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MÓDULO DE: PSICOPATOLOGIA E EXAMES PSICOLÓGICOS AUTORIA: LUCIANA GENELHÚ ZONTA Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 2 Módulo de: Psicopatologia e Exames Psicológicos Autoria: Luciana Genelhú Zonta Primeira edição: 2009 CITAÇÃO DE MARCAS NOTÓRIAS Várias Marcas Registradas São Citadas No Conteúdo Deste Módulo. Mais Do Que Simplesmente Listar Esses Nomes E Informar Quem Possui Seus Direitos De Exploração Ou Ainda Imprimir Logotipos, O Autor Declara Estar Utilizando Tais Nomes Apenas Para Fins Editoriais Acadêmicos. Declara ainda, que sua utilização tem como objetivo, exclusivamente na aplicação didática, beneficiando e divulgando a marca do detentor, sem a intenção de infringir as regras básicas de autenticidade de sua utilização e direitos autorais. E Por Fim, Declara Estar Utilizando Parte De Alguns Circuitos Eletrônicos, Os Quais Foram Analisados Em Pesquisas De Laboratório E De Literaturas Já Editadas, Que Se Encontram Expostas Ao Comércio Livre Editorial. Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 3 Apresentação A relevância da Psicopatologia concentra-se na contribuição que a mesma presta a todo o grupo das ciências humanas, colabora com psiquiatras, psicólogos e sociólogos. Até mesmo o historiador tem necessidade de conhecer os princípios fundamentais da Psicopatologia, pois somente assim poderá descrever e compreender determinados comportamentos de líderes políticos que tentaram mudar os destinos da humanidade. Não será exagero afirmar que o político profissional precisa conhecer Psicopatologia, porque de posse desses conhecimentos, estará em condições de interpretar comportamentos anormais de graves consequências para o país (PAIM, 1993). Objetivo Compreender os principais sintomas das doenças psicológicas e relacionà-los aos exames psicológicos. Ementa História da Psicopatologia. Desenvolvimento da Personalidade. Psicopatologia e psicologia do normal. Escolas principais da psicopatologia. Funções Psíquicas Elementares e suas alterações. Psicopatologia e doença mental. Transtornos por uso de substâncias. Transtornos psicóticos. Transtornos da personalidade. Testes psicológicos e suas práticas. Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 4 Sobre o Autor Possui graduação em Administração de Empresas pela Universidade Federal do Espírito Santo (2002). É especialista pela PUC/SP em Economia e Gestão das Relações de Trabalho (2004). Mestranda em Administração, pela FUCAPE Business School (2009). Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 5 SUMÁRIO UNIDADE 1 .............................................................................................................................. 8 Contextualização Histórica .................................................................................................... 8 UNIDADE 2 ............................................................................................................................ 12 PSICOPATOLOGIA E CONTEMPORANEIDADE............................................................... 12 UNIDADE 3 ............................................................................................................................ 20 DESENVOLVIMENTO DA PERSONALIDADE ................................................................... 20 UNIDADE 4 ............................................................................................................................ 37 Psicopatologia e psicologia do normal ................................................................................ 37 UNIDADE 5 ............................................................................................................................ 47 Funções Psíquicas e suas alterações ................................................................................. 47 UNIDADE 6 ............................................................................................................................ 54 Funções Psíquicas Elementares e suas alterações (vivências espaciais e temporais, senso-percepção e representações, memória) ................................................................... 54 UNIDADE 7 ............................................................................................................................ 57 Funções Psíquicas Elementares e suas alterações (Afetividade e humor) ......................... 57 UNIDADE 8 ............................................................................................................................ 61 Funções Psíquicas Elementares e suas alterações (PENSAMENTO)................................ 61 UNIDADE 9 ............................................................................................................................ 68 Classificação das Doenças Psicológicas - Introdução ........................................................ 68 UNIDADE 10 .......................................................................................................................... 73 Detalhamento das Doenças Psicológicas - NEUROSE ...................................................... 73 UNIDADE 11 .......................................................................................................................... 93 Detalhamento das Doenças Psicológicas – PSICOSE ....................................................... 93 UNIDADE 12 ........................................................................................................................ 115 Detalhamento das Doenças Psicológicas - ESQUIZOFRENIA ......................................... 115 UNIDADE 13 ........................................................................................................................ 126 EXEMPLOS CLÍNICOS ..................................................................................................... 126 UNIDADE 14 ........................................................................................................................ 133 Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 6 Detalhamento das Doenças Psicológicas – AUTISMO ..................................................... 133 UNIDADE 15 ........................................................................................................................ 145 Classificação das doenças psicológicas ........................................................................... 145 UNIDADE 16 ........................................................................................................................ 148 Detalhamento das Doenças Psicológicas – DEPRESSÃO ............................................... 148 UNIDADE 17 ........................................................................................................................ 164 Detalhamento das Doenças Psicológicas - CLAUSTROFOBIA ....................................... 164 UNIDADE 18 ........................................................................................................................ 165 Detalhamento das Doenças Psicológicas - DOENÇAS PSICOSOMÁTICAS .................. 165 UNIDADE 19 ........................................................................................................................ 179 Detalhamento das Doenças Psicológicas – SÍNDROME DE BOURNOT ......................... 179 UNIDADE 20 ........................................................................................................................ 181 Detalhamento das Doenças Psicológicas -TRANSTORNO BIPOLAR............................. 181 UNIDADE 21 ........................................................................................................................184 Detalhamento das Doenças Psicológicas - SÍNDROME DE MUNCHAUSEN .................. 184 UNIDADE 22 ........................................................................................................................ 188 Detalhamento das doenças Psicológicas - SÍNDROMES MANÍACAS ............................. 188 UNIDADE 23 ........................................................................................................................ 189 Detalhamento das Doenças Psicológicas – TRANSTORNO DE PERSONALIDADE BORDERLINE ................................................................................................................... 189 UNIDADE 24 ........................................................................................................................ 191 Detalhamento das Doenças Psicológicas – XENOFOBIA ................................................ 191 UNIDADE 25 ........................................................................................................................ 192 Detalhamento das Doenças Psicológicas - TRANSTORNO HIPOCONDRÍACO ............. 192 UNIDADE 26 ........................................................................................................................ 194 Detalhamento das Doenças Psicológicas – TRANSTORNO OBSESSIVO COMPULSIVO .......................................................................................................................................... 194 UNIDADE 27 ........................................................................................................................ 197 OS TESTES PSICOLÓGICOS E SUAS PRÁTICAS ......................................................... 197 UNIDADE 28 ........................................................................................................................ 204 TESTES PSICOLÓGICOS E SUAS PRÁTICAS ............................................................... 