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IMUNOLOGIA VÍRUS DA IMUNODEFICIÊNCIA HUMANA E SUAS COMPLICAÇÕES IMUNOLÓGICAS Objetivos Caracterizar o HIV, compreender o ciclo do vírus e as fases da infecção pelo HIV, relacionadas com o sistema imune e sua falência. Segundo a UNAIS, a América Latina apresenta cerca de 1,8 milhão de pessoas contaminadas com HIV. Paul Sharp (2002) identificou que o vírus HIV possui características muito semelhantes ao vírus da SIV (vírus da imunodeficiência em símios – macacos, chimpanzés, gorilas), tendo ambas um precursor inicial único. Isso foi determinado pela identificação de genes que são muito similares aos observados nos SIV. Uma das observações que Paul traz no artigo é que populações africanas muitas vezes se alimentam de primatas não humanos e, muitas vezes, o contato com essas carnes mal preparadas – com relação ao cozimento – e sendo consumidas na forma crua, pode ter feito com que os vírus presentes nesses animais silvestres entrassem em contato com o organismo humano e, a partir daí, eles se adaptaram ao organismo e aos seus receptores, causando, assim, infecção em humanos. Essa hipótese é fundamentada na observação de diversos vírus, como o coronavírus, que sofreram adaptações naturais. Dessa forma, esses vírus deixam de habitar somente organismos de animais silvestres e passe a causar infecção em humanos. Classificação do HIV Basicamente, pode ser classificado de duas maneiras: HIV-1 – possui quatro grupos. Esse tipo está presente nas Américas e na Europa Central, possui maior grau de virulência e, consequentemente, consegue realizar a infecção de forma mais fácil e levar a doença (síndrome da imunodeficiência adquirida) de forma mais rápida. Portanto, em comparação com o HIV-2, o HIV-1 possui um comportamento biológico mais agressivo. Os grupos são: M (main) – grupo principal ou maior. Dentro desse grupo, observa-se clados que vai de A a K. Grupo mais prevalente no Brasil e também o mais agressivo (virulento) dentro do HIV-1. Evolui mais rapidamente para a SIDA – Síndrome da Imunodeficiência Adquirida. O (outlier). N (não M e não O, mas sim uma variância entre os dois). P (variante recentemente descoberta; está relacionada com o gorila e tem a capacidade de infectar humanos). HIV-2 – possui 8 grupos. Existe nas Américas em uma proporção muito inferior a do HIV-1, mas é principalmente encontrado na África e no Oriente. Esse HIV apresenta uma menor virulência e, consequentemente, uma menor patogenicidade, ou seja, possui uma menor capacidade de provocar infecção e menor capacidade de evoluir para SIDA, demorando mais tempo para atingir essa etapa, levando anos/décadas. Obs: o HIV-1 tem de no 2 a 3 anos de evolução para atingir a SIDA, sendo a média 2 anos. Já o tempo para isso acontecer com o vírus HIV-2 pode ser muito superior, levando de 4 a 8 anos para evoluir para SIDA. O HIV-2 possui 8 grupos, de A a H. Tanto HIV-1 quanto HIV-2, se não tratados, em 100% dos casos, evoluem para a SIDA (AIDS). Estrutura do HIV Esse vírus apresenta três regiões: gag, env e pol. A região env é de envelope. O HIV é um retrovírus de RNA de fita simples e de fita dupla (outro), que apresenta a enzima transcriptase reversa (por isso retrovírus), a qual é capaz de integrar ao DNA da célula infectada. O envelope é composto de proteínas estruturais (espículas – proteínas virais mais externas, geralmente ancoradas em estrutura proteica ou fosfolipídica, sendo essa última no caso do HIV). As proteínas ancoradas no envelope são: glicoproteína 120 (presente nos dois tipos de HIV) e glicoproteína 41 (no caso da HIV-1, no HIV-2 é a glicoproteína 36). No caso da gp41, ela está aconrada na membrana fosfolipídica e ela dá suporte à gp120. Após a região env, está a região gag (logo a baixo da região env). Toda a estrutura subsequente é de proteção ao core do vírus (região mais central, onde está contido o material genético do vírus). Com isso, a região gag garante a forma do vírus e a proteção de seu material genético contra fatores externos. A região pol (ou core) é onde se encontra o material genético e as transcriptases reversas, além das proteases, integrases e outras proteínas virais. Obs: nem todo vírus que tem RNA é um retrovírus. Assim, a região pol é a região central do vírus, protegida pela região gag, que está envolta por um envolucro de bicamada fosfolipidica e espículas (proteínas virais), também denominada de