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Xilo – 2018 - LVII 5 Cariologia – Aula I Considerações histopatológicas A cárie dentaria ainda é uma das principais patologias da boca para a maioria das populações pouco civilizadas. Em certas civilizações mais desenvolvidas a cárie foi praticamente erradicada há alguns anos. O esmalte, apesar de acelular, possui um metabolismo próprio em razão de sua camada de hidratação que envolve os cristais, o liquido adamantino. Cárie vem do latim ‘Careo’= para ser eliminado e do grego Carah, que significa podridão. A cárie é uma causa de perda dentaria, muitas vezes relacionadas ao desgaste e doenças periodontais. É indicadora de falta de cultura. Para o estudo do esmalte e das caries nele, é necessário prepara-lo adequadamente para seu estudo histológico. Geralmente é realizado desgaste até que adquira espessura de uma folha de papel, uma vez que para cortes histológicos padrão o dente deveria ser desmineralizado. O preparo por desmineralização é feito pela deposição da estrutura em ácido para remover o esmalte. Esse método pode ser corado por colorações especiais que permitem a análise dos tecidos e avanço das bactérias no progresso da carie. O dente também pode ser examinado pela vista macroscópica, ou microscópica por uso do microscópio eletrônico de varredura, sem a necessidade de desgaste. A análise pode ser feita por microrradiografia, onde faz se uma tomada radiográfica do corte. -O avanço da cárie em esmalte- O esmalte não é transparente: é transluzente, tendo a cor natural do esmalte dependendo da dentina. A superfície do esmalte em microscopia eletrônica apresenta ondulações nomeadas de Periquimacias, que facilitam a aderência de bactérias, formadas pelas linhas incrementais de Retzius. A superfície do esmalte é dada como aprismatica, nomeada de camada de Darling que é mais resistente à desmineralização por ser composta de flúorapatita. O esmalte possui poros, resquícios da ponta dos ameloblastos na formação do esmalte. Portanto, o esmalte é poroso, sendo necessário entender sua presença na aplicação tópica de certos materiais sobre o dente. Dessa forma, os ácidos bacterianos entram por esses poros e atingem a porção abaixo da camada de Darling (subsuperficie), onde se inicia a lesão cariosa. A região entre a placa bacteriana e o esmalte é vista como a interface entre essas duas porções, caracterizadas pela presença de ácidos. O primeiro sinal clinico de uma cárie é a mancha branca, mesmo que sendo um estado mais avançado, Histologicamente. Essa mancha branca, quando não tratada, pode formar cavidades e lesões profundas. O liquido adamantino que flui entre os prismas de esmalte e promove o metabolismo do tecido. É uma região de constante troca iônica, que traz a possibilidade de remineralizar os prismas. Os prismas se desmineralizam em ácido assim como gelo em copo de whisky, com a formação de um túnel em seu longo eixo, desmineralizando de dentro para fora, pelo aumento em diâmetro desse túnel. As alterações mais precoces da carie no esmalte na microscopia óptica mostram-se como acentuação das estrias transversais dos prismas, como linhas mais escuras nos cortes histológicos. Esse evento ocorre bem antes das manchas brancas. Fluorose e lesões iniciais de carie são clinicamente semelhantes, quase idênticas, podendo determinar a patologia pelo histórico do paciente, analisando vários aspectos de sua saúde. O primeiro sinal é a linha clara, a lesão branca do esmalte (1- zona translucida – mais interna), uma lesão mais escura (2- zona escura – mais externa à 1), um corpo da lesão (3 – abaixo da zona não lesionada) e a camada superficial (4 – inicialmente não lesionada). A ordem de lesão vai de 4 a 1, tendo menos minerais em corpo da lesão por ter desorganizado mais o tecido antes de atingir a zona branca. O aumento da porosidade da lesão alcança a camada de Darling até então intacta, perfurando-a. Em rádio micrografia pode-se identificar o corpo da lesão como a única porção mais radiolúcida. A camada superficial tem cristais maiores, mais flúorapatita, tem mais proteínas insolúveis e possui remineralizaçao constante de interface. A desmineralização ocorre na subsuperficie primeiramente em razão das porosidades da superfície, além da constituição aprismatica desta, que a protege dos ácidos. A manutenção da camada superficial mais intacta é necessária para garantir a remineralizaçao da lesão, impedindo a abertura de uma cavidade. A progressão da carie pode ser observada como uma pirâmide invertida de base para a superfície. Nas camadas brancas (1) e camada escura (2) há ainda liquido adamantino aquoso, apesar de ser mais poroso. Nas camadas mais superficiais, como no corpo da lesão, os poros são