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- 3ª Edição Atualizada e Ampliada Inclui Metas do Desenvolvimento Sustentável e as normas ISO 26000, ISO 19600, NBR ABNT16001 e muito mais Responsabilidade social em presa rial e em presa sustentável www.editorasaraiva.com.br José Carlos Barbieri Jorge Emanuel Reis Cajazeira Responsabilidade social empresarial e empresa sustentável DA TEORIA À PRÁTICA 3ª Edição Atualizada e Ampliada Inclui Metas do Desenvolvimento Sustentável e as normas ISO 26000, ISO 19600, NBR ABNT 16001 e muito mais n,.Editor~ ~ Saraiva o 1 (\1. Editwa s o •~-tÇt! \.-1 Saraiva Av. das Nações Unidas, 7221 , 1° Andar, Setor B Pinheiros - São Paulo - SP - CEP: 05425-902 1 0800-0117875 SAC De 2ª a 6ª, das 8h às 18h www.editorasaraiva.com.br/contato Presidente Eduardo Mufarej Vice-presidente Claudio Lensing Diretora editorial Flávia Alves Bravin Gerente editorial Rogério Eduardo Alves Planejamento editorial Rita de Cássia S. Puoço Aquisições Fernando Alves Julia D'Allevo Editores Ana Laura Valerio Marcela Prada Neublum Patrícia Quero Produtores editoriais Alline Garcia Bullara Amanda Maria da Silva Daniela Nogueira Secondo Comunicação e Maurício Scervianinas de França produção digital Nathalia Setrini Luiz Suporte editorial Juliana Bojczuk Fermino Produção gráfica Liliane Cristina Gomes Revisão Ana Maria FiorinVRicardo Assis Diagramação e capa Negrito Produção Editorial Impressão e acabamento Nonono ISBN Barbieri, José Carlos Responsabilidade social empresarial e empresa sustentável: da teoria à prática / José Carlos Barbieri, Jorge Emanuel Reis Cajazeira. - 3. ed. - São Paulo: Saraiva, 2016. 256 p. Bibliografia ISBN 978-85-472-0830-1 1. Responsabilidade social da empresa 2. Administração de empresas - Aspectos sociais 3. Desenvolvimento organizacional 4. Desenvolvimento sustentável 1. Título li. Cajazeira, Jorge Emanuel Reis CDD 658.404 CDU 658.012.2 Índices para catálogo sistemático: 1. Responsabilidade social da empresa Copyright © José Carlos Barbieri e Jorge Emanuel Reis Cajazeira 2017 Saraiva Educação. Todos os direitos reservados 3ª edição Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida por qualquer meio ou forma sem a prévia autorização da Saraiva Educação. A violação dos dirertos autorais é crime estabelecido na lei nº 9.610/98 e punido pelo artigo 184 do Código Penal. 1 360.339.003.001 Dedicatórias Aos meus pais, Hugo e Francisca, in memoriam, os primeiros que me ensinaram a importância da responsabilidade social. A Marilena, Natália, Carol, Marta, Julia e Carlos por tudo o que representam em minha vida. José Carlos Barbieri Aos quase seiscentos experts internacionais que escreveram a ISO 26000 e tornaram possível a jornada no entendimento do meu papel na busca de um mundo mais justo. Ao amigo, mestre e parceiro Barbieri, que tornou viável o meu doutoramento na FGV. A minha querida família, Dudu, Gau, Viveca, Sophia, Natalia, Gabriel, Lucas e Igor. E ao meu finado pai, que me deu o nome de Jorge para que o santo me desse proteção. Parece que deu certo ... Jorge Emanuel Reis Cajazeira V Os autores José Carlos Ba rbieri. Doutor em Administração pela Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (EAESP-FGV). Atualmente, é professor do Departamento de Administração da Produção e Operações da EAESP-FGV. Foi professor em renomadas instituições de ensino superior, como a Universidade Federal do Mato Grosso do Sul e a Pontifícia Universidade de São Paulo. Foi pesquisador do Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo (IPT). Desenvolve pesquisas nas áreas de gestão do meio ambiente e da inovação e atua como pesquisador e coordenador de diversos projetos de pesquisa financiados por várias instituições de fomento. Membro do Fórum de Inovação da EAESP-FGV. Professor do programa de pós-graduação stricto sensu da EAESP da linha de pesquisa em gestão socioambiental e de saúde. Participa de diversas comissões de estudo da ABNT e do Inmetro. Membro de comitês cien- tíficos de diversas revistas e congressos científicos nacionais e internacionais, bem como de várias agências de fomento. Conferencista, consultor e autor de livros, capítulos de livros e dezenas de artigos sobre gestão da inovação, gestão ambiental e responsabilidade social publicados no Brasil e em diversos países. Jorge Emanuel Reis Cajazeira. Engenheiro mecânico pela Universidade Federal da Bahia, mestre e doutor pela EAESP-FGV. Executivo da área de Relações Institucionais e Certificações da Suzano Papel e Celulose, onde trabalha desde 1992. Eleito pela revista Exame, em 2005, como um dos quatro executivos mais inovadores do Brasil. Foi expert nomeado pela ABNT para a redação das nor- mas ISO 9001 e ISO 14001 (1995-2004), coordenou os trabalhos para a criação da primeira versão da norma NBR 16001- Responsabilidade Social- e presidiu a comissão do Inmetro para criação de um sistema nacional para certificação VII Responsabilidade social empresarial e empresa sustentável socioambiental. Em 2004, foi eleito o primeiro brasileiro a presidir um comitê internacional da ISO, o Working Group on Social Responsibility (ISO 26000). Foi presidente do comitê de critérios da Fundação Nacional da Qualidade (FNQ), coordenador do comitê de Sustentabilidade da Bracelpa e ex-presidente do Compromisso Empresarial para a Reciclagem (Cempre). Conferencista, autor de livros, capítulos de livros e dezenas de artigos sobre gestão da inovação, gestão ambiental e responsabilidade social publicados no Brasil e em diversos países. VIII Prefácio Fabio Gallo Garcia D o Caos surge Gaia, a Mãe-Terra, a segunda divindade primordial de Hesíodo. Com sua força única de criação, independe da intervenção mas- culina, para gerar vida, fazendo surgir as montanhas e o mar. Permitindo o ordenamento do Cosmo. Capaz de receber o Humano. Mas, até quando Gaia suportará a ação humana? Talvez as melhores perguntas sejam: Qual o futuro da humanidade? Haverá futuro para nós? A revista Science em sua edição online de 15 janeiro de 2015 publicou um ar- tigo de 18 pesquisadores dando conta que quatro dos nove limites do planeta já foram ultrapassados. Esses quatro limites são a mudança climática, mudança na integridade da biosfera (perda de biodiversidade e extinção de espécies), mudança no sistema de solos e mudança nos fluxos biogeoquímicos ( ciclos de nitrogênio e fósforo). Os dois primeiros são chamados de limites centrais e podem determi- nar a alteração definitiva de nosso planeta. Hoje, há riscos efetivos de mudança ambiental abrupta e, pior, irreversível. Nós somos incapazes, até mesmo, de reconhecer a raiz humana da crise eco- lógica. O Papa Francisco em sua Carta Encíclica "Laudato Si - Sobre o Cuidado da Casa Comum" nos ensina: "Para nada serviria descrever os sintomas, se não reconhecêssemos a raiz hu- mana da crise ecológica. Há um modo desordenado de conceber a vida e a ação do ser humano, que contradiz a realidade até ao ponto de arruiná-la. Não pode- remos deter-nos a pensar nisto mesmo? Proponho, pois, que nos concentremos no paradigma tecnocrático dominante e no lugar que ocupa nele o ser humano e a sua ação no mundo. (LS 101)" IX Responsabilidade social empresarial e empresa sustentável O fato é que mesmo conhecendo todos os riscos ainda somos incompetentes para mudar o nosso rumo. Não nos mostramos capazes de construir algo distinto do que temos hoje e que nos permita convivência pacífica com Mãe-Terra. A humanidade tem mais prazer no consumismo do que buscar nossa felicidade no que é essencial. Estruturamos e vivemos num modelo econômico que exclui, destrói. Além de não reconhecer a raiz humana nos problemas ecológicos, cria- mos a figura da Empresa como ente isento. Todas as ações são justificáveis desde que sejam pela e para a empresa. Como se a "Empresa" não fosse composta por humanos. Dá-se a impressão de que emnome da empresa tudo pode e que não é preciso dar "Resposta" à sociedade pelos seus atos. Em outros termos, não há responsabilidade social por parte da empresa. Nesta obra os autores Barbieri e Cajazeira trazem a discussão sobre a Responsabilidade Social e a questão da sustentabilidade em profundidade, tor- nando-se uma fonte essencial para o estudo e a discussão do tema. O texto é bem estruturado, de agradável leitura, e vai além da expectativa inicial quando nos co- loca frente à discussão de valores intrínsecos ao humano como a ética. A discussão das teorias éticas é iniciada com o conceito de "Aretê" - a virtude - como construído por Aristóteles em "Ética a Nicômaco'; algo muito útil e feliz por parte dos autores. Na atualidade é muito significativo o estudo e trato da discussão de ética nas empresas e na sociedade em geral. A questão da virtude, da justiça e da racionalidade prática são os ingredientes essenciais para podermos discutir sobre a ética. Desta forma não podemos fugir de citar Alasdair Maclntyre. Filósofo contemporâneo que após longa reflexão sobre a inadequação de seus trabalhos anteriores, sua filosofia moral e de sua insatisfa- ção com a concepção de "filosofia moral" como área de pesquisa independente e isolável, defende que, embora, a linguagem e as aparências da moralidade persis- tam, no entanto, a substância integral da moralidade tenha se fragmentado muito, e assim, tenha sido, em parte, destruída. Maclntyre afirma que hoje temos apenas "simulacros da moralidade" porque continuamos a usar de suas expressões principais. Em tom apocalíptico a afir- mação é muito dura no sentido de que admite que nós não tenhamos mais com- preensão, teórica ou prática, do que é moralidade. Alasdair Maclntyre com sua obra tornou-se uma das vozes mais autorizadas e singulares no campo da ética. Trata-se de um filósofo profundamente devedor do pensamento de Aristóteles e Tomás de Aquino, ao mesmo tempo em que sendo fiel ao seu raciocínio sobre a pesquisa racional, contrapõe o seu pensamento à teoria