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Fichamento: O ‘’MILAGRE’’ BRASILEIRO CRESCIMENTO ACELERADO, INTEGRAÇÃO INTERNACIONAL E DISTRIBUIÇÃO DE RENDA 1967-1973. Referência: EARP, Fábio Sá; PRADO, Luiz Carlos Delome. O “milagre” brasileiro: crescimento acelerado, integração internacional e concentração de renda (1967-1973). In: FERREIRA, Jorge e Delgado, NEVES, Lucília de Almeida (orgs.). O Brasil republicano. O tempo da ditadura: regime militar e movimentos sociais em fins do século XX, volume 4. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2009. Introdução: o Debate sobre a Crise Econômica Brasileira no Início da Década de 1960 → Com o final da Segunda Guerra Mundial, por quinze anos (1945 – 1960), a taxa de crescimento média anual do PIB brasileiro foi uma das maiores do mundo (6.3 %), sendo esta superior em comparação com qualquer outro país da América do Sul. No Ocidente, apenas Alemanha possuía um maior crescimento econômico (10.5%). Já no Oriente, apenas o Japão e outras pequenas economias, como Coreia do Sul (6.5%) e Taiwan (7,6 %) superavam o crescimento brasileiro. (Maddinson, 1997). → Após esse período fantástico para a economia brasileira, em 1963 o crescimento econômico brasileiro caiu pela metade, o que gerou um debate para saber quais seriam as melhores reformas na economia buscando retomar as taxas históricas de outrora. Este debate continha duas questões centrais: 1º - Por que o modelo de desenvolvimento baseado na substituição de importações tinha perdido dinamismo? 2º - Quais mudanças na política econômica e que reformas institucionais seriam necessárias para a continuidade do processo de desenvolvimento no Brasil? → Os Economistas chamados de estruturalistas ou cepalinos, os mais influentes – Celso Furtado e Maria da Conceição Tavares - consideram que características herdadas da antiga inserção brasileira na economia internacional, baseada na exportação de produtos primários tropicais e os mecanismos que promoviam a crescente concentração de renda no Brasil, em especial a estrutura fundiária, estavam na origem da perda de dinamismo do desenvolvimento brasileiro. Sendo assim, as economias periféricas eram diferentes daquelas dos países centrais, o que forçava a adoção de políticas econômicas específicas. Deste modo a tese estruturalista explicava o crescimento industrial por substituição de importações como uma resposta a uma situação de desequilíbrio externo duradouro. Isto é, a grande depressão dos anos 1930 fez com que a capacidade de importação diminuísse graças à queda do valor das exportações brasileiras, originando-se o problema de como atender a demanda de bens e serviços internos que não foram afetadas pela crise do setor exportador. A partir dessa questão, três possibilidades são apresentadas: 1ª: Aumentar a oferta interna pela maior utilização da capacidade produtiva já instalada; 2ª: Aumentar a oferta de bens e serviços relativamente independentes do setor externo (por exemplo, serviços governamentais); 3ª: Instalar novas unidades produtivas para substituir a oferta de bens anteriormente importados. A primeira opção se esgotaria logo que as fábricas já instaladas no país estivessem produzindo com sua capacidade máxima, onde o processo de substituição de importações consistiria fundamentalmente no desenvolvimento das duas outras atividades. Conforme a oferta interna de bens e serviços de consumo se desenvolvia, surgia uma demanda por novas importações, agora bens intermediários e de capital. Além da dificuldade de conseguir divisas para sustentar as novas importações o que levava a um novo estrangulamento externo, que por sua vez induzia uma outra onda de substituições. (Tavares, 1972:117). A demanda interna seria afetada graças a problemas estruturais da economia brasileira. A partir do momento que ocorre a substituição de importações, os novos investimentos em atividades de maior sofisticação tecnológica absorveriam relativamente menos mão-de- obra que os investimentos em industriais mais leves e de menor conteúdo tecnológico. Portanto, era necessário alguém que oferecesse emprego à mão-de-obra para que