preenchidos com mais ar. O índice de refração da agua é maior que o do ar e menor que o do esmalte. A presença de ar entre os cristais muda o índice de refração do esmalte, apresentando a coloração esbranquiçada. Portanto, enquanto a lesão apenas se iniciou, sem desorganizar o tecido o suficiente para ter o corpo da lesão, a mancha ainda não se vê. A secagem do dente pode expandir manchas brancas, portanto. O volume dos poros no corpo da lesão chega até 10 a 25% em relação aos 0,1% dos poros do esmalte saudável. A zona translucida tem 1% e a zona escura tem de 2 a 4%. O ar dentro dos poros do corpo do esmalte torna o tecido mais opaco/branco. Se há agua, o esmalte é transluzente. A manobra de secagem retira o liquido adamantino de alguns poros, que permite o aumento e avanço de manchas brancas menores. No curso evolutivo da doença, acima do corpo da lesão forma-se a mancha branca (4), com a formação da superfície gredosa (5 – irregular) e cavitação (6). *No caso da fluorose, a secagem não aumenta a mancha. Mesmo que alargados, as bactérias não adentram os poros da superfície aprismatica. Portanto, não há bactérias em mancha branca. Nos poros, apenas entram produtos do metabolismo bacteriano. As bactérias só conseguem adentrar quando o esmalte é eliminado e a dentina é exposta, exibindo seus túbulos para entrada de bactérias. Se a carie está gredosa/cavitada, a lesão já alcançou a junção amelo-dentinaria. Uma carie pode avançar mais rapidamente por lamelas de esmalte, alcançando a dentina sem mesmo apresentar lesão de esmalte. Quando alcança a dentina e começa a se espalhar, a lesão cariosa toma uma conformação piramidal de ápice direcionado à polpa. Na dentina, a lesão será menor por causa do maior conteúdo orgânico a ser degradado mais facilmente. As evidencias de lesão é feita inicialmente em microscopia, avançando para radiografias e finalmente exames clínicos quando há sinais visíveis. Ou seja, o mínimo sinal clinico visível significa um grande avanço histológico e radiográfico. Não se deve investigar manchas brancas com instrumentais porque pode lesionar a camada superficial intacta que representa a esperança de remineralizar a lesão e evitar a necessidade de abrir uma cavidade. As lesões cariosas em áreas de cicatrículas e fissuras ocorrem em mais de uma parede desse sulco que se confluem e formam um triangulo/pirâmide só, de ápice para a superfície. Essa área de fissuras, na maioria das vezes, não possui esmalte ou estrutura mineralizada o suficiente, o que facilita a corrosão pela dificuldade no controle na formação de placa. É a maneira mais fácil da lesão chegar a dentina pela junção amelo-dentinaria, que está mais próxima do fundo dessa fissura. Nesse caso, recomenda-se a aplicação de selamento para cobrir a abertura desses sulcos, vedando o acumulo de placa nessas regiões. Normalmente utilizada em dentes recém irrompidos, também servido como método na odontologia social e odontopediatria. - Avanço de carie em dentina – Quando os ácidos e a lesão rompem toda a extensão de esmalte e atingem a dentina, alguns prolongamentos odontoblasticos se retraem ou são destruídos, o que esvazia os túbulos (tratos mortos). Alguns prolongamentos odontoblasticos aceleram a deposição de dentina peritubular, obliterando os túbulos. Alguns odontoblastos aceleram a deposição local de dentina secundaria (secundariapatológica ou reacional) em reação à agressão, aumentando a espessura de dentina. De certa forma, a dentina tenta se proteger do avanço ácido e lesivo, tendo os tratos mortos, esclerose dentinária e dentina reacional como primeiros sinais do avanço da carie na dentina. A esclerose impede o avanço rápido da cárie, enquanto o trato morto tem função discutível em relação às caries. A dentina esclerosada é mais escurecida. Apesar disso, possui o mesmo grau de dureza e de menor permeabilidade. A dentina secundaria fisiológica não é a mesma da secundaria patológica que é formada em resposta a uma agressão. As bactérias pioneiras são as que se aproximam primeiro da polpa pelos túbulos dentinários. Na dentina reacional, os túbulos não acompanham os túbulos da dentina original, o que impede mais ainda o avanço de ácidos pelos túbulos. A dentina terciaria/reparatória ocorre quando os odontoblastos da polpa são destruídos, assim formando uma nova geração de odontoblastos a partir das células da polpa (terceira geração). A linha de interface entre a dentina reacional e a original atrasam a chegada das bactérias à polpa. A dentina reacional pode atrasar as bactérias, mas não impede sua chegada à polpa. Quando a bactéria chega à polpa, a inflamação é ativada e leva à necrose do tecido. A formação de uma dentina reacional muda a conformação dos canais e câmara pulpar, sendo interessante para estudo em endodontia. A dentina terciaria reparadora tem menos túbulos e mais conteúdo orgânico. O fluido dentinário é um importante mecanismo de defesa contra MO por tender a sair da polpa para fora, empurrando os elementos estranhos para fora. O fluido dentinária é originado em proteínas plasmáticas advindas da irrigação pulpar. Os túbulos representam 20 a 29% da dentina, enquanto o fluido representa 22 a 25%. 