ética moderna vinda do Iluminismo. O livro não somente nos traz a prática, permitindo que os gestores de empresas ajam na busca da Responsabilidade Social e da Sustentabilidade de seus negócios. X Prefácio Mas, também é muito rico na organização das Teorias, permitindo a estudiosos e todos interessados uma ampla visão sobre o tema. Assim é essencial uma obra como a criada por Barbieri e Cajazeira porque nos propõe justamente a discussão de questões tão essenciais para o humano e sua relação com as empresas como sustentabilidade e responsabilidade social, par- tindo justamente de suas primícias que vêm da ética. Fabio Gallo Garcia é professor de Finanças da Escola de Administração de Empresas da Fundação Getulio Vargas (EAESP-FGV) e da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Colunista do jornal O Estado de S. Paulo e da Rádio Estadão - Coluna "Seu Dinheiro''. Doutor em Finanças pela EAESP-FGV / Universidade do Texas e Doutorando em Filosofia pela PUC-SP. Coordenador do Índice de Bem-Estar Brasil (Well Being Braz il). Pertence a Conselhos de Investimentos de Fundos, Conselho Fiscal e de Comitê de Auditoria de Empresas listadas. Ex-Diretor Administrativo Financeiro e Chief Financial Officer de empresas de grande porte Nacionais e Multinacionais. Ex-Vice-Reitor Administrativo da PUC-SP. Sócio da Sinalização e Arte, Comunicação Visual - All Sign e sócio da Tutóia Consultoria. XI Prefácio da 2ª edição Ricardo Young Silva O equilíbrio sempre delicado entre o interesse particular e coletivo, da livre iniciativa e do interesse público inspirou acirrados debates, quando não foi central nos grandes embates politico-ideológicos que assombraram o século XX. Se a empresa se constituiu como a célula de um complexo sistema por meio da qual a sociedade capitalista moderna se organizou, até que ponto ela poderia desequilibrar este mesmo sistema que a concebeu? As visões tradicionais de cres- cimento econômico, principalmente no pós-guerra, traziam uma promessa de afluência que disfarçava seus elementos mais deletérios. Estes, porém, começaram a surgir no final da década de 1950 e início da década de 1960. Questões ligadas aos agrotóxicos na produção de alimentos, à poluição do ar e das águas, às desi- gualdades sociais, à necessidade de promover o trabalho digno e decente e, mais recentemente, às consequências da escassez de recursos naturais e à falência de sistemas naturais inteiros - colocando em xeque a própria resiliência da natureza em recompô-los - cobra de uma sociedade globalizada outro modo de produção, consumo e formas de organização e participação política. Não é tarefa simples e, muito menos, para amadores. Fala-se de um novo padrão civilizatório que se impõe em tempos de crise, em contagem regressiva. Não é só um modelo de sociedade que está em xeque, são os valores estruturantes desta mes- ma sociedade. A visão antropocêntrica revelou-se predatória e incompleta. Uma nova ética se impõe, um novo sistema de valores que fundamente uma economia e um modo de vida sustentáveis. Portanto, estamos falando de algo que vai além da chamada "economia verde''. Estamos falando de uma sociedade global, justa e sustentável, cujo tempo de construção não pode mais ser adiado. Neste livro, Barbieri e Cajazeira ousam. Vão além da discussão tradicional sobre responsabilidade social empresarial (RSE). Consideram que a RSE é um elemento XIII Responsabilidade social empresarial e empresa sustentável estruturador de um desafio ainda maior, que é a gestão sustentável. Não há como se pensar um mundo sustentável se a cultura tradicional de gestão empresarial não incorporar na sua essência novos saberes, métodos, técnicas e indicadores que vão muito além da performance econômico-financeira. Na realidade essa performance se tornou tributária destes novos saberes nestes tempos de crise de modelos e valores. Em outras palavras, a empresa não sustentável terá uma vida tão breve quanto forem as suas aspirações de sucesso descoladas desses valores, sua existência será inversamente proporcional ao market share que ambiciona. O espaço é cada vez mais exíguo para quem não entendeu que as regras do jogo mudaram para sempre. O problema é que muitos pensam que conhecem as novas regras do jogo quando apenas as entendem superficialmente. Os autores nos oferecem um verdadeiro tratado que mostra como estas novas regras surgiram, evoluíram e dialogaram entre si. Tomaram do Direito, da Filosofia, da Economia e da Administração os elementos necessários para se fundamentar em um todo inteligível e consistente. Foram fundo na prospecção dos elementos éticos e do conjunto de valores que precisam ser assimilados nesta nova lógica produtiva. Verificaram as principais normas, os regulamentos, tratados e conceitos- -chave que fundamentam o mosaico da gestão sustentável. Mostraram o porquê deste imperativo ético estar acima e além das vontades individuais e empreende- doras que movem o mercado. Ao contrário, como o sucesso do espírito empreen- dedor está umbilicalmente ligado a este novo entendimento. Esta obra de Barbieri e Cajazeira é mandatária. Absolutamente indispensável para todos aqueles que querem ser "parte interessada" neste processo de trans- formação vertiginosa em que nos encontramos. A alfabetização nos princípios da sustentabilidade e da gestão sustentável não é tarefa fácil. Ao contrário, é dificílima. Navegar por estes mares desconhecidos por meio da condução firme e competente dos que sabem porque vivem, operam e redesenham os mapas dessa jornada é a contribuição mais preciosa deste escrito. Ricardo Young Silva é empresário, presidente do Conselho de Administração do Yázigi Internexus; fundador da Associação Brasileira de Franquias (ABF); coordenador da World Business Academy; ex-coordenador nacional do Pensamento Nacional das Bases Empresariais (PNBE); membro do Conselho das seguintes instituições:Transparência Internacional- Brasil, Instituto Akatu para o Consumo Consciente, WWF-Brasil, AccountAbility e Global Reporting Initiative (GRI). Líder em responsabilidade social do Grupo de Zurich e membro do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social ( CDES) da Presidência da República. Foi diretor-presidente do Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social de 2005 a 2010 e diretor-presidente do UniEthos de 2004 a 2010. Palestrante renomado e referência internacional nos temas de responsabilidade social, gestão e desenvolvimento sustentável. XIV Prefácio da 1 ª edição Oded Grajew Felizmente, cada vez mais tem-se falado em responsabilidade social em-presarial, mas ainda há muita desinformação e falta maior clareza sobre o assunto, em especial junto ao grande público. O que é responsabilidade social empresarial? Costumo explicar o conceito a partir de uma reflexão sobre a capacidade, ou melhor, sobre o dom que todos pos- suímos de fazer escolhas. Somos seres políticos, fazemos escolhas baseados em nossos julgamentos, princípios e valores. Infelizmente, muitas vezes, não dedicamos tempo suficiente para refletir sobre esse fato, para meditar sobre nossas escolhas e oportunidades, sobre o sentido daquilo que fazemos. Muitas vezes, ligamos o pi- loto automático e fazemos o que estamos acostumados a fazer, o que a sociedade, os amigos, a família, o emprego esperam de nós, sem pensar no que realmente queremos, no que tem significado para nós. Não só podemos fazer coisas diferen- tes das que fazemos atualmente, como também podemos fazer as mesmas coisas, mas de várias formas diferentes. Uma empresa pode ser dirigida de várias maneiras; gerir de forma social- mente responsável é uma delas. Em uma empresa, tomam-se muitas decisões que resultam em ações. Todas estas ações, sem nenhuma exceção, impactam de algum modo a vida de pessoas, podendo afetar a vida dos funcionários e de seus familiares, da comunidade, das gerações futuras, dos clientes, dos fornecedores, da comunidade, dos investidores, dos concorrentes etc. Agir de forma socialmente responsável na vida pessoal, profissional e empre- sarial é preocupar-se com a qualidade do impacto das ações sobre as pessoas. É medir as consequências desse impacto e apenas efetivar ou prosseguir com as ações quando há certeza de que elas influenciarão positivamente as pessoas. Parece simples, mas não é. XV Responsabilidade social empresarial e empresa sustentável Exige, em primeiro lugar, questionamentos permanentes que nos colocam fre- quentemente diante de dilemas complicados, que demandam análise profunda. Por outro lado, é um desafio de competência: como realizar o nosso objetivo? Dirigir uma empresa de forma socialmente responsável implica tomar a deci- são política de implementar programas, projetos e ações que melhoram a vida das pessoas que são afetadas pela gestão e colocar em prática valores éticos, códigos de conduta e declarações de princípios. Por isso, é necessário introduzir ferramentas de gestão que nos permitam medir, planejar, implementar e avaliar o estágio de responsabilidade social empresarial. É crucial ter acesso ao conhecimento acerca dos instrumentos à disposição para a efetivação da gestão socialmente responsável. Este livro faz exatamente isso, prestando um enorme serviço à causa, pelas preciosas informações que oferece a quem queira fazer parte do movimento de responsabilidade social empresarial. Qual é a importância do conceito de responsabilidade social empresarial? De um lado, representa um caminho de sucesso para as empresas, pois todas depen- dem basicamente do apoio e do engajamento das pessoas. Quem é bem tratado, gosta de tratar bem quem o trata bem. As empresas socialmente responsáveis, em média, são as mais criativas e as mais seguras, podem contar com o apoio da co- munidade, com a preferência dos consumidores e dos investidores, com o entu- siasmo e o engajamento dos funcionários e não acumulam passivos trabalhistas, ambientais, legais