env. Genoma do HIV Seu genoma é simples. Na porção 5’ 3’ a presença de vários componentes, dentre os quais, alguns são de fase inicial e outros são de fase final. O gene nef codifica a proteína nef, a qual acarreta em várias implicâncias imunológicas. A mais importante delas é a capacidade de promover a diminuição da expressão de CD4 e, principalmente, de MHC de classe I na superfície. Além disso, possui várias outras ações como: Bloqueia a apoptose. Estimula a infectividade do vírion. Altera o estado de ativação celular, podendo deixar a célula ativa. O avanço para a doença tornou-se muito mais lento na ausência do nef. Com a diminuição da expressão de MHC de classe I, a célula está infectada por vírus se torna invisível a ação dos linfócitos T CD8+, os quais realizam a imunovigilância e citoxicidade – o linfócito T CD8+ A imunovigilância é a pesquisa o MHC I de todas as células nucleadas, mas se não há a expressão de MHC I a célula se torna invisível ao linfócito T CD8+, mas não se tornam invisíveis para as células NK, que podem, por sua vez, gerar imunidade e citoxicidade. Mesmo com a ação das NK, por ser um vírus de RNA, uma célula viral pode produzir milhões de novas cópias virais (vírions). Dessa forma, enquanto a NK consegue destruir algumas células infectadas, há inúmeros vírus no hospedeiro causando infecção, assim, o sistema imune, com o uso somente da NK, não é capaz de eliminar a virulência/infecção/viremia (partículas virais presentes no sangue). Tropismo celular do HIV Para que ocorra a infecção por HIV, há a necessidade de o vírus atingir células específicas, as quais não estão no epitélio de forma aparente, mas sim estão protegidas pela queratina. Portanto, as células permissivas à infecção pelo HIV são as células que expressão CD4+, ou seja, o linfócito T CD4+ (linfócito que reconhece o MHC II). Além do linfócito, o CD4+ também pode ser expresso pelas seguintes células e, portanto, essas também podem ser colonizadas pelo vírus, são elas: macrófagos e células dendríticas. Sendo assim, as células permissivas para a infecção pelo HIV são os linfócitos T CD4+, os macrófagos e as células dendríticas. Todas as outras células do nosso organismo não são permissivas a infecção pelo HIV, pois não possuem o respetor CD4+. A função do CD4+ é criar a afinidade entre o TCR e o MHC II. Diante disso, podemos classificar o HIV de acordo com os seus receptores, sendo que o principal sempre será o CD4+ e o correptor. Esses correceptores são receptores de quimiocina, que estão presentes em todas as células do sistema imune e em algumas células que não pertencem a esse sistema. Esses receptores de quimiocina são importantes para permitir a comunicação, por interleucinas, citocinas e quimiocinas, entre as células, através de sinalização autócrina, parácrina ou endócrina. Isso significa que, além do sistema chave-fechadura (proteínas CD4+), ele precisa de mais um auxílio para infectar a célula hospedeira (“maçaneta que ajuda adentrar na célula e causar a infecção = correceptor”). Com isso, o HIV pode ser dividido de acordo com os receptores utilizados: HIV-1 R5: utiliza o receptor CD4+ e o correptor CCR5. Sendo as células permissivas à infecção: macrófagos, células dendríticas e linfócitos T ativado. HIV-1 X4: utiliza o receptor CD4+ e oscorreptores CCR5 e CXCR4. Por apresentar dois correptores, esse vírus apresenta maior virulência em relação ao HIV-1 R5. Infecta os linfócitos T naïve e células dendríticas. Mesmo o HIV-1 R5 apresentando menor virulência, não se pode pensar que o seu prognóstico é melhor, pois um paciente pode ter mais de mil mutações virais por dia, podendo ocorrer a translocação de um R5 para um X4, passando a infecção a ter um grau de virulência e patogenicidade maior. Entrada viral O HIV 1 possui aderida a sua glicoproteína 41 (gp41) a gp120 (enovelada). Ao se aproximar das células, a espicula viral gp120 se encaixa na proteína CD4. Dois outros braços de gp120 se abrem para se encaixarem nos correptores CCR5 (braço proximal) e CXR4 (braço distal). O uso do receptor CXR4 é “facultativo”, não necessariamente irá utilizar os dos correceptores. Com a ligação da gp120, a gp41 se volta para a célula hospedeira e se liga a proteína de fusão, que pode ser o glicocálice ou qualquer outra proteína de domínio de fusão. Quando isso acontece, ocorre abertura da membrana fosfolipídica, tanto da célula, quanto do vírus, resultando em um encaixe de