualmente, como sensações anormais e desagradáveis. Em certos períodos da Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 123 enfermidade, observa-se uma série de alterações da sensibilidade tátil, térmica e dolorosa, que em muitos casos desempenham papel na produção do chamado delírio de perseguição física. Os pacientes se sentem influenciados pelo hipnotismo, pela telepatia, pelo rádio, pela eletricidade ou pelo telefone. As alucinações olfativas e gustativas são raras e, geralmente estão relacionadas com delírio de envenenamento e com interpretações patológicas de percepções normais. Ao lado das percepções delirantes, do humor delirante e das alucinações, observam-se nos esquizofrênicos paranóides, transtornos da vivência do eu e alterações afetivas e do comportamento. Exemplo clínico: Apresentamos como exemplo de esquizofrenia paranóide o resumo da observação de uma paciente em que se pode enumerar todos os sintomas de primeira ordem, de Kurt Schneider, alguns sintomas de segunda ordem, como alucinações olfativas e visuais, disritmias depressivas e, ainda, inspiração de pensamentos. Trata-se de uma enferma de 35 anos de idade, casada, em que a doença evolui por surtos periódicos, com remissões de longa duração: Desejo falar com o senhor sobre o princípio do mundo. Vamos remontar ao Continente da Atlântida. A Atlântida era um continente onde havia paz e amor, mas, em determinada época, por qualquer circunstância que não consigo me lembrar, Deus foi obrigado a submergir o Continente da Atlântida. Então, os entes mais desenvolvidos foram salvos e enviados a outros Planetas. Da Atlântida muitos andam por aí, muitos são avatares, entes que vivem na Terra com poderes supranormais, que já andaram pelos Planetas marte, Vênus, urano, que são os planetas mais desenvolvidos do Cosmo. Eu pertenço à Atlântida. Sei disso porque tenho ligação direta com o espaço. Devido a minha hipersensibilidade, cheguei a ter contato com o Pai Celestial. Houve uma época em que a Terra ia ser destruída, porque havia muita maldade. E por que a Terra foi criada? Foi criada para salvar os entes perversos que usavam os poderes que possuíam quando habitavam a Atlântida. Naquela época os seres humanos não se comunicavam pela fala, eles se comunicavam pela mente, por intermédio dessa glândula que Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 124 os médicos não atinam a razão de sua existência: a glândula pineal. Costuma-se perguntar: para quês serve isto? Ora, se Deus a fez, teria de haver uma razão. Se ela não é desenvolvida em determinadas criaturas é porque não merece ser desenvolvida, porque essas criaturas podem aplicar os seus poderes para o mal, como foi o caso de Hitler. Ele tinha o poder da Kundaline e desenvolveu grandemente esse poder da Serpente e o empregou para o mal. Como Goebels e todos os líderes alemães da Segunda Guerra Mundial. Então o que aconteceu? Um dia, Deus, preocupado na sua suprema bondade, procurou-me no Planeta Marte. No Planeta Marte eu sou considerada, sem modéstia, como Rainha. O povo de Marte há milênios que sofre porque eu não estou lá, eu vim em missão à Terra, para ajudar o Pai nessa missão de redimir. Ele me pediu: filha, só tu podes salvar a Terra. Deixa o teu Planeta Marte e vai para a Terra; lá tu sofrerás bastante e viverás encarnações e encarnações e encarnações. Eu posso dizer algumas encarnações: fui preceptora na França, irmã de caridade na Itália, fui Nefertiti, fui grande advogada criminalista na época de Ana Bolena, fui aquele que bebeu cicuta. Quem foi? Sim, Sócrates. Eu sofri as penas do inferno. Nós todos, meus amigos. Até parece que estou falando para muita gente. Mas eu estou realmente falando para muita gente. Não estamos sós aqui, ao nosso lado tem muita gente. O senhor acredita? Sim. Quer dizer que a senhora, em outras encarnações, tem sido homem e tem sido mulher? É verdade. Nós somos hermafroditas. Nós temos um tanto de masculino e de feminino. O senhor sabe muito bem disso, porque o senhor é médico. Nós temos um pouco de homem e um pouco de mulher. A parte que se desenvolve mais é o sexo que predomina?. A senhora se dirigiu nesse momento a outras pessoas. A senhora está vendo alguém além de nós? Não, não vejo ninguém. Mas sei que eles estão sempre ao meu lado, me orientando sobre o que devo falar, o que posso falar, o que o senhor pode saber. Porque o senhor também Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 125 precisa ser esclarecido. Quando chega à noite, meu espírito se separa do invólucro físico e eu vou para o Hospital do Espaço Existe Hospital no espaço? Existe. Eu sou enfermeira no Hospital do Espaço. Quando me deito, eu peço assim: Pai, quando eu dormir me leva para o Hospital do Espaço ou para uma Clínica de Repouso. Quero ser levada para a clínica de Ramatis. Então lá, o meu peri-espírito, não o físico, é tratado. Eles tratam o meu peri-espírito através da cromoterapia, da fluidificação, um tratamento à base de cores. Quando a senhora percebe que o seu peri-espírito adoece? Quando? Não, como adoece? Quando o físico adoece, o peri-espírito também adoece. Então se a pessoa trata o peri- espírito, o físico também melhora. Há uma relação, o senhor me entende? Então eu vou para o espaço. Quando chega a manhã eu estou elétrica. Como bem, tenho orientação sobre os alimentos que devo comer, se devo comer muito sal, se devo comer carne. Eu, por exemplo, quase não como carne. Como sou uma criatura voltada para as coisas do espírito, a carne não vai bem com o meu organismo?. A senhora referiu que se comunica com Deus. É verdade? (...) Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 126 UNIDADE 13 Objetivo: Possibilitar prática mais abrangente dos transtornos mentais EXEMPLOS CLÍNICOS Exemplo clínico de Esquizofrenia Simples Renato, com 23 anos de idade, cor parda, solteiro, fotógrafo. Segundo informações da genitora, os sintomas da enfermidade tiveram início aos 17 anos de idade. Na ocasião, queixava-se de que, na rua, as mulheres não olhavam para ele, mas os homens encaravam-no de modo especial. Já naquela época o paciente revelava tendência a emprestar significação especial às ocorrências. O fato dos transeuntes olharem-no casualmente na rua, significava: ele é um veado. Começou a manifestar uma preocupação extravagante com as mulheres casadas. Às vezes, durante a noite, fugia de casa, subia nos telhados das casas vizinhas, afastava algumas telhas, tentando ver o que se passava no interior dos quartos. A genitora recebeu várias queixas a respeito desses atos extravagantes e talvez ele não tenha sofrido algumas represálias, porque é muito conhecido no lugar onde reside. Certa vez chegou em casa muito afobado, com vários ferimentos pelo corpo. Interrogado, confessouque havia caído de cima de um muro, quando olhava para o interior de uma casa e foi surpreendido pelos moradores. Apesar dessas alterações do comportamento, continuou trabalhando, sem fazer tratamento. Em dezembro do ano passado, o patrão mandou avisar à genitora que o paciente não estava em seu estado normal. Mostrava-se muito retraído e passava horas seguidas pensativo, sem fazer nada. Durante alguns meses queixou-se de cansaço e desânimo. De vez em quando era assaltado por idéias depressivas. Por exemplo, ao aproximar-se de casa, surgia o pensamento de que ia encontrar a mãe morta. Apressava o passo a fim de verificar se realmente isso havia acontecido. A comprovação da insensatez de tais idéias não contribuía para que, no dia Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 127 seguinte, surgissem os mesmos pensamentos. Estava distraído no trabalho quando, subitamente, pensava: Será que a minha mãe está viva. Será que a minha mãe está passando bem? Quem sabe se ela não morreu? No dia 8 de março, deste ano, por iniciativa própria, tomou um frasco de anquilostomina, porque estava pálido e lembrou-se da história de Jeca Tatu. No dia seguinte, ao meio dia, quando regressava para casa, foi assaltado por dois malandros de morro, que lhe obrigaram a fumar um enorme cigarro. Em seguida forçaram-no a beber água de uma bica próxima. Logo depois, começou a ficar tonto, o mundo rodando e com zumbidos estridentes nos ouvidos. Custou a encontrar o caminho de casa, porque não reconhecia o lugar onde se encontrava. Permaneceu num estado de sonolência por mais de cinco horas. Sentia-se fraco e desamparado, demasiadamente fraco para realizar o mínimo movimento. Em 16 de maio, à noite, estava assistindo um filme, quando sentiu uma coisa esquisita. Começou a ficar frio, o corpo gelado, o coração batendo de maneira descompassada. Teve o pressentimento horrível de que ia morrer naquele instante. Ficou apavorado. Saiu do cinema e tomou um café num bar das proximidades. Sentiu-se pior. Antes de chegar em casa, começou a perceber que a vista estava ficando escura e tinha a impressão de que o mundo ia se acabar. Apressou o passo para chegar mais rapidamente em casa, pois desejava morrer junto de sua mãe. Deitou-se e pediu à genitora que o acudisse. Nesse momento começou a sentir um cheiro de vela acesa. Pensou: Estou no fim e minha mãe acendeu uma vela para colocar em minhas mãos. Mais tarde, como continuasse a se sentir pior, foi levado ao Pronto-Socorro. Deram-lhe um comprimido de tranqüilizante, pela madrugada, voltou para casa. Não conseguia dormir, porque tinha o pressentimento de que algo ainda estava para lhe acontecer. Depois de alguns dias, durante a noite, teve um pesadelo. Sonhou que estava andando pela rua e, quando passava em frente a um armazém, sentiu que ia morrer e caiu no chão. Acordou completamente transtornado. A partir desse momento, começou a perceber que as coisas estavam diferentes. Parecia que tinha a visão deformada, porque os objetos não eram mais os mesmos. Percebia que havia ocorrido uma transformação completa no ambiente. Os seus sentimentos em relação às pessoas também sofreram completa transformação. Não gosta mais da companheira, com quem vive a algum tempo. Quando ela se aproximava para lhe fazer carinho, sentia de súbito um ódio profundo e tinha vontade de estrangulá-la. Ficou Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 128 indiferente em relação aos amigos. Perdeu a afeição à genitora. Todos os seus sentimentos se apagaram por completo. O paciente tenta explicar essa transformação: É como se eu tivesse dormido durante dez dias e, ao acordar, o mundo tivesse se modificado. Agora é um mundo de fantasia. Seis dias depois de ter se queixado do pesadelo, começou a dizer que todas as pessoas estavam mortas. Escutava uma voz que lhe dizia: você vai morrer. Você vai morrer. Não adianta você ficar escutando rádio, porque você já está morto. Andava muito impressionado, com desconfiança, admitindo que fizeram macumba contra ele e que lhe influenciam à distância. Perdeu completamente a confiança em si mesmo e começou a ficar medroso. Não saía mais sozinho de casa. Desde a época em que teve o pesadelo, começou a perder a noção do tempo. Em alguns momentos não sabe calcular que horas são, ou em que parte do dia se encontra, se é pela manhã ou à tarde. Tem a impressão de que perdeu a sensibilidade do lado esquerdo, pois só sente o lado direito. Em certos momentos tem o sentimento de que é forçado a pensar, como se ele tivesse obrigatoriamente de se entregar aos maus pensamentos. Ultimamente, de vez em quando, é assaltado pela idéia de matar a genitora. Pensava que ia morrer e, por isso, achava que deveria matá-la: Era para morrer junto com ela? Em alguns momentos era tomado por uma sensação de opressão torácica, respirava com dificuldade, agitava-se, soltava gemidos, lamentava-se e a fisionomia adquiria uma expressão de intenso pavor. Informou então que sentia medo, um medo semelhante ao que sentia dentro do cinema. Desde o seu ingresso neste serviço, o enfermo tem revelado completo desinteresse por tudo e até mesmo por suas próprias condições pessoais. Levado à seção de terapêutica ocupacional, ali permanece indiferente, arredio, desinteressado, sem iniciativa, revelando-se incapaz para qualquer atividade com fins pragmáticos. O pai suicidou-se, há sete anos passados, ateando fogo às roupas. Algum tempo antes, vinha freqüentando centros espíritas. Falava sozinho e, certa vez, investiu contra a esposa, armado com uma foice, para matá-la. Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 129 Exemplo clínico de Esquizofrenia Hebefrênica Expedito, com 24 anos de idade, de cor branca, solteiro, auxiliar de laboratório. Desde a idade de 12 anos vem o paciente se revelando muito nervoso, brigando com as pessoas pelas coisas as mais insignificantes. Aos 14 anos, começou a trabalhar num laboratório de prótese dentária, no serviço de entregas. Abandonou o trabalho antes de completar um ano. Sempre gostou de jogar futebol. Aos 15 anos, tentou ingressar no juvenil do Bonsucesso, porém não foi aceito, porque o técnico achou que ele não tinha resistência física. Desde então, ficou muito preocupado, com desânimo, queixando-se de que era um inútil, que não servia para nada. Dizia que não era igual aos irmãos, que tinham desembaraço e estavam encaminhados na vida, enquanto ele nada conseguia. Tinha crises de choro e julgava-se um infeliz, sem sorte. Aos 17 anos, foi convocado para o serviço militar, tendo sido considerado incapaz, temporariamente, por deficiência de peso. Passou muito tempo preocupado, dizendo que nunca teria condições para servir ao Exército. Rezava muito. No ano seguinte, apresentou-se novamente ao Exército e, dessa vez, foi considerado incapaz, em caráter definitivo, porque não tinha físico. Recebeu certificado de reservista, porém não conseguia emprego. Já nessa época revelava tendência a viver significações. Tinha a impressão de que as pessoas debochavam dele e que muitos pensavam que não se pode confiar num homem que não servia ao Exército. Sentia-se humilhado, porque necessitava de dinheiro e tinha de recorrer aos irmãos. Muito preocupado com o problema de roupas. Nunca estava satisfeito com as roupas que lhe destinavam. Ora considerava que as calças estavam largas, ou apertadas, ou que o paletó não lhe caía bem. Em princípios de 1958, conseguiu uma colocação como auxiliar de laboratório. Um mês antes de completar um ano e sair de férias, a genitora notou que ele estava muito esquisito. Pela manhã, antes de sair para o trabalho, ficava andando de um lado para outro: ia até à porta da rua, voltava à sala, ia ao banheiro, novamente se dirigia à porta, mas não se decidia a sair, e assim passavam uns quinze minutos, até que alguéminsistisse para que ele fosse embora. No trabalho, conduziu-se com exagerado desembaraço, completamente fora do Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 130 natural. No período em que esteve de férias, ficava o dia inteiro em casa, não dormia, não falava com ninguém, sempre rezando. Apresentou cismas em relação aos companheiros de trabalho, dizendo que eles estavam sempre cochichando, falando mal dele. Tinha a impressão de que, quando passava junto aos companheiros de trabalho, eles lhe chamavam de mariquinhas e que ninguém confiava em sua pessoa. Foi levado a um psiquiatra e esteve em tratamento de ambulatório, pelo período de um ano, sem resultado. Durante esse tempo, esteve em casa, indiferente, calado, queixando-se de insônia e dores de cabeça. Ria muito sozinho e, freqüentemente, mirava-se no espelho. Dizia que escutava vozes durante a noite e ficava com ódio tremendo, e decidia que tinha de matar uma ou muitas pessoas para livrar- se daquela perseguição. Informava que o demônio lhe perseguia. Dizia que estava sendo perseguido pelo demônio e pela pomba gíria, a mulher do demônio. Lamentava-se de que ninguém pudesse compreender como ele sofria com tamanha perseguição. Passava as noites fumando, tomando café e bebendo água. Sentia-se inseguro e com medo. Nunca se preocupou com namoradas. Revelava-se tímido em relação às mulheres. Há quinze dias, ao apertar a mão de uma garota, sua vizinha percebeu que a mão estava muito grossa: queixou-se em seguida que sentiu mal-estar, enjôo e ficou pensando que ela lhe havia transmitido algo sobrenatural. Internado na Casa de Saúde Dr. Eiras, em 6 de julho de 1960. Ao ser examinado, revelava- se deprimido, falando em tom de voz baixo, a mímica apagada, gestos escassos e informações extremamente precárias. Fez referência a vozes de conteúdo depreciativo: chamam-no jeca, covarde, mal-educado, dizem que ele não é homem ou chamam-no de veado. Algumas vezes percebe que umas vozes tomam a sua defesa e contradizem: ele é homem, sim ele não é covarde, ele não tem culpa Informou também que em sua casa, quando está pensando em alguma coisa, percebe que os seus pensamentos são repetidos no andar de cima, onde residem certas pessoas que o perseguem. Alucinações cenestésicas. Sente que o corpo está dilatado e que as pernas estão grossas, fora do normal. Inibição do curso do pensamento. Delírio de perseguição, inconsistente, mal sistematizado. Queixa-se de uma perseguição que lhe movem os vizinhos e os colegas de trabalho. Tem cismas do pessoal de uma escola de samba, porque eles desejam arruína-lo e arrasar com a sua família. Humor delirante. Sentimento de estranheza e de transformação do Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 131 mundo. Às vezes, está perfeitamente bem na rua, porém, ao voltar para casa tem a impressão de que tudo está mudado. Enfraquecimento dos sentimentos familiares. Sente medo de tudo. Não ode escutar rádio, porque acha que estão falando mal dele. Sente uma hostilidade no ambiente, como se todos estivessem contra ele. Atos extravagantes: passa horas seguidas mirando-se no espelho, rindo sozinho, fazendo caretas. Exemplo clínico de Esquizofrenia Catatônica Rufino, com 23 anos de idade, de cor branca, solteiro, servente de fábrica, natural do Estado do Rio de Janeiro. Adoeceu há cerca de três anos. Estava trabalhando, quando, de maneira súbita, recebeu a notícia do falecimento da genitora. Saiu correndo, em completo desespero, dirigindo-se ao hospital da Ilha do Governador, onde se dera o infeliz acontecimento. Desde então, embora continuasse saindo para o trabalho, o paciente começou a desleixar-se de suas obrigações, o que chegou a despertar a atenção de seus companheiros e dos patrões. Afastado do trabalho, passou a ficar em casa sem nada fazer. Permanecia calado, sem estabelecer contato com as demais pessoas da família, muito inquieto, sempre andando de um lado para outro. Ria sozinho. Certo dia, apanhou as economias que costumava guardar numa gaveta e ateou fogo ao dinheiro. Levado ao psiquiatra, fez tratamento de ambulatório, melhorou, retornando ao trabalho. Entretanto, não chegou a completar um mês, quando começou a piorar de maneira lenta e progressiva. Os patrões mandaram chamar o pai, comunicando-lhe que o paciente passava a maior parte do tempo parado, absorto. Foi novamente conduzido ao médico que o havia tratado anteriormente, o qual, dessa vez, achou que o tratamento só podia ser realizado sob regime de internação. Deu entrada na Casa de Saúde Dr. Eiras, no dia 23 de setembro de 1959. ao ser examinado, manteve diante do médico uma atitude imobilizada, demonstrando ausência de iniciativa e respondendo por monossílabos. Negou a existência de alucinações, nem revelou atividade delirante. Inibição do curso do pensamento. Indiferença afetiva, risos imotivados e negativismo passivo. Prescrito o tratamento pelo método de Sakel, não chegou a concluí-lo, Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 132 porque, apesar das doses elevadíssimas de insulina, o enfermo não entrava em coma, ou, às vezes, caía em coma ao adormecer. Em 3 de maio de 1960, trazido à presença do médico, aí permaneceu sentado, o tronco fortemente recurvado para frente e fazendo movimentos com as mãos, como se estivesse penteando os cabelos. Mutismo absoluto. Obediência automática, estereotipia de atitude, maneirismos e negativismo. Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 133 UNIDADE 14 Objetivo: Instrumentalizar, a partir da compreensão clínica dos transtornos mentais, estudo e prática em psicologia Detalhamento das Doenças Psicológicas – AUTISMO O corpo no autismo10 Fabiana. S. Fernandes Universidade Federal do Amazonas O objetivo principal deste estudo é refletir sobre constituição do corpo em crianças autistas. Para que esse trabalho seja melhor compreendido, ele foi dividido em três partes principais. Num primeiro momento falarei sobre o autismo e suas características comportamentais tais com distúrbio do relacionamento; distúrbio da fala e da linguagem; distúrbio do ritmo de desenvolvimen-to; distúrbio da motilidade e distúrbio da percepção. Em O corpo exponho um breve estudo do corpo e, posteriormente, como esse corpo é constituido, percebido e vivido no autista, além de fazer uma referência às estruturas de esquema e imagem corporal, e sua importância no tratamento de autistas. Finalmente procurei entender qual a importância e/ou interferência da noção de Corpo no desenvolvimento de crianças autistas. A partir dessa compreensão será possível investigar novas formas de tratamento e/ou intervenção para essas crianças. A metodologia utilizada na elaboração desse estudo foi a pesquisa bibliográfica exploratória em material já elaborado, constituído principalmente de livros. O critério para seleção do material na pesquisa bibliográfica objeto desse estudo, baseou-se na consulta de literatura 10 Artigo disponível no site acadêmico P@PSIC – Periódicos Eletrônicos em Psicologia. Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?pid=S1676-73142008000100013&script=sci_arttext Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 134 especializada na área, selecionada por abordar a temática do Corpo no Autismo, fornecendo sustentação teórica suficiente para atender os objetivos desse estudo introdutório. O autismo De acordo com Gauderer (1993), o autismo manifesta-se por profundas alterações do comportamento, que instalam-se precocemente na infância. É uma síndrome formada por um conjunto de alterações do comportamento que, embora não sejam exclusivas do autismo, constituem uma constelação clínica, não integralmente reproduzida em nenhuma outra doença. Para Mahler (1989), partindo das perspectivas derelação objetal e desenvolvimento do senso de realidade, pode-se descrever dois grupos, clínica e psiquicamente distintos, de psicose infantil precoce; num deles, a mãe parece jamais ter sido percebida emocionalmente pelo bebê como figura representativa do mundo externo; de outra forma, a primeira representação da realidade externa, a mãe como pessoa, como entidade separada, parece não ser catexizada. A mãe permanece um objeto parcial, aparentemente destituído de catexias específicas, que não é diferenciado dos objetos inanimados. A autora complementa essa descrição dizendo que: O autismo infantil precoce desenvolve-se, acredito, porque a personalidade infantil, destituída de vínculos emocionais com a mãe, é incapaz de enfrentar os estímulos externos como uma entidade. O autismo constitui portanto, o mecanismo pelo qual tais pacientes tentam excluir, de maneira alucinada (alucinações negativas) as fontes potenciais da percepção sensorial, especialmente aquelas que exigem resposta afetiva (Mahler, 1989, p. 34). De acordo com Gauderer (1993), esse tipo de psicose infantil foi descrito pela primeira vez por Kanner em 1942 e recebeu o nome de autismo infantil precoce. Nessa psicose a criança não apresenta sinais de perceber afetivamente os outros seres humanos. Acha-se ausente o comportamento que indica a percepção afetiva das provisões maternas vindas do mundo externo. Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 135 Ainda conforme Gauderer (1993), os sintomas do autismo podem ser divididos em cinco grupos gerais: Distúrbios do Relacionamento: tanto o relacionamento com pessoas quanto com objetos inanimados estão alterados no autismo. Esta deficiência precoce inclui a falta do desenvolvimento de uma relação interpessoal e de contato visual. Distúrbios da Fala e da Linguagem: o autor mostra que o desenvolvimento da fala é caracterizado por um enorme atraso, com fixações e paradas ou total mutismo. É comum a ecolalia (ou seja, a repetição automática de sons ou palavras ouvidas) associada ao uso inadequado ou reversão do pronome pessoal. Quando a fala comunicativa se desenvolve é atonal, arrítimica, sem inflexão e incapaz de comunicar apropriadamente as emoções. Distúrbios do Ritmo de Desenvolvimento: as crianças autistas mostram grande irregularidade na idade em que desenvolvem as seqüências motoras ou de linguagem. O ritmo mais comum é uma descontinuidade na seqüência normal do desenvolvimento, por exemplo, a criança pode sentar-se precocemente sem ajuda e depois mostrar um atraso significativo para se colocar em pé. Distúrbios da Motilidade: o maneirismo e os padrões peculiares de motilidade nessas crianças são os traços que lhes conferem em grande parte sua aparência estranha e bizarra. Moraes (2002) cita que os movimentos corporais estereotipados são comuns e apresentam- se sob a forma de balanceio da cabeça, movimentos com os dedos, saltos e rodopios. Esses movimentos costumam ocorrer, principalmente, entre os mais jovens e os que têm um funcionamento global mais baixo. Distúrbios da Percepção: há uma incapacidade na criança de fixar ou dedicar sua atenção a certos estímulos visuais, voltando-se quase que exclusivamente a outros. A criança é incapaz de usar estímulos sensoriais para discriminar o que é importante ou não. Em outras palavras, ocorre um erro de seletividade. A criança autista pode ignorar estímulos visuais, até mesmo pessoas e paredes, a ponto de chocar-se com estas como se o obstáculo não existisse. Classificação do autismo Baptista e Bosa (2002) afirmam que se verifica na história uma grande controvérsia com relação ao conceito do autismo, a distinção entre autismo, psicose e esquizofrenia. As primeiras edições da CID (Classificação de Transtornos Mentais e de Comportamento, da Organização Mundial da Saúde) não fazem qualquer menção ao autismo. A oitava edição o Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 136 traz como uma forma de esquizofrenia, e a nona agrupa-o como psicose infantil. A partir da década de 1980, assiste-se a uma verdadeira revolução paradigmática no conceito, sendo o autismo retirado da categoria de psicose no DSM-III (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, da Associação Americana de Psiquiatria) e no DSM-III-R, bem como na CID-10, passando a fazer parte dos transtornos globais do desenvolvimento, como segue: na CID-10 (1993) encontra-se a definição dessa síndrome dentro dos Transtornos Invasivos do Desenvolvimento, como Autismo Infantil - F84.0 e Autismo atípico - F84.1 e, no DSM IV (2000), também dentro dos Transtornos Invasivos do Desenvolvimento, encontra-se o Transtorno Autista - 299. Conforme Baptista e Bosa (2002), durante muito tempo prevaleceu a noção de pessoas com autismo como sendo alheias ao mundo ao redor, não tolerando o contato físico, não fixando o olhar nas pessoas e interessando-se mais por objetos do que por outras pessoas ou, ainda, nem mesmo discriminando seus pais de um estranho na rua. A mídia e a literatura debruçaram-se sobre a imagem do "gênio" disfarçado, engajado em balanços do corpo e agitação repetitiva dos braços. "Estudos recentes têm comprovado o que os profissionais envolvidos com a criança já sabem: nem todos os autistas mostram aversão ao toque ou isolamento" (Trevarthen citado por Baptista & Bosa, 2002, p. 34). "Alguns, ao contrário, podem buscar o contato físico, inclusive de uma forma intensa, quando não "pegajosa", segundo pais e professores. Também existem evidências de que crianças com autismo desenvolvem comportamentos de apego em relação aos pais (mostrando-se angustiados quando separados deles, buscam sua atenção quando machucados, aproximam-se deles em situação de perigo), de uma forma diferenciada" (Capps, Sigman & Mundy citado por Baptista & Bosa, 2002, p. 34). Na opinião de Baptista e Bosa (2002), a forma como os autistas comunicam suas necessidades e desejos não é imediatamente compreendida, se adotarmos um sistema de comunicação convencional. Um olhar mais cuidadoso e uma escuta atenta permitem-nos descobrir o grande esforço que essas crianças parecem desprender para lançar mão de ferramentas que as ajudem a ser compreendidas. Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 137 Ainda de acordo com Baptista e Bosa (2002), os estudos de observação minunciosas de crianças autistas (utilizando filmagens) mostram que os olhares são mais freqüentes do que se imagina. O que ocorre é que são breves e, por isso, muitas vezes imperceptíveis. Na verdade, a freqüência do olhar muda com o contexto, e esse é mais comum, e tende a ser mais longo naquelas situações em que a criança necessita da assistência do adulto do que naquelas em que está, por exemplo, brincando com o adulto. Nesse caso, as teorias sociocognitivas ajudam a compreender a pouca freqüência do olhar: não olham porque não sabem a função comunicativa do olhar para compartilhar experiências com as pessoas - uma habilidade que se desenvolve ao longo do primeiro ano de vida do bebê. Essa suposição parece trivial, mas faz uma diferença quando aplicada em um contexto de intervenção com os pais: não olhar porque não compreende a extensão das propriedades comunicativas do afeto e do olhar é diferente de não querer olhar. Para esses autores, existem várias teorias, desde a psicanálise, ocupando-se do mundo interno da criança, passando pelas teorias da linguagem, sociocognitivas (explicando a dificuldade em colocar-se no ponto de vista do outro, em refletir sobre estados mentais) até as teorias neuropsicológicas (dando conta das dificuldades de dividir a atenção entre os eventos sociais e não sociais, habilidade de extrair significado de um contexto perceptivo, capacidade de organização, flexibilidade e planejamento, enquanto função dos lobos frontais). Nenhum modelo teórico, sozinho, explicade forma abrangente e satisfatória a complexidade dessa síndrome - eis, a razão pela qual há a necessidade do trabalho em equipe e o respaldo da pesquisa. A experiência clínica, segregada da pesquisa, corre o risco de gerar mitos, pois tende a cristalizar preconceitos. Da mesma forma, a pesquisa, desvinculada da clínica, aprisiona o conhecimento cuja produção pode e deve trazer benefício à comunidade. O corpo Os seres humanos, ao serem captados pela linguagem diferenciam-se do reino animal, deixam de ser puro corpo e, pelo ingresso ao universo simbólico, podem tê-lo e, portanto, ser sujeito com um corpo. Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 138 Segundo Ferreira (2000), as experiências motoras da criança são decisivas na elaboração progressiva das estruturas que aos poucos dão origem às formas superiores de raciocínio, isto é, em cada fase do desenvolvimento, ela consegue uma determinada organização mental que lhe permite lidar com o ambiente. Pode-se assim dizer que, em termos de evolução, a motricidade é uma condição de adaptação vital. Sua essência reside no fato de nela o pensamento poder manifestar-se. A pobreza de seu campo de exploração irá retardar e limitar a capacidade perceptiva do indivíduo. O autor explica que o equilíbrio ou desequilíbrio do tônus muscular, suas variações ou seus bloqueios irão traduzir a maneira de ser da criança, suas emoções, suas vivências psíquicas, além de participar também como elemento na comunicação não-verbal. A atitude da mãe pesa muito no desenvolvimento da criança, desde o período gestacional, quando há um aumento considerável de medos, muitas vezes sem motivo aparente, de ansiedades, depressões, enfim, uma gama de sentimentos que irão repercutir, mais tarde, no desenvolvimento psicológico, intelectual, afetivo e psicomotor da criança. Existe, portanto, uma comunicação constante, um diá-logo corporal entre mãe e filho, na esfera do qual as modificações tônicas: acompanham não apenas cada afeto, mas também cada fato da consciência Seguindo na abordagem de Ferreira (2000), ele visualiza, então, que as capacidades motoras, intelectuais e afetivas que facultam à criança estabelecer relação com o mundo, estão sujeitas à sua carga tônica pessoal, a qual é, por sua vez, construída a partir das estimulações que o meio e as pessoas lhes impõem. Será pela percepção das diferentes experiências que a criança terá possibilidade de criar a base para o desenvolvimento de sua independência e autonomia corporal e sua maturidade socioemocional. Esse autor mostra ainda que a criança desenvolve-se e matura-se no contato com o mundo vivenciando e experimentando as relações, isso, a princípio, via corpo, que é no início o seu único meio de comunicação. Todas as suas inaugurações são corporais e estão intimamente ligadas à emoção e ao prazer. A corporeidade é a linguagem mais primitiva desse indivíduo desde a sua fase uterina. Assim, o movimento está em ligação direta com a criança, pois é Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 139 parte dela que se comunica com o mundo, e também é a partir dele que irá organizar-se enquanto sujeito pensante e atuante para dar conta da sua participação na sociedade. Quando se fala em corpo, segundo Ferreira (2000), tem-se que pensar que ele é um organismo vivo, um ser desejante, atuante, emocional, inteligente, enfim, não se pode esconder ou apenas renegar a história que ele carrega. É preciso entender que o corpo muda com o passar do tempo dependendo dos valores e das necessidades do local, da situação e, é necessário aceitar as suas diferenças. O corpo no autismo Levin (2000) afirma que no autismo, o corpo da criança não tem outra referência do que a de estar à margem. Diferentemente da psicose, não tem uma relação de univocidade à linguagem (modelo materno), e sim de exclusão. O corpo é pura carne sem ligação representacional, é puro real. Para esse autor o corpo no autismo permanece mudo, silencioso, carente de qualquer gestualidade, mantém-se encapsulado e coisificado nessa única posição do mutismo. Mutismo que não se produz por ter um problema na audição, mas porque o que olha e escuta é o seu não lugar. Posição mortífera em que nenhum significado remete a outro, nem ordena a linguagem. Tanto o corpo quanto as posturas, o tônus muscular, os movimentos, o silêncio, o espaço e o tempo, estão numa relação de exclusão à linguagem. Não fazem superfície, não fazem borda. Desse modo, o corpo da criança autista movimenta-se num tempo eterno, infinitamente, sem pausa, num espaço sem limites, sem um lugar no qual possa orientar, navegando no vazio próprio da coisa inerte. Ferreira e Thompson (2002) mostram que as noções de tempo e espaço são as principais bases do desenvolvimento motor, cognitivo e social da criança. Mas para que a organização espaço/tempo se desenvolva, é necessário, antes de tudo, que as noções de esquema corporal e imagem do corpo estejam integradas. Essa percepção do espaço depende de dados sensoriais e de atitudes motoras. As alterações da percepção de espaço são, em primeiro lugar, causadas pela dificuldade de compreender o espaço corporal e suas Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 140 fronteiras. A gestualidade e os movimentos pouco adaptados, assim como a postura, perturbam frequentemente a linguagem não-verbal da criança autista. Levin (2000) informa que os movimentos estereo-tipados apresentados pelas crianças autistas podem ser chamados de movimentos autísticos, uma vez que não se dirigem a ninguém. O movimento, ao não passar por um registro outro, não se separou. Ele sugere que uma das possíveis vias de entrada no tratamento dessas crianças é por meio desses movimentos estereotipados (auto-eróticos). Por essa via procura-se escindir, separar, esse corpo do gozo: tenta-se fazer com que o movimento comece a funcionar, desse modo, no registro do desejo, situando-o em outra posição separada do gozo. Ferreira e Thompson (2002) informam que o autista apresenta dificuldade de compreender seu corpo em sua globalidade, em segmentos, assim como seu corpo em movimento. Quando partes do corpo não são percebidas e as funções de cada uma são ignoradas, pode- se observar movimentos, ações e gestos pouco adaptados. O distúrbio na estruturação do esquema corporal prejudica também o desenvolvimento do equilíbrio estático, da lateralidade, da noção de reversibilidade; funções de base necessárias à aquisição da autonomia e aprendizagens cognitivas. Na opinião desses autores, não deve ser