a mesma consumisse os bens e serviços que ela mesma produzia. Onde obter estes empregos? Com este nível de desenvolvimento econômico os setores dinâmicos da economia não tinham condições de absorver as massas crescentes de população em idade de trabalhar, sendo assim, esta missão ficaria para a agricultura. Caso este setor conseguisse absorver grande parte da população e a produtividade agrícola fosse idêntica à do setor industrial, a renda resultante geraria uma demanda de produtos industriais que alavancaria o processo de crescimento econômico. Entretanto, a estrutura fundiária brasileira não gerava aumentos de produtividade, graças à baixa remuneração do trabalhador rural, contribuindo com o agravamento da concentração de renda, limitando o consumo dos produtos industriais. Deste modo, o aumento da renda urbana se fazia essencial para a continuidade da industrialização, de forma que um percentual relativamente pequeno da população – grande número em termos absolutos – formasse um mercado consumidor de produtos industriais mais sofisticados. A indústria moderna se instalaria assim, entretanto seu crescimento acabaria no momento em que o mercado consumidor de alta renda parasse de crescer. Com isso, haveria uma estagnação econômica, onde só seria possível sair dessa situação através da mudança do modelo econômico, com um modelo autossustentado de crescimento, permitindo assim que os trabalhadores consumissem aquilo que produziam. Esta transição dependia da ação direta do Estado através de investimentos governamentais que pudessem gerar uma demanda autônoma compensando a redução do impulso gerado pela substituição de produtos importados; e por outro, de mecanismos que superassem a deficiência da demanda interna, como uma Reforma Agrária, contribuindo para a ampliação e diversificação do consumo doméstico e também para melhor distribuição de renda. No início dos anos 1960 esse conjunto foi chamado de Reformas de Base. → Com outra perspectiva sobre estes problemas, os economistas liberais como Eugenio Gudin e Otávio Gouveia de Bulhões defendiam um modelo liberal de economia de mercado, considerando que no Brasil não havia nenhuma característica especial que justificasse a ação do estado de forma diferente realizada nos países mais avançados. Para eles, o estado deveria garantir estabilidade monetária e um modelo de tributação que incentivasse os investimentos. Tendo em vista essas condições econômicas citadas, a iniciativa privada daria a resposta garantindo o crescimento econômico, separando as esferas econômicas e políticas, onde o mercado com seu sistema racional garantiria a boa economia, segundo Gudin. Para os liberais, as reformas de base e o intervencionismo era uma visão equivocada, além de causarem o atraso econômico brasileiro, dando como argumento o populismo econômico que gerava uma instabilidade monetária, prejudicando a expansão do investimento privado. Ainda nessa linha de raciocínio, o populismo econômico gerava três desequilíbrios básicos: 1º Populismo fiscal: Estado gastando mais que sua arrecadação de tributos. 2º Populismo na política de crédito: Investimento não era financiado com a poupança doméstica, mas com a expansão da oferta monetária. 3º Populismo salarial: Levaria a que o aumento das folhas de pagamento superassem o crescimento da produtividade. →O debate entre estruturalistas e liberais só se resolveu com o Golpe de 1964, onde Castelo Branco nomeou liberais para gerência de sua política econômica, realizando suas reformas conservadoras, além de um plano de estabilização econômica que criaria bases para um novo modelo de crescimento no Brasil. 