204 UNIDADE 29 ........................................................................................................................ 209 Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 7 Instrumentos psicológicos utilizados em seleção profissional ........................................... 209 UNIDADE 30 ........................................................................................................................ 214 VISÃO GERAL DE TESTES PSICOLÓGICOS ................................................................. 214 GLOSSÁRIO ........................................................................................................................ 226 BIBLIOGRAFIA .................................................................................................................... 227 Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 8 UNIDADE 1 Objetivo: Oferecer instrumentos teóricos para o estudo e a reflexão da psicopatologia, visando à compreensão crítica do conteúdo Contextualização Histórica A análise etimológica da palavra "Psicopatologia" é composta de três termos gregos: psychê, que produziu psique, psiquismo, psíquico, alma; pathos, que resultou em paixão, excesso, passagem, passividade, sofrimento, assujeitamento, patológico e logos, que resultou em lógica, discurso, narrativa, conhecimento. Psicopatologia seria, então, um discurso sobre o sofrimento psíquico; sobre o padecer psíquico. O atual cenário psicopatológico representa a evolução de um contexto histórico-político marcado por várias fases, cada uma com referências próprias e diferentes perspectivas teórico-clínicas. Na Grécia pré-socrática, o sofrimento psíquico era um castigo dos deuses irritados com a hybris dos homens (Pessotti, 1995). Platão dá uma visão completamente nova da psychê ao considerá-la como composta por três almas: uma racional, o logos, uma afetivo-espiritual e uma terceira que seria apetitiva. Para Platão, a loucura atestaria o desarranjo no equilíbrio das três componentes da psychê, fazendo com que a parte racional, o logos, perdesse o controle. A visão medieval da loucura está intimamente associada, ou mesmo identificada, à possessão demoníaca. Esta perspectiva ganha espaço à medida que a hegemonia do cristianismo se impõe. Enquanto no século XVII às categorias platônicas são acrescentadas às teorias da loucura, o século XVIII é marcado por uma psicopatologia desordenada. As classificações são ora Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 9 extremamente abrangentes, o que as torna pouco úteis, ora drasticamente limitadas, tornando-as de difícil confirmação. No início do século XVIII o pensamento médico em relação às "doenças do espírito" e a prática do internamento permaneceram estranhos um ao outro; no final desse século as duas correntes - pensamento e prática - sofrem uma primeira convergência, embora não se tratasse ainda de uma conscientização de que os internos eram doentes (Foucault apud Ceccarelli, 2005). Desse modo, a psicopatologia atravessou diversas etapas em sua evolução, porém, são considerados dois grandes momentos revolucionários na sua história que se relacionaram mais à atitude da sociedade em relação ao psicopata do que aos progressos intrínsecos dessa ciência. O primeiro com a postura de Philippe Pinel1 estudioso que abordou as doenças mentais como resultado da exposição excessiva ao estresse psicológico e social, em oposição às opiniões tradicionais repletas de misticismo e discriminação. Já no final do século XX ocorreu o segundo, quando tendências agrupadas sob a denominação genérica de antipsiquiatria (loucura como fenômeno social) passaram a recomendar o fim dos manicômios e a integração do psicopata à sociedade, mediante técnicas específicas. A partir do século XIX, adotou-se uma perspectiva essencialmente anátomo-clínica, ou seja, voltada para a descrição clínica e a busca de lesões orgânicas causadoras do quadro mórbido. Fase diversa se inicia com o advento da psicanálise, na qual se consagra uma posição, adotada por Freud2, que descarta os fundamentos somáticos das perturbações mentais e afirma que os pensamentos humanos são desenvolvidos, obtendo acesso à consciência, por processos diferenciados, relacionando tal ideia à de que a sistemática do nosso cérebro trabalha essencialmente com o campo da semântica, isto é, a mente desenvolve os pensamentos num sistema intrincado de linguagem baseados em imagens, as quais são meras representações de significados latentes. 1 Médico, pioneiro no tratamento dos doentes mentais, considerou as doenças mentais como resultados de tensões sociais e psicológicas excessivas, de causa hereditária, ou ainda originadas de acidentes físicos, desprezando a crendice entre o povo e mesmo entre os médicos de que fossem resultado de possessão demoníaca 2 Médico, com interesses pelo inconsciente e pulsões, entre outros, foi influenciado por Charcot e Leibniz, abandonando a hipnose em favor da associação livre. Estes elementos tornaram-se bases da Psicanálise Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 10 No início do séc. XX surge outro tipo de abordagem, o behaviorismo de John B. Watson3 para quem grande parte dos quadros mórbidos ou patológicos admite interpretação em termos de aprendizagem. Daí deriva a prática de implantar controles que visam à inibição da conduta desajustada. A corrente fenomenológica se caracteriza metodologicamente pela intenção de captar o significado da relação assumida entre o paciente e o mundo. Nessa abordagem, omite-se a referência aos processos neurofisiológicos e se considera básica a noção de referência intencional, numa dimensão existencial. Assim, a psicopatologia chega à contemporaneidade, tema da Unidade 2. Complemente sua leitura com os textos abaixo listados. LEITURA COMPLEMENTAR CARRARA, K.Behaviorismo Radical: crítica e metacrítica. São Paulo: FAPESP, 1998. Disponível em: http://www.cemp.com.br/novo/dados/upload/Origens%20do%20Behaviorismo.pdf FACCHINETTI, C. Philippe Pinel e os primórdios da Medicina Mental. Rev. latinoam. psicopatol. fundam. [online]. 2008, vol.11, n.3, pp. 502-505. ISSN 1415-4714. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_pdf&pid=S1415- 47142008000300014&lng=en&nrm=iso&tlng=pt THA, F. Representação e pensamento na obra freudiana: preliminares para uma abordagem cognitiva. Ágora (Rio J.) [online]. 2004, vol.7, n.1, pp. 109-128. ISSN 1516-1498. 3 Ficou muito conhecido pela publicação do chamado "manifesto behaviorista": um conjunto de palestras publicadas em forma de artigo em 1913 no qual defendeu o abandono da introspecção e a adoção da observação direta do comportamento como o único método possível para uma psicologia científica. O manifesto behaviorista coordenou muitas das manifestações esparsas que já vinham criticando o método introspectivo e se tornou um marco histórico na psicologia Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 11 doi: 10.1590/S1516-14982004000100007. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S151614982004000100007&script=sci_abstract STRAPASSON, B. A. John B. Watson, o cuidado psicológico do infante e da criança: possíveis conseqüências para o movimento behaviorista. Fractal, Rev. Psicol. [online]. 2008, vol.20, n.2, pp. 629-636. ISSN 1984-0292. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_pdf&pid=S198402922008000200023&lng=en&nrm =iso&tlng=pt Links Relacionados Laboratório de Psicopatologia Fundamental – PUC/SP http://www.psicopatologiafundamental.org/ Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_serial&pid=1415-4714 Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 12 UNIDADE 2 Objetivo: Contextualizar a psicopatologia no cenário atual. PSICOPATOLOGIA E CONTEMPORANEIDADE Tânia Maria José Aiello Vaisberg Como sabemos, a Psicopatologia é uma disciplina teórica que fundamenta ações psiquiátricas, psicoterapêuticas, psicodiagnósticas e psicoprofiláticas. Os autores concordam em atribuir à obra de Jaspers (1913), Psicopatologia Geral, o papel de marco inaugural, o que nos permite considerar que se trata de uma ciência relativamente nova, com cerca de um século de existência. Etimologicamente, o termo significa estudo do sofrimento psíquico. Trata-se, portanto, de um modo moderno de focalizar uma questão absolutamente antiga e essencial, a do sofrimento que parece inerente à condição humana (Ferry, 2007). Entretanto, sendo, de fato uma ciência humana, a Psicopatologia não é um campo unificado de saber, mas abrange, antes, uma grande diversidade de hipóteses, explicações e teorias, que se vinculam a diferentes referenciais teóricos. Cada referencial, por sua vez, não se limita às suas afirmações manifestas, mas assenta-se sobre determinadas visões do que é o homem, do que é o mundo, do que é o processo de produção de conhecimento. Em outros termos, partem de ontologias, antropologias e epistemologias distintas. Deste modo, não nos deve surpreender o fato de terem sido identificados nada menos do que catorze enfoques teóricos da psicopatologia (Ionescu,1994). Entretanto, um grande número de estudiosos reconhece que o campo pode ser bem organizado, em seu estado atual, a partir da distinção de três grandes correntes: a neurobiológica, a psicanalítica e a sociológica. Enquanto a primeira privilegiaria a importância Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 13 causal da dimensão orgânica e a terceira apostaria na produção social do sofrimento psíquico, a psicanálise tanto ignoraria os determinantes somáticos como os sociais, para destacar o papel do aparelho psíquico. Estas três correntes são, muitas vezes, consideradas à luz das afinidades que mantém com ideologias políticas, de modo que os organicistas são considerados de