esquecido que os autistas possuem seus próprios desejos, preferências e personalidade, nem ignorar os outros aspectos do desenvolvimento. A linguagem, sobretudo, é constituinte do sujeito, sendo base para a estruturação psíquica, cognitiva e também psicomotora. Ao falar de corpo, o objetivo é ajudar a pessoa autista a superar algumas de suas dificuldades, permitindo seu desenvolvimento em outros planos, oferecendo novos meios de expressão, favorecendo a conscientização, possibilitando o acesso a funções importantes como o olhar e o tocar, buscando melhorar sua qualidade de vida. Esquema corporal e imagem corporal Segundo Levin (2000), o esquema corporal é o que se pode dizer ou representar acerca do próprio corpo. A representação que temos do mesmo é da ordem do evolutivo, do temporal. Dentro do esquema corporal encontram-se as noções de proprioceptividade, Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 141 interoceptividade e exteroceptividade. Na evolução psicomotora da criança, o esquema corporal irá se construindo, ele é suscetível à mensuração e à comparação com outro; por exemplo, nas medidas padronizadas em que a criança corresponde a cada idade, um peso, uma altura, etc. Para Ferreira e colaboradores (2002), o esquema corporal é elementobásico indispensável para a formação da personalidade da criança. É a representação relativamente global, científica e diferenciada que a criança tem de seu próprio corpo. A estruturação espaço- temporal, fundamenta-se nas bases do esquema corporal sem o qual a criança, não se reconhecendo em si mesma, só muito dificilmente poderia aprender o espaço que a rodeia. Torna-se necessário que a criança adquira o domínio corporal, o reconhecimento corporal e a passagem para a ação. Sem essas habilidades, uma criança, por exemplo poderá chocar- se constantemente com os amigos durante brincadeiras que envolvam corrida, machucar-se ao passar por espaços limitados e sentir dificuldades em transferir líquidos de um recipiente para outro ou entornar os líquidos ao bebê-los. As etapas do desenvolvimento do esquema corporal abrangem o corpo vivido, o conhecimento das partes do corpo, a orientação-espaço- corporal e a organização espaço-corporal. De acordo com Levin (2001), o estágio do espelho tem um papel essencial na constituição da imagem corporal da criança. O gesto dela diante do espelho convoca ao olhar do outro que confirma essa imagem própria. Esse gesto implica um movimento postural que, por um instante, a descentra do espelho e a aliena mais uma vez enlaçando-a ao outro. A transformação implícita, via identificação, o fascínio pela imagem especular determina mudanças posturais e corporais que organizam a construção corporal a partir do espelho virtual da criança. Estudando essas reações da criança diante do espelho, Wallon (citado por Ferreira & Thompson, 2002) destaca dois tempos importantes em sua psicogênese: a capacidade de perceber a imagem e de relacioná-la a si próprio: O primeiro diz respeito à constatação de que, inicialmente, a criança aprende a relacionar imagem especular com a pessoa real, por meio da atitude de um outro que, com ela, divide o Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 142 reflexo no plano de espelho. Por exemplo, a descoberta da relação entre imagem e pessoa real não se constitui por intermédio da imagem propriamente dita, mas do fato de estar a criança acompanhada de alguém que, falando ao seu lado, possa criar uma transferência entre pessoa real e imagem e, paradoxalmente, estabelecer, ao mesmo tempo, um vínculo entre imagem e pessoa real. O caminho percorrido para a associação vai do gesto à imagem. . O segundo tempo inaugura a construção de imagem de si, propriamente dita. A criança passa a reconhecer a sua própria imagem refletida no espelho, buscando estabelecer um contato corporal com ela. Nesse momento de captura da imagem de seu próprio corpo, a criança passa a referir-se a ela (a imagem), quando a chamam pelo seu próprio nome. Durante boa parte dos primeiros anos, ainda assistimos às crianças chamarem-se na terceira pessoa, como um processo de referência a si mesma, projetadas na imagem que construíram para si, especular e exteroceptiva. Ferreira e Thompson (2002) falam que a imagem corporal é um conjunto de informações que constituem um sujeito diante de si, do outro e do mundo. A construção da imagem passa necessariamente pelo outro e pela cultura. O sujeito aprende a ver com os olhos dos outros. Mas, para além do olhar, há muito mais. Há a linguagem inscrita na forma desses que olham e que reconhecem o sujeito, lhe dão um rosto, um semblante, uma expressão. A imagem passa pelos cuidados recebidos, pelo amor e desamor, pelas frustrações, privações e castrações simbólicas. O esquema corporal de uma criança autista certamente se encontra perturbado, informa Levin (2000), mas não por uma falha no esquema corporal, mas pela ausência, pela carência do outro que não fez a inscrição, que não fez os contornos desse corpo, que não gerou desejo, imagem, que para serem geradas irão necessitar de um outro que imagine que ali há um sujeito e não uma "coisa" (objeto). Desse modo, a criança poderá espelhar-se nessas imagens (no olhar desejante), no outro que assim outorga a possibilidade de construir um esquema e uma imagem corporal. Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 143 Considerações finais É essencial ficar entendido que intervir num processo vivencial é intervir na totalidade humana, seja essa intervenção através do olhar, do escutar, do tocar ou do falar. Provocar alguma variação numa experiência é alterar a vivência global do indivíduo em sua forma de ser e estar no mundo. Pode-se dizer que uma das primeiras intervenções a que somos submetidos se dá através do olhar. Alguém nos olha quando nascemos e nos diz quem somos. A partir desse momento começamos a delinear nosso lugar no mundo, nossa identidade. O toque, o sorriso, o falar, o olhar dos pais são de vital importância para o desenvolvimento emocional e intelectual da criança. O desejo do outro vai marcar e influenciar seu próprio desejo. É papel do profissional compreender e viver em profundidade o fato de que a criança necessita de alguém que se encante com seu mundo e o compreenda como essencial ao ato de viver; alguém que sonha, fantasia, deseja, sorri, dá gargalhadas, se alegra, busca realizar, alguém que conscientemente constrói a existência para si e para o outro; um profissional que lança mão do arcabouço de seu conhecimento para o exercício de seu trabalho, ao mesmo tempo que é repleto de sensibilidade e sutileza relacional. Utilizando o pensamento de Ferreira e colaboradores (2002), o profissional que decide lidar com a criança autista, deve considerar tudo o que se sabe sobre o processo de desenvolvimento normal e os fatores que otimizam o desenvolvimento; como também, tem de considerar o que se sabe sobre os aspectos anormais que interferem no desenvolvimento das crianças autistas. Foi possível perceber que a criança autista não possui um corpo vivenciado. A sensação que se tem é que o corpo é um objeto a parte, sem significação, sem importância. Existe uma grande dificuldade por parte da criança em compreender seu corpo como um todo. Ela não desenvolve de maneira adequada as noções de Esquema Corporal, o que tem diversas implicações, como foi possível observar ao longo desse artigo. Para uma criança autista, o corpo pode ser um objeto de angústia e de pânico, sobretudo se ele não é bem estimulado e compreendido. Por isso, é necessário que ele se torne um pólo de segurança e estabilidade. Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 144 Posso inicialmente concluir, que umas das maneiras de auxiliar no tratamento do autismo é por meio do corpo, tentando estabelecer uma relação entre o psíquico e o orgânico. A partir de experiências sensório-motoras, ele poderá aumentar sua relação com o mundo, inicialmente impossível pela dificuldade de entrar em contato com os outros, seja por meio do toque ou por meio do olhar. Fica a proposta para num próximo estudo, buscar terapias que utilizem o Corpo nessa intermediação corpo-mente, e verificar de que forma elas podem contribuir para o tratamento de crianças autistas. Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 145 UNIDADE 15 Objetivo: Instrumentalizar, a partir da compreensão clínica dos transtornos mentais, estudo e prática em psicologia Classificação das doenças psicológicas Anorexia e Bulimia Nervosa11 Objetivo: Compreender os principais sintomas das doenças psicológicas Anorexia nervosa Os transtornos alimentares (anorexia nervosa, bulimia nervosa e suas variantes) são quadros psiquiátricos que afetam principalmente adolescentes e adultos jovens (embora uma procura maior de crianças se faça notar recentemente) do sexo feminino, levando a grandes prejuízos biopsicossociais com elevada morbidade e mortalidade (Doyle e Bryant-Waugh, 2000). A anorexia nervosa caracteriza-se por perda de peso intensa à custa de dietas rígidas auto- impostas em buscadesenfreada da magreza, distorção da imagem corporal e amenorréia. William Gull, no ano de 1874, descreve três pacientes com quadro anoréxico restritivo, cunhando o termo “apepsia histérica”. O quadro clínico incluía emagrecimento, amenorréia, bradicardia, baixa temperatura corporal, edema nos membros inferiores, obstipação e cianose periférica (Abreu e Cordás, no prelo). Brunch (1962), nos anos 1960 e 1970, foi o primeiro autor a mencionar a distorção da imagem corporal vista como um distúrbio da paciente com anorexia nervosa na percepção de seu corpo. 11 Resenha do artigo de ABREU, Cristiano Nabuco de; CANGELLI FILHO, Raphael. Anorexia nervosa e bulimia nervosa: abordagem cognitivo-construtivista de psicoterapia. Rev. psiquiatria. clínica [online]. 2004, vol.31, n.4, pp. 177-183. ISSN 0101- 6083. Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 146 A partir de 1970, pacientes avaliadas clinicamente demonstravam um receio exagerado de ganhar peso, sendo este o primeiro passo para incorporar o “medo mórbido de engordar” como característica psicopatológica da anorexia nervosa, juntamente com o emagrecimento, a distorção da imagem corporal e a amenorréia (Russell, 1970). A baixa auto-estima bem como a distorção da imagem corporal são os principais componentes que reforçam a busca de um emagrecimento incessante, levando à prática de exercícios físicos, jejum e uso de laxantes ou diuréticos de uma forma ainda mais intensa (Garfinkel e Garner, 1982, Holden, 1990). Pacientes com anorexia nervosa do subtipo purgativo, ou seja, que apresentam episódios bulímicos e alguma prática de purgação (vômitos, diuréticos, enemas e laxantes), são mais impulsivas e apresentam aspectos de personalidade diferentes de pacientes que usam apenas práticas restritivas e são mais perfeccionistas e obsessivas (Garner et al., 1993; Wonderlich e Mitchell, 2001). Bulimia nervosa A bulimia nervosa (BN), por sua vez, caracteriza-se por grande ingestão de alimentos de uma maneira muito rápida e com a sensação de perda de controle, os chamados episódios bulímicos. Estes são acompanhados de métodos compensatórios inadequados para o controle de peso, como vômitos auto-induzidos (em mais de 90% dos casos), uso de medicamentos (diuréticos, laxantes, inibidores de apetite), dietas e exercícios físicos, abuso de cafeína ou uso de cocaína (Fairburn, 1995). A descrição de BN, tal como a conhecemos hoje, foi elaborada por Russell em 1979, quando descreveu trinta pacientes com peso normal, pavor de engordar, episódios bulímicos e vômitos auto-induzidos. Como essas pacientes haviam apresentado anorexia nervosa no passado, Russel considerou inicialmente que a bulimia seria uma seqüela, uma “estranha” variação da anorexia nervosa (Russell, 1979). Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 147 Fairburn (1991) e outros autores, entre eles o próprio Russell, descreveram posteriormente o caráter autônomo do quadro, uma vez que apenas de 20% a 30% das pacientes bulímicas apresentaram uma história pregressa de anorexia nervosa, em geral de curta duração. Como descrito inicialmente, a BN caracteriza-se por grande e rápida ingestão de alimentos com sensação de perda de controle – os episódios bulímicos normalmente são acompanhados de métodos compensatórios inadequados (Hethrington e Rolls, 2001). O aspecto principal da BN é a presença de episódios bulímicos com relatos de ingestão média de três a quatro mil calorias por episódio, mas já foram descritos episódios com uma ingestão de até 20 mil calorias (Mitchell et al., 1998 ). Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 148 UNIDADE 16 Objetivo: Instrumentalizar, a partir da compreensão clínica dos transtornos mentais, estudo e prática em psicologia Detalhamento das Doenças Psicológicas – DEPRESSÃO Conceito e diagnóstico12 José Alberto Del Porto Significados do termo “depressão” O termo depressão, na linguagem corrente, tem sido empregado para designar tanto um estado afetivo normal (a tristeza), quanto um sintoma, uma síndrome e uma (ou várias) doença(s). Os sentimentos de tristeza e alegria colorem o fundo afetivo da vida psíquica normal. A tristeza constitui-se na resposta humana universal às situações de perda, derrota, desapontamento e outras adversidades. Cumpre lembrar que essa resposta tem valor adaptativo, do ponto de vista evolucionário, uma vez que, através do retraimento, poupa energia e recursos para o futuro. Por outro lado, constitui-se em sinal de alerta, para os demais, de que a pessoa está precisando de companhia e ajuda. As reações de luto, que se estabelecem em resposta à perda de pessoas queridas, caracterizam- se pelo sentimento de profunda tristeza, exacerbação da atividade simpática e inquietude. As reações de luto normal podem estender-se até por um ou dois anos, devendo ser diferenciadas dos quadros depressivos propriamente ditos. No luto normal a pessoa 12 Professor Titular do Departamento de Psiquiatria da Universidade Federal de São Paulo. Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 149 usualmente preserva certos interesses e reage positivamente ao ambiente, quando devidamente estimulada. Não se observa, no luto, a inibição psicomotora característica dos estados melancólicos. Os sentimentos de culpa, no luto, limitam-se a não ter feito todo o possível para auxiliar a pessoa que morreu; outras idéias de culpa estão geralmente ausentes. Enquanto sintoma, a depressão pode surgir nos mais variados quadros clínicos, entre os quais: transtorno de estresse pós-traumático, demência, esquizofrenia, alcoolismo, doenças clínicas, etc. Pode ainda ocorrer como resposta a situações estressantes, ou a circunstâncias sociais e econômicas adversas. Enquanto síndrome, a depressão inclui não apenas alterações do humor (tristeza, irritabilidade, falta da capacidade de sentir prazer, apatia), mas também uma gama de outros aspectos, incluindo alterações cognitivas, psicomotoras e vegetativas (sono, apetite). Finalmente, enquanto doença, a depressão tem sido classificada de várias formas, na dependência do período histórico, da preferência dos autores e do ponto de vista adotado. Entre os quadros mencionados na literatura atual encontram-se: transtorno depressivo maior, melancolia, distimia, depressão integrante do transtorno bipolar tipos I e II, depressão como parte da ciclotimia, etc. Descrição clínica As descrições feitas por Kraepelin, dos estados depressivos e maníacos, na oitava edição de seu tratado, são insuperáveis pela clareza e precisão. Felizmente encontra-se disponível uma reedição recente desse trabalho, em tradução inglesa, o que torna sua leitura mais facilmente acessível. De muito interesse é o artigo clássico de Falret, sobre a “folie circulaire”, marco na história da doença maníaco-depressiva, datado de 1854 e recentemente republicado pelo American Journal of Psychiatry, com comentários de Marc Sedler. Igualmente interessantes são as descrições de Bleuler, em seu Tratado de Psiquiatria (atualizado por Manfred Bleuler), que conta com traduções em espanhol e mesmo em português. Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 150 Aspectos gerais Embora a característica mais típica dos estados depressivos seja a proeminência dos sentimentos de tristeza ou vazio, nem todos os pacientes relatam a sensação subjetiva de tristeza. Muitos referem, sobretudo, a perda da capacidade de experimentar prazer nas atividades em geral e a redução do interesse pelo ambiente. Freqüentemente associa-se à sensação de fadiga ou perda de energia, caracterizada pela queixa de cansaço exagerado. Alguns autores enfatizam a importância das alterações psicomotoras, em particular referindo-se à lentificaçãoou retardo psicomotor. Este tópico será abordado mais detidamente no item referente à conceituação da “melancolia”. No diagnóstico da depressão levam-se em conta: sintomas psíquicos; fisiológicos; e evidências comportamentais. Sintomas psíquicos • Humor depressivo: sensação de tristeza, auto desvalorização e sentimentos de culpa. Os pacientes costumam aludir ao sentimento de que tudo lhes parece fútil, ou sem real importância. Acreditam que perderam, de forma irreversível, a capacidade de sentir alegria ou prazer na vida. Tudo lhes parece vazio e sem graça, o mundo é visto “sem cores”, sem matizes de alegria. Em crianças e adolescentes, sobretudo, o humor pode ser irritável, ou “rabugento”, ao invés de triste. Certos pacientes mostram-se antes “apáticos” do que tristes, referindo-se muitas vezes ao “sentimento da falta de sentimentos”. Constatam, por exemplo, já não se emocionarem com a chegada dos netos, ou com o sofrimento de um ente querido, e assim por diante. O deprimido, com freqüência, julga-se um peso para os familiares e amigos, muitas vezes invocando a morte para aliviar os que o assistem na doença. São freqüentes e temíveis as idéias de suicídio. As motivações para o suicídio incluem distorções cognitivas (perceber quaisquer dificuldades como obstáculos definitivos e intransponíveis, tendência a superestimar as perdas sofridas) e ainda o intenso desejo de pôr fim a um estado emocional extremamente penoso e tido como interminável. Outros ainda buscam a morte como forma de expiar suas supostas culpas. Os pensamentos de suicídio variam desde o remoto desejo de estar simplesmente morto, até planos minuciosos de se Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 151 matar (estabelecendo o modo, o momento e o lugar para o ato). Os pensamentos relativos à morte devem ser sistematicamente investigados uma vez que essa conduta poderá prevenir atos suicidas, dando ensejo ao doente de se expressar a respeito. • Redução da capacidade de experimentar prazer na maior parte das atividades, antes consideradas como agradáveis. As pessoas deprimidas podem relatar que já não se interessam pelos seus passatempos prediletos. As atividades sociais são freqüentemente negligenciadas, e tudo lhes parece agora ter o peso de terríveis “obrigações”. • Fadiga ou sensação de perda de energia. A pessoa pode relatar fadiga persistente, mesmo sem esforço físico, e as tarefas mais leves parecem exigir esforço substancial. Lentifica-se o tempo para a execução das tarefas. • Diminuição da capacidade de pensar, de se concentrar ou de tomar decisões. Decisões antes quase automáticas parecem agora custar esforços intransponíveis. Um paciente pode se demorar infindavelmente para terminar um simples relatório, pela incapacidade em escolher as palavras adequadas. O curso do pensamento pode estar notavelmente lentificado. Professores experientes queixam-se de não conseguir preparar as aulas mais rotineiras; programadores de computadores pedem para serem substituídos pela atual “incompetência”; crianças e adolescentes têm queda em seus rendimentos escolares, geralmente em função da fatigabilidade e déficit de atenção, além do desinteresse generalizado. Sintomas fisiológicos • alterações do sono (mais freqüentemente insônia, podendo ocorrer também hipersonolência). A insônia é, mais tipicamente, intermediária (acordar no meio da noite, com dificuldades para voltar a conciliar o sono), ou terminal (acordar mais precocemente pela manhã). Pode também ocorrer insônia inicial. Com menor freqüência, mas não raramente, os indivíduos podem se queixar de sonolência excessiva, mesmo durante as horas do dia. Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 152 • alterações do apetite (mais comumente perda do apetite, podendo ocorrer também aumento do apetite). Muitas vezes a pessoa precisa esforçar-se para comer, ou ser ajudada por terceiros a se alimentar. As crianças podem, pela inapetência, não ter o esperado ganho de peso no tempo correspondente. Algumas formas específicas de depressão são acompanhadas de aumento do apetite, que se mostra caracteristicamente aguçado por carboidratos e doces. • redução do interesse sexual Evidências comportamentais • retraimento social • crises de choro • comportamentos suicidas • Retardo psicomotor e lentificação generalizada, ou agitação psicomotora. Freqüentemente os pacientes se referem à sensação de peso nos membros, ou ao “manto de chumbo” que parecem estar carregando. Em recente revisão da literatura sobre os estados depressivos, o item “retardo psicomotor” foi o denominador comum, em nove sistemas classificatórios, como traço definidor da melancolia. Na Austrália, Gordon Parker e colaboradores propuseram, para o diagnóstico da melancolia, um sistema baseado não em “sintomas” (subjetivos), mas em “sinais” (características objetivas, observáveis): o sistema “core”, que tem sido cada vez mais utilizado pelos pesquisadores nessa área. Na França, Daniel Widlöcher4 e colaboradores, na Salpêtrière, desenvolveram uma escala especificamente destinada a medir o retardo psicomotor (“échelle de ralentissement dépressif” da Salpêtrière). Deve-se ainda lembrar, no diagnóstico das depressões, que algumas vezes o quadro mais típico pode ser mascarado por queixas proeminentes de dor crônica (cefaléia, dores vagas no tórax, abdome, ombros, região lombar, etc.). A ansiedade Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 153 está freqüentemente associada. Em idosos, principalmente, as queixas de caráter hipocondríaco costumam ser muito comuns. Alterações dos rimos circadianos Muitas funções circadianas encontram-se alteradas nas depressões, a exemplo da regulação da temperatura e do ritmo de produção do cortisol. Entre as alterações mais conspícuas estão aquelas relacionadas ao ritmo do sono. Segundo Akiskal, cerca de dois terços dos pacientes deprimidos têm diminuição da latência para o início do sono REM (“Rapid Eyes Movements”). As formas ditas “melancólicas” da depressão caracterizam-se, entre outros aspectos, pela piora matinal e pelo despertar precoce pela manhã. Características melancólicas O termo “melancolia” tem sido empregado, nas atuais classificações (como o DSM IV), para designar o subtipo anteriormente chamado de “endógeno”, “vital”, “biológico”, “somático” ou “endogenomorfo” de depressão. Considerado por muitos como o “protótipo” ou síndrome nuclear das depressões, a melancolia – ao contrário de outras formas de depressão – parece constituir-se em um grupo mais homogêneo, que responde melhor a tratamentos biológicos, e para o qual os fatores genéticos seriam os principais determinantes. Parker e cols. chamam a atenção para a importância das alterações psicomotoras na melancolia, para eles a principal característica desse quadro nosológico. O conceito de melancolia no DSM-IV foi revisto, em relação ao do DSM-III-R, tornando-se mais preciso e definindo com mais rigor no subgrupo aqui estudado. Testes biológicos, como, por exemplo, o teste da supressão do cortisol pela dexametasona, são mais freqüentemente positivos nos quadros melancólicos do que em outros tipos de depressão. Características psicóticas Cumpre lembrar que o termo “psicótico”, origem de tantas controvérsias em psiquiatria, tem três significados distintos: Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 154 Significado meramente descritivo, quando designa, por exemplo, quadros psiquiátricos onde ocorrem alucinações e delírios; 2. significado etiológico, quando designa quadros endógenos (determinados por tendências constitucionais do indivíduo), em contraposição àqueles determinados por fatores psicogênicos; e 3. significado que alude à gravidade (ou intensidade) do quadro. As atuais classificações, fugindo de preconceitos etiológicos,utilizam o termo psicótico apenas em sentido descritivo. Assim, a expressão designa, nesse contexto, aquelas formas de depressão onde ocorrem delírios e alucinações. Admite-se que essas formas cheguem a 15% dos quadros depressivos. Os delírios depressivos considerados congruentes com o humor incluem delírios de culpa, de punição merecida, delírios de ruína e delírios nihilistas (que podem configurar a síndrome de Cotard, quando incluem negação de órgãos e negação da morte). Na depressão delirante as pessoas podem interpretar eventos triviais do cotidiano como evidências de defeitos pessoais, ao tempo em que se culpam de forma indevida e francamente inapropriada. Um paciente, por exemplo, culpava-se pela morte de um desconhecido, cujo féretro passou por sua rua; outra, uma senhora de meia idade, julgava ser a responsável pela paralisação das obras de uma ponte em sua cidade. Mais comumente, no entanto, o paciente recua no tempo, com a finalidade de se acusar por supostos delitos ou atos culposos do passado, remoendo escrúpulos indevidos. Os temas de ruína, quando delirantes, apresentam-se, de acordo com Bleuler,como: ruína do corpo (delírios hipocondríacos: a pessoa acredita, por exemplo, estar com o fígado “apodrecido”, ou com determinados órgãos “tomados pelo câncer”); ruína espiritual (delírios de culpa, com acusações por faltas ou pecados cometidos); e ruína financeira (delírios que envolvem temas de pobreza e miséria). A “escolha” do tema faz-se, certamente, em consonância com as características da personalidade do paciente. Por outro lado, podem ocorrer temas delirantes, aparentemente sem relação com o humor depressivo. Os delírios incongruentes com o humor incluem temas de perseguição, e delírios de estar sendo controlado (estes, comumente associados a fenômenos “schneiderianos” de inserção e irradiação de pensamentos). Quando presentes, esses fenômenos incongruentes com o Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 155 humor associam-se a um pior prognóstico, avizinhando-se, não raramente, dos estados ditos “esquizoafetivos”. As alucinações que acompanham os estados depressivos, quando presentes, são em geral transitórias e não elaboradas. Costumam ser, mais comumente, coerentes com o humor depressivo: vozes que condenam o paciente, imprecações do demônio, choro de defuntos, etc. Mais raramente, ocorrem alucinações não congruentes com o humor (sem relação aparente com os temas depressivos). As formas mais severas de depressão psicótica foram descritas por Kraepelin com o nome de “melancolia fantástica”. Nessa forma aparecem intensos delírios e alucinações, alternando-se estados de violenta excitação com estados estuporosos, a par de leve obnubilação da consciência (essas formas são hoje dificilmente encontradas). Depressões catatônicas Diz-se que uma depressão tem características catatônicas quando o quadro clínico se caracteriza por intensas alterações da psicomotricidade, entre as quais: imobilidade quase completa, atividade motora excessiva, negativismo extremo, mutismo, estereotipias, ecolalia ou ecopraxia, obediência ou imitação automática. A imobilidade motora pode se apresentar como estupor (o chamado “estupor melancólico”) ou ainda por catalepsia (flexibilidade cérea). Impõe-se aqui o diagnóstico diferencial cuidadoso, com a catatonia induzida por condição médica geral (por exemplo, encefalopatia hepática), por drogas ou medicamentos, e com a esquizofrenia catatônica. Cumpre notar que, nos tempos atuais, é muito raro encontrar-se um verdadeiro “estupor melancólico”. As facilidades de diagnóstico e de tratamento quase sempre impedem a progressão a essas formas mais graves, que ainda em passado recente (particularmente antes da introdução do eletrochoque) ameaçavam a vida dos pacientes. Em pessoas jovens, o aparecimento de acentuada lentificação psicomotora e de formas sutis de estupor é quase sempre indicativo de doença bipolar, que freqüentemente acabará se manifestando mais tarde através de fases maníacas. Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 156 Depressões crônicas (distimias) As depressões crônicas são geralmente de intensidade mais leve que os episódios de depressão maior. Mais que o humor francamente deprimido, os pacientes com depressão crônica (distimia) sofrem por não sentir prazer nas atividades habituais, e por terem suas vidas coartadas por uma espécie de morosidade irritável. Depressões atípicas Originalmente criado na Inglaterra, e posteriormente desenvolvido pelo grupo da Universidade de Columbia, em Nova York, o conceito de depressão “atípíca” refere-se (de modo muito típico) àquelas formas de depressão caracterizadas por: reatividade do humor, sensação de fadiga acentuada e “peso” nos membros, e sintomas vegetativos “reversos” (opostos aos da depressão melancólica), como aumento de peso e do apetite, em particular por carboidratos e hipersonia. Além disso, descreve-se como característica constante das pessoas sujeitas a esse tipo de depressão um padrão persistente de extrema sensibilidade à percepção do que consideram como rejeição por parte de outras pessoas. Episódios com características “atípicas” são mais comuns nos transtornos bipolares (I e II), no transtorno depressivo com padrão sazonal. Sazonalidade Especialmente no hemisfério norte, onde as estações do ano são bem definidas, verifica-se com clareza que algumas formas de depressão acentuam-se ou são precipitadas de acordo com um padrão sazonal; mais comumente as depressões desse tipo ocorrem no outono e no inverno. Muitos desses pacientes têm fases hipomaníacas na primavera, sendo classificados como do tipo bipolar II (depressões maiores e hipomania). Freqüentemente esses pacientes apresentam algumas características sobrepostas às da “depressão atípica”: fadiga excessiva, aumento Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 157 do apetite (em particular por carboidratos) e hipersonolência. O DSM-IV inclui o “padrão sazonal” como um especificador do tipo de depressão estudada. Classificações atuais dos estados depressivos CID-10 A Classificação Internacional das Doenças, da Organização Mundial da Saúde, em sua décima revisão8, a CID-10, assim assim apresenta os transtornos do humor, em suas linhas gerais: • F30 - Episódio maníaco (usado para episódio único de mania). • F31 - Transtorno afetivo bipolar. O transtorno afetivo bipolar pode ser classificado, de acordo com o tipo do episódio atual, em hipomaníaco, maníaco ou depressivo. Os episódios maníacos são subdivididos de acordo com a presença ou ausência de sintomas psicóticos. Os episódios depressivos são classificados de acordo com as regras descritas em F32. O transtorno afetivo bipolar inclui ainda os episódios mistos (F31.6). • 1 2 F32 - Episódio depressivo (usado para episódio depressivo único). O episódio depressivo pode ser, quanto à intensidade, classificado como: leve, moderado ou grave. Os episódios leves emoderados podem ser classificados de acordo com a presença ou ausência de sintomas somáticos. Os episódios depressivos graves são subdivididos de acordo com a presença ou ausência de sintomas psicóticos. • F33 - Transtorno depressivo recorrente (tem as mesmas subdivisões descritas para o episódio depressivo). • F34 - Transtornos persistentes do humor: F34.0 – Ciclotimia e F34.1 - Distimia. A CID-10 inclui ainda códigos para “outros” transtornos do humor e para “transtornos não identificados”. Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 158 DSM-IV A Associação Psiquiátrica Americana, no DSM-IV,9 assim classifica os transtornos do humor: Transtornos depressivos: • 296.xx - Transtorno depressivo maior, que é subdividido em episódio único, ou recorrente. • 300.4 - Transtorno distímico, que pode ser especificado de acordocom o tipo de início (precoce ou tardio), e de acordo com a presença ou ausência de características atípicas. • 311 - Transtorno depressivo sem outra especificação (SOE). Transtornos bipolares: • 296.xx - Transtorno bipolar I. O transtorno bipolar I inclui a ocorrência de episódio maníaco único. O DSM IV pede que se especifique o tipo do episódio mais recente: hipomaníaco, maníaco, depressivo, misto, ou inespecificado. • 296.89 - Transtorno bipolar II (hipomania associada a pelo menos um episódio depressivo maior). Especificar se o episódio atual (ou mais recente) é hipomaníaco ou depressivo. • 301.13 - Transtorno ciclotímico • 296.80 - Transtorno bipolar sem outra especificação (SOE) • 293.83 - Transtorno do humor devido a condição médica geral • ___.__ - Transtorno do humor induzido por substâncias (referir os códigos específicos para cada substância). 296.90 - Transtorno do humor sem outra especificação (SOE). Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 159 O DSM IV fornece ainda, em seu apêndice B, conjuntos de critérios para estudos adicionais. No que concernem os transtornos do humor, devem ser lembrados: transtorno depressivo menor, transtorno depressivo breve recorrente, transtorno misto de ansiedade-depressão e transtorno da personalidade depressiva. Críticas ao conceito de “transtorno depressivo maior” O conceito de depressão maior, como aparece no DSM-IV, é excessivamente abrangente, e por isso mesmo, pouco preciso. Abarca provavelmente uma gama muito heterogênea de condições, que vão desde as fronteiras da normalidade (reações de luto ou tristeza normal) até aquelas formas mais graves de depressão, para as quais provavelmente concorrem fatores mais biológicos (adquiridos e/ou geneticamente determinados). Para o diagnóstico de “Transtorno Depressivo Maior”, de acordo com o DSM-IV, basta que a pessoa apresente “humor deprimido ou perda de interesse ou prazer, durante um período de duas semanas”, mais quatro sintomas de uma lista de nove (ou mais três sintomas, se os dois primeiros estiverem presentes). Assim, por exemplo, se uma moça que brigou com o namorado apresentar tristeza e perda de energia por 15 dias, além de mais três sintomas, como insônia, perda de energia e capacidade diminuída de se concentrar, terá preenchido critérios para “Transtorno Depressivo Maior”. Um conceito tão amplo certamente não contribui para que se testem hipóteses sobre a etiologia das depressões, resposta a tratamentos biológicos, etc. Não serve tampouco para auxiliar na decisão de se medicar ou não a pessoa que preencha tais critérios. Já o conceito de melancolia é muito mais preciso e, por essa razão, tem maior valor preditivo quanto, por exemplo, à resposta terapêutica a antidepressivos e ao eletrochoque. Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 160 Depressão e o espectro dos transtornos bipolares Assiste-se hoje, indubitavelmente, à redescoberta da obra de Kraepelin. 