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Execuções Cíveis ATIVIDADE PRÁTICA SUPERVISIONADA Jéssica Volino Berwig Análise Crítica do Julgado O caso em fomento apresenta a decisão judicial do juiz da 2ª Vara Cível que determinou a penhora de 30% dos vencimentos do executado, sob a premissa de que tal valor não influi na subsistência da família do devedor. Da análise crítica e, à luz da legislação brasileira, tem-se que o derrogado Código de Processo Civil de 1973 previa a impenhorabilidade absoluta do salário, como exposto no art. 649, inciso IV, configurando-se totalmente descabida a pretensão de penhora do salário do executado, salvo em casos de prestação alimentícia. A partir do novo Código de Processo Civil de 2015, houve uma mudança de entendimento, tratando, conforme art. 833, inciso IV, como impenhoráveis os salários, não aplicando-se mais essa restrição de forma absoluta. Com a mudança gramatical exposta no novo Código de 2015, passou-se a haver um entendimento controverso acerca da possibilidade de penhora dos vencimentos do executado, e muitos julgados mostraram-se favoráveis à penhora de 30% do salário, não somente nos casos de dívida relacionada à prestação alimentícia. Porém, com a modificação do entendimento, surgiram questionamentos acerca do limite de tal flexibilização, que encontraram empecilhos no princípio da dignidade humana, e na subsistência própria e familiar. De acordo com a Constituição Federal de 1988, em seu art. 1º, inciso III, a República Federativa do Brasil tem como fundamento o princípio da dignidade da pessoa humana, que versa sobre a garantia das necessidades vitais do indivíduo e, nas palavras de André Ramos Tavares, “consiste não apenas na garantia negativa de que a pessoa não será alvo de ofensas ou humilhações, mas também agrega a afirmação positiva do pleno desenvolvimento da personalidade de cada indivíduo.”. Esse princípio, por sua vez, impede que se prejudique os vencimentos do devedor ao ponto de ele não mais conseguir manter sua vida conforme os parâmetros necessários de subsistência, bem como seu núcleo familiar. Foi convencionado, assim, que, com base em nossa Constituição Federal, e nos princípios do próprio processo penal, que rege-se pela boa-fé, que o executado não pode sofrer atos executivos que comprometam sua dignidade pessoal e a subsistência de sua família. Entretanto, o magistrado passou a entender também que não se pode privilegiar o luxo do devedor em prol da penúria do credor e, sendo assim, foi estabelecido no entendimento jurisprudencial que, caso os vencimentos do executado sejam altos o suficiente para, mesmo com a restrição de 30%, manter-se a si e a sua prole, a penhora mostra- se justificada e proporcional. Desse modo, a minha própria compreensão é de que há a possibilidade justa e razoável de penhora nas situações em que for preservada uma parte de tais verbas capaz de sustentar a dignidade do devedor e de sua família, ainda que não seja em casos de dívida alimentícia, e que Execuções Cíveis ATIVIDADE PRÁTICA SUPERVISIONADA Jéssica Volino Berwig os vencimentos não excedam 50 salários mínimos (art. 833, § 2º, CPC/15), haja vista que o credor, assim como o devedor tem direito de ter mantidos seus princípios constitucionais, tem direito de satisfazer o seu crédito. Segue julgado corroborando tal tese: AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO PÚBLICO NÃO ESPECIFICADO. EXECUÇÃO FISCAL. DÍVIDA ATIVA NÃO TRIBUTÁRIA. CERTIDÃO DO TRIBUNAL DE CONTAS. MUNICÍPIO DE SANTO AUGUSTO. PREFEITO MUNICIPAL. PENHORA. SALÁRIO. POSSIBILIDADE. CASO CONCRETO. 1. O entendimento prevalente é no sentido de que o art. 833, inciso IV, do Código de Processo Civil merece interpretação restritiva, de modo que a remuneração a que se refere é a última percebida, perdendo esta natureza a sobra respectiva, após o recebimento da remuneração seguinte. Posteriomente ao recebimento da remuneração do período seguinte, permanecendo o valor na conta ou sendo investido em caderneta de poupança ou outro tipo de aplicação, não mais desfruta da natureza de impenhorabilidade decorrente do citado inciso. Todavia, segundo o Superior Tribunal de Justiça, pode-se cogitar da impenhorabilidade prescrita no inciso X do mesmo art. 833, o qual confere o caráter de impenhorabilidade até o limite de quarenta salários mínimos, merecendo interpretação extensiva, então, para alcançar pequenas reservas de capital poupadas, e não apenas depósitos de caderneta de poupança, ressalvado eventual abuso, má-fé ou fraude, a ser verificado caso a caso, de acordo com as circunstâncias do caso concreto. 