1: As Origens Domésticas do Milagre Econômico: As Reformas Conservadoras de Campos e Bulhões → Em 11 de abrilde 1964 o Congresso Nacional, sob a tutela do Ato Institucional nº 1, elegeu Castelo Branco como Presidente da República que nomeou Octavio Gouvêa de Bulhões para montar a equipe econômica, nomeando também Roberto Campos para o Ministério do Planejamento. A nova equipe econômica deu prioridade à luta para conter o aumento da taxa de inflação que se manifestava desde o início da década. Para isso eles definiram como primeira medida a diminuição do déficit público, redefinindo despesas as despesas previstas para o ano de 1964. Em agosto foi criado o plano econômico do governo Castelo Branco: o Plano de Ação Econômica do Governo (PAEG), tendo como objetivo para os anos de 1965-66 acelerar o ritmo de desenvolvimento econômico do país, contendo a inflação para assim obter um equilíbrio de preços em 1966. Esta linha de ação era devida, pois ao diagnóstico dos autores do plano a maior causa da estagnação econômica era o agravamento do processo inflacionário. Portanto, superando os problemas que levavam o controle dos preços seria possível criar as condições para a retomada do desenvolvimento. → A equipe econômica não aceitou a tentativa de controlar a elevação dos preços por meio de uma contração violenta da oferta monetária e da demanda agregada. Racionalizar a política de crédito ao governo significava não mais cobrir déficits do orçamento federal com transferências de recursos do Banco do Brasil, gerando um excessivo aumento da demanda agregada e aumentava os preços. Como se acreditava ser difícil reduzir os gastos públicos era indispensável elevar a disponibilidade de recursos para o governo, além de inadiáveis uma reforma tributária para melhorar a receita e reformas institucionais, criando um mercado para os títulos da dívida pública federal. O novo Código Tributário Nacional (Lei 5.172/66) substituiu os Impostos de Consumo e Impostos de Vendas e Consignações por impostos mais eficientes, como IPI e o ICM. A correção monetária (Lei 4.357/64) e a criação das Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional (ORTN) fez com que o antigo impasse de financiamento do governo fosse superado – a Lei de Usura, onde desde 1933 limitava a taxa máxima de juros a 12% anuais. Com a inflação brasileira superior aos juros, quem aplicasse em títulos do governo receberia um valor menor do que aquele aplicado. Com as novas regras, houve uma renovação das taxas de juros reais, permitindo o financiamento pelo setor privado de déficit público de forma não inflacionária. Além disso, criou-se o mecanismos de incentivo às exportações, isenções do IPI e de Imposto de Renda sobre os lucros obtidos com as mesmas. O Sistema Financeiro foi reformulado com a criação do Banco Central, substituindo a SUMOC, sendo responsável pela execução e fiscalização da política financeira determinada pelo Conselho Monetário Nacional. Separaram as empresas por tipo de atividade. Para o incremento do crédito ao setor privado, julgava-se necessária a criação de mecanismos para formação da poupança e realizar as reformas financeiras necessárias, aumentando os recursos de investimento ao setor privado, sem recorrer a fontes inflacionárias de criação de crédito, além de melhores condições de atração de capital estrangeiro, para assim atingir a taxa de investimento desejada. → Pretendia-se um reajuste dos salários, sem gerar pressões inflacionárias, ‘’despolitizando’’ as negociações salarias, adotando uma forma neutra, baseada na recomposição das perdas com a inflação e incorporando aos salários do aumento da produtividade econômica. Pretendia-se também flexibilizar a contratação e demissão da mão-de-obra, substituindo as indenizações pagas pelo empregador pelo mecanismo do FGTS, tendo como virtude uma fonte de poupança compulsória. Também interviram nos sindicatos mais ativos, evitando movimentos grevistas. → O FGTS – Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (criado pela Lei 5.172/66) foi um mecanismo que o empregador deveria depositar em nome do empregado uma parcela da remuneração paga para a formação de um fundo que seria usado em caso de dispensa sem justa causa, ou por ocasião de aposentadoria. Como a remuneração e o destino de suas aplicações eram controladas pelo governo, funcionava como uma poupança privada forçada. Entretanto, com as Cadernetas de Poupança, amplos setores da classe média aplicavam suas poupanças com garantias do governo e taxas de juros reais positivas. Estes novos mecanismos garantiram recursos que viabilizaram programas como o Plano