ambas na forma de zíper. Sendo assim, o que adentra na célula efetivamente não é o vírus como um todo, mas sim a região GAG e POL (?). A região ENV com as suas espículas/proteínas virais fica externamente na membrana fosfolipídica da célula que está sendo infectada, com isso, pode ocorrer uma resposta imune humoral ou uma resposta imune celular (nas primeiras horas ou nos primeiros dias de infecção). O RNA do HIV adentra a célula, junto com todas as proteínas virais, como a transcriptase e a integrase. Quando isso acontece, ocorre imediatamente a ativação da transcriptase reversa, que forma um transcriptoma, ou seja, a partir do RNA haverá a formação do DNA viral. Esse DNA, acompanhado de integrase e de outras proteínas virais, se aproxima do DNA celular. As integrases agem cortando o DNA celular e permitindo a interação do DNA viral ao DNA da célula hospedeira. Com isso estabelecido, podemos afirmar que a infecção foi concluída com êxito. A partir daí, o HIV estimula fatores promotores que começam a codificar o gene 5’-3’, tendo, por fim , todas as proteínas virais codificadas por meio da transcrição. Além disso, haverá a formação do RNAm antes de se transformar em proteína. O RNAm viral e as proteínas virais importantes para infecção são as duas partes necessárias para a formação de novos vírus. Assim, para a formação de novos vírus, ocorre a junção dessas duas partes/junção de todas as proteínas, que segue contra a membrana fosfolipídica, forçando-a e realizando o brotamento – nova partícula viral, denominada vírion. A célula hospedeira deixa de exercer as suas funções para realizar somente a replicação do vírus. Principais eventos na transmissão do HIV A história natural da infecção ocorre da seguinte forma: As partículas virais, adquiridas durante o sexo desprotegido, entram em contato com o epitélio, penetrando-o caso haja uma lesão – no entanto, se não houver uma lesão, ele não conseguirá adentrar. Entretanto, sabemos que, durante o ato sexual, microlesões ocorrem no epitélio devido ao movimento de tração. Com isso, as partículas virais adentram por essa solução de continuidade (microlesões) e alcançam macrófagos e células dendríticas. O objetivo dos macrófagos e das células dendríticas é fagocitar o antígeno. Entretanto, nesse caso, essas células podem (1) realizar a fagocitose ou (2) carrear o vírus em direção ao linfonodo, sendo que o objetivo é estimular uma resposta imune adaptativa por meio dos linfócitos T, mas ao contrário disso, leva o HIV exatamente ao local onde ele conseguirá perpetuar a infecção no hospedeiro. Resumindo: as células dendríticas e os macrófagos tentam desempenhar a sua função, mas, por fim, favorecem ainda mais a infecção. Em torno de uma semana após o contato, já haverá vírus o suficiente para circular por todo o paciente, tendo, portanto, o vírus em todo o organismo em torno de duas/três semanas. O problema disso, é que o vírus HIV consegue penetrar em várias regiões, como a hematoencefálica, e muitas terapias antirretrovirais não conseguem as alcançar de forma efetiva. Dessa forma, o sistema nervoso central funciona como uma espécie de reduto para o HIV, fazendo com que o vírus não seja destruído de forma efetiva por ação dos antirretrovirais. Fases de infecção do HIV São três fases: Aguda. Crônica. Sintomática (imunodeficiência - AIDS). Fase aguda Ocorre infecção do linfócito T CD4+, principalmente os de memória, que estão majoritariamente presentes no linfonodo e órgãos linfoides. Em torno de duas semanas, já ocorreu a destruição da maioria dos linfócitos T de memória, deixando a imunidade do paciente comprometida devido a redução na quantidade de linfócitos T. Com isso, a viremia está estabelecida, o que estimula a resposta imune, tanto a inata quanto a adaptativa. As células dendríticas podem realizar a fagocitose ou podem capturar o HIV, por meio de estruturas presentes na membrana fosfolipídica externa, como o DC-SIGN (estrutura lipoproteica) + ENV que captura o HIV e o leva para o linfonodo, com a pretensão de que ele seja destruído, o que não ocorre. Há uma resposta imune celular mediada por linfócitos T CD4+ (alvo da infecção) e uma resposta imune humoral, com a produção de IgM e IgG. Essas duas respostas tem a capacidade de debelar/limpar a viremia em até 12 semanas. Nesse caso, o paciente quase não terá partículas virais no sangue, ou seja, será próximo de zero. No entanto, esse paciente não estará