e éticos. A responsabilidade social é benéfica aos gestores e colaboradores, porque dá sentido e coerência ao seu trabalho. As pessoas se sentem bem, porque agem de acordo com seus princípios e valores, aumentando a autoestima. Elas se sentem felizes e gratificadas, seu trabalho e vida ganham novo sentido, pois são reconhe- cidas e apreciadas. Por outro lado, sabemos que vivemos tempos muito ameaça- dores. Praticamente toda a comunidade científica e os sinais diários nos alertam sobre os enormes riscos do aquecimento global, que ameaçam a própria existên- cia da espécie humana. Ora, o aquecimento global é resultado de nossa maneira de produzir, consumir e viver. As empresas têm grande responsabilidade nessa questão. Elas possuem um enorme poder econômico ( das cem maiores economias do mundo, mais da me- tade já são empresas), financeiro (movimentam enormes recursos), tecnológicos, políticos (financiam campanhas eleitorais e, portanto, exercem enorme poder so- bre as políticas públicas) e culturais ( a mídia e o setor de anunciantes estão pra- ticamente na totalidade nas mãos do setor privado). O setor empresarial tem o poder de ditar a agenda do presente e do futuro, uma agenda que dependerá do avanço da cultura da responsabilidade social no meio empresarial. Quanto mais avançar filosófica, conceitual e concretamente, XVI Prefácio da,~ edição mais chances teremos de evitar as catástrofes e de promover o desenvolvimento sustentável, um desenvolvimento socialmente responsável. Por todas essas considerações, o livro é de extrema importância: contribui, de forma concreta, ao avanço da responsabilidade social empresarial. Com este livro em mãos, o leitor terá todas as informações sobre o conceito de responsabilidade social empresarial e conhecerá o grande número de ferramentas disponíveis para planejar, implementar e avaliar a gestão socialmente responsável. Só dependerá de sua escolha e de sua vontade política engajar-se no movimento que pretende fazer das empresas parceiras na construção de uma sociedade sus- tentável e justa. Oded Grajew é sócio-fundador e presidente emérito do Instituto Ethos; coordenador ge- ral da Secretaria Executiva da Rede Nossa São Paulo; sócio-fundador do movimento Todos pela Educação; membro do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social ( COES) da Presidência da República; ex-assessor especial do presidente da República; membro do Conselho Consultivo do Global Compact; membro do Conselho Deliberativo do Instituto Akatu pelo Consumo Consciente; idealizador do Fórum Social Mundial; membro-fundador do Pensamento Nacional das Bases Empresariais (PNBE); fundador e ex-presidente da Fundação Abrinq pelos Direitos da Criança e do Adolescente; fundador e coordenador de honra da Associação Brasileira de Empresários pela Cidadania (Cives). XVII Sumário Introdução .. . ... . ...... . ... . ...... . ... . ...... . ... . ...... . ... . ...... . ... . ...... . . . 1 Capítulo 1 Enfoques teóricos ........ . ...... . ... . .... . . . ... . ...... . ... . ...... . .. 7 1. 1 Teoria do Acionista ....................... . ... . ...... . ... . ...... . ... . ...... . .. 8 1.2 Críticas à teoria do acionista ................................................. 16 1.3 Teoria das Partes Interessadas ................................................ 20 1.3.1 Usos da teoria das partes interessadas .................................... 27 1.4 Teoria do Contrato Social ................. . .......... . ... . ...... . ... . ...... . . 29 1.4.1 O contratualismo e a responsabilidade social empresarial ................... 33 Termos e conceitos importantes .. .. ... .... ... ... . ...... .. .......... . ... . ...... . . 38 Questões para revisão . .......... . .... ..... .. . . ....... . . . ...... . ... . ... .. . . . . . . . 38 Referências .......... . .......... . ........ . .. . ... ..... . . . ...... .. .. . ... .. . . . . . . . 39 Capítulo 2 Responsabilidadesocial e sustentabilidade empresarial . . ...... . .43 2.1 As quatro dimensões da responsabilidade social empresarial . ... . .. . ....... . .. . .43 2.2 O modelo dos três domínios da responsabilidade social. . ... . ...... . .......... . .45 2.3 Problemas antigos e trajetórias convergentes .................................. 50 2.4 Desenvolvimento sustentável . . .. .. . ...... .. .. . ...... . ... . ...... . ... . ...... . . 52 2.5 Empresa sustentável ... . . .... . . ... . . ...... ... . . ...... . ... . ...... . ... . ...... . . 55 2.5.1 O modelo tripie bottom line . ... . . .... .. ... . . ..... . .......... . ... . ...... . . 58 Termos e conceitos importantes . .. . .. . . . .... .. ... . . ............ . ... . ... . ...... . . 63 Questões para revisão .. . ... . . ..... . .. . . . ..... . ... . . . . ... . ... . .. . . .. . .......... . . 63 Referências . ... . . . .. . . . .. . . . . .. . . ..... . . .. . . ....... . ..... . ... . .. .. .... . ..... . . . 64 Capítulo 3 Ética e ética empresarial.. . ..... .. ..................... . ... . .. . ... . . 67 3.1 Ética e moral . ...... .. .. . ...... .. .. . ...... .. .. . ...... . ... . ...... . ... . ...... . . 69 3.2 Imoral e amoral .... .. .. . ...... .. .. . ...... .. .. . ...... . ... . ...... . ... . ... . .. . . 71 XIX Responsabilidade social empresarial e empresa sustentável 3.3 Moral e Direito ..... . ... . ...... . ... . ...... . ... . ...... . ... . ...... . ... . ...... . . 72 3.3.1 Códigos de ética ... . ...... . ... . ...... . ... . ...... . ... . ...... . ... . ...... . . 75 3.4 Relativismo moral . . ... . ...... . ... . ...... . ... . ...... . ... . ...... . ... . ...... . . 77 3.5 Ética empresarial. .. . ... . ...... . ... . ...... . ... . ...... . ... . ...... . ... . ...... . . 79 Termos e conceitos importantes ... . ... . ...... . ... . ...... . ... . ...... . ... . ...... . . 81 Questões para revisão .......................................................... . 82 Referências . .......... . ... . .... . . . ... . .... . . . ... . ...... . ... . ...... . ... . ...... . . 82 Capítulo 4 Teorias éticas .. . ...... . ... . ...... . ... . ...... . ... . ...... . ... . ...... . . 85 4.1 Ética da virtude ............................................................. 86 4.2 Ética kantiana .... . .......... . . . ........ ... ... . ...... . ... . ...... . ... . ...... . . 89 4.3 Utilitarismo . . ............................ . .......... . ... . ...... . ... . ...... . . 92 4.4 Ética da responsabilidade. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 103 4.5 Ética da globalização ...................................................... 107 Termos e conceitos importantes ............................................... 109 Questões para revisão ......................................................... 109 Referências .. .. . ..................... . ...... . ... . ...... . ... . ...... . ... . ...... 110 Capítulo 5 Colocando em prática . . ... . ...... . ... . .... . . . ... . ...... . ... . ...... 113 5.1 Fontes de princípios diretivos ....... .... .. . ... ..... . ........ .. .. . ... .. ..... 115 5.1.1 Direitos humanos ................................... . ...... . ... . ...... 116 5.1.2 Agenda 21 ........................... . .......... . .......... . ... . ...... 121 5.1.3 Declaração sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento ..... . .. .. ...... 123 5.1.4 Carta da Terra . . ... . .... . . ......... . .... . ....... . .......... . ... . ...... 124 5.1.5 Pacto global ... . ... . .... . .... . .......... . ........... . ...... . ... . ...... 127 5.1.6 Objetivos de Desenvolvimento do Milênio . ....... . .......... . ... . ...... 128 5.1.7 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável ................... . ... . ...... 130 5.2 Códigos e regulamentos relativos aos negócios .. . . ..... . .......... . .......... 134 5.2.1 Convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT) ............ 134 5.2.2 Diretrizes da OCDE para as multinacionais ....... . ...... . . .. . ........ .. 136 5.2.3 Combate à corrupção ... . . .. .. . .... . . .. .. ... .. . . .. .. .. . .. .. . ...... .. .. 137 5.3 Filantropia e investimento social. .......................................... . 141 144 145 Termos e conceitos importantes . .. . ... . ..... . ........... . .......... . .. .. ..... . Q t ~ . ~ ues oes para rev1sao .. . ... . ...... . ... . ... . . .. ... .. .. .... ... . ...... . ... . ..... . Referências . . ... . ...... . ... . ...... . ... . ..... .. ... . . ......... .. ..... . ... . ...... 146 Capítulo 6 Instrumentos gerenciais ........ . ........... . ... . ... . .. . ... . ... . .. 149 6.1 Movimento da qualidade . . . .. .. . ... . . . . . .. . ... . ...... . .. ...... .. . ... ..... .. 150 6.2 Normas internacionais de gestão ........................................... 154 6.3 Normas de gerenciamento social ........................................... 156 6.4 Integrando diferentes sistemas de gestão .. .. .. ... . . .. . ... . ... . ...... . ... . .. 160 6.4.1 Compatibilização de sistemas de gestão ................................ 161 XX Sumário 6.5 Comunicação com as partes interessadas .. . ... . ...... . ... . ...... . ... . ...... 165 6.6 Governança corporativa . .... . . . ... . ...... . ... . .... . . . ... . ...... . ... . ...... 168 6.6.1 Demonstrativos e relatórios obrigatórios ... . ...... . ... . ...... . ... . ...... 172 6.6.2 Sistema de gestão de compliance .... . . . ... . .... . . . ... . ...... . ... . ...... 174 6. 7 Dificuldades e objeções . ...... . ... . .... . . . ... . ...... . ... . ...... . ... . ...... 177 Termos e conceitos importantes . . . . ... . .... . . . ... . .... . . . ... . ...... . ... . ...... 179 Questões para revisão .. .. .. . .. . . .... .. . .... .... .. . ...... .. .. . ...... .. .. . ...... 179 Referências .. . .. .. . . . . .. . . ... . . . . .. .. . ...... . ... . .... . . . ... . ...... . ... . ...... 