Nacional de Habitação, executado pelo Banco Nacional de Habitação. → A política econômica de Castelo Branco não obteve êxito no que se refere ao controle da inflação, onde buscavam uma taxa de 25% em 1965 e 10% em 1966, não caindo abaixo de 40%. Já as reformas institucionais criaram bases para um novo modelo de crescimento econômico, dando resultado no governo seguinte. A reforma fiscal deu base tributária consistente para o financiamento do setor público, e com o estatuto da correção monetária, surgiu um mercado para títulos públicos federias. A reforma financeira permitiu uma gestão mais eficiente com a criação do Banco Central, e reestruturação do mercado de capitais. A reforma trabalhista reduziu custos de mão de obra, criou fundos de poupança compulsória, contribuindo para a ampliação de investimentos públicos. →Essas reformas deram-se em um contexto de baixo crescimento econômico e de grande insatisfação popular com os rumos da economia. Castelo Branco não via outra alternativa que não fosse o programa de estabilização, sendo mantido. O ‘’fechamento’’ do sistema político era justificado através da busca por essa estabilização econômica e anti- inflacionária, sendo o único compromisso exigido por Castelo Branco para apoiar Costa e Silva. O novo presidente foi eleito num contexto de consolidação de reformas econômicas conservadoras, através de um congresso manietado. 2: As Condições Externas para o Milagre Econômico -→ Durante a década de 1960 a economia mundial cresceu em um ritmo bastante acelerado. Entre 1961 e 1973 a economia norte-americana crescia a uma taxa média de 4.5% ao ano, o Japão a 9.4%, a Alemanha 4.3% e a Itália a 4.9% (Argy, 1981:69). No entanto se observava um problema sério no início da década no que se refere ao déficit no balanço de pagamentos dos EUA, tendo como principal causa o financiamento da política externa, com a guerra do Vietnã, um número elevado de forças militares na Europa e outras partes do mundo, além de investimentos externos das empresas transnacionais e os empréstimos internacionais. A década de 1960 foi um período que o mercado de operações cambiais deixou de ser atividade financeira de pequeno porte, transformando-se em um negócio de empréstimos bancários internacionais em dólar para empresas transnacionais, governos e empresas públicas. O principal centro financeiro é Londres. A principal moeda era o dólar norte- americano. Por isso era conhecido como mercado de Eurodólar. A vantagem desses mercados é que não havia controle de nenhuma autoridade, nem de países em que estavam localizados, nem pelos EUA. Entre 1964 e 1973 a expansão dos negócios com divisas aumentou os fluxos internacionais de capital, elevando os investimentos diretos das empresas transnacionais, facilitando a capitação de empréstimos em dólar por países em desenvolvimento, financiando crescimento econômico ou déficits na balança dos pagamentos. Além do cenário internacional favorável, medidas foram tomadas para facilitar a atração de investimentos. Ainda com Castelo Branco foi reformulada a Lei de Remessa de Lucros, que considerava apenas o capital originalmente investido como capital estrangeiro para efeito de cálculo de lucros obtidos. Mas as principais medidas de estímulo à capitação da poupança externa ocorreram nos governos Costa e Silva e Médici, onde a liberalizaçãodos fluxos de capitais criou condições de que firmas brasileiras integrassem a oferta de crédito internacional. Aumento do financiamento externo e condições favoráveis ao aumento das exportações favoreceu a retomada do crescimento econômico brasileiro. 