1mm a mais de dentina reduz 90% da toxicidade e 0,5 mm reduz 75%. A permeabilidade dentinária tem certos fatores determinantes como o fluido dentinário, diâmetro de túbulos, espessura de dentina, situação de dentina ... e mais No complexo dentinopulpar, tem mais túbulos mais espessos quanto mais próximo da polpa, observando-se maior permeabilidade e toxicidade de qualquer material ou lesão cariosa. Situações de deformação, hipóxia e hiperfunção geram estresse celular. Esse estresse produz mais mediadores para comunicação celular. Na esclerose dentaria, os odontoblastos sofrem estresse, fazendo-os produzir mediadores que estimulam a produção da dentina – proteínas e peptídeos de matriz + fatores de crescimento. O uso de mediadores acelera a produção de dentina peritubular e dentina reacional. Isso funciona como mecanismo de defesa na carie. Esses mediadores são BMP 2 e 4 e TGFbeta-1. No preparo cavitário, o fundo das cavidades é coberto por um smear layer, cheio de mediadores odontoblasticos que formam dentina reacional embaixo de restaurações. A lesão avança com invasão de bactérias em dentina – bactérias pioneiras. Depois da invasão, ocorre a desmineralização inicial da dentina, ocorrendo ampliação de túbulos, focos de liquefação de túbulos (longitudinal e transversal) e formação de formas em rosário (como varizes, uniões dos focos de liquefação). A desmineralização avançada é a soma de processos de desmineralização, hidrolise e ação enzimática sobre proteínas. Em ordem cronológica, tem-se esclerose, desmineralização inicial, invasão bacteriana Inicial, formação do rosário, foco de liquefação longitudinal e foco de liquefação transversal. Esses focos de liquefação são usados para curetagem – em clínica, as bactérias desses buracos podem infectar o dentista com a instrumentação incorreta e sem proteção, uma vez que a dentina será retirada em lascas que podem atingir os olhos do dentista. A dentina cariada é dividida entre infectada (1- desorganizada e 2 – desmineralização avançada) e dentina contaminada (3- desmineralização inicial, 4-dentina esclerosada e 5 – dentina reacional). A infectada está mais amolecida. Retirar a infectada dá mais tempo para a polpa formar mais dentina (tratamento expectante) – se feito com critério, não será necessário fazer canal (assunto ainda a ser discutido). Na infectada existem mais bactérias proteolíticas, com 108 bactérias por grama. Na contaminada existem apenas 105 bactérias por grama. 1- Esclerose 2- Desmineralização Inicial 3- Invasão bacteriana 4- Desmineralização avançada 5- Destruição e desorganização. Esses estágios ocorrem de 1 a 5 em direção polpa-superfície. É difícil identifica-los em clínica, mas necessário discuti-lo em cortes histológicos. Em crianças a dentina é muito fina, sendo maior o uso do tratamento expectante. Mesmo realizando o preparo que retire toda a carie, nem todas as bactérias serão retiradas dos túbulos. O cemento é facilmente retirado por ser uma camada muito delgada. A carie de cemento/cervical/radicular é uma carie mais lenta e tem MO menos nocivos, uma vez que os túbulos dentinários estão mais paralelos à polpa, não como na dentina coronária onde todos os túbulos se direcionam à polpa. Os túbulos são menores e menos numerosos A carie dentaria crônica é em adultos, de evolução mais lenta por causa da dentina mais espessa e de túbulos mais estreitos. A aguda (precoce da infância ou rampante) ocorre em crianças, sendo mais rápida por causa da dentina mais delgada e túbulos maiores – ocorre 10 vezes mais rápido em dentes em desenvolvimento. A carie paralisada é formada quando a dentina danificada fica borrachoide e estaciona a lesão, o tamanho da cavidade influencia a diminuição da atividade bacteriana na cavidade em razão do fluxo salivar. A aguda pode acontecer em adultos em razão de lamelas que levam o conteúdo bacteriano direto à dentina. *Carie primaria ocorre em dentes normais *Carie secundaria ocorre em margens de restaurações *Caries por radiação causa desmoronamento do esmalte e dentina por irradiação oncológica. As radiações desorganizam esmalte e dentina ao atingir essas estruturas. Dentes cariados são, geralmente, extraídos antes da irradiação para que não avance essas lesões. Baseado nas aulas do Consolaro 30/10/2018 Xilo – LVII - 2018