180 Capítulo 7 A Norma ISO 26000 e seus desdobramentos . ... . ...... . ... . ... . .. 183 7,1 As origens e o processo de elaboração da Norma . .. . . . . . ... . ...... . .. .. ...... 184 7,2 A natureza e o escopo da ISO 26000 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 185 7,3 Estrutura e visão geral da Norma . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 186 7,4 Princípios da responsabilidade social . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 190 7,5 Práticas fundamentais da responsabilidade social .. . . ... . . . . .. . ... . .. .. .. . ... 192 7,5.1 Reconhecimento da responsabilidade social .... ... . . . . ...... . .. .. .. . ... 192 7,5.2 Identificação e engajamento das partes interessadas ... . .. . ... . ... . .... . . 194 7,6 Temas centrais ... . .. . ..... ... . . ...... . . ... ... . .. . ... . ... . .. . ... . .. .. ...... 196 7,6.1 Governança organizacional ....... . .. . ....... . ... . ... . .. . ... . .. .. ...... 197 7,6.2 Questões de responsabilidade social .. .. .. . ....... . ... . .. . ... . .. .. ...... 198 7,7 Integração da responsabilidade social por toda organização . . ... . .. .. .. . ... 200 7,7,1 Comunicação sobre responsabilidade social ...... .. ...... . ... . .. .. .. . ... 202 7,7,2 Fortalecimento da credibilidade ..... .. ......... .... .. .. ......... . ...... 204 7,7,3 Pequenas e médias empresas e organizações ............................ 205 7,8 Benefícios esperados ...................................................... 206 7,9 O futuro da ISO 26000 ...................................................... 208 7, 1 o A norma brasileira de responsabilidade social - NBR 16001 . . . . . . . . . . . . . . . . . . 211 7,10.1 Auditoria e certificação .. .. . . . ... ..... .. . ... . . ... ... . .. . . . . . .. .. .. . ... 216 7,11 A norma IQNet SR 10 . . . .... .. .. . . . .... .... .. . .... . ... ... . .. . ... . .. .. .. . ... 217 Termos e conceitos importantes . . .......... .. ........ . ... ... .. .. . .. . ... . ... . .. 221 Questões para revisão . . ..... .... . .......... .. ........ . .... . ..... . ........ . .... 221 Referências . .. .. . ...... ..... .... . . .... . ... . .. .... . ... . . . . ... . .. . . .. . ... . ... . .. 222 Capítulo 8 Considerações finais .. ........ .... ...... . .. .. .. .. .. . .. .. .. .. ...... 223 Posfácio . .. . . ..... .... . . .. .. . .... . ........... .. ....... . .......... . ............. 227 Glossário .... ... . . . .......... . ........ . . . .......... . .. . .. . ... . .. . .............. 229 Referências . .......... . ..... . ............. . ...... . ... ...... . . . . . . . . . ... .. . . . . . 232 Índice remissivo . .. . . . . .. .. . . . .. . . .. .. . . . . .. . .. .. . ... .. . . ... . ... . .. . ... . ... . .. 233 XXI Introdução , E inegável a importância da responsabilidade social na atualidade, tanto que existe um verdadeiro movimento mundial em torno do tema. Prova disso são as inúmeras iniciativas promovidas por empresas, entidades empresariais, ONGs e órgãos vinculados à ONU. O número crescente de códi- gos de ética, programas de responsabilidade social empresariais e de normas vo- luntárias como SA 8000, AA 1000, ISO 26000 e NBR 16001 atestam o vigor desse movimento. Diversas associações empresariais foram criadas com o objetivo de difundir propostas de responsabilidade social empresarial, como a Business for Social Responsibility, nos Estados Unidos, o Instituto Ethos de Responsabilidade Social e o Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (!base), ambos no Brasil. A diversidade de expressões relacionadas, como empresa cidadã, filantropia estratégica, ética empresarial, investimentos sustentáveis, governança corporativa e muitas outras decorre da importância desse assunto. Antes de continuar é preciso apresentar alguns significados da palavra respon- sabilidade, pois ela tem diferentes entendimentos conforme a área e o profissional que a utiliza. Responsabilidade é um substantivo, derivado da palavra responder, originada do verbo latino respondeo, des, ere, que significa produzir efeito, satisfa- zer, justificar, pagar, comprometer-se da sua parte e prometer, entre outras acep- ções. Apesar da origem latina e de seu uso intenso desde a Roma antiga, o seu sentido moderno só surgiu no século XVIII em textos sobre política e relacionados ao papel dos governos em sociedades democráticas, mais especificamente acerca do controle da comunidade sobre os seus governantes em sociedades regidas por constituições elaboradas democraticamente. Em termos gerais, a responsabilidade de um agente refere-se à obrigação de responder pelas consequências previsíveis das suas ações em virtude de leis, Responsabilidade social empresarial e empresa sustentável contratos, normas de grupos sociais ou de sua convicção íntima. A capacidade de poder escolher livremente as alternativas de ação é uma condição básica para o surgimento da responsabilidade desse agente. A palavra responsabilidade ad- quiriu significados particulares em muitas áreas, como é o caso do Direito, no qual há diversas matérias específicas sobre esse assunto, como responsabilidade administrativa, tributária, penal e civil. A responsabilidade das organizações, em especial das empresariais, não é um assunto pacificado, a não ser pelo reconhecimento da sua importância. Esse é um tema importante para diversas áreas do conhecimento, como Direito, Economia, Sociologia, Ciência Política, Ética e Administração. Neste livro, esse tema é tratado do ponto de vista da administração empresarial. O objetivo é apresentar uma sistematização sobre as principais questões da Responsabilidade Social Empresarial sob este ponto de vista, contribuindo para a sua difusão. Em administração, é comum encontrar a palavra responsabilidade designando a condição de quem responde pelo seu desempenho no exercício de um cargo, de uma função ou de um poder investido, sendo entendida também como a con- trapartida de uma autoridade legalmente constituída. Como se verá neste livro, a responsabilidade social empresarial vai muito além desses significados, mas deles conserva a ideia de responder pelos atos diante da capacidade de realizar escolhas. Outra questão que merece ser esclarecida refere-se à palavra corporativa, que integra a expressão responsabilidade social corporativa, tradução literal de corporate social responsibility, a mais usada na literatura norte-americana. Corporate é um adjetivo relativo a corporation, que se refere a uma empresa constituída na forma de uma sociedade anônima de capital aberto, na qual a administração e a propriedade estão separadas. Difere de uma empresa de um único proprietário (sole proprietary), que também é o seu administrador, ou de uma sociedade formada por alguns só- cios (partnership ). Como as preocupações com o tema da responsabilidade social nos Estados Unidos começaram a ser sentidas em função das corporations, devido às questões da separação entre a propriedade e a administração, o termo corporate foi justaposto à expressão social responsibility, da qual não se desgrudou mais. A rigor, a expressão responsabilidade social corporativa (RSC) relaciona-se apenas com essas empresas. Como a responsabilidade social será aqui tratada com vista a todo tipo de empresa, será usada a expressão responsabilidade social empresarial (RSE). Assim, a RSC é um caso particular da RSE, aplicável apenas às sociedades anônimas de capital aberto. O Capítulo 1 discute as principais teorias relacionadas com a responsabilida- de social empresarial, começando pela teoria do acionista (stockholder), cujas raízes encontram-se na obra de Adam Smith, A riqueza das nações, e continua séculos adiante, chegando até os dias atuais, com as obras de Milton Friedman, 2 Introdução ganhador do Prêmio Nobel de Economia de 1976, e seus seguidores. Na continua- ção, é apresentada a teoria das partes interessadas na empresa, os stakeholders, uma teoria rival da anterior. A terceira teoria é a contratualista, que concebe a responsabilidade social da empresa como decorrente de um contrato hipotético ou real com a sociedade. Cada teoria é apresentada com um breve resumo da sua origem e influências, seguido de uma apresentação das suas ideias centrais e, ao final, uma apreciação das suas contribuições e limitações. Esse esquema se repete nos demais capítulos. O Capítulo 2 discute modelos de gestão da responsabilidade social empresa- rial. Discute inicialmente o famoso modelo de Archie B. Carroll, que desdobra a responsabilidade social empresarial em quatro dimensões, a saber: econômica, social, ética e filantrópica. Em seguida, mostra uma visão atualizada desse mode- lo. Apresenta depois um importante fato da vida contemporânea, a confluência de dois grandes movimentos sociais, o da responsabilidade social empresarial e o do desenvolvimento sustentável. São dois movimentos com origens e propósitos diferentes, mas com pontos de contato comuns que propiciaram aproximações. A convergência entre eles gerou o que se denomina organização sustentável. Essa proposta entende que a responsabilidade social é um meio para alcançar um obje- tivo maior, o desenvolvimento sustentável. Por fim, discute-se um modelo de gestão que é resultado da união desses dois movimentos, o modelo dos três resultados líquidos ou tripie bottom line, que objetiva organizar e articular as atividades da empresa para que ela obtenha resultados líquidos positivos em termos econômi- cos, sociais e ambientais. O Capítulo 3 trata da ética em geral e da ética empresarial, componentes im- portantes da responsabilidade social empresarial. Inicialmente, discute-se a re- lação entre ética e responsabilidade social, pois há os que entendem que a ética é componente específico da responsabilidade social e os que entendem que elaestá presente em todas as ações empresariais