3: A Necessidade Política do Crescimento Econômico → A expressão ‘’Milagre Econômico’’ foi usada pela primeira vez em relação à Alemanha Ocidental. A rapidez de recuperação deste país na década de 1950 foi tão inesperada que muitos chamavam de ‘’Milagre Alemão’’. A expressão também foi utilizada no caso japonês na década de 1960. Já na década de 1970, a expressão ‘’Milagre Brasileiro’’ é usada como sinônimo para o boom econômico observado desde 1968, sendo utilizado como instrumento de propaganda. Costa e Silva nomeou Delfim Neto para Ministro da Fazenda e Hélio Beltrão para Ministro do Planejamento. Assumindo em um quadro recessivo e um crescimento de movimentos de oposição no âmbito interno, recomendavam uma maior preocupação com a retomada do crescimento. A partir disso, pensaram em uma nova política econômica, a PED (Plano Estratégico de Desenvolvimento), que previa um crescimento de 6% ao ano. → Com a nova Constituição e a primeira sucessão do regime militar significavam a institucionalização da nova ordem. No plano político, buscavam mecanismos de legitimação com o argumento de restabelecimento da ordem econômica e política, que se desgastava com as expectativas de crescimento e restabelecimento da ordem democrática que ganhava força na sociedade. Com este cenário, Roberto Campos chamou de ‘’legitimação pela eficácia’’, sendo alcançada ‘’pela reversão de uma situação caótica, e depois pelo ímpeto reformista e, finalmente, pelo sucesso desenvolvimentista’’. (Campos, 1976:227). Sendo assim, deveriam ser alcançadas taxas maiores de crescimento econômico, induzidas pelo gasto público, aliado a uma política de controle da inflação. → A luta do movimento estudantil catalisou a insatisfação de outros segmentos da sociedade, chegando ao interior do Congresso Nacional, no momento em que a saúde do presidente mostrava-se debilitadíssima. Com a repressão ao movimento oposicionista, detenção dos delegados ao Congresso da UNE, o Ato Institucional n. 5, novas cassações, a morte de Costa e Silva, o início da luta armada, a posse de uma junta militar provisória e a escolha do novo presidente, o general Emílio Garrastazu Médici, o regime assumiu seu formato mais autoritário e derrotou seus adversários. O novo governo manteve Delfim Neto na Fazenda e coloca agora João Paulo dos Reis Velloso no Planejamento. Os objetivos da equipe econômica foram apresentados em dois planos: Metas e Bases para a Ação do Governo – Setembro 1970 – buscava diminuir a distancia do Brasil em relação aos países desenvolvidos, precisando crescer no mínimo 7% ao ano, incorporar tecnologias modernas aos segmentos mais dinâmicos da sociedade; integrar segmentos e regiões atrasados ao núcleo mais moderno da economia. O I Plano Nacional de Desenvolvimento (I PND) – Dezembro de 1971 – Prometeu transformar o Brasil em ‘’nação desenvolvida’’ dentro de uma geração. Pretendia elevar a taxa de investimento bruto para 19% ao ano, priorizando grandes programas de investimento: siderúrgico, petroquímico, corredores de transportes, construção naval, energia elétrica (inclusive nuclear), comunicações e mineração. Para ser viável, precisava contar com as grandes empresas estatais, créditos da rede de bancos oficiais, e conjunto de incentivos coordenados pelo Conselho de Desenvolvimento industrial. Tanto o ‘’Metas e Bases’’ quanto o I PND acreditavam que o Brasil poderia alcançar taxas de crescimento anuais de 9%, sendo um aumento considerável em relação aos 6% do PED, mas não perceberam que a economia já havia ultrapassado este patamar elevado. O ‘’Milagre’’ havia começado. 4: O ‘’Boom’’ → A principal marca do ‘’Milagre’’ foi o caráter inesperado das elevadas taxas de crescimento, sendo recebidas com desconfiança por setores da intelectualidade e da opinião pública. Ao mesmo tempo, o movimento estudantil ganhava as ruas, além do movimento operário iniciar sua reorganização. Até mesmo os planejadores do governo pereciam duvidar, já que o PED, o ‘’Metas e Bases’’ e o IPND propunham taxas bem menores. Entre os anos de 1968 e 1973 o PIB brasileiro ficou na casa dos dois dígitos, ao mesmo tempo a taxa de inflação ficou entre 16% e 27%, menores índices no período entre 1959 e 1994. Para completar, o comércio exterior mais que triplicou. Antonio Delfim Neto apareceu como responsável maior, além de um quadro bom na política econômica e o crescimento da economia mundial. → Crescer exigia adotar determinadas linhas de ação. A curto prazo era necessário desafogar a demanda agregada; no longo, aumentar os investimentos públicos e privados de forma que a formação bruta de capital fixo passasse da faixa dos 15 a 16% do PIB para dos 19 a 21%. Para