direita, os sociólogos de esquerda e os psicanalistas como esquerdistas que tem deslizado, ao longo dos anos, para o centro (Zefaradian,1988). Ainda que bastante popular esta divisão em três correntes não deixa de ser simplista e até certo ponto ingênua, uma vez que tributária de uma visão positivista segundo a qual cada ciência tem direitos de exclusividade sobre determinados objetos. Além disso, está basicamente não atualizada, uma vez que não é correto identificar a Psicanálise à metapsicologia clássica. Assim, o ramo que detém o domínio do corpo biológico clamaria pela “posse” do fenômeno do sofrimento psíquico numa luta contra sociólogos e psicanalistas que, estudando a sociedade ou a mente inconsciente, fariam idêntica reivindicação. No entanto, se considerarmos que o fenômeno humano é uma complexidade não passível de ser reduzida a elementos mais simples, mas um todo, que deve ser abordado como tal, chegará à conclusão de que as diferentes ciências humanas, entre as quais se deveriam incluir a biologia humana, lidam com um mesmo e único fenômeno (Bleger, 1963). Nesta perspectiva, cessam as disputas em favor do reconhecimento de que tanto há espaço para uma biologia, como para uma psicanálise ou uma sociologia voltadas, todas elas, ao estudo do sofrimento psíquico-emocional. Sendo assim, nenhuma descoberta em qualquer desses campos de conhecimento, anularia os outros dois, tornando-os inúteis ou supérfluos. Por outro lado, o uso ideológico de um ou outro modelo, seja para negar a concorrência das dimensões sociais, seja para negar o valor da subjetividade individual, seja para negar a importância do corpo, será mais facilmente neutralizado, se prevalecer uma lucidez epistemológica. A constituição da Psicopatologia, como ciência moderna, ligou-se, fundamentalmente, à crença, já existente, de que o sofrimento psíquico teria, forçosamente, uma base material. Mais do que uma hipótese, esta era e é, para muitos, uma convicção que, entretanto, não Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 14 garantiu a descoberta imediata da etiologia da maior parte das chamadas doenças mentais, cuja causalidade continua, em sua maior parte, obscura. Passaram-se algumas décadas antes que se tornasse aceita a idéia de que a sociedade desempenhava importante papel na produção do sofrimento psíquico (Miles,1981). Hoje é claro para a maioria dos estudiosos que o fato de existirem determinantes orgânicos não anula a importância das condições concretas da vida social no surgimento de manifestações psicopatológicas. Deste modo, não surpreende que as relações existentes entre Psicopatologia e contemporaneidade possam interessar tanto a clínicos como a pesquisadores. Um fenômeno chama, desde o inicio, nossa atenção. Trata-se do fato de ocorrer uma relativa diminuição dos quadros mais conhecidos e melhor definidos, vale dizer, da neurose e da psicose, em favor de um aumento expressivo dos chamados quadros limites ou borderlines. O tema já foi bastante explorado por autores da estatura de um Bergeret (1974), que sistematizou uma Psicopatologia Psicanalítica tripartite, seguindo indicações freudianas, no interior da qual distinguia as estruturas neurótica e psicótica, ligadas fundamentalmente a angústias de fragmentação e castração, ao lado do que denominava organizações limites, que, possuindo caráter antidepressivo, exteriorizar-se-iam em termos clínicos como agressividade, adição, distúrbios alimentares, depressões, psicossomatoses e normopatias. Encontramos uma organização similar, igualmente tripartite, no contexto do pensamento winnicottiano, o que, a nosso ver, pode ser considerado como uma Psicopatologia explícita. Aceita, assim, a existência de neuróticos, psicóticos e borderlines, mas afirma, curiosamente,que os neuróticos teriam simplesmente desaparecido na Inglaterra, pois já teriam feito um trabalho de desenvolvimento pessoal por meio do acesso a grandes obras, literárias e musicais, da cultura ocidental (Winnicott, 1963). Entretanto, pode-se captar ao longo de sua brilhante obra, a vigência do que temos designado uma Psicopatologia implícita, no interior da qual os quadros conhecidos corresponderiam a arranjos de caráter meramente defensivo contra a impossibilidade de se sentir vivo, real e capaz de gestualidade espontânea. Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 15 transformadora de si e do mundo. Surge aqui uma contribuição inestimável à Psicopatologia Psicanalítica, que permite uma compreensão das demandas que nos chegam, atualmente, na clínica psicológica, em variados contextos institucionais, que ultrapassa a mera consideração do registro defensivo, neurótico, psicótico ou borderline. Esta possibilidade de sentir-se vivo e real como condição de sanidade verdadeira surgiu, é importante lembrar, num contexto de teorização que retoma uma valorização do ambiente que a Psicanálise abandonara desde o tempo em que Freud substituiu a teoria da sedução para privilegiar as fantasias desejantes como elementos determinantes das neuroses (Laplanche e Pontalis,1967). Ora, como teoriza mantendo uma grande proximidade em relação ao acontecer clínico, Winnicott não pensa o individuo de modo abstraído das condições concretas nas quais sua vida tem lugar, evitando naturalmente abstrações metapsicológicas e enfatizando a importância do ambiente. Como sabemos, Winnicott inspira-se no bebê para pensar o humano porque, em sua obra, o bebê é um dos modos de ser pelos quais a natureza humana se manifesta. Assim, não tem sentido, a nosso ver, pensar, como fazem alguns que o ambiente só tem importância na vida do bebê e não na vida do adulto, como se tornar-se adulto pudesse significar transcender a dimensão de coexistência que caracteriza a condição humana. Entendemos que a contribuição winnicottiana sustenta que o ambiente é absolutamente fundamental ao longo de toda a vida individual. Valorizar o ambiente significa, então, reconhecer que as condições concretas de vida, prevalentes na sociedade contemporânea globalizada, desempenham importante papel na geração do sofrimento psíquico emocional. Claro está que não queremos dizer que a vida tem sido fácil, no planeta, ao longo da História e que só hoje enfrentamos dificuldades. A leitura de um livro bastante atraente, na medida em que muito claro e simultaneamente rigoroso, o Aprenda a Viver: Filosofia para Novos Tempos (Ferry, 2007) convence no sentido de lembrar como a condição humana, ao conjugar finitude e autoconsciência, é inerentemente geradora de sofrimento, o que, segundo este autor, motiva o nascedouro de Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 16 duas importantes realizações humanas: a filosofia e a religião. Entretanto, muitos pensam que a vida atual, na qual os ideais estão ausentes e parecem substituídos por frenesis fundamentalistas de consumo (Santos, 2001), traz consigo um quadro novo, desconhecido em épocas históricas anteriores. A vida perde sentido e torna-se, deste modo, verdadeiramente absurda, o que gera sofrimento emocional importante. Não se trata, assim, de negar a importância de dimensões orgânicas, de amadurecimento emocional ou mesmo de exercício ético de escolha de posições existenciais mais construtivas e solidárias – que podemos presenciar mesmo em pessoas que se mantém a expensas de um falso self cuidador, mas de reconhecer que o mundo em que vivemos pode dificultar enormemente a constelação do sentir-se vivo e real numa vida que valha a pena. Num primeiro momento, podemos pensar que o sentir-se vivo e real seja o que se pode chamar de “problema de foro íntimo”. Esta dissociação seria, assim, o mero descompasso entre o intelecto e a existir psicossomático, decorrente do fato de ter sido vitima de invasões ambientais que teriam interrompido a continuidade do ser do bebê. Entretanto, se levarmos em conta que a vida transcorre no ambiente humano e interrogarmos mais detidamente o fenômeno da invasão ambiental que, em última instância, visa criar submissão, veremos que sentir-se vivo e real é algo que depende das condições concretas do viver, que depende da qualidade das relações humanas. Será, pois, fundamental, articular a possibilidade de sentir-se vivo e real com o ambiente familiar, lembrando que este último dependerá sempre das condições concretas da vida social. Sabemos que desde o Renascimento, quando progressos científicos até então inimagináveis tiraram a sociedade de um cosmo fechado para um universo infinito, para adotar a expressão de Koyré (1973), os homens deixaram de encontrar sentidos na religião ou numa visão filosófica do mundo como todo harmonioso. Surgiram, assim, o humanismo e a filosofia moderna, inaugurando-se uma mudança profunda, a partir da qual os homens passaram a produzir os sentidos do viver, fundamentando-se não mais no cosmo ou em Deus, mas em si mesmos. Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 17 O projeto científico, como manifestação do humanismo, baseou-se em dois pressupostos. O primeiro deles diz respeito à crença de que a ciência emanciparia a humanidade de várias formas de superstição, obscurantismo e autoritarismos. O segundo é a convicção de que um aumento do domínio do mundo natural transformaria a vida humana, trazendo-lhe maior conforto, segurança e qualidade. Até aqui, navegava a cultura ocidental em mares nos quais se articulavam ideais de progresso das ciências com os de desenvolvimento da civilização. Entretanto, parece que a própria noção de progresso sofreu uma modificação drástica, que se liga, evidentemente, a vicissitudes do sistema capitalista, frequentemente designada como passagem da ciência à técnica, que consiste no desaparecimento dos fins em proveito dos meios. Evidentemente, trata-se de fenômeno dotado de alta complexidade, que merece ser estudado desde pontos de vista históricos, sociais, econômicos e filosóficos. Entretanto, tendo em vista nossos propósitos, que focalizam os efeitos destas transformações sobre as experiências emocionais de vida, basta levar em conta as linhas gerais deste movimento: “Daí o formidável e incessante desenvolvimento da técnica preso ao crescimento econômico e largamente financiado por ele. Daí também o fato de que o aumento do poder dos homens sobre o mundo tornou-se um processo absolutamente automático, incontrolável e até mesmo cego, já que ultrapassa asa vontades individuais conscientes. É simplesmente o resultado inevitável da competição. Neste ponto, contrariamente às Luzes e à filosofia do século XVIII que, como vimos, visavam à emancipação e à felicidade dos homens, a técnica é realmente um processo sem propósito, desprovido de qualquer espécie de objetivo definido: na pior das hipóteses, ninguém mais sabe para onde o mundo nos leva, pois ele é mecanicamente produzido pela competição e não é de modo algum dirigido pela consciência dos homens agrupados coletivamente em torno de um projeto , no seio de uma sociedade que, ainda no século passado, podia se chamar res publica, república, etimologicamente negócio ou causa comum” (Ferry, 2007, p.247). O efeito da perda de ideais, sobre a experiência emocional individual, é, a nosso ver, devastador, porque torna a vida absurda, afetando o sentimento de que a vida valha a pena. Em ultima análise,como bem coloca Camus (1942), é o suicídio que se desenha no horizonte quando o absurdo ganha a cena, suicídio que tanto pode ocorrer de modo concreto como sutilizado sob diferentes roupagens sintomatológicas. Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 18 Tenho realizado, majoritariamente, dois tipos de investigação.O primeiro deles diz respeito à proposição de enquadres clínicos diferenciados, mediante os quais se possa estender os benefícios oriundos do conhecimento psicanalítico a populações tradicionalmente dele excluídas. Estes enquadres são, então, investigados em termos da detecção de sua eficácia clínica ou potencialidade mutativa. É claro que este tipo de pesquisa nos ensina sobre pessoas que buscam alguma forma de atendimento, mas não nos dizem muito sobre quem não se abre para este tipo de experiência. Nossa experiência tem comprovado a idéia de que predomina, no mundo atual, um sofrimento derivado da falta de ideais, esperanças e perspectivas, que afeta a capacidade de se sentir vivo, real e capaz de gestualidade espontânea e transformadora de si mesmo e do mundo. O segundo tipo de trabalho é conhecido como pesquisa psicanalítica de imaginários coletivos, iniciativa que abraçamos a partir da preocupação com os preconceitos existentes contra pessoas que necessitam de tratamento psiquiátrico. Assim, pesquisamos as concepções, crenças, idéias, sentimentos, fantasias de vários grupos da população, mais ou menos diretamente envolvidos com a problemática psiquiátrica, para detectar tanto como, e em resposta a que tipo de angústia, organizava-se seu imaginário. Pudemos entender que existe um grande medo sob a hostilidade, discriminação e preconceito contra o doente mental. Demo-nos, conta, então, de que havíamos desenvolvido uma metodologia de pesquisa que servia não apenas para a investigação do imaginário relativo ao doente mental, mas também a toda e qualquer figura humana, abrangendo todos os chamados excluídos sociais. Assim, passamos a investigar o imaginário de coletivos humanos sobre usuários de drogas, crianças com dificuldades escolares, crianças adotadas, obesos, deficientes, presidiários e muitos outros. Entretanto, ao realizar tais trabalhos, fomos nos dando conta de um fenômeno bastante interessante que consiste no fato dos grupos pesquisados trazerem sempre visões de vida fundamentalmente desanimadas, desesperançadas e carentes de perspectivas de futuro. A julgar pelo que temos encontrado nestas pesquisas, poderíamos afirmar que uma das formas mais comuns de sofrimento no mundo de hoje é a carência de sentido que impede o indivíduo de sentir-se vivo, real e capaz de gestualidade espontânea. Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 19 O quadro geral indica, a meu ver, que são inegáveis as relações entre o sofrimento humano e as condições concretas da vida contemporânea, de modo que se torna indispensável a constituição de projetos coletivos de produção de sentido e, em última análise, de esperança. Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 20 UNIDADE 3 Objetivo: Apreensão da teoria psicanalítica de Freud, bem como outras teorias enquanto um conjunto de premissas referentes a uma concepção de homem e de mundo. DESENVOLVIMENTO DA PERSONALIDADE Podemos definir personalidade como sendo um ser humano com individualidade, nitidamente expressa, a qual, nem a moda do dia a dia, nem as adversidades conseguirão desviar da rota fixada. A noção científica de personalidade se empregará, pois, para discernir as marcas particulares inerentes aos indivíduos, isto é, as diferenças inter-individuais; visará igualmente determinar as variedades do comportamento de um só e único indivíduo, segundo as situações e as épocas de sua existência (Schaaml, 1976). A maturidade emocional é um termo relativo, pois não se limita a um único padrão comportamental nem a uma determinada cultura. A singularidade é uma característica essencial da natureza humana. É preciso supor, pois, uma grande variação no quadro do ajustamento emocional. Os estudiosos da personalidade estão basicamente interessados em explicar o porquê das diferenças existentes entre as pessoas. Por que algumas são bem-sucedidas e outras não Por que algumas desenvolvem uma capacidade de ver o mundo com toda a sua riqueza, variedade e encanto, enquanto outras apresentam comportamento explosivo, inquietação geral, preocupação excessiva com a opinião dos outros, recusando-se a participar de situações sociais. Por que algumas são tão talentosas e outras não conseguem desenvolver suas potencialidades, impondo-se limitações que as levam ao conformismo e à passividade. Os teóricos tentam responder a essas questões buscando descobrir qual a interação existente entre os diferentes aspectos responsáveis pela formação da personalidade, tais como: aprendizagem, percepção e motivação. Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 21 As várias teorias da personalidade se distinguem pela descrição do modo pelo qual essa interação ocorre e pelo peso dado a cada um dos fatores (aprendizagem, percepção e motivação) na determinação da personalidade. A Teoria Psicanalítica de Freud A psicanálise nasceu com objetivos bastante limitados. Originalmente, seu único fim era compreender algo da natureza de enfermidades nervosas chamadas funcionais, para vencer a impotência médica da época quanto ao seu tratamento. Entre os neurologistas de então, havia uma crença generalizada a respeito da existência de uma ligação íntima, e talvez exclusiva, entre determinadas partes do cérebro e certas funções. Como não sabiam o que fazer com o fator psíquico, nem como apreendê-lo, deixavam essas especulações para os filósofos, para os místicos e para os curandeiros. Assim, não se abria nenhum acesso às causas das neuroses, principalmente da enigmática histeria, que delas consistia em medidas de caráter geral, tais como prescrições de medicamentos, choques elétricos e tentativas, na maioria das vezes inadequada, de exercer influência psicológica sob forma de conselhos, repreensões, ameaças etc. Dadas as características da formação médica da época, inicialmente a psicanálise sofreu uma violenta rejeição. No entanto, com o passar do tempo ela foi sendo aceita, tornando-se posteriormente a terapia mais difundida no tratamento de problemas psíquicos. Atualmente, a psicanálise é um termo geral que abrange três coisas: um método de investigação de processos psíquicos, um método de terapia e uma teoria da personalidade. Como teoria da personalidade, a psicanálise está fundamentada em relatos verbais de idéias, sentimentos e auto-descrições feitas pelos pacientes. Freud estabeleceu um paralelo entre o funcionamento patológico dos processos psíquicos e os normais. Ele fazia uma análise cuidadosa do comportamento verbal (relatos) de pacientes neuróticos e psicóticos para esclarecer a causa de tais doenças e supunha que cada aspecto do funcionamento patológico fosse um exagero da atividade normal. Dessa forma, a prova que Freud freqüentemente apresentava para confirmar uma hipótese a respeito de um componente da personalidade eram os dados obtidos com pacientes submetidos à psicanálise. Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 22 Outras características da psicanálise como teoria da personalidade é o fato de basear-se mais nos pensamentos e sentimentos do que no comportamento. Freud supunha e os psicólogos que seguem sua orientação concordam que o comportamento explícito de uma pessoa só pode ser interpretado corretamente quando há conhecimento de seus motivos, temores, sentimentos etc. Ele considerava o comportamento humano como: 1) um resultado de lutas e acordos entre motivos, impulsos e necessidades; 2) ocorrendo em diferentes níveis de organização, de tal forma que comportamentos semelhantes podem expressar diferentes forças e a mesma força pode ser representada em diferentes comportamentos; 3) ocorrendo em vários níveis de consciência. As qualidades da vida psíquica Freud opôs-se à tendência dominante em sua época de explicar os fenômenos psíquicos apenas pelos fatos que o indivíduo temna consciência em um determinado momento. Ele não via nos processos consciente a essência da vida psíquica. Ao contrário, na determinação do psiquismo, os processos conscientes se somariam aos pré-conscientes e aos inconscientes. Os processos conscientes são aqueles baseados nas percepções imediatas do mundo exterior ou nas sensações do mundo interior, aqueles que estão clara e intensamente definidos em nossa mente. Os processos latentes, isto é, que podem vir à consciência a qualquer momento, na forma de recordações ou lembranças, são denominados pré- conscientes. Os processos e conteúdos psíquicos que não têm fácil acesso à consciência são os inconscientes. Os processos inconscientes são alógicos e têm grande fluidez e plasticidade, de tal forma que coisas que ocorreram em momentos e espaços diferentes podem estar unidas como elementos de um mesmo conjunto. Tais processos nunca são observados diretamente, e quando se manifestam à consciência vêm camuflados com um simbolismo próprio. Essas três qualidades dos processos psíquicos (consciente, pré-consciente e inconsciente) são dinâmica e não descritivas da personalidade, pois não são absolutas nem permanentes. O conteúdo da consciência em um determinado momento pode deixar de sê-lo no momento Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 23 seguinte. Além disso, muitas das coisas que pensamos ser verdadeiras em determinado momento se tornam contraditórias no momento seguinte, pois outros eventos mostraram que a nossa percepção não era correta. Na consciência, pois, existem processos intelectivos que podem persistir, ser substituídos ou extinguir-se. Os processos pré-conscientes podem irromper na consciência a qualquer momento e os inconscientes, por sua vez, por mais resistência que ofereçam, podem ser captados pela consciência por meio de técnicas especiais. A estrutura da personalidade Segundo Freud, a personalidade é composta por três sistemas: id, ego e superego. O núcleo da personalidade é formado pelo id, que não tem comunicação direta com o mundo exterior. O id é a fonte de toda energia psíquica da personalidade. Dentro dele operam duas forças distintas, uma derivada do instinto de vida e a outra do instinto de destruição. Cada uma dessas classes de instintos está subordinada a um processo fisiológico especial (criação e destruição) e ambas se conduzem de forma conservadora, buscando a reconstituição do equilíbrio perturbado pela gênese da vida. Essa gênese seria a causa tanto da continuação da vida como da tendência à morte. Por sua vez, a vida seria um combate e uma transição entre ambas as tendências. O id opera dentro do princípio do prazer, que se define pelo alívio da tensão, pela liberação da energia e pela esquiva à dor. O objetivo do id, portanto, é a satisfação imediata e irrestrita dos instintos. Para realizar isso, ele dispõe de dois processos: ação reflexa e processo primário. As ações reflexas são reações inatas que geralmente conduzem a uma imediata redução da tensão. O organismo humano está equipado com um certo número de reflexos que estão relacionados com formas relativamente simples de excitação. O processo primário envolve uma reação psicológica mais complicada. A descarga da tensão é feita por meio de uma imagem mental. Um processo primário, por exemplo, fornece a uma pessoa faminta a imagem do alimento. Essa experiência oferece uma forma alucinatória de Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 24 satisfação do impulso. Tal alucinação não ocorre automaticamente. Primeiro a pessoa deve ter experienciado a satisfação concreta do desejo para depois representar mentalmente o objeto associado a essa satisfação. Para Freud, o aparato psíquico de um indivíduo é dominado por um id desconhecido e inconsciente, em cuja superfície aparece o ego. O ego é a parte modificada do id por influência do mundo exterior. Ele representa a parte racional da personalidade. Considerado sob o aspecto dinâmico, o ego é fraco. Todas as suas energias são emprestadas do id. Sua função psicológica consiste em trazer ao nível do pré-consciente e do consciente as exigências dinâmicas do id. Por isso ele é considerado o executivo da personalidade. Ele deve controlar quais aspectos instintivos serão satisfeitos e buscar meios para satisfazê-los, bem como prever as conseqüências dos atos destinados à satisfação das necessidades em questão. É preciso considerar, no entanto, que, como uma parte organizada do id, o ego existe para satisfazê-lo, e não para frustrá-lo. Durante o longo período da infância, no qual o ser humano em desenvolvimento vive na dependência de seus pais, forma-se no ego uma instância especial que perpetua essa influência parental. A este sistema Freud deu o nome de superego. À medida que se diferencia do ego, o superego se opõe a este e passa a constituir a terceira força que o ego tem que levar em conta. Uma ação do ego será correta, portanto, se satisfizer, ao mesmo tempo, às exigências do id, do superego e da realidade. As relações entre o ego e o superego ficam claras se as compararmos às relações entre uma criança e seus pais. O superego é o representante interno dos valores sociais que são transmitidos inicialmente à criança pelos pais, por meio de um sistema de recompensa e punições. Posteriormente, o superego incorpora valores que são transmitidos por substitutos ulteriores dos pais, tais como educadores e pessoas consideradas modelos sociais. Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 25 Apesar das diferenças fundamentais entre o id e o superego, eles têm uma coisa em comum: ambos representam a influência do passado o id, as influências herdadas, e o superego, as recebidas socialmente. Por outro lado, o ego é determinado pelas vivências próprias do indivíduo, pelo atual e acidental. Em resumo, a força do id expressa o verdadeiro propósito vital de um organismo: satisfazer às suas necessidades inatas. A missão do ego é buscar formas de satisfação que sejam mais favoráveis e menos perigosas no que se refere ao mundo exterior. O superego, por sua vez, coloca novas necessidades ao ego, visto que sua função principal é restringir a satisfação das necessidades inatas. O superego aplica um rigoroso critério moral ao ego, que está à sua mercê. O superego é, assim, o representante da moralidade que nos faz sentir culpa cada vez que o ego tenta se libertar de seu domínio, e auto-satisfação quando o ego se comporta de acordo com os ideais sociais. O superego é constituído, pois, por dois sistemas: o ego ideal, que representa a introjeção dos valores familiares, grupais, religiosos, raciais etc. (ou seja, a personalidade social), e a consciência moral, que representa a introjeção da censura dos agentes sociais controladores. A dinâmica da personalidade A dinâmica da personalidade diz respeito às formas pelas quais a energia do id é liberada ou bloqueada. Freud denominou de instintos as forças que atuam nas tensões causadas pelas necessidades do id. Essas forças representam as exigências somáticas que atuam na vida psíquica. As cargas de energia que emanam do id não têm qualquer organização. Não se originam de uma vontade única e só aspiram à satisfação das necessidades instintivas de acordo com o princípio do prazer. Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 26 Para os processos desenvolvidos no id não são válidos os princípios lógicos do pensamento, nem mesmo o princípio da contradição. Impulsos contrários podem coexistir sem anular-se mutuamente ou um submeter-se ao outro. No id não há nada equivalente à negação e nada que corresponda à representação do tempo. Eventos que ocorreram em momentos diferentes podem estar juntos numa mesma manifestação. Da mesma forma, o id não conhece o bem e o mal nem qualquermoral. É possível distinguir um número indeterminado de instintos, embora, como já dissemos, para Freud todos derivem de dois instintos fundamentais: o instinto de autoconservação e conservação da espécie e o instinto de destruição. O primeiro tem como fim básico estabelecer e conservar unidades cada vez maiores, isto é, tende à união (por exemplo, o amor). O segundo, ao contrário, busca a dissolução das conexões, reduzindo a substância viva a um estado inorgânico. Este segundo foi denominado por Freud de instinto de morte. Esses dois instintos básicos podem antagonizar-se ou combinar-se. Assim, por exemplo, o ato de comer equivale à destruição de um objeto com a finalidade de incorporá-lo ao organismo. Da mesma forma, o ato sexual equivale a uma agressão com o propósito da mais íntima união. Modificações na proporção de um dos dois instintos no momento da combinação levam a diferentes conseqüências, podendo predominar o amor ou a agressão. A energia liberada pelo instinto de conservação foi denominada por Freud de libido. Os instintos não têm qualidades perceptivas, por isso não podem atingir diretamente a consciência. A expressão das forças instintivas é uma das funções do ego, que estabelece uma ordem temporal para a satisfação dos instintos e os submete ao teste da realidade. Pela interpolação de processos mentais, o ego escolhe a forma e o objeto para liberação da tensão, conseguindo, assim, um estado precário de equilíbrio com a redução da excitação. Contudo, essa redução é mais formal do que efetiva, pois o ego utiliza apenas as ações que no passado foram bem-sucedidas, ma que nem sempre são adequadas ao presente. Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 27 O ego se assemelha a um monarca que, não podendo legislar sobre as sanções (superego), pensa muito antes de vetar uma proposta do parlamento (id). O conteúdo do id pode passar pelo ego por dois caminhos distintos. Um é o direto e o outro por meio do ego ideal. As atividades psíquicas são resultantes da eleição de um desses caminhos que levam à liberação ou à coerção dos instintos. A coerção é realizada pelo ego ideal, que é em parte uma formação reativa contra os instintos do id. A esse processo de liberação e inibição da energia do id, Freud deu o nome de catexe e anticatexe (ou catexe contrária). Submetido a três forças distintas o mundo exterior, a energia do id e o superego ?, o ego se sente ameaçado. Com a ameaça surge a ansiedade. A ansiedade é uma reação emocional frente à impotência motora ou psicológica ou frente a uma situação traumática. Essa reação coloca o ego em alerta, pois representa um perigo para sua integridade. Há três espécies de ansiedade: real, neurótica e complexo de culpa. A ansiedade real ocorre quando o ego se sente impotente frente a um objeto ou a uma situação do mundo exterior, que pode colocar em risco a sua sobrevivência ou a sua integridade psicológica. O homem não tem condições de detectar todos os perigos que existem no mundo exterior, por isso às vezes se sente impotente frente à realidade. A situação traumática contra a qual somos impotentes causa ansiedade, visto que, nessas condições, a satisfação de nossas necessidades significa perigo. As crianças pequenas, que não têm ainda a noção de perigo, fazem a todo o momento coisas que põem em risco a sua vida. Na ansiedade neurótica, o ego experiência uma sensação dolorosa que não passa, pois coincide com o bloqueio total de uma necessidade do id. Essa impotência psicológica é semelhante à impotência motora, pois a satisfação da necessidade poderia por em risco a integridade do aparato psicológico. Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 28 O complexo de culpa é a ansiedade produzida pela consciência moral. A pessoa portadora de um superego muito rígido tende a ter sentimentos de culpa quando faz ou pensa em fazer algo que contraria o código moral no qual foi educada. A ansiedade é um estado doloroso que o indivíduo não é capaz de tolerar por muito tempo. Para fugir dela, o ego desenvolve mecanismos de defesa. Os principais mecanismos de defesa são: a projeção, a repressão, a formação reativa, o isolamento e a sublimação. Todos esses mecanismos possuem duas características comuns: distorcem ou negam a realidade e operam inconscientemente, de modo que a pessoa não sabe as verdadeiras causas de seu comportamento. Projeção. O aspecto essencial desse mecanismo é a atribuição a outra pessoa de uma característica indesejável ou de um impulso perigoso. Um dos exemplos clássicos é a crença de uma pessoa pudica de que as outras pessoas estejam excessivamente interessadas em sexo ou sejam sexualmente incontroláveis. Subjacente a essa crença, existe o impulso libidinoso que aparece na preocupação com o comportamento sexual dos outros. Como a sexualidade é atribuída a outra pessoa e é acompanhada de reprovação, ela acaba tendo acesso à consciência, embora na forma de um sentimento hostil. Nesse caso, portanto, grande parte das ações do ego estão a serviço da libido. Na repressão os pensamentos, idéias ou desejos que causam ansiedade são colocados fora da consciência. A pessoa oferece uma enérgica resistência quando alguém tenta falar sobre o assunto. Comumente a repressão atinge todas as idéias que tenham qualquer elo associativo com o impulso reprimido. A repressão está presente em todos os mecanismos de defesa. Na formação reativa o indivíduo reconhece a existência de um impulso indesejável, mas impede sua expressão liberando energia do impulso diametralmente oposto ao primeiro. Essa estratégia defensiva geralmente está presente em comportamentos sociais que, embora desejáveis, são exagerados e rígidos. A pessoa que utiliza esse mecanismo procura não admitir outro sentimento a não ser aquele exageradamente manifestado. Esse é o caso de mães supeprotetoras, que não podem permitir que venham à consciência sentimentos de Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 29 hostilidade contra seus filhos. A formação reativa fica mais evidente quando as defesas se rompem, como quando uma pessoa que aparentemente era incapaz de fazer mal a uma mosca comete um assassinato violento. Algumas vezes a bondade pode ser uma formação reativa contra a maldade. Uma pessoa que faz atos filantrópicos com exagero pode estar querendo impedir que venha à tona o prazer que sente frente à vulnerabilidade dos outros. A hostilidade aparece quando ela passa a falar mal ou a ignorar os seus beneficiários com a justificativa de que eles foram ingratos e não souberam dar valor a quem tanto os ajudou. Outra forma de lidar com a ansiedade é o isolamento. No isolamento o conteúdo do impulso vem à consciência, mas o sentimento associado a ele é reprimido. Algumas pessoas parecem impermeáveis quando são insultadas. Elas agem como se não estivessem percebendo o que está acontecendo. Na verdade estão conscientes da intenção da outra pessoa, contudo não se sentem encolerizadas, ou, melhor dizendo, não deixam vir à tona seus sentimentos de cólera. Tais pessoas agem friamente, dando a impressão de que não há sentimentos a serem controlados. O isolamento pode estar presente nas atitudes de uma pessoa que faz uma rígida separação entre religião e ciência. Isso permite que ela interprete misticamente os fenômenos, para os quais aceita também uma explicação científica. Essa separação faz com que ela concilie sem dificuldades duas interpretações de alguns fenômenos naturais. Na sublimação o objeto original de gratificação do instinto é substituído por um cultural. Posteriormente, o instinto primário é totalmente afastado da consciência, ficando apenas a expressão cultural substituta. Conseqüentemente, o ego não precisa manter um constante controle sobre a expressão do instinto, pois a energia é completamente liberada.Freud interpretou a Madona de Leonardo da Vinci como uma sublimação dos desejos libidinosos que o artista sentia por sua mãe. O desenvolvimento da personalidade Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 30 Na teoria psicanalítica, a personalidade é resultante do desenvolvimento das estruturas (ego e superego), dos processos de pensamento e da sexualidade. Como já dissemos anteriormente, a vida psíquica é função de um aparato extenso e composto de várias partes. A mais primitiva delas é o id, que tem por conteúdo tudo o que é herdado, inato e constitucionalmente estabelecido. Os instintos originados na organização somática alcançam no id sua primeira expressão psíquica, da qual muitas formas ainda são desconhecidas. Esta parte primitiva do aparato psíquico continuará sendo a mais importante durante toda a vida. Sob a influência do mundo exterior, uma parte do id passa por uma transformação especial e adquire função mediadora entre o id e o mundo exterior. Este setor de nossa vida psíquica é o ego. A tarefa do ego consiste na autoconservação, que ele realiza de duas formas. Em primeiro lugar, por meio de um processo de aprendizagem, ele se adapta ao mundo exterior, gravando na memória as conseqüências dos estímulos, de forma que consegue fugir da estimulação desagradável e aproximar-se das situações agradáveis. Em segundo lugar, como resultado dessa experiência, o ego vai se caracterizando e adquire certo domínio sobre a estimulação interior (instintos do id). Graças a esse domínio ele pode selecionar os instintos que serão satisfeitos, bem como as condições mais favoráveis para isso. Essa atividade do ego é governada tanto pelas tensões provocadas pelos impulsos do id como por aquelas que vão se formando no seu contato com o meio social. O aumento da tensão faz com que o indivíduo experiencie um estado de desprazer, e a diminuição da tensão, um estado de prazer. Esses estados não têm uma magnitude absoluta. Representam apenas graus diferentes no ritmo geral das modificações. Na busca do prazer o ego responde com ansiedade a toda situação esperada ou prevista de desprezar. A ansiedade, portanto, só aparece na medida em que o ego acumulou um conjunto de experiências. A criança pequena é praticamente dominada pelo princípio do prazer, buscando a satisfação imediata de suas tensões. Quando essa satisfação é cerceada, a criança reage Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 31 emocionalmente, chorando ou dirigindo sua cólera para o obstáculo que a impede de obter o que deseja. Às vezes ela utiliza processos primários para diminuir a tensão (imagens mentais, sonhos, devaneios etc). Paulatinamente, os processos primários vão sendo substituídos pela satisfação real da tensão. Essa satisfação é realizada pelo ego que vai substituindo o princípio do prazer pelo princípio da realidade e os processos primários pelos secundários. Os processos secundários envolvem uma análise da realidade e a escolha do objeto para a descarga da tensão. Nesses processos predominam a aprendizagem, a consciência, a memória e a lógica. Ocasionalmente, o ego abandona sua conexão com o mundo exterior. Nesses momentos há uma modificação na organização do aparato psíquico: os processos primários voltam a ter predomínio. Isso ocorre nos estados de sono, nos devaneios, nos atos falhos etc. As manifestações que ocorrem nesses estados são muito importantes para o conhecimento do aparato psíquico, porque nesses momentos vem à tona parte do que estava sendo reprimido pelo ego. A transformação da relação parental em superego se faz por um processo de identificação. A identificação é uma forma de vinculação com outra pessoa; é a equiparação do ego de uma com o ego da outra. Inicialmente, a criança começa a se comportar como os pais por um processo de imitação, depois acolhe os seus valores, incorporando-os à sua personalidade. A partir do momento em que o controle