importantes, por isso deve ser tratada de acordo com uma abordagem transversal. Nesse capítulo são feitas considera- ções sobre termos como moral, ética, metaética e outros relacionados, pois não raro observa-se muita confusão em relação às palavras típicas do campo da ética. No Capítulo 4 são apresentadas as teorias ou doutrinas éticas normativas que podem dar contribuições importantes para a conduta moral dos que atuam nas empresas ou em seu nome. Três delas são bastante conhecidas: a ética da virtude, a kantiana e a utilitarista. Elas serão apresentadas sempre pelas suas origens até chegar aos dias de hoje, uma vez que são corpos de conhecimento em constan- te evolução. Na continuação, é apresentada a ética da responsabilidade propos- ta por Hans Jonas, proposta apropriada para a civilização tecnológica, na qual o poder ampliado dos humanos ameaça a própria sobrevivência da humanidade e 3 Responsabilidade social empresarial e empresa sustentável do planeta Terra. O capítulo se encerra com uma discussão sobre a necessidade de uma ética para o mundo globalizado e apresenta um núcleo de ideias para a construção dessa ética. O Capítulo 5 apresenta as diversas fontes de princípios e diretrizes que os ges- tores podem usar para estabelecer políticas, objetivos e metas a fim de tratar a responsabilidade social em suas organizações. Dentre essas fontes estão os di- reitos humanos, a Agenda 21, a Carta da Terra, as convenções da Organização Internacional do Trabalho e outros acordos e programas criados com elevado grau de consenso internacional. O capítulo dedica uma seção ao combate à corrupção em todas as suas diversas formas. Entre as novidades da 3ª edição está a inclusão das Metas do Desenvolvimento Sustentável, uma das recomendações aprovadas durante a realização da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável no Rio de Janeiro (Rio+20) em 2012. O Capítulo 6 trata de alguns dos mais importantes instrumentos de gestão con- siderados adequados para implementar e manter práticas administrativas e opera- cionais coerentes com as propostas de responsabilidade social segundo as ideias e propostas do desenvolvimento sustentável. A variedade de instrumentos gerenciais com muita frequência cria dificuldades para sua seleção e uso pelos gestores, pois, como qualquer instrumento de gestão, estes também são incompletos, de modo que cada qual cobre apenas alguns aspectos da situação-problema. Assim, esse capítulo também apresenta instrumentos gerenciais criados para a integração e compatibilização de sistemas de gestão que concorrem para tomar a organização socialmente responsável. O Capítulo 7 é dedicado exclusivamente à norma de gestão da responsabili- dade social ISO 26000 e seus desdobramentos em normas de sistemas de gestão influenciadas por ela, como a norma brasileira de responsabilidade social, a ABNT NBR 16001. Com isso, fecha-se uma trajetória que vai das principais formulações teóricas sobre a responsabilidade social empresarial até as suas práticas mais re- centes, que resultam de um movimento mundial pelo desenvolvimento susten- tável. Sob essa perspectiva, entende-se que é por meio de uma responsabilidade social ampliada que as empresas poderão dar contribuições efetivas para alcançar um mundo melhor para todos e que haverá futuro para as gerações vindouras. A responsabilidade social empresarial envolve uma multiplicidade de temas, o que por si só já é preocupante quando se intenta escrever sobre eles de um modo abrangente, como foi feito aqui, devido à necessidade de selecionar, dentro dessa multiplicidade, os temas que seriam importantes para o leitor. Além disso, os te- mas são polêmicos, sujeitos a diversas interpretações, muitas vezes contraditórias, tanto no plano teórico quanto na prática efetiva das empresas. O livro foi escrito pensando nas pessoas que estão começando a se envolver com esses temas, mas 4 Introdução sem deixar de aprofundar os assuntos tratados, de modo a colocar o leitor nos debates, em geral acalorados, em torno deles. Por isso, ele também foi pensado para os que já avançaram nesses assuntos, mas sentem necessidade de sistema- tizar seus conhecimentos, e para os que buscam mais esclarecimentos sobre os aspectos controversos. Os temas sobre responsabilidade social empresarial não comportam respostas fáceis nem receitas acabadas. Mesmo assim, respostas foram dadas para inda- gações frequentes, porém sempre alertando que existem outros entendimentos discordantes. Não agir assim é faltar com o leitor. Porém, na maioria das vezes ele é convidado a buscar suas próprias respostas e entendimentos, participando dos debates. Em suma, este livro não fornece peixes, pretende ensinar a pescar. 5 D ebates em tomo da responsabilidade social das empresas ocorrem desde que elas começaram a surgir, no início da Era Moderna, mas só recente- mente passaram a ter um destaque sem precedentes, em praticamente todos os setores da sociedade. Muito do que se faz e se pensa sobre esse tema se deve a uma infinidade de trabalhos acadêmicos de longa data, que passaram a ser reproduzidos com mais frequência a partir da década de 1970. Empresários bem-sucedidos, como Henry Ford e Andrew Carnegie, também contribuíram para popularizar o assunto, principalmente com relação à filantropia, entendida, grosso modo, como a prática de ações que representem liberalidades em benefício de outros. Henry Ford escreveu diversos livros nos quais discorre sobre seus pensamentos, nem sempre de forma bem ordenada, sobre questões administrativas entremeadas de exaltações ao trabalho, à prosperidade gerada pela indústria, à sua política salarial, à distribuição de dividendos, entre outros. Andrew Carnegie, emigrante escocês que amealhou uma grande fortuna nos Estados Unidos no final do século XIX, escreveu o livro The Gospel ofWealth (O evangelho da riqueza), no qual faz apologia à filantropia e defende a necessidade de promover o bem-estar coletivo. Carnegie é um caso de filantropo que agia de forma diferente nos negócios, controlava com mão de ferro setores vitais da eco- nomia, como o siderúrgico, para manter os preços elevados e dispensava trata- mento pouco digno a seus funcionários. Com isso, também deu argumentos aos que enxergavam a filantropia como hipocrisia e prática condenável, pois com uma mão dava uma pequena parcela do muito que tirava com a outra. A condenação da filantropia apoiada com recursos da empresa, como se verá, esteve no centro dos debates da teoria do acionista, a primeira a ser apresentada. 7 Responsabilidade social empresarial e empresa sustentável 1.1 TEORIA DO ACIONISTA Na opinião de Archie B. Carroll, um dos autores mais importantes sobre responsa- bilidade social, apesar de inúmeros trabalhos publicados desde as primeiras déca- das do século passado, foi a partir de um texto de Milton Friedman, de 1962, que o debate sobre a responsabilidade social empresarial realmente decolou. Ao acusar a doutrina da responsabilidade social de subversão, gerou uma polêmica que chegou aos dias atuais com muita vitalidade1• Esse economista norte-americano, ganha- dor do Prêmio Nobel, em 1976, em seu livro Capitalismo e liberdade, afirma que: há poucas coisas capazes de minar tão profundamente as bases de nossa sociedade livre como a aceitação por parte dos dirigentes das empresas de uma responsabilidade social que não a de fazer tanto dinheiro quanto possível para os acionistas. Trata-se de uma doutrina fundamentalmente subversiva2• As ideias de Friedman sobre esse tema ganharam mais notoriedade no meio empresarial com um pequeno artigo publicado no The New York Times, no qual afirma de modo categórico que a responsabilidade social da empresa é gerar lu- cros dentro da lei3. Seu argumento é o seguinte: se a empresa está tendo lucro dentro da lei é porque está produzindo um bem ou serviço socialmente impor- tante e, comisso, ela pode remunerar os fatores de produção ( capital e trabalho), gerando renda para a sociedade e impostos para o governo que, este sim, deve aplicá-los para resolver problemas sociais, uma vez que são os indicados para isso. Qualquer aplicação de recursos da empresa que não seja para a geração de lucros é condenada por ele. A proposição de Friedman deve ser entendida no âmbito das corporations, no relacionamento entre os acionistas e os dirigentes que agem em nome deles. Dirigentes e acionistas que quiserem contribuir para resolver problemas sociais de- vem usar seus próprios recursos, e não os da empresa. A função desses dirigentes é maximizar o lucro da empresa, uma ideia que continua bastante forte no ambiente empresarial. Para Friedman, somente as pessoas possuem responsabilidades; as corporações, por serem artificiais, podem ter apenas responsabilidades legais. No entanto, não se pode dizer que os negócios como um todo têm responsabilidades, mesmo em sentido vago. Esse entendimento passou a ser conhecido como aborda- gem do acionista (stockholder), e de certa maneira deu o tom para o debate sobre a responsabilidade social das empresas, seja para apoiá-la, seja para combatê-la. 1 Carroll, 1979, p. 497. 2 Friedman, 1982, p. 123. 3 Id., 1970. 