curado, mas sim passando pelo estágio de viremia limpa. Assim, mesmo que não haja a viremia, haverá células remanescentes infectadas, as quais, muitas vezes, os fármacos antirretrovirais não conseguem eliminar. Nesse caso, o paciente não apresentará sintomatologia patognomônica, sendo assim, apresentará cefaleia, dor muscular, sudorese noturna, diarreia, mal estar geral, febre e linfonodomegalia. Ou seja, o paciente terá achados clínicos com característica de virose. Fase crônica Essa fase depende do Turn over, que é uma “balança” entre a produção de novas partículas virais (vírions) e a resposta imune capaz de destruir essas novas partículas, ou seja, é o equilíbrio entre a replicação e a morte dos vírions. Quando o Turn over estiver equilibrado, o paciente se encontrará na fase crônica. Os fatores determinantes em relação ao Turn over são as características idiossincráticas do paciente, como: idade, comorbidades, fatores genéticos, fatores relacionados a imunidade (como os antígenos leucocitários humanos – HLA). De acordo com o Turn over, o equilíbrio será mantido. No entanto, quando houver o seu desequilíbrio, o paciente irá evoluir para a fase aguda sintomática. Se durante o Turn over houver a produção de 1 bilhão de vírions, significa que o sistema imunológico do hospedeiro consegue combater 1 bilhão de novos vírions, mantendo o equilíbrio e o controle da doença. Nesse caso, 10% dos linfócitos T CD4+ dos linfonodos e do baço já estão infectados; há uma quantidade muito pequena de linfócitos T CD4+ circulante (0,1%); e, por muitas vezes, o paciente permanece assintomático (depende do paciente). Fase sintomática (imunodeficiência) Nela, se é observado uma deficiência na resposta imune celular, ou seja, ocorre uma baixa significativa de linfócitos T CD4+. Então, ocorre tanto uma deficiência na resposta imune adaptativa quanto na inata, pois ocorre uma anergia nas respostas mediadas pelas NK (a célula deixa de funcionar, geralmente, pela ação de citocinas imunossupressoras). Os linfócitos T infectados se fundem e geram o sincício – células gigante multinucleadas –, que ocorre devido a perda da membranafosfolipídica decorrente do brotamento. Com isso, conforme os vírions brotam, ocorre a perda da membrana fosfolipídica e a fusão entre uma célula e outra, gerando as células multinucleadas – sincício, característico de HIV. A citotoxicidade provocada pelas células T CD8+ destroem linfócitos T CD4+ infectados que continuam a produzir o MHC I. Com isso, há o reconhecimento de epítopos virais dentro da fenda de MHC I pelos linfócitos T CD8+ que agem destruindo a célula. Além disso, os anticorpos agem opsonizando as células infectadas e, consequentemente, ocorre a neutralização do vírus. Há um momento em que o sistema imune decide a não mais responder ao vírus HIV. Isso ocorre por vários estímulos proteicos produzidos pelo HIV. Dessa forma, o sistema imunológico deixa de gerar uma imunidade e passa a exercer a imunidade Treg. O linfócito Treg produz a IL-10, que bloqueia a resposta imune celular, causa anergia dos linfócitos T CD4+ e inibem os plasmócitos a produzirem anticorpos. Assim, de forma abrupta, rápida e repentina, há uma queda importante da resposta imune ao HIV – seja essa resposta a celular ou a humoral. Por fim, os linfócitos T CD4+ que não foram infectados, devido a ação de Treg (grande produção de IL- 10), entram em apoptose. AIDS Diagnóstico laboratorial: Linfócitos T CD4+ inferior a 200 células/mm3 de sague e altos nível de carga viral – HIV-1 ou HIV-2. Manifestações clínicas: As manifestações clinicas são: Moníliase oral (candidíase oral). Aftas ou afecções na boca – sendo elas extensas e duradouras, geralmente não são tratáveis e nem autolimitadas, como é observado frequentemente. Expressão por infecção de Herpes Zoster (se ocorrer em nervos cranianos, o paciente pode perder a visão, a audição, entre outros). Sarcoma de Kaposi – neoplasia maligna de vasos sanguíneos, ocasionada pela infecção pelo HHV8, que é frequente coinfecção com o HIV. Erupção papulopruriginosa – provocada pelas citocinas inflamatórias. As manifestações clínicas mais recorrentes/frequentes no HIV, que podem resultar em sua morte, são: Pneumonias bacterianas. Neurotoxoplasmose. Pneumonia fúngica - Pneumocytis carinii. Sinusite. Diarreia. Neurocriptococose – fungo Cryptococcus neoformans. Ou seja, doenças que, geralmente, não acometem pacientes imunocompetente.