lograr êxito, aproveitaram o momento favorável da conjuntura internacional e foi amplamente utilizado todo o arsenal de política econômica disponível. → Muda-se a política anti-inflacionária, considerando que a inflação já havia caído até onde poderia com uma política de retração da demanda, onde os elementos que levavam à alta dos preços estavam ao lado dos custos, graças à ação dos preços administrados pelo governo, dos aumentos excessivos dos oligopólios privados e das elevadas taxas de juros. Portando, a contenção salarial, tão importante no governo anterior, poderia ser amenizada. E embora o salário mínimo tenha ficado constante, o aumento da demanda por trabalho elevou o salário médio e reduziu o número dos que ganhavam salário mínimo. O governo sabia da existência de uma pressão inflacionária gerada pelo elevado déficit público, acreditando ser herança das dificuldades do governo anterior. O medo do governo era que o financiamento de déficit mediante aumento da dívida pública pudesse resultar em redução da liquidez para o setor privado, onde a expansão de crédito a este setor seria uma resposta natural à intenção de aumentar o papel das empresas privadas em um novo ciclo de crescimento da economia. → O combate à inflação deixou de ser feito através da contenção creditícia e passou para esfera de controle de preços dos segmentos não-competitivos da economia de forma a leva-los a reduzir progressivamente suas margens de lucro à medida que aumentavam suas vendas. Além disso, uma mudança importante foi na forma de organizar o sistema financeiro, que seguia o modelo norte- americano, foi reformulado incentivando a centralização dos capitais bancários. Entretanto, observa-se que os maiores Bancos já tinham superado o modelo de Bulhões, criando todos os instrumentos de créditos permitidos em lei. Mas, com a nova política financeira de Delfim Neto, um rápido processo de concentração bancária se deu, formando grandes conglomerados financeiros. Estas mudanças ampliou o crédito, principalmente no setor agrícola, usando um leque de isenções fiscais para reduzir custos. Assim o objetivo era elevar a oferta de alimentos para o mercado interno e aumentar as exportações. As exportações de manufaturados foi objeto de aumento de crédito, subsidiado muitas vezes e redução de entraves burocráticos. Igualmente houve a elevação do crédito aos consumidores em geral, para aquisição de bens de consumo duráveis de elevado valor unitário, podendo dividir em prazos de 12 a 36 meses através das Sociedades de Crédito, Financiamento e Investimentos. Outra política de grande alcance foi a construção civil, obtendo maior emprego de mão de obra de baixa qualificação profissional, dividindo-se em dois ramos: 1: Construção residencial – Alimentada pelo Banco Nacional da Habitação, financiando não apenas o construtor civil mas também o comprador do imóvel. 2: Construção pesada– beneficiado pela grande demanda estatal por obras de infraestrutura. Entre 1968 e 1973 o crescimento do Produto Industrial foi sempre superior ao do PIB, destacando-se o comportamento da Indústria de Transformação, que cresceu 13% ao ano. Em seguida vem o crescimento da oferta de bens de capital (18% ao ano) e bens intermediários (14% ao ano). Após estes vem o crescimento de bens de consumo não duráveis, que foi de 9% ao ano, puxado pelos gastos da massa popular com alimentos e vestuário. Este crescimento acelerado rapidamente reduziu a capacidade ociosa do setor industrial, caindo de 24% em 1967 para 7% em 1971, praticamente desaparecendo em 1972 (Bonelli e Malan, 1976). Portanto a continuidade do crescimento ficou dependente da ampliação da capacidade produtiva da indústria, forçando o aumento da taxa de investimento da economia. Em 1971 o indicador Formação Bruta de Capital Fixo passou os 20% anuais, chegando ao máximo histórico em 1975 com 24%, sendo fundamentais as definições de política industrial conduzidas pelo Conselho de Desenvolvimento Industrial e financiadas, sobretudo pelo BNDE. Mas os melhores resultados foram aqueles do comércio exterior, que cresceu muito mais rápido que o PIB. As exportações