8 CAP íru LO 1 Enfoques teóricos A abordagem do acionista, a rigor, só se aplicaria às sociedades anônimas, as corporations, segundo a terminologia anglo-saxônica, sendo um caso no qual a ex- pressão responsabilidade social corporativa faria sentido pleno. Pode-se, contudo, aplicá-la a sociedades por cotas limitadas desde que os catistas atribuam a outros a responsabilidade pela gestão da empresa. Esse conceito de responsabilidade so- cial empresarial dá ênfase às relações entre os dirigentes das empresas e os seus proprietários, de modo que aqueles realmente representem os interesses desses. É comum associar a origem dessa teoria de responsabilidade social à obra fim- dadora da economia capitalista, A riqueza das nações, de Adam Smith, de 1776. Nessa obra encontra-se a célebre frase, amplamente repetida: "Não é da genero- sidade do açougueiro, do padeiro, do verdureiro, do leiteiro que esperamos nosso almoço, mas porque cada um está atuando em seu próprio interesse"4. É a ideia da mão invisível do mercado promovendo o bem-estar coletivo que resultaria de infindáveis ações individuais movidas pelo autointeresse. Segundo suas palavras, ao perseguir seus próprios interesses, o indivíduo muitas vezes promove o interesse da sociedade muito mais eficazmente do que quando tenciona promovê-lo. Nunca ouvi dizer que tenham realizado grandes coisas para o país aqueles que simulam exercer o comércio visando o bem público5• Friedman cita expressamente essa sentença de Smith em sua obra mais co- nhecida: Capitalismo e liberdade6 • As considerações de Smith sobre a ausência de benevolência do verdureiro e do padeiro, e a descrença na possibilidade de pro- mover o bem público simulando exercer o comércio, como expressas na citação mencionada, estão coerentes com a sua argumentação de que a riqueza das na- ções deriva da divisão do trabalho, cujo limite é dado pelo tamanho do mercado. Suas ideias sobre responsabilidade social dos agentes econômicos decorrem da crença de que o mercado livre e, portanto, competitivo, constitui o melhor meio para alocar os recursos escassos da sociedade. Nesse mercado, os preços dos bens e serviços indicariam aos produtores onde alocar ou não os seus recursos, de modo que os consumidores também seriam atendidos de maneira mais eficiente. Como estabelecido em A riqueza das nações, os indivíduos possuem melhores condições do que qualquer estadista ou legislador de julgar por si mesmos sobre a aplicação dos seus recursos de modo a obter o máximo valor. Desse modo, conclui Smith, a melhor política pública para promover o bem-estar coletivo seria abster-se de • Smith, 1988, v. 1, p. 24. 5 Id., V. 2, p. 65-66. 6 Friedman, 1982, p. 123. 9 Responsabilidade social empresarial e empresa sustentável atuar ou de tentar orientar as ações dos particulares, deixando que estes livremente persigam seus próprios interesses 7 . A ideia de que o ser humano se move impulsionado por seu autointeresse res- tringe-se nessa obra de Adam Smith apenas ao mercado e não à totalidade das motivações humanas, como tem sido bastante apregoado, o que não faz justiça a esse autor. De fato, em outra obra, Teoria dos sentimentos morais, ele mostra a im- portância da simpatia, da benevolência e do interesse pelos outros como fatores fundamentais da coesão socialª. Atentando-se mais à frase de Adam Smith citada anteriormente, verifica-se que ele usa a expressão "muitas vezes'; deixando uma abertura para outras possibilidades que não apenas a busca do interesse próprio. Por isso, não é correto acusá-lo de pregar o egoísmo extremo que não enxerga li- mites para a conquista dos fins desejados. É importante lembrar que o autointeresse em Smith não ocorre em estado de natureza hobbesiano, no qual haveria uma guerra permanente de todos contra to- dos, mas sim em estado de direito, no qual o respeito às leis é um dos princípios fundamentais. O respeito às leis inclui os costumes, principalmente os relacio- nados às atividades econômicas, lembrando que as referências de Adam Smith e Friedman são a Inglaterra e os Estados Unidos, países onde os costumes são fontes importantes do Direito. Não se deve pensar, portanto, que o autointeresse proposto pelos autores citados é coisa vil, coisa de gente inescrupulosa que não mede meios e consequências para alcançar objetivos torpes. Adam Smith vivia em uma época de pequenas empresas individuais, embo- ra já houvesse muitas empresas grandes, inclusive sociedades anônimas, para as quais dedicou um capítulo em A riqueza das nações. A propósito, ele não via com bons olhos essas empresas, não vendo razão de existirem com exceção de poucos setores, como o bancário e o de seguros, como também não tinha boa impressão de seus dirigentes9• Friedman trata a questão da responsabilidade social no âm- bito das sociedades anônimas, que entende como instrumentos dos acionistas, seus proprietários, de modo que doações e contribuições para outras finalidades que não sejam a de gerar tanto dinheiro quanto possível aos acionistas constituem uso impróprio dos recursos da empresa. Sua preocupação é com a alocação de recursos corporativos e a necessidade de prover confiança aos acionistas. A ideia de defesa do interesse do acionista se contrapõe à de uma responsabilidade social baseada na filantropia patrocinada pelas empresas. Ele não nega a importância da filantropia como uma atividade socialmente relevante, desde que seja provida 7 Smith, 1988, V2, p. 66. ª Smith, 2002. 9 Smith, 1988, V2, p. 49. 10 CAP íru LO 1 Enfoques teóricos com recursos dos indivíduos que são os proprietários das empresas, mas não com os recursos das empresas10• A teoria do acionista (stockholder) aproveita-se da obra de Adam Smith no que se refere ao autointeresse como convergente com o interesse da coletividade, e acrescenta os esforços para resolver os conflitos resultantes do processo de sepa- ração entre a propriedade e a administração nas grandes empresas. Berle e Means, analisando esse fato com relação às sociedades anônimas norte-americanas, mos- tram-se pessimistas quanto à possibilidade dos administradores de gerar o máximo lucro com o mínimo risco para os acionistas. Como o desejo de lucro pessoal é o que motiva esses indivíduos, seus interesses diferem das ambições dos acionistas, podendo ser inclusive radicalmente contrários. Mesmo quando o grupo contro- lador possui grande volume de ações, este pode se beneficiar à custa da empresa mais do que produzindo lucro para ela. Para esses autores, o crescimento das em- presas concentrando poder econômico separado da propriedade criou impérios econômicos geridos por uma forma de absolutismo que relega aos proprietáriosa função de prover recursos para que estes novos príncipes exerçam o poder11• A responsabilidade social, segundo a abordagem do acionista, teve, e continua tendo, como um de seus pilares a separação entre a propriedade e a administra- ção nas grandes empresas, notadamente nas sociedades anônimas. Um de seus objetivos é minimizar os conflitos entre proprietários e administradores quanto à alocação de recursos da empresa, tendo em mente a ideia de que os últimos são agentes dos proprietários e devem, portanto, aplicar os recursos da empresa para maximizar o retorno sobre o capital investido. Os conflitos de interesse en- tre administradores e proprietários fazem parte do que se denomina relaciona- mento de agência e problema de agência, como mostra o Quadro 1.1, elementos centrais da teoria da agência, uma teoria auxiliar à da responsabilidade social sob a perspectiva do acionista. Quadro 1.1 Relacionamento de agência e problema de agência A teoria da agência se preocupa com o que ocorre ou pode ocorrer nas relações entre o prin- cipal e o agente, tendo como unidade básica de análise os contratos, formais ou informais, que estabelecem as relações, em especial as considerações sobre os riscos e os incentivos que condicionam o desempenho dos agentes. Um pressuposto dessa teoria é que as pessoas pro- curam maximizar seus interesses, de modo que é razoável esperar que os agentes nem sempre defendam os interesses do principal. Jensen e Meckling, em artigo seminal sobre a teoria da agência, definem que relacionamento de agência é um contrato sob o qual uma ou mais pessoas 10 Friedman, 1982, p. 124. 11 Berle e Means, 1984, p. 124-126. 11 Responsabilidade social empresarial e empresa sustentável [o(s) principal(is)] contratam outra pessoa (o agente) para realizar algum serviço em seu inte- resse, delegando-lhe autoridade para tomar certas decisões. Segundo esses autores, se ambas as partes do relacionamento são maximizadoras de utilidade, há boas razões para acreditar que o agente não agirá sempre no melhor interesse do principal·. Desse modo, surge o pro- blema de agência. Por exemplo, em uma transação para a venda de uma casa, o corretor é o agente; e o proprie- tário do imóvel, o principal. Os conflitos entre o principal e o agente decorrem da desigualdade de informações entre eles e do fato de cada uma das partes possuírem seus próprios interesses e pretenderem maximizá-los. Isto é, os corretores possuem muito mais informações do que os proprietários de imóveis sobre o mercado imobiliário. Suponha que o corretor contratado este- ja com dificuldades financeiras ou que seja fim de mês e ele ainda não tenha cumprido a meta de vendas estabelecida pela empresa imobiliária em que trabalha. Um comprador em potencial oferece um preço para a casa abaixo do mercado e o corretor informa ao proprietário que esse será um excelente negócio e que dificilmente aparecerá outra oferta melhor diante de um quadro de retrações das vendas que se aproxima (que ele sabe não ser verdade), com o objetivo de fe- char logo a venda. O corretor poderia batalhar por um preço mais alto, mas isso poderia demorar meses, e o fim do mês está próximo. A pressa do corretor em vender o imóvel o beneficia, e ele poderá induzir o proprietário a aceitar essa primeira oferta, valendo-se da falta de informação do principal ou da falta de tempo deste de se inteirar do que está se passando no mercado imo- biliário. A assimetria de informações, algo sempre presente nas relações entre o principal e seu agente, pode gerar situações como esta, uma vez que os agentes possuem seus próprios interesses que podem não ser convergentes com os do principal. No centro do problema de agência está a dificuldade do principal em controlar as ações do agente que fora contratado para atuar em fa- vor de seu interesse, tendo recebido algum tipo de delegação para poder agir e tomar decisões. Um problema de agência particularmente importante