parental torna-se interno é que se pode falar em superego. O comportamento de um menino de 3 a 5 anos de idade é marcado pelo complexo de Édipo. Como o menino se identifica com o pai, ele não somente quer ser igual a ele mas também escolhe o mesmo objeto para as suas catexes libidinosas. A ligação amorosa da criança com a mãe foi denominada por Freud de complexo de Édipo. Embora essa ligação se modifique e sofra repressão após os 5 anos de idade, as catexes originárias do complexo de Édipo permanecem como uma força vital da personalidade durante toda a vida. As atitudes para com as pessoas do sexo oposto, bem como para com Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 32 aquelas que representam a autoridade, são, em grande parte, determinadas pela forma como a criança resolveu o complexo de Édipo. O superego emerge do ego como um herdeiro do complexo de Édipo. O menino se sente ameaçado por temer as conseqüências de seu apego amoroso à mãe. O medo da castração leva-o a reprimir o desejo sexual pela mãe, bem como a hostilidade pelo pai. Essa situação resulta numa identificação com o pai, denominada de identificação com o agressor. Esse processo envolve uma relação ambivalente da criança com o pai. Os sentimentos hostis que o menino experimenta na situação edipiana geram ansiedade. Para se defender dessa ansiedade, ele reprime seus desejos agressivos em relação ao pai e passa a admirá-lo, introjetando seus valores. Torna-se, portanto, o mais semelhante possível a ele. É como se a criança seguisse o seguinte raciocínio: Se sou igual a ele e me comporto como ele, não posso ser punido. O medo da castração não é único motivo da repressão no complexo de Édipo, pois o mesmo sentimento ocorre nas mulheres, que não poderiam ter medo da castração. Outro componente na formação do superego é, pois, o temor de perder o amor dos pais. Quando a mãe está ausente ou retira seu carinho, a criança fica exposta às mais penosas situações de tensão, que vão desde a não-satisfação de suas necessidades básicas até a sensação de estar sozinha num mundo perigoso. O perigo da perda do amor dos pais faz com que a criança interiorize todos os valores dos mesmos. Esse processo se faz pela identificação que Freud denominou de anaclítica. A menina desenvolve inicialmente uma relação de amor e dependência para com as pessoas que cuida dela, ou seja, a mãe. Essa relação leva-a a escolher o pai como objeto de seu amor, por ter sido o objeto escolhido pela mãe. Quando a menina faz essa escolha, a mãe torna-se sua rival, gerando hostilidade na criança. Essa hostilidade também é superada pela identificação com a mãe. O medo da perda do amor não desaparece totalmente com o desenvolvimento do superego. Esse componente aparece nas situações em que uma pessoa experiencia sentimentos de culpa, envolvendo a ansiedade pelo medo de perder o amor ou a aceitação dos outros. Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 33 Alguns adultos que não resolveram adequadamente a identificação anaclítica no momento da formação do superego se tornam extremamente dependentes dos outros, manifestando uma conduta infantil. No adulto, um superego sadio reflete-se em um conjunto integrado de valores, na capacidade de aceitar abalos à auto-estima e aceitar limitações sem recorrer à fantasia. As formas de controle disciplinar exercidas pela família são muito importantes na determinação de um superego sadio. Grande parte da teoria psicanalítica do desenvolvimento refere-se à forma de expressão da libido. Freud acreditava que durante a infância os impulsos originários da libido se concentram em determinadas regiões do corpo, denominadas zonas erógenas. O desenvolvimento é biologicamente determinado e tem como ponto de referência as zonas erógenas. Durante os cinco primeiros anos de vida, a criança passa por três fases de desenvolvimentoque Freud denominou de pré-genitais. Ele acreditava que as atividades características de cada fase são de natureza sexual e exercem uma influência marcante na personalidade do adulto. A primeira região que surge como erógena é a boca, a segunda é o ânus e a terceira, os órgãos genitais. O desenvolvimento emocional da criança depende das interações sociais, das ansiedades e das gratificações que ocorrem para as atividades ligadas a essas partes do corpo. Desde o nascimento, a maioria das atividades da criança está concentrada na boa. Essas atividades têm a função de proporcionar a satisfação das necessidades de autoconservação e dos impulsos libidinosos. Para Freud, a sucção do polegar, a tendência da criança de colocar tudo na boca e o sugar no vazio mostram que existe uma necessidade a ser satisfeita que não está ligada somente à autoconservação. Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 34 Durante essa fase, com o aparecimento dos dentes, começam a se manifestar também os impulsos sádicos (ligados ao instinto agressivo), embora sua expressão seja esporádica. A agressividade manifesta-se com maior extensão durante a segunda fase. Essa fase foi denominada por Freud de sádico-anal, porque a satisfação se realiza na agressão e na função excretora. Ele justifica a inclusão dos impulsos agressivos na libido argumentando que o sadismo é a fusão dos impulsos libidinosos com os destrutivos. Essa fusão, que se inicia nessa etapa, permanecerá durante toda a vida. A terceira fase, fase fálica é a predecessora da forma final da vida sexual. Desse momento em diante os sexos se diferenciam. Os meninos entram na fase edipiana e as meninas sofrem sua primeira desilusão quando tomam consciência das diferenças existentes entre o homem e a mulher. Como já dissemos, o complexo de Édipo termina, no menino, por causa da ansiedade de castração. Nas meninas, a problemática edipiana não é tão intensa quanto nos meninos, por isso as mulheres desenvolvem um superego mais fraco e menos severo. Isso explica o fato de elas serem mais bondosas e mais compreensivas do que os homens. Os componentes de uma fase não são substituídos com o advento de outra. Eles podem se sobrepor ou ocorrer simultaneamente. Nas duas primeiras fases, os diferentes componentes instintivos começam a buscar o prazer independentemente um do outro. Na fase fálica, inicia-se uma organização que subordina a satisfação dos outros impulsos aos genitais. Essa organização só se completará na puberdade, ou seja, na quinta fase, fase genital, na qual há a conservação de algumas catexes primitivas que se incorporam à função sexual como atividades preparatórias. Outros impulsos, no entanto, são excluídos da organização. A energia gerada por esses impulsos ou é totalmente suprimida por um processo de repressão ou é expressa de outras maneiras, constituindo-se em característica da personalidade, ou ainda é sublimada com o deslocamento de seus fins. O processo de organização da vida sexual não se realiza sem dificuldades. Podem ocorrer inibições no seu desenvolvimento. Quando isso acontece, encontramos nas fixações da manifestação da libido características de qualquer uma das três fases iniciais. Nesses casos, Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 35 os impulsos da libido tornam-se independentes de seus objetivos sexuais normais e se transformam em perversões. Freud deu extrema importância às catexes dos cinco primeiros anos de vida na determinação da personalidade. Segundo ele, a personalidade é resultante, em grande parte, dos impulsos fixados nesse período. A isso se acrescentam os impulsos adquiridos por meio da sublimação e os mecanismos de defesa do ego, destinados a substituir os impulsos libidinosos e agressivos por outros socialmente aceitos. Entre a terceira e a quinta fases do desenvolvimento, há um período em que os impulsos sexuais apresentam certa calmaria, não ocorrendo nenhum progresso. Essa fase foi denominada de latência e não mereceu nenhum interesse por parte de Freud. Nesse período há o desenvolvimento dos processos cognitivos e a maior parte da energia psíquica é gasta no conhecimento do mundo. As proposições freudianas exerceram profunda influência na maioria dos estudiosos da personalidade. Alguns deles seguiram a linha psicanalítica, embora tenham rejeitado alguns conceitos e ampliado outros. Outros teóricos, no entanto, se dedicaram à comprovação experimental dos conceitos essenciais da teoria psicanalítica. Depois de algum tempo de pesquisa, rejeitaram toda a proposta dessa teoria quanto ao desenvolvimento da personalidade. Os atos delituosos dos neuróticos consistem, de modo geral, em furtos, mentiras, calúnias, fraudes, denúncias falsas, cartas anônimas, emissão de cheques sem fundo. Raramente esses enfermos praticam ações criminais violentas. Portanto, com referência ao problema da responsabilidade penal dos neuróticos não há dificuldades periciais: fora das crises eventuais que possam apresentar, não se deve negar a esses enfermos a capacidade de imputação, pois agem como pessoas normais (Bleuler). Os atos delituosos desses enfermos são imputáveis e os mesmos estão sujeitos às sanções penais correspondentes. Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 36 Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 37 UNIDADE 4 Objetivo: Compreender os fundamentos da psicopatologia, conjunto de conhecimentos referentes ao adoecimento mental e seus limites e aportes ao entendimento do ser humano Psicopatologia e psicologia do normal Normal ou Patológico em Psicopatologia Clínica Adalberto Tripicchio4 Resumo Analisando os conceitos de normal e patológico segundo as principais correntes do pensamento psiquiátrico (a fenomenologia, a psicanálise e a anti-psiquiatria), o autor propõe repensá-los a partir do discurso próprio "louco" e da desidealização desses conceitos que enfatizam três dimensões: a real, a social e a humana. A colocação do problema Logo nas páginas iniciais de seu livro, Devereux (7) coloca em xeque a teoria psiquiátrica. Pois se esta se fundamenta sobre o conceito de normal e seu oposto, anormal (lido como patológico), a verdade é que o problema de conceituação desses termos não foi resolvido, nem ao menos ficou delineada a fronteira que os delimita e, por condição, define. A partir daí - isto é, de conceitos indefinidos - ergue-se uma semiologia bastante sofisticada que estabelece diagnósticos, que classifica, que coloca os indivíduos em locais precisos: os sãos e os loucos. E continua, numa subdivisão minuciosa, propondo-se a descrever a loucura de 4 PhD em Medicina pela University of London Institute Neurologista e Psiquiatra pela Univ. Paris VII - Dennis Diderot - Sorbonne Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 38 cada um, mas não a sanidade, vista como um todo unitário. Mesmo a "revolução psicanalítica" não trouxe mudanças substanciais à taxonomia psiquiátrica, porquanto as categorias ficaram (com maior ou menor sofisticação de detalhes). Foi preciso haver uma "invasão alienígena" para que a psiquiatria começasse a questionar esse arcabouço. Estudando grupos, e não indivíduos, sociólogos e antropólogos introduziram uma nova dimensão na análise da pessoa (dimensão que Freud apreendera, embora lendo do ângulo do indivíduo): a cultura. E perceberam também que esta apresentava tantas variáveis, de tal modo presentes na organização daquela pessoa, que Marx, anos antes, questionava o próprio conceito de "ser humano", enquanto um conceito abstrato. Assim, o problema conceitual torna-se mais complexo. Ao nível do orgânico, quando o que define é a possibilidade ou não de sobrevivência, ou a qualidade dessa sobrevivência, poderia sermais simples estabelecer a fronteira. Mas, ao lidarmos com comportamento, com sentimento, como definir? A partir de uma estreita correlação com a "vida dos órgãos" ou a partir de "uma análise filosófica da vida compreendida como atividade de oposição à inércia e à indiferença" (5)? De qualquer modo, lidamos com valores, posicionamo-nos ideologicamente frente ao problema (e haveria outra possibilidade?). A angústia do questionamento No entanto, não se trata aqui de uma elucubração a respeito de um tema filosófico: a oposição entre vida e morte, corpo e alma, saúde e doença, idealismo e materialismo ou alguns desses pares antitéticos que preenchem o corpo teórico da filosofia. Muito mais do que isso. É em cima de uma definição indefinida que calcamos a nossa prática médica. E esta é a angústia do questionamento. Porque frente aos nossos pacientes impõem-se dois níveis de compreensão: o social e o individual; o sociológico e o médico. Em outras palavras: o observar e analisar e o fazer (a partir de premissas teóricas que fundamentam e justificam essa prática, mas que não necessariamente são por ela determinadas). Pois que aquelas pessoas "doentes", "alteradas", de comportamento "anormal", algumas até necessitando de exclusão, mesmo que temporária, do mundo dos normais, estão ali à nossa frente agindo, falando, e seu discurso é essencial para a nossa ação, embora o invalidemos com um diagnóstico. Mas mesmo assim lá estão elas, agindo e interagindo, como fazem quaisquer Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 39 pessoas em outras situações. São algumas das entrevistas colhidas junto a tais pacientes de que me utilizo aqui para colocar o problema (2). E se Marx diz que "suscitar uma questão é resolvê-Ia", parece-me que não consegui suscitá-Ia adequadamente. Em busca de clareza, tento organizar algumas idéias, como numa primeira abordagem. Normal e Patológico: Uma questão de leitura? I. A busca de parâmetros - Que parâmetros são usados para definir, na prática psicoclínica, normal e patológico? - "Não estou doente não" - diz L. - "estou é com raiva daquela mulher" (da mãe-de-santo que lhe prometera um favor e não cumprira). -"Não é doença não, doutora, é esquecimento" - diz H., não se recordando do nome de uma antiga paciente. Que parâmetros estão usando esses pacientes para distinguir doença de não-doença? A corrente fenomenológica lança os parâmetros na Psicopatologia. E o que nos diz ela a esse respeito? De início, define Jaspers o objeto da psicopatologia como "a atividade psíquica real e consciente [...]. Mas não se trata aqui de toda a atividade psíquica: apenas da patológica [...] (a não delimitação clara entre a psicologia e a psicopatologia) resulta do fato do conceito de doença não ser uma entidade [...] não atribuímos qualquer valor ao conceito preciso de doença física; nós nos baseamos em nossa intuição pessoal e, sobretudo no uso tradicional da divisão do trabalho quanto à delimitação de nosso tema de estudo". (11) Numa edição posterior consideraria fenômenos anormais como aqueles que "excedem o habitual em medida, grau e duração [...] as associações que se tornam hábitos mecânicos [...] A cisão ou dissociação (da vida psíquica) que acabe sendo definitiva e insuperável [...] o mecanismo de comutação do estado de consciência [...]"(12) Devemos lembrar que o primeiro parâme- tro aproxima-se da colocação de K. Schneider, um dos principais teóricos da prática clínica Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 40 psicopatológica. Distingue ele enfermidade, que "existe apenas na esfera somática" e anormalidade, entendida como "apenas uma variedade do normal" (15). A corrente psicanalítica não busca tanto descrever os processos quanto entendê-los. "A resposta da psicologia freudiana a esta dicotomia é que tanto os processos mentais normais quanto os patológicos têm seu lado fisiológico e são ainda funções cerebrais amplamente desconhecidas [...] Não há diferenças fundamentais entre psicologia e psicopatologia: ambas seguem os mesmos princípios básicos" (1). Princípios esses que serão buscados no conflito intra-individual entre as "pulsões instintivas e as demandas ambientais, entre as pulsões instintivas e os padrões superegóicos e entre instintos opostos [...]"; o distúrbio decorre assim, de uma estruturação desviada da norma ou da expectativa para uma determinada idade, de tal monta que o propósito de adaptação fica apenas parcialmente realizado e assim o funcionamento do indivíduo é prejudicado" (10). Até aí estamos frente ao Homem - entidade abstrata, fora de qualquer contexto. Uma terceira corrente - a da antipsiquiatria - procuraria superar esta abstração. Diz Cooper (6): "Esquizofrenia é uma situação crítica microssocial, onde os atos e experiências de uma certa pessoa são invalidados por outros a partir de certas razões inteligíveis culturais e microculturais (usualmente familiais), ao ponto em que esta é eleita e identificada como sendo mentalmente enferma de certo modo, e então confirmada (por um processo de rotulação específico, embora altamente arbitrário) na identidade de paciente esquizofrênico por agentes médicos ou quase-médicos". A pessoa eleita teria sofrido um processo de socialização que lhe condicionaria uma "perda global ou parcial de validação consensual de sua auto-percepção e de sua hétero-per- cepção". Negando a doença como processo intra-individual exclusivo e estendendo-a ao grupo, a antipsiquiatria ampliaria o conceito de normal e patológico, mas, reproduzindo-o, não o questionaria. II. Os auto-retratos - E O que dizem os interessados? Isto é, as pessoas rotuladas como "doentes mentais"? Aquelas pessoas cujas biografias passam a ser marcadas por um rótulo Copyright © 2009, ESAB – Escola Superior Aberta do Brasil 41 de origem polêmica (interno/externo; adquirido/inerente à sua constituição; aceito/imposto etc.)? Formariam elas uma "quarta corrente"? - "Maluco é quem agride, mas eu estou quase doida, pois me irrito à toa. Sou até capaz de bater quando irritada." (Z). - "Doida é a que quer pegar, quer avançar no homem [...] mulher-homem, isso é doido [...] café demais dá loucura, café com leite dá nervoso [...] (louco) é ficar bom com choque [...] quem bate na mãe é maluco [...] (sobre a paciente que saía de alta) esta é assim [...], assim [...], não faz nada, nem a cama fazia." (N). - "O que tenho é problema de nervos. Tomo remédio já estou boa." (M.) "Não gosto de estar em casa. Meu pai me chama de doido, eu não gosto." (Ne.). - "Eu só estava querendo acender velas p'ros mortos, mas N. e M. estão aqui e se me virem vão falar com o diretor; vão dizer a ele que estou maluca, que estou querendo botar fogo no hospital [...]. (Aquele hospital) é uma carnificina: se o sujeito ri vai para a triagem, se chora vai também, não é todo mundo que agüenta ver essas coisas." (L.). - "Qual é o caso de seus pacientes que a senhora não deixa trabalhar? Os que são agressores?" (In.). - "Estou tomando remédios e fiquei assim, sem vontade de trabalhar, sem vontade de conversar, com as idéias atrapalhadas. Isto foi do tombo que levei, não foi?" (E.) - "Ela não é doente não, é cachaça mesmo [...] aquela lá é que não quer comer; há dois dias não come p'ra fazer charme p'ro marido. (Vovó Marina) não comia de desgosto porque a família tirou o IPASE dela e a internou como indigente; quando ela veio para cá já era tarde, estava toda queimada por dentro; desgosto; ainda bem que eu estava de alta; se eu estivesse aqui teria ficado maluca." Sobre outra paciente, pergunto se está "fazendo charme": "não, esta é louca mesmo." (X.) "era uma doçura, muito boa. Um dia ela disse que viu o disco-voador e o marido a internou; quem sabe ela viu mesmo?" (o marido) fazia ela descer dez andares de barriga (grávida) para buscar Coca-Cola
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