e importações que em 1966 mostravam respectivamente US$ 1,7 e 1,3 bilhões – em 1973 saltaram para US$ 6,2 bilhões, resultados do crescimento do comércio mundial, da evolução favorável dos termos de troca e do aumento da liquidez internacional, não podendo subestimar os fatores endógenos. As medidas econômicas criou um quadro novo para o comércio exterior. A política cambial foi radicalmente alterada a partir do regime de minidesvalorizações cambiais, facilitando o cálculo econômico a longo prazo. As exportações foram alvos de subsídios fiscais e creditícios diversos, principalmente aqueles do programa BEFIEX, acrescentando melhorias na infraestrutura de transportes e comercialização, além da desburocratização dos procedimentos de exportação e a promoção governamental de produtos brasileiros no exterior. Os manufaturados passaram de 20% para 31% da pauta de exportações, e em produtos agrícolas a redução do preço do café, caindo de 42% para 28%. A ascensão da soja também se destaca, saindo de 2% para 15% do total. (Corrêa do Lago, 1989) Uma política de redução de tarifas de importação foi adquirida, mas na prática as principais importações recebiam isenções fiscais de natureza diversa sendo o nível da tarifa um mau indicador do custo real de produtos importados no Brasil. Todo esse esforço é importante devido às necessidades de máquinas e equipamentos para o parque industrial brasileiro, depois do fim da capacidade ociosa. A Balança Comercial ficou levemente negativa nos anos de 1971 e 1972 a partir do momento que o aumento de importações foi superior ao de exportações, somando-se este ao crônico déficit de serviços. De um lado o investimento externo triplicou no período, por outro o Brasil não sentia dificuldade de conseguir crédito para o setor público e privado, implicando no aumento da dívida externa, pulando de US$ 4,5 bilhões em 1966 para US$ 12,6 bilhões em 1973, não sendo visto como um problema o endividamento externo no início da década de 1970, onde este destinava-se prioritariamente em investimentos para o setor privado. 5: Crescimento Econômico Sem Equidade No governo Médici a busca por legitimidade passou-se do plano político para o econômico, onde a ideia central era a de um ‘’Brasil Potência’’, servindo de base da propaganda e fundamentando sua legitimidade. Foi no Censo de 1970 que houve a constatação de piora na distribuição de renda durante a década de 1960, sendo um ponto fraco dos belos resultados apresentado pelo governo no que se refere ao aspecto econômico. Este será o principal ponto dos economistas oposicionistas em sua crítica ao Modelo Econômico Brasileiro. Nessa época, economistas brasileiros reviam suas teses anteriores para entenderem como poderia ter ocorrido um crescimento tão rápido sem reformas estruturais. → Furtado sustentava que a estagnação econômica seria graças a perda de dinamismo em substituição de importações a partir do estrangulamento da demanda que ocorria através da concentração de renda. → Tavares e José Serra defendiam que economias dependentes com grandes mercados internos, vide Brasil e México, transitavam em um modelo baseado em estímulos internos ao próprio sistema, não enfraquecendo a dependência externa, precisando realizar ajustes da demanda, criando novos mecanismos de financiamento de investimentos, além de novos projetos rentáveis e complementares à capacidade produtiva preexistente. Este modelo necessitava de uma nova ordenação da política econômica sobre o financiamento, distribuição de renda, orientação dos gastos públicos e a rearticulação do sistema monetário – financeiro em outras bases. Diziam também que a compressão salarial não foi uma barreira à expansão da demanda, onde a crescente concentração de renda permitiu a expansão do mercado pelo crescimento e diversificação do consumo de classes médias e altas urbanas. Seria necessária uma nova divisão entre tarefas do capital estrangeiro e do Estado brasileiro, onde este teria mais responsabilidade em abastecer o mercado interno através de insumos baratos e economias externas. O novo modelo permitiu um investimento industrial e novas oportunidades de acumulação de capital no setor financeiro e na construção civil, por exemplo. Portando a sociedade brasileira viveria desigual, com renda concentrada, mas dinâmica. → De forma crítica a este modelo, para Celso Furtado e Maria da Conceição Tavares, a má concentração de renda seria um problema estrutural do sistema, onde sem a mesma o dinamismo econômico desse momento não seria viável. Entretanto, o modelo de desenvolvimento, embora dinâmico, não alterariam os problemas da estrutura que caracterizariam a economia brasileira como subdesenvolvida. 