2. Ademais, o próprio Superior Tribunal de Justiça decidiu que a impenhorabilidade de salários, vencimentos e proventos pode ser mitigada quando for preservado percentual de tais verbas capaz de dar guarida à dignidade do devedor e de sua família. Nessa linha de raciocínio, nos termos da jurisprudência do Tribunal da Cidadania, "A regra geral da impenhorabilidade de salários, vencimentos, proventos etc. (art. 649, inciso IV, do CPC/73 e art. 833, IV, do CPC/2015), pode ser excepcionada quando for preservado percentual de tais verbas capaz de dar guarida à dignidade do devedor e de sua família" (EREsp 1582475/MG, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, CORTE ESPECIAL, julgado em 03/10/2018, DJe 16/10/2018). 3. Na hipótese contida nos autos, o juízo de origem determinou a constrição do percentual de 30% do salário recebido pelo executado no cargo de Prefeito Municipal, consignando na decisão que o devedor exerce, além da função de Chefe do Executivo Municipal, as de médico e empresário, paralelamente. O devedor sustentou ser descabida a pretensão de penhora de seus vencimentos, pois a exceção contida no artigo 833, § 2°, do Código de Processo Civil seria aplicável apenas para saldar créditos de natureza alimentar. Com efeito, o entendimento do Superior Tribunal de Justiça é no sentido de Execuções Cíveis ATIVIDADE PRÁTICA SUPERVISIONADA Jéssica Volino Berwig que: "A regra geral da impenhorabilidade dos vencimentos, dos subsídios, dos soldos, dos salários, das remunerações, dos proventos de aposentadoria, das pensões, dos pecúlios e dos montepios, bem como das quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e de sua família, dos ganhos de trabalhador autônomo e dos honorários de profissional liberal poderá ser excepcionada, nos termos do art. 833, IV, c/c o § 2°, do CPC/2015, quando se voltar: I) para o pagamento de prestação alimentícia, de qualquer origem, independentemente do valor da verba remuneratória recebida; e II) para o pagamento de qualquer outra dívida não alimentar, quando os valores recebidos pelo executado forem superiores a 50 salários mínimos mensais, ressalvadas eventuais particularidades do caso concreto. Em qualquer circunstância, deverá ser preservado percentual capaz de dar guarida à dignidade do devedor e de sua família" (Resp 1.407.062/MG. Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 26/02/2019, Grifei). No ponto, ainda que a redação do artigo 833, § 2°, do Código de Processo Civil, estabeleça que “O disposto nos incisos IV e X do caput não se aplica à hipótese de penhora para pagamento de prestação alimentícia, independentemente de sua origem, bem como às importâncias excedentes a 50 (cinquenta) salários-mínimos mensais [...]”, as especificidades do caso concreto não podem ser desprezadas pelo julgador. 4. Na espécie, a renda formalmente reconhecida pelo executado, que exerce os cargos de Prefeito Municipal, médico e empresário, é compatível com o valor arbitrado a título de penhora para quitar mensalmente débito oriundo de falhas administrativas identificadas pelo Tribunal de Contas do Estado, não se relevando desarrazoado e/ou desproporcional, tampouco há o comprometimento da sua subsistência ou de sua família. Se não bastasse isso, sequer aportaramaos autos movimentações financeiras ou mesmo declarações do imposto de renda, o que poderia vir a confirmar o real número de salários-mínimos mensais percebidos pelo agravante/executado, a fim de respaldar sua pretensão recursal, cujo ônus probatório lhe competia (art. 373, inciso I, do CPC). Pelas mesmas razões, não se há falar em redução do percentual. Por tudo isso, sob pena de se chancelar e estimular a eterna inadimplência do devedor, impõe-se a manutenção da decisão hostilizada. NEGARAM PROVIMENTO AO AGRAVO DE INSTRUMENTO. UNÂNIME.(Agravo de Instrumento, Nº 70083537019, Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Laura Louzada Jaccottet, Julgado em: 19-02-2020)
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