1 Os critérios diagnósticos adotados pela Associação Psiquiátrica Americana (DSM IV) e pela Organização Mundial da Saúde (CID 10) refletem, em suas linhas gerais, a nosologia kraepeliniana. Também no âmbito das afecções do humor (transtornos afetivos) verifica-se, em aspectos fundamentais, o retorno às concepções de Kraepelin. Em 1921, tratando da definição da “insanidade maníaco-depressiva”, Kraepelin escreveu: “A insanidade maníaco- depressiva , como descrita nesse capítulo, inclui, por um lado, o domínio completo da chamada insanidade periódica e circular, e por outro lado inclui a mania simples, a maior parte dos estados mórbidos designados como melancolia, e também um número não desprezível de casos de amência. Finalmente, incluímos aqui certos coloridos leves e sutis do humor, alguns dos quais periódicos, outros continuamente mórbidos, os quais , se por um lado podem ser encarados como o rudimento de doenças mais severas, por outro lado passam, sem limites nítidos, para o campo da predisposição pessoal. No curso dos anos eu me tornei mais e mais convencido de que todos os estados acima mencionados representam apenas manifestações de um único processo mórbido.” Retomando a abordagem clássica de Kraepelin, Akiskal tem, em diversas publicações 6,10,11 enfatizado a importância do espectro da doença bipolar. Esse espectro incluiria desde as formas típicas da doença bipolar (bipolar I, com pelo menos uma fase maníaca), passando pelas depressões associadas à hipomania (bipolar II) até as depressões recorrentes, sem hipomania espontânea, mas freqüentemente associadas ao temperamento hipertímico e/ou à história de transtorno bipolar na família. Estes últimos casos são chamados de “bipolar III” ou de “pseudo unipolares”, na terminologia de Akiskal. Admite-se hoje, em geral, a existência de numerosas formas de transição entre estados depressivos e maníacos, incluindo suas formas mitigadas, que esbarram na fronteira dos chamados “temperamentos hipertímicos” e “depressivos”. Por outro lado, muitos pacientes exaltados, com quadros psicóticos cíclicos, freqüentemente caracterizados por curso bifásico (alguns incluindo características psicóticas incongruentes com o humor) pertencem, na verdade, ao espectro bipolar, o que se depreende pela história familiar (bipolar) e resposta ao tratamento Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 161 com estabilizadores do humor. De fato, muitos dos pacientes chamados “esquizoafetivos” concentram-se em famílias de pessoas com quadros afetivos bipolares típicos. O DSM IV tornou “oficial” o conceito de “transtorno bipolar II”, incluindo na classificação americana os quadros de hipomania associados a episódios depressivos maiores (um ou mais episódios depressivos maiores, acompanhados pelo menos por um episódio hipomaníaco). Nas versões anteriores do DSM (DSM III e DSM III R), tais quadros – mais freqüentes que os de tipo bipolar I – eram classificados apenas como “transtorno bipolar sem outra especificação- SOE”. O temperamento dos pacientes bipolares II e III, quando avaliado fora das crises, é freqüentemente ciclotímico, isto é, caracterizado por leves depressões que se alternam com hipomanias. Nos bipolares III a mudança para a hipomania não é observada espontaneamente. Muitas vezes ocorrem fases hipomaníacas, ou maníacas, em decorrência do uso de antidepressivos ou eletroconvulsoterapia. Cumpre notar que muitos desses pacientes têm história familiar de transtorno bipolar ou temperamento pré-mórbido hipertímico. Considerando-se que muitas vezes é difícil obter história fidedigna quanto a antecedentes familiares de bipolaridade, o diagnóstico basear-se-á, muitas vezes, na presença de temperamento hipertímico ou ciclotímico, associado a depressões recorrentes, para que se inclua o paciente dentro do “soft bipolar spectrum”. Observe-se que, entre os ciclotímicos, são relativamente poucos (6%) os que desenvolvem mania. A maioria desenvolverá quadros de depressão maior, aproximando-se dos bipolares de tipo II. Entre as depressões leves e crônicas, a importância do “espectro” é corroborada pelo fato de que um em três pacientes com diagnóstico de “distimia”, observados prospectivamente, desenvolvem hipomania, caracteristicamente depois da farmacoterapia com antidepressivos. Os episódios depressivos daqueles pertencentes ao “espectro bipolar” tendem a se caracterizar por hipersonolência e hiperfagia, embora a insônia possa ocorrer, sobretudo em episódios mistos. As flutuações do humor observadas nos bipolares II e III freqüentemente dão origem a crises na profissão, na vida familiar e no relacionamento social. Não por acaso, esses pacientes, sujeitos a períodos de exaltação do humor e liberação dos impulsos sexuais e agressivos, são erroneamente classificados como tendo transtornos da personalidade (borderline, narcísico e histriônico).Freqüentemente, o abuso e a dependência do álcool e de Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 162 outras drogas ocorrem como “complicação” das doenças do espectro bipolar, pela freqüência com que essas substâncias são usadas como autotratamento. Os limites da depressão Limites com os transtornos da personalidade A distinção entre um transtorno psiquiátrico propriamente dito (eixo I do DSM-IV) frente aos transtornos da personalidade (eixo II) reveste-se da maior importância, por suas conseqüências práticas e teóricas. Considerada portadora de uma “doença”, a pessoa passa a merecer considerações diagnósticas, tratamento, e cuidados sociais. Rotulada como portadora de um “distúrbio da personalidade”, a pessoa passa muitas vezes a ser alvo do nihilismo terapêutico e vítima de preconceitos morais. “Na melhor das hipóteses, passa a ser vista simplesmente como “uma pessoa bizarra”, acautelando-se os demais frente às suas “atuações” e “manipulações”, principalmente se o diagnóstico for de um dos seguintes transtornos: borderline, anti-social, narcísico e histriônico. Segundo Akiskal,14 cerca da metade a dois terços dos pacientes classificados como “borderline” pertenceriam ao grupo das doenças do humor (afetivas), sendo, em sua maioria, integrantes do “espectro bipolar”. Muitos desses pacientes caracterizam-se por ter uma biografia assaz tumultuada, cujo traço mais estável é a instabilidade nas relações afetivas, no trabalho, e na vida em geral. Freqüentemente, essas pessoas passam da “calmaria” afetiva à “tempestade” das automutilações e das tentativas de suicídio. O abuso e a dependência de drogas freqüentemente se associam ao quadro. Limites com outros diagnósticos O diagnóstico dos estados depressivos deve levar em conta, antes de mais nada, se os sintomas depressivos são primários ou secundários a doenças físicas e/ou ao uso de drogas e medicamentos. O DSM IV contém o item 293.83 - Transtorno do humor devido a uma condição médica geral para descrever esses casos. O DSM IV traz também critérios para o Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 163 diagnóstico de Transtorno do humor induzido por substância. A tabela 1 enumera alguns agentes farmacológicos e doenças físicas associadas ao desencadeamento de estados depressivos. No campo da nosologia psiquiátrica, além dos transtornos da personalidade (já abordados) devem-se levar em conta, entre outros, os seguintes diagnósticos diferenciais: transtornos de ansiedade; alcoolismo e outras farmacodependências; transtornos esquizofrênicos, quadros esquizofreniformes e a chamada doença esquizo-afetiva; quadros demenciais. Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 164 UNIDADE 17 Objetivo: Instrumentalizar, a partir da compreensão clínica dos transtornos mentais, estudo e prática em psicologia. Detalhamento das Doenças Psicológicas - CLAUSTROFOBIA A claustrofobia é um tipo de fobia específica que se caracteriza pelo medo de permanecer em lugares fechados – como trens, aviões, túneis e elevadores; sem que se esteja passando por perigo ou ameaça reais. Nestas situações, o organismo da pessoa desencadeia uma reação de alarme, provocando ansiedade, sudorese, aumento dos batimentos cardíacos, medo intenso e até, em certos casos, crises de pânico. Em determinados pacientes, o próprio fato de pensar na situação já faz com que eles tenham as crises de ansiedade. Apesar de ainda não ter sido elucidadas as reais causas das fobias, sabe-se que existe aí um componente genético, visto que mais de 70% das pessoas fóbicas possuem parentes com este mesmo problema. Exposição a situações semelhantes às que provocam medo, repressão sofrida no passado, dentre outros fatores, também podem estar relacionados. As manifestações da doença geralmente têm início na infância, e devem ser tratadas, já que tendem a se agravar com o passar dos anos; e causam situações de desconforto à pessoa, podendo interferir em suas relações sociais. É indicado que o paciente pratique exercícios, tenha uma alimentação balanceada e acompanhamento psicoterápico, a fim de reduzir o estresse e aumentar a autoestima e confiança – imprescindíveis para o sucesso do tratamento. Pode ser necessário o uso de medicamentos específicos, como ansiolíticos e antidepressivos, de acordo com as particularidades da pessoa. Uma técnica amplamente utilizada é a da autoexposição, na qual o indivíduo fóbico enfrenta de forma gradual as situações que lhe causam medo, podendo se recuperar completamente ao final do tratamento. Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 165 UNIDADE 18 Objetivo: Instrumentalizar, a partir da compreensão clínica dos transtornos mentais, estudo e prática em psicologia Detalhamento das Doenças Psicológicas - DOENÇAS PSICOSOMÁTICAS Das neuroses atuais à psicossomática* Flávio Carvalho Ferraz *Publicado em Ferraz F.C. e Volich R.M., (orgs.) Psicossoma I – Psicanálise e Psicossomática, S. Paulo, Casa do Psicólogo, 1997 (2a Edição, 2005), pp 25 - 40. Os estudos iniciais de Freud sobre as neuroses ficaram marcados pela distinção que ele fazia entre as chamadas neuroses atuais e as psiconeuroses. Ocorre que, aos poucos, o conceito de neurose atual foi deixando de aparecer em seus trabalhos, como que sendo colocado à parte do campo propriamente psicanalítico. No entanto, é interessante observar- se, hoje em dia, como muitos dos aspectos por ele descritos como peculiares às neuroses atuais podem se articular com aquilo que se compreende atualmente como campo da psicossomática. A expressão “neurose atual” apareceu na obra de Freud, pela primeira vez, no artigo A sexualidade na etiologia das neuroses, de 1898. Neste trabalho, ele afirmava que a principal causa atuante na origem de toda neurose repousa sobre a vida sexual do paciente, afirmação que viria a constituir-se como pedra fundamental para toda a estruturação da psicanálise. Mas Freud alertava para o fato de que o papel desempenhado pela sexualidade pode ser bastante diferente de acordo com o caso. Deste modo, aparecia, neste artigo, a necessidade de se classificarem os casos de neurose - a partir do diagnóstico feito com base em um cuidadoso exame da sintomatologia - em dois grandes grupos: o da neurastenia e o da psiconeurose (histeria e obsessões), existindo ainda a ocorrência, muito frequente, de casos em que os sintomas de ambos os grupos aparecem combinados. Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 166 Nos casos de neurastenia, era possível, segundo Freud, chegar-se, a partir da anamnese, à descoberta do fator etiológico, presente na vida sexual do paciente, que teria dado origem à doença. Isto porque este fato deveria fazer parte de sua vida atual ou do período posterior à maturidade sexual. Já nas psiconeuroses, constatou Freud, uma anamnese deste tipo não traria resultados. Embora o fator etiológico certamente se encontrasse vinculado à vida sexual, o paciente não seria capaz de conhecer tal vinculação: “Por um curioso trajeto circular (...) é possível chegar a um conhecimento dessa etiologia e compreender porque o paciente foi incapaz de falar-nos qualquer coisa a respeito. Pois os eventos e influências que estão na raiz de toda psiconeurose pertencem não ao momento presente, mas a uma época de vida há muito passada, que é como se fosse uma época pré histórica - à época da infância inicial; e eis porque o paciente nada sabe deles. Ele os esqueceu - embora apenas em um certo sentido.” (Freud, 1898, p.293-4). Esta passagem deixa nítido o fato de que Freud já condensava aí toda uma teoria das psiconeuroses que ainda estava por ser desenvolvida em detalhes, mas cujos pilares - a sexualidade infantil e o recalque - estavam construídos. Igualmente importante era a observação da distinção entrea psiconeurose e a neurastenia (aqui no caso, protótipo de toda neurose atual). Nesta última, a etiologia seria contemporânea, e não infantil; ou seja, haveria uma outra relação de temporalidade entre causa e sintoma. O termo atual, conforme observaram Laplanche & Pontalis (1967), “deve pois ser tomado em primeiro lugar no sentido de uma ‘atualidade’ no tempo” (p.382). Ainda na distinção com relação à psiconeurose, lembram estes autores que o termo atual “vem a exprimir aqui a ausência daquela mediação que encontramos na formaçãodos sintomas da psiconeurose (deslocamento, condensação, etc.)” (p.382). Freud já alertara - antecipando a importância que isso viria a ter no futuro para as expansões da teoria e da clínica psicanalíticas - para o fato de que havia duas formas bastante diferentes de se processar a excitação psíquica: transformando-a diretamente em angústia - donde resultariam sintomas predominantemente somáticos ou não simbólicos - ou então procedendo-se à mediatização simbólica, donde resultariam sintomas eminentemente psíquicos. Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 167 Deste modo, o que delimitaria o domínio das chamadas neuroses atuais não seria apenas esta peculiar relação de temporalidade. Seriam também as características somáticas da sintomatologia. É assim que, na neurastenia, podiam ser encontrados sintomas tais como: “pressão intracraniana, inclinação à fadiga, dispepsia, constipação, irritação espinhal, etc”. Em um outro sub-grupo das neuroses atuais, o das chamadas neuroses de angústia, este tipo de sintomatologia teria menos importância; os traços sintomatológicos proeminentes estariam todos gravitando em torno do “sintoma nuclear” da angústia, e seriam: “sobressalto, inquietude, ansiedade expectante, ataques de angústia completos, rudimentares ou suplementares, vertigem locomotora, agorafobia, insônia, maior sensibilidade à dor, etc.” A distinção entre estas duas modalidades da neurose atual - a neurastenia e a neurose de angústia – já fora feita por Freud antes mesmo do aparecimento do próprio termo neurose atual. Já no ano de 1894, quando em seus trabalhos anteriores constava somente a figura da neurastenia, Freud publicou o artigo Sobre os critérios para destacar da neurastenia uma síndrome particular intitulada ‘neurose de angústia’, no qual descrevia esta nova possibilidade diagnóstica, caracterizando seus sintomas como “manifestações imediatas da angústia ou como rudimentos equivalentes dela” (Freud, 1897, p.277). Assim, a neurose de angústia seria resultado de uma transformação direta do fator quantitativo do representante pulsional em angústia. Verifica-se neste quadro, conforme observação de Laplanche & Pontalis (1967), “a ausência ou insuficiência de ‘elaboração psíquica’ da excitação sexual somática, pelo que esta não pode transformar-se em ‘libido psíquica’, a não ser entrando em conexão com grupos pré-estabelecidos de representações sexuais. Quando a excitação não é assim dominada, é diretamente derivada no plano somático sob a forma de angústia.”(p.385). É por isso que, nesta neurose, predomina um tipo de angústia sem objeto nítido, tendo os fatores atuais um papel relevante na sua etiologia, tal como se dá nos casos hoje em dia classificados como síndrome do pânico. Para Dejours (1988), a somatização é um processo que está na continuidade da neurose de angústia: “para os especialistas em psicossomática Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 168 também é hábito dar muita atenção à descompensação que representa a neurose de angústia, pelo que ameaça prefigurar para o futuro na ordem das somatizações” (p.126). De acordo com Freud, a diferença entre neurastenia e neurose de angústia não residia apenas na sintomatologia, mas seria resultante de uma etiologia diversa: “a neurastenia pode ser sempre reportada a um estado do sistema nervoso, tal como adquirido por masturbação excessiva ou tal como procedente espontaneamente de emissões frequentes; a neurose de angústia revela influências sexuais que têm em comum o fator da continência ou da satisfação incompleta - tal como o coito interrompido, a abstinência juntamente a uma libido viva, a chamada excitação não consumada e outros.” (Freud, 1898, p.294). No artigo Moral sexual civilizada e doença nervosa moderna (Freud, 1908), esta distinção voltou a aparecer. Fazendo, de modo bastante veemente, uma crítica ao papel repressor da civilização sobre a vida sexual, e responsabilizando-a pela causação das neuroses e da infelicidade em geral do homem, Freud reiterou a incidência do sintoma sobre o plano somático nas neuroses atuais e comparou-o aos sintomas de natureza tóxica que resultariam do excesso ou da escassez de certos “tóxicos nervosos”. Em contraposição, os sintomas da psiconeurose seriam psicogênicos e estariam na dependência da “atuação de complexos ideativos inconscientes” (p.191), isto é, recalcados. Podemos verificar, assim, que a concepção diferencial da neurose atual e da psiconeurose estava mantida. Aliás, este ponto de vista nunca foi abandonado por Freud. Em outras oportunidades ele apontou que, nas neuroses atuais, “o mecanismo de formação de sintomas devia ser procurado no domínio da química (intoxicação por produtos do metabolismo das substâncias sexuais)”, como mostram Laplanche & Pontalis (1967, p.383). Mais tarde, no artigo sobre o narcisismo, Freud (1914) dá mostras de que não havia sepultado o conceito de neurose atual, que já então passara a ser pouco mencionado, visto que seu interesse dirigia-se à investigação das psiconeuroses ou, já nesta época, neuroses de transferência. Neste artigo, ele introduziu uma terceira modalidade da neurose atual, a saber, a hipocondria. A partir de uma correspondência termo a termo entre as duas primeiras modalidades das neuroses atuais (neurastenia e neurose de angústia) com as neuroses de Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 169 transferência, a hipocondria veio a se corresponder com a parafrenia (ou psiconeurose narcísica, designação inicial para a psicose). Assim, a hipocondria seria uma “neurose atual da parafrenia”; ou, dito de outra forma, a hipocondria estaria para a parafrenia assim como a neurastenia e a neurose de angústia estavam para a psiconeurose. Pois bem. Ainda que mantida por Freud a distinção entre as psiconeuroses e as neuroses atuais, o que se verificou no desenvolvimento ulterior da psicanálise foi um progressivo abandono desta nosografia, devido à ênfase que se deu sobre o papel do recalque e da sexualidade infantil na constituição do campo propriamente psicanalítico. A idéia de neurose atual, sobre a qual Freud dispendeu tantos esforços, foi, silenciosamente, perdendo sua importância e caindo, pouco a pouco, no abandono. Ocorre, porém, que alguns dos insights freudianos a respeito das peculiaridades das neuroses atuais podem, hoje em dia, ser considerados de alta importância teórica. Entre elas, destaca-se a afirmação da sintomatologia somática - em oposição à sintomatologia psíquica das psiconeuroses - e a especificidade da relação de temporalidade entre