6: A Controvérsia sobre a Distribuição de Renda O maior problema do governo brasileiro era o da distribuição de renda, sendo muito debatido, mas com mínimos efeitos políticos. Esta controvérsia da distribuição chegou ao Brasil a partir de afirmações de Robert McNamara, Ex-Secretário de Estado dos EUA, reconhecido burocrata internacional, e ganhou apelo público através de jornalistas, ministros, parlamentares, economistas e sociólogos. Albert Fishlow argumentava que a política econômica dos governos militares, tanto na estratégia anti-inflacionária, quanto nas reformas estruturais, tinha montado um sistema que não atingia as parcelas mais vulneráveis da população, onde a tendência seria a de concentração da renda. Este estudo confirma as interpretações de Tavares e de Furtado. Entretanto o governo respondeu a partir de um trabalho realizado por Carlos Geraldo Langoni, professor da Fundação Getúlio Vargas, divulgado em 1973 por meio do livro Distribuição de Renda e Desenvolvimento Econômico no Brasil. O livro mostra que a desigualdade de distribuição foi uma combinação de ganhos relativamente pequenos (menos de 10%) nos grupos de renda próximos ao salário mínimo, e de ganhos elevadíssimos nos grupos de alta renda. Langoni pega o aspecto da educação como variável explicativa do nível de renda. O livro de Langoni recebeu duras críticas de economistas da oposição, onde os mesmos afirmavam que o autor ignorava os efeitos da condução da política econômica na distribuição de renda, postulando que o desequilíbrio entre oferta e demanda de mão de obra qualificada seria auto corrigível pelo aumento da oferta de trabalhadores com maior escolaridade. → Após três décadas desse debate, é possível afirmar que o modelo brasileiro tinha como característica a concentração de renda, sendo esta uma das mais pesadas heranças que o ‘’Milagre’’ deixou para os anos do futuro.7: Conclusão O milagre econômico foi um produto de confluência histórica, a partir de boas condições externas que reforçaram espaços de crescimento abertos pelas reformas conservadoras no governo Castelo Branco, além da legitimação pela eficácia, concepção positivista que engessava o imaginário dos militares e seus aliados. O nacionalismo das forças armadas fez com que a opção pelo crescimento fosse adotada, ao invés de uma construção de uma ordem liberal como ocorria na Argentina. Por outro lado este crescimento não se mostrava muito preocupado no que se referia a uma melhora nas condições de vida da população, a não ser quando a segurança do regime se via afetada. Em agosto de 1971, Richard Nixon acaba com o acordo de Bretton Woods, o que levou a uma nova ordem na economia mundial, baseada em taxas de câmbio flutuantes e maior instabilidade financeira. Além desses fatores, o aumento do preço do petróleo também foi determinante para o declínio do boom brasileiro. Em 1973, depois de um conflito árabe- israelense no Oriente médio, a OPEP (Organização dos Países Produtores de Petróleo) retaliou os EUA e outros países que demonstraram apoio ao estado de Israel, quadruplicando o preço do petróleo. Estes acontecimentos marcaram o fim de 25 anos do pós-guerra, onde um cenário muito mais hostil de crescimento se apresentaria a países em desenvolvimento como o Brasil. O novo governo de Ernesto Geisel deveria voltar a escolher entre estabilização e crescimento, voltando-se mais uma vez para o espectro da legitimação pela eficácia, insistindo em uma predestinação brasileira de crescimento econômico sem limites.
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