ocorre nas sociedades anônimas entre os acionistas (principais) e os administradores (agentes), fato que decorre da separação entre pro- priedade e administração. Os que administram a sociedade têm seus próprios interesses, que nem sempre coincidem com os dos acionistas. A separação não necessita ser completa e o administrador pode ser acionista também, mas mesmo assim os seus interesses não são exatamente iguais aos dos demais acionistas. Os administradores, pensando nos seus interesses, poderão ser estimula- dos a buscar ganhos pessoais aumentando seus salários, concedendo benefícios extras e usando informações decorrentes do exercício das suas atividades em proveito próprio. Uma questão im- portante para os acionistas é encontrar meios para preservar seus interesses, como a maximização do lucro diante de um perfil de risco que está disposto a aceitar. Em grande parte, a responsabi- lidade social baseada na teoria do acionista está relacionada com essa questão. Ao propor que os administradores não devem alocar recursos para atividades que não estejam voltadas para gerar tanto lucro quanto for possível aos acionistas, a teoria está prescrevendo um comportamento de- sejável para os que agem em nome e no interesse dos acionistas. Os custos de agência decorrem das ações para evitar que os agentes deixem de atender os objetivos do principal, bem como as perdas que este possa ter pela prevalência dos interesses daqueles. No caso da relação corretor-dono do imóvel, este custo pode envolver gastos adicionais para saber o que se passa no mercado imobiliário, bem como as perdas por aceitar a proposta inicial diante de outra que poderia ocorrer se o corretor não estivesse com pressa para vender. Nas sociedades anônimas, esses custos envolvem auditorias independentes, concessão de bônus aos administradores com base no desempenho ou na valorização das ações e as perdas pelo fato 12 CAP íru LO 1 Enfoques teóricos de o agente não ter desempenhado sua função objetivando o melhor interesse dos acionistas. A criação de sistemas de governança corporativa é um meio para resolver problemas de agência. Fonte: Elaborado pelos autores. • Jensen e Meckling, 1976 , p. 310. Os conflitos entre administradores e acionistas foram em parte solucionados pelas legislações e pelos tribunais que, de alguma forma, acataram os argumen- tos da prevalência dos interesses desses últimos como uma extensão do direito de propriedade. Foi o que ocorreu, por exemplo, com a decisão da Suprema Corte de Michigan em 1919, no famoso processo Dodge x Ford Motor Company, resu- mido no Quadro 1.2. Embora esse caso se refira à distribuição de dividendos que ficara prejudicada pela expansão da empresa projetada por Henry Ford, o alcance desse julgamento teve impacto sobre a alocação de recursos de qualquer ativida- de não diretamente relacionada com obtenção de lucro para os acionistas, entre elas, atividades filantrópicas voltadas para promover o bem-estar da sociedade. A Suprema Corte estabeleceu a primazia dos acionistas, que se tornou um princípio básico de gestão no âmbito das corporações. A sentença dada nesse julgamento declarou que o poder dos dirigentes deve ser empregado para a obtenção de lucro, uma vez que a corporação é uma organização formada primordialmente com o objetivo de gerar lucro aos acionistas. Note a semelhança dessa sentença com a opinião de Milton Friedman, conforme mostrada anteriormente. Bill Gates e sua esposa parecem ter seguido essa linha de pensamento, pois criaram em 2000 a Bill and Melina Gates Foundation, para promover ações de filantropia em áreas como saúde e educação com seus próprios recursos, e não de suas empresas. Quadro 1.2 Dodge x Ford Motor Company A Ford Motor Company (FMCo), criada por Henry Ford em 1903, apresentava-se muito lucrativa nos anos de 1911 a 1915, pagando dividendos acima de US$ 1 milhão por ano, quantia elevada consi- derando-se o valor do dólar na época. Em 1916, continuou a terlucros enormes e Henry Ford de- cidiu que não deveria pagar dividendos especiais aos acionistas, mas sim investir o lucro obtido em planos de expansão da empresa para dobrar o tamanho da fábrica de Highland Park, comprar uma mina de minério de ferro no norte de Michigan e construir uma nova unidade fabril em River Rouge. Além disso, planejava reduzir o preço dos automóveis para aumentar as vendas. Esse úl- timo plano, aliás, era uma espécie de obsessão, como se pode ver em Minha vida e minha obra, livro escrito por Henry Ford em 1925. Ford mostra nesse livro que a venda de carros aumentou de 18.664 em 1910-1911 para 533.706 em 1918-1919, acompanhando a redução de preço de US$ 950,00 para US$ 525,00 entre esses períodos. Para ele, o lucro deveria ser destinado à empresa para man- tê-la próspera, aos operários que permitiram a geração do lucro e à coletividade·. Esses são os elementos do que viria a ser denominado posteriormente de círculo virtuoso do fordismo, uma 13 Responsabilidade social empresarial e empresa sustentável política de crescimento econômico baseada na distribuição da produtividade para os acionistas, para os trabalhadores e para a sociedade - para esta última mediante a redução dos preços dos produtos sem reduzir a qualidade. Voltando ao ano de 1916, as decisões de Henry Ford, que controlava a FMCo, não agradaram a John e Horace Dodge que, detendo cerca de um quarto das ações da empresa, eram os acion is- tas mais importantes depois de Henry Ford. O conflito foi levado à justiça, e esta considerou que a decisão de Henry Ford constituía abuso por parte do dirigente. Ford apelou para a Suprema Corte de Michigan e perdeu outra vez. Os juízes ficaram com os irmãos Dodge e lavraram uma sentença que fez história no conflito entre proprietários e dirigentes das corporações. Segundo o juiz que redigiu a sentença, os agentes da corporação, mesmo sendo acionistas majoritários, não podiam reter arbitrariamente os lucros obtidos pela companhia ou aplicá-los em uso não autorizado pelo seu estatuto. Mesmo reconhecendo as obras humanitárias realizadas por Ford, como a construção de um hospital para o uso dos empregados, a sentença deixou claro que a corporação é organizada e conduzida primariamente para o lucro dos acionistas, e o poder dos diretores deve ser empregado para esse fim**. Essa decisão continua gerando efeito para a re- solução de conflitos entre acionistas e dirigentes nos tribunais norte-americanos na ausência de outras considerações. Fonte: Elaborado pelos autores. • Ford, 1925, p. 192-195, 219. •• Supreme Court of Michigan, 1919. A legislação brasileira não se rendeu totalmente ao princípio da primazia dos acionistas, e nem poderia fazê-lo, pelo conceito de função social da proprieda- de, que passou a ter status constitucional12• Pela Constituição Federal de 1988, a ordem econômica, fundamentada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observando os seguintes princípios: 1. soberania nacional; 2. propriedade privada; 3. função social da propriedade; 4. livre concorrência; 5. defesa do consumidor; 6. defesa do meio ambiente; 7. redução das desigualdades regionais e sociais; 8. busca do pleno emprego; 9. tratamento mais favorecido para as empresas de pequeno porte constituí- das sob as leis brasileiras e que tenham sede no Brasil13• 12 Brasil, 1988, art. 5°, inciso XXIII. 13 Id., art. 170. 14 CAP íru LO 1 Enfoques teóricos Esses princípios constitucionais foram incluídos na Lei das Sociedades Anônimas. De acordo com essa lei, "o administrador deve exercer as atribuições que a lei e o estatuto lhe conferem para lograr os fins e no interesse da companhia, satisfeitas as exigências do bem público e da função social da empresa" 14• A lei veda ao administrador a prática de atos de liberalidade à custa da companhia 15, mas abre a possibilidade de o Conselho de Administração, o órgão de deliberação colegiada da sociedade anônima, que é obrigatório para as de capital aberto, "autorizar prá- ticas de atos gratuitos razoáveis em benefícios dos empregados ou da comunidade de que participe a empresa, tendo em vista suas responsabilidades sociais1116• Vê- -se, portanto, que a legislação brasileira adotou a teoria do acionista com ressalvas. O Quadro 1.3 apresenta um exemplo desse modo de atuar coerente com a le- gislação brasileira, que admite a aplicação de recursos em atividades não voltadas especificamente para a obtenção de lucros, desde que tenha anuência dos acionis- tas. Esse modo de entender tornou-se dominante, pois mantém a soberania dos acionistas, sendo deles a decisão de aplicar recursos das empresas em atividades de cunho social. Quadro 1.3 Exemplo de aplicação de recursos empresariais em ações de responsabilidade social O Instituto Ecofuturo, uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP) criada e mantida pela Suzano Papel e Celulose, desenvolve projetos em parceria com empresas, órgãos públicos, universidades e comunidades, nas áreas de educação e meio ambiente. Tem como missão promover a integração entre o ser humano e a natureza por meio da educação ambiental e tem como ideal conciliar o desenvolvimento econômico com o desenvolvimento humano e a conservação do meio ambiente. Entre os exemplos de sua atuação, merecem destaque: • Biblioteca comunitária ler é preciso, que tem como objetivo contribuir com a melhoria da educação no Brasil. Até abril de 2015, implantou 104 bibliotecas comunitárias de forma participativa em municípios de vários estados brasileiros. • Parque das Neblinas, projeto de regeneração da mata nativa em áreas adquiridas pela em- presa para a produção de celulose a partir do eucalipto. Em 1991, esse parque foi declarado Patrimônio da Humanidade pela Unesco como parte da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica • Reservas Ecofuturo, programa que tem como objetivo estruturar e elaborar estratégias de manejo para unidades de conservação. É destinado a proprietários de terra, órgãos do governo, organizações não governamentais e empresas que possuem áreas naturais com remanescentes de florestas nativas ou que tenham interesse em adquirir terras como estratégia para garantir a conservação da natureza. 