sintoma e causa precipitante. Laplanche & Pontalis (1967), tratando da perda de força do conceito de neurose atual dentro do sistema psicanalítico de Freud, apontam para o fato de que esta antiga noção “leva diretamente às concepções modernas sobre as afecções psicossomáticas” (p.384). Estes autores criticam ainda aquilo que pode ter sido uma espécie de ponto de opacidade na visão de Freud sobre as neuroses atuais: ele teria insistido sobremaneira no fator etiológico da não-satisfação das pulsões sexuais. De fato, esta foi uma tecla na qual Freud bateu insistentemente em todos os trabalhos mencionados acima. Isto limitou o alcance de seu conceito, contrastando com uma intuição extremamente aguçada que o fez, poroutro lado, enfatizar a sintomatologia somática correlata a uma outra relação de temporalidade, não mediatizada pelo mecanismo do recalcamento. O que Freud entreviu foi o fato de que o sintoma psicossomático não se constituía como um retorno do recalcado - da sexualidade infantil recalcada - nos moldes da psiconeurose. Aí encontramos um ponto de partida na teoria freudiana para todo o campo de estudos da psicossomática que veio a se consolidar posteriormente na França, a partir dos anos 70, dentro da Escola Psicossomática Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 170 de Paris, que teve na figura de P. Marty seu grande expoente, ao lado M. de M’Uzan e M. Fain, entre outros. Mas, voltando à crítica de Laplanche & Pontalis (1967), faltou, para Freud, “tomar em conta, na gênese dos sintomas neuróticos atuais e psicossomáticos, a repressão da agressividade.” (p.384). A psicossomática contemporânea, no entanto, tem procurado preencher esta lacuna teórica, ao apontar para o papel da “violência instintiva” (Dejours, 1988) dirigida ao soma nos quadros de descompensação, de modo que, ao produzir um sintoma somático, o sujeito pode manter-se particularmente “normal” do ponto de vista psíquico. É deste modo que, ao traçar um quadro nosográfico para a neurose, incorporando as variações históricas que foram se processando, Laplanche e Pontalis (1967) chegaram mesmo a propor que as neuroses atuais fossem classificadas contemporaneamente com afecções psicossomáticas. Em um breve levantamento, pode-se dizer que Freud enfatizou, no caso das neuroses atuais, aspectos tais como: a sintomatologia somática; o caráter atual do fator etiológico; a não-satisfação da libido como causa precipitante do sintoma; e a transformação direta da causa em sintoma, sem a mediatização simbólica do recalque. Todos este fatores, pode-se dizer, merecem ser levados em consideração à luz de uma teoria psicossomática contemporânea, desde que cuidadosamente submetidos a uma nova leitura e rearranjados os rumos que assumiram dentro do sistema psicanalítico exclusivamente freudiano. Vejamos um a um os fatores levantados. 1. A sintomatologia somática, indubitavelmente, mantém-se como ponto de destaque na estrutura psíquica que diverge essencialmente da formação neurótica. A impossibilidade da elaboração psíquica deixaria livre o acesso da excitação não representável para o plano somático. Freud já apontara, para o caso das neuroses atuais, um mecanismo em ação divergente do recalque, isto é, da existência de uma área de formação do sintoma não abrangida pela simbolização. A elaboração psíquica – processo através do qual a simbolização se exerce - seria, segundo Laplanche & Pontalis Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 171 (1967), “o trabalho realizado pelo aparelho psíquico com o fim de dominar as excitações que chegam até ele e cuja acumulação ameaça ser patogênica. Este trabalho consiste em integrar as excitações no psiquismo e em estabelecer entre elas conexões associativas” (p.196). Ora, isto é exatamente o que acontece de forma deficiente nos processos que conduzem à somatização. Vejamos como dois psicanalistas atentos à questão da psicossomática - Pierre Marty e Joyce McDougall - procuraram dar conta desta impossibilidade de elaboração psíquica. Marty (1991) utilizou o conceito de mentalização como sendo uma espécie de medida das dimensões do aparelho psíquico, que concernem “à quantidade e à qualidade das representações psíquicas dos indivíduos” (p.11). Pode-se dizer, grosso modo, que, para ele, uma boa mentalização protege o corpo das descargas de excitação, à medida que esta encontra abrigo nas representações existentes no préconsciente. Um grau pobre de mentalização, ao contrário, deixa o corpo biológico desprotegido, entregue a uma linguagem primitiva basicamente somática. As representações psíquicas, bases da vida mental, são responsáveis pela existência das fantasias e dos sonhos, longas vias associativas que permitem o escoamento das excitações, dando-lhes um substrato propriamente psíquico. Nos processos de somatização pode-se falar, então, em insuficiência ou indisponibilidade das representações pré-conscientes. McDougall (1991) utiliza o conceito de desafetação para falar de algo semelhante. Os pacientes mais propensos a somatizar seriam aqueles “incapazes de recalcar as idéias ligadas à dor emocional e igualmente incapazes de projetar esses sentimentos, de maneira delirante, sobre as representações das outras pessoas” (p.105). Delineia-se, assim, uma estrutura psíquica diferente da neurose, por um lado, e da psicose, por outro. Para McDougall, tais pacientes “ejetam brutalmente” do campo consciente as representações carregadas de afeto; não podem conter o excesso da experiência afetiva e nem refletir sobre ela. As palavras deixam de ter a função de ligação pulsional, e tornam-se “estruturas congeladas, esvaziadas de substância e de significação” e o discurso mantém-se inteligível, Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 172 porém totalmente destituído de afetos. A palavra, neste caso não oferece mais proteção contra a excitação. Trata-se, aqui, de algo que vai na mesma linha do que Marty & M’Uzan (1994) designaram como pensamento operatório, para eles um pensamento consciente que “manifesta-se sem vínculo orgânico com uma atividade fantasmática de nível apreciável e reproduz e ilustra a ação, por vezes a precede ou sucede, mas dentro de um campo temporal limitado” (p.165-6). O caráter atual do fator etiológico é um ponto bastante complexo, que introduz algumas dificuldades na articulação entre as neuroses atuais e as afecções psicossomáticas. Lembremos que, para Freud, a etiologia da neurose atual reside na vida sexual presente, em oposição à sexualidade infantil da McDougall (1991), fazendo uma consideração sobre a etiologia da desafetação, afirma ter encontrado na anamnese destes pacientes referências a um “discurso familiar que preconizava um ideal de inafetividade e condenava qualquer experiência imaginativa” (p.116). Talvez seja necessário, aqui, para que tenhamos uma maior clareza sobre este intrincado paralelo, uma separação entre temporalidade e sexualidade. De fato, no caso da psiconeurose, trata-se do sexual infantil, ou, de outra forma, do sexual e infantil, atualizados no sintoma por uma especial relação que Laplanche (1992) explorou em seus estudos sobre a re-significação a posteriori do trauma, recapitulando um pressuposto básico da teoria das neuroses de Freud já claramente exposta no artigo “Novos comentários sobre as neuropsicoses de defesa” (Freud, 1896). Para Laplanche (1992), a teoria do a posteriori ou do trauma em dois tempos postula que “nada se inscreve no inconsciente humano, a não ser na relação de ao menos dois acontecimentos, separados, no tempo, por um momento de mutação que permite ao sujeito reagir de outra forma do que na primeira experiência, ou, melhor, reagir à lembrança da primeira experiência de outra forma do que ragiu à própria experiência” (p.119-20). Mas como poderíamos pensar na relação de temporalidade tendo o fenômeno psicossomático em questão? Freud simplesmente descartou o infantil, ao postular uma etiologia sexual contemporânea. Já vimos como Laplanche & Pontalis (1967) criticaram a Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 173 insistência de Freud sobre a não-satisfação das pulsões sexuais na etiologia das neuroses atuais. Aqui, acredito, devemos recorrer a uma distinção, possível apenas na psicanálise pós-freudiana, sobre a gênese sexual da neurose em contraposição à gênese não sexual de outras patologias mais regressivas, quando se colocam em relevo experiências primordiais relativas à sobrevivência, tal como Winnicott (1954) demonstrou existirem na origem das perturbaçõesnão neuróticas graves, como é o caso dos pacientes limítrofes, dos psicóticos e dos somatizadores. Deste modo, a pesquisa em psicossomática acabou por dirigir-se para o campo das relações mãe-bebê, aí encontrando o solo de perturbações que teriam decorrências sobre a estruturação das defesas específicas que colocariam o somatizador em um terreno bastante diferente daquele do neurótico. Trata-se de um vastíssimo campo de investigação, que não caberia detalhar neste espaço. Apenas como demonstração, poderíamos nos remeter a McDougall (1991) e sua idéia de que, no caso do somatizador, a experiência clínica conduz à hipótese de uma falha da mãe como função de páraexcitação do bebê, o que constitui um traumatismo vivenciado na primeira infância, antes mesmo da aquisição da palavra. O bebê, assolado por sua angústia, não encontra encorajamento para, pouco a pouco, poder vivenciá-la psquicamente, e com isto caminhar no sentido de uma elaboração progressiva. Neste caso sobrevém, de partida, uma insuficiência constitutiva das representações mentais. Provavelmente, o contato da mãe com este bebê encontra-se marcado por uma desarmonia afetiva – no sentido da carência ou do excesso - muitas vezes verificadas em casos onde a própria mãe sofra de um doença somática ou se encontre deprimida ou excitada, indiferente ou excessivamente diretiva; enfim, quando se encontra, por algum motivo, impossibilidade de exercer seu papel materno satisfatoriamente. Em casos mais favoráveis, a mãe desempenharia o papel de pára-excitação nestes tempos primordiais, dando ensejo à fantasia de “um corpo para dois”, sendo esta função, aos poucos, assumida pela palavra; no caso, palavra afetada. Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 174 A modalidade das experiências precoces, de acordo com o que se disse acima, coloca a somatização grave em uma vasta área nosológica que abriga diferentes diagnósticos psíquicos tais como a psicose, as adicções mais diversas e as neuroses de comportamento, todos situados em um campo diverso da psiconeurose. Sob um outro ângulo, pode-se verificar uma relação interessante entre sintoma e temporalidade em psicossomática: trata-se do papel preponderante dos fatos atuais sobre o desencadeamento das crises. Como lembra Santos Filho (1994), “desde Franz Alexander aos modernos autores norte-americanos e franceses está presente na manifestação psicossomática um acontecimento, uma cena da realidade, um fato, uma mudança nas relações com as pessoas e/ou com o ambiente, mais que uma representação ou cena imaginária, ou fantasia, como fator gerador ou desencadeante. Há uma outra via, que parte da “realidade” para o corpo. Esta a via biológica, na qual o próprio funcionamento humoral e nervoso autônomo impõe-se ao sujeito, sem expectativa ou pedido de decodificação” (p.115). Portanto, é possível pensar que Freud deu-se conta da importância do fator atual nas neuroses atuais, mas circunscreveu-o à insatisfação da libido na vida pós-puberal. Já a pesquisa contemporânea pôs em relevo o infantil, ainda que não o sexual. A não-satisfação da libido como causa precipitante da neurose atual, como Freud apontava, já foi objeto de discussão acima. Vista de modo estrito, esta forma de causalidade parece frágil, como já observaram Laplanche & Pontalis (1967), ao apontarem a omissão, por parte de Freud, do papel da repressão da agressividade. De acordo com Marty (1991), a repressão da agressividade, face a situações em que esta encontra uma fonte que a excite - apoia-se em interdições sociais ou parentais interiorizadas, mas não elaboradas. Neste caso, o sujeito pode suprimir a descarga motora substituindo-a por comportamentos que fazem parte de seu acervo de hábitos: de modo geral, seriam atividades físicas ou então sublimadas. Dejours (1988), por seu turno, chamou a atenção para a “violência da pulsão”, que seria um dado a ela inerente, tendendo a ser descarregada a partir do inconsciente primário ou não representado. Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 175 Podemos afirmar, contudo, que Freud percebia um evento contemporâneo que marcava o desencadeamento da neurose atual, colocando a não-satisfação da libido neste lugar etiológico. Hoje em dia, no entanto, é possível ampliar esta noção - que em Freud se restringia a uma única espécie de neurose. Aqui se coloca a complexa questão da distinção etiológica entre a psicose e a psicossomatose. Se ambas repousam sobre uma perturbação precoce na relação entre a mãe e seu bebê, o que determinaria o rumo a ser tomado pela estruturação psíquica? Qual seria o mecanismo específico de cada saída possível, e como ele seria determinado? McDougall (1991) afirma que, tanto na psicose como na psicossomatose, a relação primitiva entre mãe e criança revela-nos a “violência da interpretação” (conceito de Piera Aulagnier). E supõe que a “escolha” entre psicose e psicossomatose seja devida à constelação familiar e ao papel representado pelo pai na organização psíquica. Bollas (1992), por sua vez, propõe uma teoria genética mais consistente para tal diferenciação (para ele, entre a psicose e doença normótica), lançando mão dos conceitos de identificação projetiva e de introjeção extrativa. Se o pai e a mãe identificam projetivamente na criança elementos cindidos e indesejados de seu próprio self, então sobrecarregam-na com um mundo interno complexo e caótico, como se dá no caso da personalidade limítrofe. Se, de modo diferente, os pais extraem (roubam) o conteúdo e a estrutura mental de uma criança, despojando-a dos elementos necessários para o processamento do conflito mental, então ela pode tornar-se empobrecida, como ocorre com o indivíduo normótico, propenso à somatização. Evento - e pensar na especial suscetibilidade ao acontecimento (fato) verificada no somatizador, como já foi dito acima. Por fim, a ausência da metabolização simbólica da excitação proveniente da pulsão - que Freud entreviu na neurose atual em contraste com as intrincadas formações produzidas pelo recalque no neurótico - pode ser considerada como figura de proa da psicossomática. O mecanismo de repressão a que se faz alusão na psicossomática diz respeito à barreira que se instala entre o sistema pré-consciente e o consciente. Trata-se, aqui, de uma repressão psíquica no sentido da evitação de uma representação adquirida, que pode se Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 176 alastrar de modo a atingir mais e mais representações ligadas afetivamente às precedentes. Marty (1991) frisa que não está em questão, na gênese do sintoma somático, o mecanismo do recalque, pois tal espécie de sintoma não tem a característica de retorno do racalcado: no caso da repressão, a representação pode aparecer intacta em alguns momentos - sem a deformação sofrida pelo recalcado quando este retorna – para desaparecer novamente em seguida. O recalcamento, se por um lado torna inconsciente o conflito, por outro produz formações - o sonho, por excelência - que “permitem colocar progressivamente em dia a história infantil do sujeito, deixando aparecer os complexos que dele resultaram (castração e Édipo, por exemplo)” (p.37). De fato, o mecanismo de defesa que originalmente deve ter sido estabelecido no caso da propensão à somatização em tudo diverge do recalcamento. Como já se viu, não é possível de se encontrar uma via de escoamento da excitação através da palavra, visto que o discurso se apresenta desafetado ou operatório. A descarga só pode se dar mediante o ato. Esta idéia, aliás, parece já presente em Freud (1913), que, embora tratando de uma situação diferente da que tratamos aqui, finalizou seu livro Totem e tabu fazendo uma comparação entre os povos primitivos e os neuróticos, para concluir que, nos neuróticos, “o pensamento constitui um substituto completo doato”. E dá um fecho solene a seu trabalho proclamando que “no princípio foi o ato” (p.191). O ato do somatizador recai sobre o soma. Ao contrário da conversão histérica, quando o corpo afetado é o corpo erógeno - portanto, corpo simbólico - na somatização o corpo é mesmo o corpo biológico; daí a existência de uma lesão orgânica, muitas vezes extremamente grave. Freud já dizia que o aparelho psíquico tem por função receber e processar os estímulos externos e as manifestações pulsionais, fazendo, para tanto, uso de suas vias associativas. Quando isto não é completamente possível, outras defesas, que não o recalcamento, entram em cena, passando ao largo da mediatização pelo símbolo. Como um assinalamento final, cabe fazer uma observação a respeito das relações entre a psicanálise e a psicossomática. Ao chamar a atenção para o papel de mecanismos diversos do recalque na determinação de um sintoma psicossomático, funda-se um novo campo de estudo e de trabalho psicoterapêutico que se assenta, contudo, sobre as bases Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 177 metapsicológicas psicanalíticas. A noção de mentalização não pertence, obviamente, à metapsicologia freudiana, tendo surgido apenas no início da década de 70. No entanto, este conceito não poderia ter existido jamais se não fosse a partir do modelo de funcionamento mental proposto por Freud, particularmente na chamada primeira tópica. Além disso, como procurei demonstrar neste artigo, a articulação entre as neuroses atuais e as afecções psicossomáticas salta aos olhos: a oposição percebida por Freud entre os sintomas somático e psíquico corresponde, em grande parte, ao que diferenciamos hoje como sintoma neurótico e sintoma psicossomático. Deste modo, pode-se compreender o campo da psicossomática como uma extensão da pesquisa psicanalítica, assim como o foram os estudos sobre a psicose feitos pelos ingleses. Se Freud considerava o tratamento da psicose como tarefa que não se incluía no horizonte psicanalítico, com o desenvolvimento ulterior da psicanálise esta limitação deixou de fazer sentido. Do mesmo modo, Winnicott procurou demonstrar como a psicanálise poderia ser enriquecida pela experiência do trabalho com delinquentes. Maud Mannoni tem trabalhado com crianças portadoras de retardo mental a partir da utilização de um referencial psicanalítico. Ferenczi, contemporaneamente a Freud, já ousava experimentar tratamentos de pacientes “difíceis”, isto é, psicóticos, somatizadores e criminosos. Outros exemplos poderiam ser dados aqui, mas não é o caso. O que importa é marcar que conceitos não freudianos - como, por exemplo, os de posição depressiva, identificação projetiva, objeto transicional, entre muitos outros criados por diversos autores - têm passado a fazer parte do campo psicanalítico desde, praticamente, o nascimento da psicanálise. Igualmente, a noção de mentalização já entrou para este elenco. Se o leitor estranha estas colocações tão óbvias, cabe justificá-las dizendo que se percebem, algumas vezes, resistências no seio da psicanálise contra certas idéias nascidas na pesquisa em psicossomática. O mesmo é válido para alguns “psicossomaticistas” que enxergam nas descobertas e postulações de seu campo uma incompatibilidade com a psicanálise. A meu ver, trata-se, em ambos os casos, apenas de exacerbações idiossincráticas, pois, quando se examinam as construções teóricas da psicossomática psicanalítica, ficam evidentes os fatos Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 178 de que aí se encontra uma importante ampliação para nosso horizonte, bem como de que o solo metapsicológico onde repousam seus alicerces é eminentemente freudiano. Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 179 UNIDADE 19 Objetivo: Instrumentalizar, a partir da compreensão clínica dos transtornos mentais, estudo e prática em psicologia Detalhamento das Doenças Psicológicas – SÍNDROME DE BOURNOT LUIZ ROBERTO MILLAN Glasberg et al. apresentam, nesta revista, o artigo “Prevalence of the burnout syndrome among Brazilian medical oncologists”. Trata-se da publicação do resultado de uma pesquisa realizada com oncologistas, com o intuito de detectar a prevalência do burnout por meio do Maslach Burnout Inventory e as variáveis que se relacionam com a sua presença, investigadas por meio de um questionário. Utilizando o rigoroso critério de interpretação dos resultados (Ramirez), concluíram que 7,8% desses médicos apresentam a síndrome e que aqueles que possuem um hobby, que realizam atividades físicas, que têm mais idade e que seguem alguma religião possuem menos risco de desenvolver a síndrome. Utilizando um critério mais flexível (Grunfeld), a prevalência subiu para 68,6%, sendo que indivíduos casados, com pouco tempo de férias, sem hobby e sem atividade física correm maior risco de desenvolver a síndrome. Trata-se de um artigo bem escrito e bem elaborado, importante por chamar a atenção para as condições de trabalho dos oncologistas, submetidos a grandes pressões no seu dia-a-dia. É questionável, porém, a utilização de critérios de análise que levam a uma discrepância tão grande dos resultados (mais de 60%). Talvez fosse melhor utilizar apenas o critério de Ramirez, que considera que a síndrome só deve ser reconhecida se houver comprometimento nas três dimensões avaliadas para o diagnóstico: exaustão emocional, despersonalização e comprometimento da realização pessoal. Criado na década de 70 por Maslach, o conceito de Burnout, apesar de algumas críticas iniciais, foi rapidamente aceito e tem sido tema de inúmeros artigos científicos, livros e de apresentações em congressos de psicologia, psiquiatria e educação médica. Tornou-se, assim, um conceito praticamente inquestionável. Porém, ao examinarmos atentamente suas Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 180 três dimensões básicas, observa-se que todos os sintomas descritos, sem exceção, estão presentes na depressão. Por exemplo, na dimensão exaustão emocional o indivíduo sente- se esgotado e com a sensação de que não será possível recuperar sua energia, torna-se irritável e amargo, pouco generoso, sente-se menos capacitado a cuidar dos outros e torna- se pessimista; na despersonalização há um distanciamento emocional e uma indiferença diante do sofrimento alheio, com uma perda da capacidade de empatia, o que faz com que o paciente seja tratado como um objeto (há, aqui, uma distorção do clássico conceito de despersonalização utilizado há décadas pela psiquiatria); na dimensão comprometimento da realização pessoal o indivíduo sente-se impotente, frustrado, infeliz e com baixa auto-estima. A psicopatologia nos ensina que o diagnóstico psiquiátrico não é feito pela descrição de uma lista de sintomas, algo que está tão em voga nos dias de hoje, nas inúmeras escalas diagnósticas, mas sim pela observação fenomenológica criteriosa que propicia a detecção de elementos que, juntos, nos permitem reconhecer uma determinada patologia. Para isso, é necessária grande experiência clínica, algo que também não tem sido valorizado como deveria. O fato de o trabalho ser o fator desencadeante não justifica a criação de um novo conceito. Caso contrário, a cada fator desencadeante descoberto, um novo diagnóstico seria criado, o que tornaria a classificação psiquiátrica um verdadeiro caos. A meu ver, Maslach era uma ótima observadora, pois percebeu com clareza o que se passava com muitos profissionais que se dedicavam ao cuidado de outras pessoas. O estudo desses problemas tem sido fundamental para a melhora da qualidade desses profissionais, o que, sem dúvida, trará benefícios a seus pacientes. Porém, cometeu um equívoco ao dar um novo nome a algo que Hipócrates já conhecia há mais de 2300 anos. É preciso desfazer com urgência essa confusão, sob o riscode criarmos uma nova Babel. Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 181 UNIDADE 20 Objetivo: Instrumentalizar, a partir da compreensão clínica dos transtornos mentais, estudo e prática em psicologia. Detalhamento das Doenças Psicológicas -TRANSTORNO BIPOLAR Martin Alda13 O transtorno bipolar (TBP) é uma condição psiquiátrica relativamente freqüente, com prevalência na população entre 1% e 2%. É caracterizado por episódios de alteração do humor de difícil controle – depressão ou mania (bipolar I) ou depressão e hipomania (bipolar II). Os sintomas podem aparecer em qualquer idade, sendo mais comum o surgimento entre o início da segunda e meio da terceira década de vida. A etiologia da doença ainda não é conhecida, mas muitos estudos apontam para a existência de disfunções complexas, incluindo alterações nos receptores e nos pós-receptores de neurotransmissores. Inato ou adquirido? Alguns dos primeiros dados sobre a agregação familiar do transtorno bipolar provêm de estudos conduzidos no final dos anos 50. Esses estudos determinaram a prevalência do TBP e de outras doenças psiquiátricas entre parentes de probandos com TBP e, em alguns casos, entre parentes de indivíduoscontrole saudáveis. Como pode ser visto na tabela 1, há uma grande variabilidade de riscos, de acordo com os critérios diagnósticos utilizados. Entretanto, quando analisados conjuntamente, esses estudos encontraram um risco 8 a 15 vezes maior em relação à prevalência na população em geral. Os estudos de família, isoladamente, não provam a natureza genética (ao invés da familiar) da doença. Já os estudos de adoção e de gêmeos têm maior poder de distinção entre os componentes Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 182 genéticos e ambientais. No caso do TBP, esses estudos fornecem evidências de uma natureza genética para a doença (Gershon et al18 or Alda19 para revisões). O que é herdado? Além de sugerirem a presença de um componente genético para o TBP, os estudos de famílias também indicam a possibilidade de outras condições psiquiátricas fazerem parte de um mesmo espectro fenotípico. Em outras palavras, essas condições podem ser todas manifestações diversas de uma mesma predisposição genética. A depressão unipolar é encontrada mais freqüentemente entre parentes de probandos com TBP do que em parentes de controles psiquiatricamente saudáveis. Outra condição que possivelmente faz parte do espectro bipolar é o transtorno esquizoafetivo, do tipo maníaco. Já em relação a outras entidades, como ciclotimia, transtornos de personalidade, de alimentação ou alcoolismo, os dados são mais ambíguos. Todas essas condições já foram, em vários estudos, implicadas como parte do espectro bipolar, mas as evidências são ainda tênues. Fórum II “A humanidade, ao longo dos séculos, vem mudando as formas de pensar a saúde/doença, mente e corpo”. Pode-se afirmar que a modernidade carrega consigo fatores que contribuem para o aparecimento de novas doenças que afetam a mente dos indivíduos? 13 Departamento de Psiquiatria da Universidade de Dalhousie - Halifax, Nova Scotia, Canadá Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 183 Atividade 2 “A humanidade, ao longo dos séculos, vem mudando as formas de pensar a saúde/doença, mente e corpo”. Pode-se afirmar que a modernidade carrega consigo fatores que contribuem para o aparecimento de novas doenças que afetam a mente dos indivíduos? Antes de dar continuidades aos seus estudos é fundamental que você acesse sua SALA DE AULA e faça a Atividade 2 no “link” ATIVIDADES. Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 184 UNIDADE 21 Objetivo: Instrumentalizar, a partir da compreensão clínica dos transtornos mentais, estudo e prática em psicologia Detalhamento das Doenças Psicológicas - SÍNDROME DE MUNCHAUSEN Ana Paula T de Menezes, Érica de M Holanda, Virgínia Angélica L Silveira, Kelma Cristina da S de Oliveira e Francisco George M Oliveira. Hospital Universitário Walter Cantídio (HUWC) da Universidade Federal do Ceará (UFC) Descrita pela primeira vez pelo médico inglês Richard Asher em 1951, a síndrome de Munchausen (SM) é um transtorno factício em que o paciente se mostra aguda e dramaticamente doente, com a habilidade de mimetizar sinais e sintomas de forma a necessitar de internações prolongadas, procedimentos de diagnósticos invasivos, longo tempo de terapia com as mais variadas classes de drogas e cirurgias.1 Segundo a Associação Psiquiátrica Americana, o critério para o diagnóstico de desordem factícia é produção intencional de sinais e sintomas físicos ou psicológicos, sem que o paciente obtenha algo em troca, como ganho financeiro ou liberação de responsabilidade legal, melhora do bem-estar físico ou uso de determinadas medicações. Na simulação, observa-se que o paciente tem objetivo de receber, com sua sintomatologia, ganho financeiro, previdenciário, judicial, pessoal e outros. Apresentação do caso Identificação Paciente do sexo feminino com 26 anos, solteira, parda e católica que trabalha como agente de saúde. Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 185 História da doença atual Cinco dias anteriores à admissão, a paciente passou a apresentar artralgia em cotovelos, punhos, interfalangeanas, joelhos e tornozelos e, um dia antes, notou aparecimento de artrite nessas articulações. Além disso, apresentou febre alta (40ºC). Não relatou uso de medicações para tratar as artralgias. Antecedentes Referiu ter tido, quando criança, febre reumática e não ter feito qualquer tipo de tratamento. Disse ser hipertensa e sentir uma dor precordial com queimação esporádica relacionada a esforço físico, com duração de cerca de dez minutos e sem irradiação e sintomas associados. Estava usando hidroclorotiazida e propranolol e era acompanhada regularmente no serviço de cardiologia desse hospital. Relatou um internamento por pielonefrite em 1998. A paciente foi adotada, tendo sua mãe falecido havia cerca de dois anos. Desde então, assumiu todas tarefas domésticas, a responsabilidade pelos irmãos, tornando os atritos com o pai etilista bastante freqüentes. Após esses episódios, passou a apresentar labilidade emocional e tristeza intensa. Procurou então um psiquiatra que diagnosticou depressão e indicou o uso de amitriptilina. A paciente fez uso da medicação por curto período, abandonando o tratamento em poucos meses. Exame da paciente Encontrava-se com estado geral bom, normotensa, pulso com 80 batimentos por minuto, presença de edema em tornozelo, calor, rubor e edema no joelho esquerdo com enfisema subcutâneo. Notou-se também ausência de focos dentários de infecção. Sempre quando falava da mãe ou da própria vida, apresentava crises de choro. Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 186 Discussão A síndrome de Munchausen faz alusão a Karl Friedrich Hieronymus Von Munchausen (1720- 1797), barão alemão que lutou a serviço da Rússia contra os turcos no período de 1763 a 1772. Após a guerra, o barão costumava contar histórias fantásticas e fantasiosas sobre a guerra e seus atos heróicos. Em 1785, Raspe reuniu todos os contos do barão e os publicou. Existem algumas teorias sobre a patogênese da SM, como a de Pankratz & Lezak, que descreve uma disfunção no hemisfério direito em pacientes com Munchausen; de King & Ford, que relata anormalidades no sistema nervoso central em 40% dos 72 pacientes estudados (focos epileptogênicos, lesões cranianas de diversas etiologias, infecções prévias, anormalidades no EEG); e de Evans et al, que fala de alteração no sistema hipotalâmico-pituitário-adrenal.5-9 História de trauma psicológico pode existir, como privações na infância, abuso infantil, rejeição dos pais ou de outros familiares, abandono em instituições e presença de fatores ambientais estressantes. A idade de início da SM varia de 4 a 79 anos, com uma ligeira predominância em homens. Normalmente existe alguma experiência ou contato com a área de saúde e traços de personalidade anti-social. O paciente tem passagens por vários hospitais, sendo na maioria deles novamente investigado. Também é descrito que essas passagens por instituições podem ser apenas mais um componente fantasioso da doença. A apresentação de forma incomum ou dramática da doença é encontrada em alguns casos, e muitas vezes encontra-se evidência física da auto-indução dos sinais. Três formas clássicas da SM são descritas: laparotomaphilia migrans (dor abdominal aguda), hemorrhagia histrionica (tipo hemorrágico) e neurológica diabólica (convulsões, parestesias e outros quadros neurológicos). Além disso, são encontrados: lesões de pele, febre de origem obscura, enfisema subcutâneo, dores em geral, distúrbios endócrinos, arritmias, insuficiência respiratória, infecções de repetição, simulação de alguma patologia já descrita. Os sintomas reumatológicos são relativamente incomuns e incluem artrite séptica, osteomielite e simulação de lupus eritematoso sistêmico, artrite reumatóide e outras doenças. É uma Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 187 patologia que demanda quase sempre altos custos, pois são necessários diversos exames, terapias e procedimentos invasivos para descartar todas as outras possibilidades diagnósticas se o paciente não for flagrado provocando sinais e sintomas característicos. O paciente também fica sujeito à morbidade e à mortalidade provocadas ou desencadeadas pela investigação e pelo tratamento. A forma conhecida como Munchausen por procuração é caracterizada pelo abuso infantil, de idosos e de deficientes mentais e físicos. As idades já descritas em crianças estão entre 7 semanas e 14 anos. Normalmente, o provocador é uma mãe jovem, com menos de 20 anos, casada e com algum transtorno de personalidade e/ou disfunção familiar. Outras pessoas envolvidas diretamente com a criança ou idoso também podem ser autoras dos sintomas. O tratamento da doença se baseia principalmente em psicoterapia individual ou de grupo e em medidas de suporte físico, psicológico e social. Tentam-se buscar motivos para o transtorno, conscientização do paciente que aquilo pode ser prejudicial a ele, conforto para tentar chegar à resolução dos problemas psicológicos e evitar recidivas. O uso de medicações, como antidepressivos, pode ser necessário. O confronto com o paciente em relação a suas ações e doença não deve ser feito em todos os casos, deve ser realizado por pessoa bem treinada nesse tipo de abordagem, pois pode levar o paciente à negação com consequente evasão do hospital ou tratamento. A paciente descrita acima injetava ar com uma seringa descartável em diversas regiões do corpo, levando a quadros de artrite e enfisema subcutâneo. Foi submetida à longa terapia com antibióticos e diversos exames diagnósticos. A confirmação da síndrome veio com a localização de locais de punção no joelho e mão esquerda, das medicações prescritas durante um mês no hospital nos seus objetos pessoais e das seringas descartáveis em locais pouco comuns. Dessa maneira, destaca-se a hipótese de que a morte da mãe (figura protetora), o convívio com o pai agressivo, a responsabilidade com as tarefas domésticas e com os irmãos possam ter motivado a paciente a produzir o transtorno factício, levando ao diagnóstico de SM. Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 188 UNIDADE 22 Objetivo: Instrumentalizar, a partir da compreensão clínica dos transtornos mentais, estudo e prática em psicologia Detalhamento das doenças Psicológicas - SÍNDROMES MANÍACAS * Gabriela Cabral Síndrome maníaca pode ser conhecida pelos seguintes sintomas: aumento da auto-estima, engrandecimento do eu, insônia, fala rápida, agitação psicomotora, irritação, arrogância, desorganização, desinibição social e sexual, sentimento de grandeza e de poder. A síndrome maníaca pode subdividir-se em: - mania franca ou grave, é a mais intensa com fuga de idéias, delírios de grandeza. Os idosos ou pessoas com distúrbios cerebrais podem ficar confusos, desorientados e diminuição de consciência. Apresenta dificuldades para o diagnóstico médico. - mania irritada ou disfórica, é predominante a irritação da pessoa, o mau humor podendo ocorrer a destruição de objetos e agressividade em pessoas. - mania mista, há vários sintomas maníacos ocorrendo ao mesmo tempo ou alternando-se rapidamente. É mais freqüente em adolescentes e idosos. - hipomania, a pessoa fica mais disposta que o normal, mais alegre, mais falante, faz planejamentos e muitas vezes passam despercebidas pelo médico. - ciclotimia, a pessoa apresenta um episódio completo de depressão ou de mania. Aos olhos das pessoas é normal e muitas vezes não é submetido a um médico. O tratamento para as síndromes maníacas é necessário na maioria das vezes uso de medicamentos orientados por um médico especializado e bastante terapia. Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 189 UNIDADE 23 Objetivo: Instrumentalizar, a partir da compreensão clínica dos transtornos mentais, estudo e prática em psicologia Detalhamento das Doenças Psicológicas – TRANSTORNO DE PERSONALIDADE BORDERLINE Caracteriza-se por um padrão de relacionamento emocional intenso, porém confuso e desorganizado. A instabilidade das emoções é o traço marcante deste transtorno, que se apresenta por flutuações rápidas e variações no estado de humor de um momento para outro sem justificativa real. Essas pessoas reconhecem sua labilidade emocional, mas para tentar encobri-la justificam-nas geralmente com argumentos implausíveis. Seu comportamento impulsivo freqüentemente é autodestrutivo. Estes pacientes não possuem claramente uma identidade de si mesmos, com um projeto de vida ou uma escala de valores duradoura, até mesmo quanto à própria sexualidade. A instabilidade é tão intensa que acaba incomodando o próprio paciente que em dados momentos rejeita a si mesmo, por isso a insatisfação pessoal é constante. Aspectos essenciais Padrão de relacionamento instável variando rapidamente entre ter um grande apreço por certa pessoa para logo depois desprezá-la. Comportamento impulsivo principalmente quanto a gastos financeiros, sexual, abuso de substâncias psicoativas, pequenos furtos, dirigir irresponsavelmente. Rápida variação das emoções, passando de um estado de irritação para angustiado e depois para depressão (não necessariamente nesta ordem). Sentimento de raiva freqüente e falta de controle desses sentimentos chegando a lutas corporais. Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 190 Comportamento suicida ou auto-mutilante. Sentimentos persistentes de vazio e tédio. Dúvidas a respeito de si mesmo, de sua identidade como pessoa, de seu comportamento sexual, de sua carreira profissional Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 191 UNIDADE 24 Objetivo: Instrumentalizar, a partir da compreensão clínica dos transtornos mentais, estudo e prática em psicologia Detalhamento das Doenças Psicológicas – XENOFOBIA Eduardo de Freitas Xenofobia é uma palavra de origem grega que significa antipatia ou aversão a pessoas e objetos estranhos. O termo tem várias aplicações e usos, o que muitas vezes provoca confusões em relação ao significado. A xenofobia como preconceito acontece quando há aversão em relação à raça, cultura, opção sexual, etc. Em outra abordagem, o termo é usado para designar uma doença psiquiátrica,o indivíduo portador possui medo excessivo de situações e pessoas estranhas. De forma mais sintetizada, é o temor de uma pessoa em relação a tudo que é diferente para ela; exceto os casos de medo natural do desconhecido; nesse caso não é considerado xenofobia. A xenofobia, como doença, é considerada uma perturbação psicológica de característica fóbica; sua principal característica é a elevada ansiedade desenvolvida a partir de situações vividas por um indivíduo quando se depara com um fato inédito ou estranho. Pessoas que possuem esse distúrbio geralmente evitam ter contato com outros indivíduos estranhos, essa atitude tem como objetivo poupar o xenófobo de angústia, ansiedade, elevação da tensão arterial e freqüência cardíaca, além de apresentar ataque de pânico. Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 192 UNIDADE 25 Objetivo: Instrumentalizar, a partir da compreensão clínica dos transtornos mentais, estudo e prática em psicologia Detalhamento das Doenças Psicológicas - TRANSTORNO HIPOCONDRÍACO O transtorno hipocondríaco, também é conhecido como a neurose de doenças. O que acontece neste transtorno é que a pessoa tem uma sensibilidade corporal exacerbada pelo fato de ser muito centrado em seu próprio corpo. No fundo o hipocondríaco, como em todos os outros transtornos tem uma ansiedade e uma dificuldade muito grande de entrar em contato com pessoas e situações que ele não se sente controlando e com isto vai cada vez mais centrando a sua atenção e percepção no próprio funcionamento corporal. Assim qualquer alteração fisiológica (mudança do batimento cardíaco, ruídos do funcionamento digestivo e outros) é rapidamente notada e por ele ser controlador e pessimista, interpreta como risco eminente de algo fora de controle e que pode levá-lo a morte ou conseqüências muito graves e irreversíveis. Dai o fato dele estar tomando medicações o tempo todo, ou pelo menos querendo tomar, pois se acha e se sente doente, apavorado com o risco de ser uma doença grave e querendo fazer tudo para eliminar este sintoma que desencadeia toda esta gama de sentimentos. A cabeça do hipocondríaco é uma caixa de horrores, ele é capaz de pensar em todas as doenças graves e terminais por que está sentindo, por exemplo, uma dor de cabeça. É mais ou menos assim que ele pensa: "Como surgiu esta dor de cabeça, será que é um tumor, acho que eu preciso fazer um exame, mas eu já fiz a semana passada, então pode ser um derrame que esta acontecendo?" Ai ele vai ao clinico , que descarta este diagnóstico através de exames e ai imediatamente surge a possibilidade de uma outra doença : "Ahhh, Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 193 então deve ser meningite!!!" E novamente enquanto ele não descarta esta possibilidade a cabeça fica o tempo todo pensando em coisas ruins. A razão desta neurose é que embora ela seja uma caixa de horrores, a atenção da pessoa se desvia da realidade, ele não percebe, não vê não se importa com os problemas da vida real e fica o tempo todo centrado em seus sintomas e em seus pensamentos funestos. Assim fica no seu mundinho, que por pior que seja já é conhecido e não sente necessidade de evoluir e de crescer na vida. Tal qual o Transtorno obsessivo compulsivo está diretamente ligado a quadros de ansiedade e principalmente de depressão. São pessoas profundamente pessimistas, lotadas de sentimentos de culpa que podem ser conscientes ou inconscientes e que por isto acha que merecem um castigo (que seria a doença tão temida). Vêem tudo sob uma perspectiva sombria e acabam se viciando na egoísta e permanente atitude de só olharem para o próprio umbigo. O tratamento desta neurose tem que ser feito através de psicoterapia profunda, para que a pessoa consiga enxergar sentimentos e conflitos que são os verdadeiros desencadeantes de seus sintomas e cismas. Se o pessimismo for profundo e arraigado o uso de medicações antidepressivas são essenciais para uma rápida melhoria do quadro. O quadro pode acontecer isoladamente ou acompanhando quadros de Depressão (aonde chega ocorrer o Delírio hipocondríaco) ou do Transtorno obsessivo compulsivo (é muito comum esta associação) Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 194 UNIDADE 26 Detalhamento das Doenças Psicológicas – TRANSTORNO OBSESSIVO COMPULSIVO Objetivo: Instrumentalizar, a partir da compreensão clínica dos transtornos mentais, estudo e prática em psicologia Maria Conceição do Rosario-Campos e Marcos T Mercadante14 O transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) é caracterizado pela presença de obsessões e/ou de compulsões. A relativa simplicidade do diagnóstico categorial sugeriria tanto uma precisa delimitação nosográfica, quanto uma homogeneidade do quadro. No entanto, resultados de pesquisas recentes têm enfatizado dois conceitos. O primeiro refere-se à heterogeneidade do quadro. O segundo refere-se à concepção de que o TOC poderia ser estudado a partir de uma visão dimensional e contínua, ou seja, dentro de um espectro obsessivo-compulsivo. Sendo assim, para o aprofundamento do conhecimento do TOC é necessário buscar-se subgrupos mais homogêneos de pacientes. As peculiaridades da apresentação do TOC na infância e adolescência sugerem que o início precoce dos sintomas delimitaria um subtipo de pacientes. As prevalências de estudos epidemiológicos em adolescentes revelaram taxas entre 1,9% e 3,0% nos Estados Unidos e entre 2,3% e 4,1% em outros países. A distribuição entre os sexos parece variar de acordo com as diversas faixas etárias, sendo que em crianças há uma preponderância de meninos. No presente artigo, procurou-se desenvolver os aspectos mais importantes e atuais na avaliação de crianças e adolescentes com TOC. 14 Protoc, Departamento e Instituto de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP. Child Study Center, Yale University Schools of Medicine & Nursing, Yale, USA Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 195 Diagnóstico e quadro clínico Obsessões podem ser definidas como eventos mentais, tais como pensamentos, idéias, impulsos e imagens, vivenciados como intrusivos e incômodos. Como produtos mentais, as obsessões podem ser criadas a partir de qualquer substrato da mente, tais como palavras, medos, preocupações, memórias, imagens, músicas ou cenas. Compulsões são definidas como comportamentos ou atos mentais repetitivos, realizados para diminuir o incômodo ou a ansiedade causados pelas obsessões ou para evitar que uma situação temida venha a ocorrer. Não existem limites para a variedade possível das obsessões e das compulsões. Numa revisão, March e Leonard relataram como mais freqüentes em crianças e adolescentes as obsessões de contaminação, de medo de ferir-se ou de ferir os outros, sexuais e de religiosidade e as compulsões de lavagem, repetição, checagem e rituais de tocar em objetos ou pessoas. Na infância, as compulsões comumente antecedem o início das obsessões, que podem ser menos freqüentes que na idade adulta. Em um estudo recente, foi descrito um intervalo médio de 1,6 anos entre o início das compulsões e o das obsessões em pacientes com início dos sintomas até os dez anos de idade Uma questão importante para a avaliação de crianças com TOC é a semelhança entre os sintomas obsessivo-compulsivos (SOC) e os comportamentos repetitivos característicos de algumas fases do desenvolvimento, tais como os rituais e as superstições. Dos dois aos quatro anos de idade, as crianças apresentam intensificação dos comportamentos repetitivos. Os rituais mais comuns nesta fase pré-escolar acontecem, principalmente, nos horários de dormir, de comer e de tomar banho. Por exemplo, uma história precisa ser contada da mesma forma várias vezes, os alimentos precisam ser organizados no prato de acordo com regraspré- estabelecidas, só tomam banho se estiverem com um brinquedo específico. A partir dos seis anos, os rituais se manifestam mais em brincadeiras grupais. Os jogos passam a ter regras rígidas e iniciam-se as coleções dos mais variados objetos. Outros exemplos de comportamentos ritualísticos normais são as superstições. Encontradas em todas as faixas etárias, parece haver uma mudança qualitativa com a idade. Rituais e superstições são normais para estas fases do desenvolvimento. Eles têm geralmente o objetivo de auxiliar no desempenho e dar uma sensação de controle sobre a imprevisibilidade dos eventos. Além disso, não interferem no funcionamento da criança e não têm a freqüência ou a intensidade Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 196 dos SOC. No entanto, como tratam-se de comportamentos repetitivos, podem ser confundidos com os SOC. Portanto, é importante reconhecer quando os rituais e as superstições tornam-se patológicos e quando as crianças passam a precisar de ajuda. Deve- se considerar a faixa etária, a duração diária dos comportamentos, sua intensidade e se interferem ou não nas suas atividades e no seu desenvolvimento. Para o diagnóstico do TOC é necessário que as obsessões e/ou as compulsões causem interferência ou limitação nas atividades da criança, que consumam tempo (ao menos uma hora por dia) e que causem sofrimento ou incômodo ao paciente ou a seus familiares.2 O diagnóstico do TOC é clínico, não existindo nenhum exame laboratorial ou radiológico patognomônico da doença. Tanto o DSM-IV2 quanto a CID-106 utilizam os mesmos critérios diagnósticos para crianças, adolescentes e adultos, ressaltando- se apenas que na infância não é imprescindível o reconhecimento de que os sintomas são excessivos ou irracionais. Ainda não existe um consenso sobre como determinar a idade de início do TOC. A maioria dos estudos considera o surgimento dos sintomas como a idade de início do transtorno. Outros consideram o início do incômodo causado pelos sintomas ou a primeira vez em que o paciente procurou ajuda profissional como a idade de início. O início dos sintomas pode ser agudo ou insidioso e os SOC tendem a modificar-se bastante durante o curso da doença. Cada paciente tem uma história distinta. Não está definido se as peculiaridades do TOC em crianças seriam apenas características patoplásticas dessa faixa etária, modificando-se com o desenvolvimento, ou se persistiriam até a idade adulta. Uma nova proposta de avaliação psicopatológica do TOC procura agrupar os sintomas que tendem a ocorrer em conjunto. Nessa abordagem, quatro a cinco fatores ou dimensões sintomatológicas foram estabelecidos: “obsessões de agressão e compulsões relacionadas”; “obsessões religiosas, sexuais e compulsões relacionadas”; “obsessões de simetria e compulsões de ordenação e arranjo”; “obsessões de contaminação e compulsões de limpeza/lavagem”; e “obsessões e compulsões de colecionismo”.Ainda não existem estudos avaliando a distribuição desses fatores em crianças. Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 197 UNIDADE 27 Objetivo: Subsidiar o aluno de conhecimento dos métodos de avaliação psicológica. OS TESTES PSICOLÓGICOS E SUAS PRÁTICAS Valdeci Gonçalves da Silva15 A Psicologia contemporânea parece confundir-se com a aplicação dos testes e, em alguns casos, julga-se que, sem esse tipo de instrumento, o psicólogo não seria capaz de fazer qualquer afirmação científica do comportamento humano. Talvez seja pelo fato das ciências serem conhecidas por suas técnicas que lhes permitem aplicações e resultados visíveis. Assim, como o público tende a ver os antibióticos como capazes de curar todas as infecções, por analogia, também à considerar os testes como recursos infalíveis para conhecer as pessoas e suas aptidões. No entanto, assim como o médico é obrigado a conhecer a potencialidade dos remédios e a levar em conta suas contra-indicações, da mesma forma o psicólogo deve saber, não apenas as vantagens dos testes, mas, também os limites de sua utilidade e validade. Do contrário, correrá o risco de apresentar diagnósticos falsos ou deformados, pois estariam baseados em resultados falhos e incompletos. Os testes psicológicos não consistem numa exemplar neutralidade e eficácia em 100% nos seus resultados, mas isto não implica que os mesmos devam ser dispensados. Desde que atendidas as pré-condições de sua aplicação, e que o psicólogo examinador tenha conhecimento, domínio da aplicação e da avaliação, os testes se instalam como referencial que elimina boa parte da “contaminação” subjetiva das suas percepção e julgamento. É importante ressaltar a condição dos testes como mais um recurso que auxilia o profissional na compreensão e fechamento das considerações a respeito de um examinando, seja em 15 Professor de Psicologia da Universidade Estadual da Paraíba, autor do livro: Nuance dos Testes Psicológicos e algumas inquietações pós-modernas. Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 198 processo seletivo (exame psicológico ou psicotécnico), avaliação psicológica e psicodiagnóstico. CONCEITUAÇÃO DOS TESTES PSICOLÓGICOS Os testes psicológicos, da forma que se conhece hoje, são relativamente recentes, datam do início do século XX. Um teste psicológico no sentido epistemológico consiste numa tarefa controvertida, porque dependerá de posições e suposições de caráter filosófico. Para Cronbach (apud PASQUALI, 2001), um teste é um procedimento sistemático para observar o comportamento e descrevê-lo com a ajuda de escalas numéricas ou categorias fixas(p.18).Em outras palavras, um teste psicológico é fundamentalmente uma mensuração objetiva e padronizada de uma amostra de comportamento. Uma verificação ou projeção futura dos potenciais do sujeito. O parâmetro fundamental da medida psicométrica são as escalas, os testes, é a demonstração da adequação da representação, isto é, do isomorfismo entre a ordenação dos procedimentos empíricos e teóricos. Enfim, explicita que a operacionalização dos comportamentos (itens), corresponda ao traço latente1. ORIGENS DOS TESTES PSICOLÓGICOS Com base em Pasquali (2001), a história dos testes psicológicos, se destacam em sucessivas décadas, de tal maneira que é possível associar muitos autores a alguns períodos bem específicos. A Década de Galton: 1880. Para Francis Galton (biólogo inglês) à avaliação das aptidões humanas se dava por meio da medida sensorial, através da capacidade de discriminação do tato e dos sons. Galton (apud ANASTASI, 1977) entendia que, A única informação que nos atinge, vinda dos acontecimentos externos, passa, aparentemente pelo caminho de nossos sentidos. Quanto maior o discernimento que os sentidos tenham de diferentes, maior o campo em que podem agir no nosso julgamento de inteligência (p.8). A contribuição de Galton para psicometria ocorreu em três áreas: Criação de testes antropométricos para medida de discriminação sensorial (barras para medir a percepção de Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 199 comprimento); Apito para percepção de altura do tom; Criação de escalas de atitudes (escala de pontos, questionários e associação livre2); Desenvolvimento e simplificação de métodos estatísticos (método da análise quantitativa dos dados coletados). A Década de Cattell: 1890. Influenciado por Galton, James M. Cattell (psicólogo americano) desenvolveu medidas das diferenças individuais, o que resultou na criação da terminologia Mental Test (teste mental). Elaborou em Leipzig sua tese sobre diferenças no Tempo de Reação. Este consiste em registrar os minutos decorridos entre a apresentação de um estímulo ou ordem para começar a tarefa, e a primeira resposta emitida pelo examinando. Cattell seguiu as idéias de Galton, dando ênfase