14 Brasil, 1976, art. 154. 15 Id., art. 154, §, 2°, a. 16 Id., art. 154, § 4°. 15 Responsabilidade social empresarial e empresa sustentável O Instituto Ecofuturo, gerido de maneira independente da Suzana, conta com uma direto- ria, uma gerência executiva e uma equipe ligada a um Conselho de Administração que, além de membros da família Feffer, é composto por representantes da sociedade, divididos entre membros do governo e da academia, além dos presidentes da Suzana Papel e Celulose e da Suzana Petroquímica. É financiado por empresas e não por indivíduos, como a Fundação de Bill e Melina Gates. Todo o dinheiro aplicado pela Suzana Papel Celulose no Instituto Ecofuturo é aprovado pelo seu Conselho de Administração, que tem representante dos acionistas minoritários, como estabelece a lei das Sociedades Anônimas. Além da Suzana, o Instituto arrecada fundos de outras empresas com objetivos comuns relativos ao meio ambiente e à educação, como a Philips, Duratex, Akzo Nobel, Banco Safra, Avon, Companhia Vale do Rio Doce, ltaú e Comgás. Fonte: Instituto Ecofuturo. Disponível em: <www.ecofuturo.org.br>. Acesso em: 11 abr. 2015. 1.2 CRÍTICAS À TEORIA DO ACIONISTA Diante de um clima disseminado de aversão ao capitalismo, aos lucros e às corpora- ções sem alma, entre outras opiniões negativas, Friedman admitia que a concessão de recursos para atividades em benefício de outros que não sejam os proprietários pode ser considerada e plenamente justificada em nome do autointeresse des- tes17. Por isso, não se deve centrar a crítica da teoria do acionista na condenação da filantropia, pois essa práticapode ser admitida quando for de interesse dos proprietários. Um modo de contestar essa teoria é atacar a convergência do interesse indivi- dual com o interesse coletivo, sua principal coluna de sustentação. A ideia de que cada um, ao buscar o melhor para si, não gera o melhor para todos tem sido mos- trada por meio do dilema do prisioneiro, um jogo no qual cada prisioneiro deve escolher entre cooperar ou não cooperar com o outro prisioneiro18. O jogo apresen- ta diversas variações, e uma delas é a seguinte: dois suspeitos de um assalto foram presos portando armas de fogo sem licença para tal, mas não podem ser acusados pelo assalto ocorrido porque não foram pegas em flagrante delito. Eles serão inter- rogados separadamente, de modo que nenhum saberá o que o outro irá dizer. O delegado de polícia que preside o interrogatório faz três propostas para cada um, separadamente: (1) se ambos confessarem, cada um cumprirá pena de três anos de cadeia; (2) quem confessar ficará livre e o cúmplice que não confessar passará sete anos na cadeia; e (3) se nenhum confessar, os dois ficarão presos por um ano por porte ilegal de armas. Nestes termos, não confessar significa cooperar com o 17 Friedman, 1970. 18 A formulação desse jogo na forma de um dilema é atribuída a Merrill Flood e Melvin Dresher, pesquisadores da Rand Corporation, e a Albert Tucher, matemático da Universidade de Princeton (Gibson et al., 1999, p. 75). 16 CAP íru LO 1 Enfoques teóricos outro prisioneiro e confessar, não cooperar. A Tabela 1.1 apresenta as opções possí- veis diante das propostas feitas pelo delegado. Os números nas células indicam as possíveis combinações de opções, por exemplo, os números da célula superior do canto direito significam que B confessa e sairá livre (zero ano de cadeia) e A, que não confessa, ficará preso por sete anos. Nesse jogo, cada prisioneiro não sabe da decisão do outro e nem combinaram alguma resposta conveniente para ambos. Tabela 1.1 Dilema do prisioneiro: matriz de resultados ~ Coopera Não coopera A (não confessa) (confessa) Coopera (não confessa) 1,1 7,0 Não coopera (confessa) 0,7 3,3 Fonte: Elaborado pelos autores. Como se vê, o melhor resultado coletivo seria a cooperação, pois cada um pe- garia a menor punição (célula superior esquerda). Mas como cada um procura o melhor para si, o prisioneiro A pensará assim: não sei qual será a decisão de B, mas se ele não confessar, para mim o melhor será confessar, pois assim ficarei livre; se ele confessar, o melhor também será confessar, pois só pegarei três anos e não sete. Ou seja, confessar é a melhor opção para A. O prisioneiro B também pensará desse modo e optará por confessar, ou seja, não cooperar com o seu colega. Com isso, ambos passarão três anos vendo o sol nascer quadrado ( célula inferior direi- ta). Em outras palavras, a busca do melhor resultado em termos individuais não conduziu ao melhor resultado para ambos. Muitos veem nesse jogo uma confir- mação de que as ações individuais conduzidas pelo autointeresse levariam ao es- tado hobbesiano, no qual o homem é o lobo do homem. Um exagero, certamente. Esse é um jogo muito simples com uma só rodada, e que poderá ter outros re- sultados dependendo da proporção entre as penas e as recompensas. Além disso, não reproduz a realidade da bandidagem, pois, como é amplamente conhecido, os bandidos possuem códigos de conduta e a delação é uma das ações mais exe- cradas, geralmente punida com morte. Esse assunto deu argumento para muitos filmes e romances policiais, como a belíssima obra Omertà, de Mario Puzo, autor que ficou conhecido pelo livro O poderoso chefão, levado ao cinema pelo diretor Francis Ford Coppola. Esse jogo pode ser ampliado para incluir mais rodadas, mais jogadores e outros comportamentos além de duas únicas opções ( cooperar ou não). Um exemplo são 17 Responsabilidade social empresarial e empresa sustentável as retaliações ao estilo da lei de Talião: "Olho por olho, dente por dente''. Robert Axelrod, cientista político da Universidade de Michigan, fez simulações com mui- tas interações e diversas estratégias com o objetivo de verificar como a cooperação pode emergir entre agentes egoístas sem uma autoridade central. Ele constatou a prevalência da estratégia olho por olho (titfor tat), ou bateu levou, na qual o jo- gador coopera na primeira rodada e continua cooperando se o oponente também cooperar, caso contrário, fará como fez o oponente. Ou seja, os jogadores se pagam na mesma moeda se o jogo continua. Como os jogadores se preocupam com os resultados futuros, pois o jogo tem que continuar, cooperar passa a ser a estratégia dominante entre eles19 • Em outras palavras, a cooperação prevalece sem que haja uma autoridade central ditando as regras do jogo. Os resultados das experiências de Axelrod poderiam ser convocados em defesa do autointeresse e, por conseguinte, da abordagem do acionista. Algumas consta- tações desse autor são, inclusive, coerentes com a teoria dos custos de transação, como, por exemplo, a de que a cooperação não se funda na confiança, mas na duração do relacionamento entre os agentes. Como se depreende dessa teoria, o valor presente dos ganhos futuros tende a ser maior em transações repetidas ba- seadas em contratos de longo prazo do que em transações esporádicas, uma vez que as primeiras desencorajam atitudes oportunistas e, dessa forma, reduzem os custos dos agentes para se protegerem dos riscos relacionados com as transações. O oportunismo tende a ser maior quando se trata de uma única transação ou quando não se vislumbram repetições no futuro. Talvez seja por isso que cortar o cabelo ou comer um misto quente em rodoviárias tenham grandes chances de cau- sar decepções. Nas relações entre agentes econômicos, a possibilidade de repetir as transações, ao permitir antever ganhos futuros, estimula práticas cooperativas, evita o oportunismo e faz da boa reputação um fator redutor dos custos de tran- sação, gerando resultados positivos para ambos. Contestar a teoria do acionista, atacando o autointeresse pode não ser a melhor via, já que mudanças nas formas de relacionamentos entre os jogadores acarretarão outros resultados. Essa teoria pode ser contestada com mais propriedade argumentando-se que maximizar o lucro para o acionista, mesmo agindo dentro da lei, é insuficiente, pois não atende às expectativas da sociedade com relação às empresas. De fato, as nor- mas legais não cobrem todas as considerações decorrentes dos relacionamentos entre indivíduos e grupos, uma das diferenças entre o Direito e a Moral. Embora ambos sejam normas de conduta social, o domínio das normas morais cobre um espectro muito mais amplo das relações sociais do que o das normas legais, de modo que, com frequência, se observam conflitos entre elas. Por exemplo: uma 19 Axelrod, 1984. 18 CAP íru LO 1 Enfoques teóricos empresa, quando pretende demitir um funcionário sem justa causa, sempre o faz após o término de suas férias. A legislação confere este direito à empresa, e se ela pagar todos os direitos previstos em lei estará de acordo com o entendimento de responsabilidade segundo a teoria em questão. Mas seria tal prática moralmente correta? Vendo do lado do trabalhador, essa é uma prática prejudicial, pois trans- forma as suas férias, que deveriam ser momentos de lazer, despreocupação e ale- gria, em período de torturante espera pelo pior. Outro exemplo: uma empresa lança um poluente tóxico na atmosfera em quan- tidades próximas ao limite máximo permitido pela legislação, que se mantém inalterado desde que a lei foi promulgada há mais de uma década. Nesse perío- do, muitos estudos científicos conduzidos por diferentes instituições de renome internacional mostram que os humanos expostos ao poluente, em quantidades inferiores a esse limite, passam a ter problemas de saúde graves e irreversíveis. Além disso, já existem equipamentos que impedem completamente o lançamento desse poluente,
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