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Análise do Discurso Profa. Maria Perpétua Teles Monteiro Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP) Núcleo de Educação à Distância - Universidade de Pernambuco - Recife Monteiro, Maria Perpétua Teles Letras: Análise do Discurso/ Maria Perpétua Teles Monteiro. - Recife: UPE/NEAD, 2012. 64 p. Universidade de Pernambuco, Núcleo de Educação à Distância II. Título Reitor Vice-Reitor Pró-Reitor Administrativo Pró-Reitor de Planejamento Pró-Reitor de Graduação Pró-Reitora de Pós-Graduação e Pesquisa Pró-Reitor de Extensão e Cultura Prof. Carlos Fernando de Araújo Calado Prof. Rivaldo Mendes de Albuquerque Prof. José Thomaz Medeiros Correia Prof. Béda Barkokébas Jr. Profa. Izabel Christina de Avelar Silva Profa. Viviane Colares S. de Andrade Amorim Prof. Rivaldo Mendes de Albuquerque UNIVERsIDADE DE PERNAmbUCo - UPE NEAD - NÚCLEo DE EDUCAÇÃo A DIsTÂNCIA Coordenador Geral Coordenador Adjunto Assessora da Coordenação Geral Coordenação de Curso Coordenação Pedagógica Coordenação de Revisão Gramatical Gerente de Projetos Administração do Ambiente Coordenação de Design e Produção Equipe de design Coordenação de suporte EDIÇÃo 2012 Prof. Renato Medeiros de Moraes Prof. Walmir Soares da Silva Júnior Profa. Waldete Arantes Profa. Silvania Núbia Chagas Profa. Maria Vitória Ribas de Oliveira Lima Profa. Angela Maria Borges Cavalcanti Profa. Eveline Mendes Costa Lopes Profa. Geruza Viana da Silva. Prof. Valdemar Vieira de Melo Igor Souza Lopes de Almeida Prof. Marcos Leite Anita Sousa Gabriela Castro Rafael Efrem Renata Moraes Rodrigo Sotero Afonso Bione Prof. Jáuvaro Carneiro Leão Impresso no Brasil - Tiragem 150 exemplares Av. Agamenon Magalhães, s/n - Santo Amaro Recife - Pernambuco - CEP: 50103-010 Fone: (81) 3183.3691 - Fax: (81) 3183.3664 5 Análise do discurso Profa. maria Perpétua Teles monteiro Carga Horária | 60 horas ementA Estudos da linguagem. Relações entre língua, enunciado e discurso. Fundamen- tos das teorias do texto e do discurso. A produção discursiva. Aspectos semân- ticos e semióticos da análise do discurso. Dimensões ideológicas do processo discursivo. Heterogeneidade discursiva e discurso polifônico. Elementos da ar- gumentatividade e pragmática. A interdiscursividade em textos verbais e não ver- bais. Análise do discurso: ensino e mudança social. objetivo GerAl Apresentar as bases teórico-filosóficas que sustentam os fundamentos, sentidos, processos e procedimentos da análise do discurso. ApresentAção Prezado aluno No percurso desta disciplina, pretendemos promover uma reflexão acerca do campo da Línguística e da Comunicação, especializado em analisar construções ideológicas em um texto, a que chamamos de Análise do Discurso. Inicialmente apresentaremos questões referentes à linguagem e ao discurso de forma a apontar conceito e objeto da Análise do Discurso e suas filiações teóricas. A seguir, apre- sentaremos questões relacionadas a Texto e discurso, Prática discursiva, Análise do Discurso: ensino e mudança social. Esperamos contribuir, mesmo que de forma introdutória, para o seu processo de aquisição de conhecimento e compre- ensão da Análise do Discurso, suas formas de produção de sentido e de desen- volvimento humano. 7Capítulo 1 77Capítulo 1 objetivos específicos • Apontar objeto e conceitos identificando aspectos teóricos, históricos e inte- lectuais da Análise do Discurso. • Questões Introdutórias à Análise do Discurso. • É a relação linguagem/pensamento/mundo unívoca. Análise do discurso Profa. maria Perpétua Teles monteiro Carga Horária | 15 horas Fo nt e: ht tp :// re vi st ae sc ol a. ab ril .c om .b r/ ar te /p ra ti ca -p ed ag og ic a/ re cr ia r- m ai s- -s en tid o- ar te -4 24 88 2. sh tm l introdução Existem várias formas de abordar a linguagem humana. Apesar das diferenças entre elas, há um consenso sobre a linguagem ser produto da atividade histórica dos homens, cuja função seria a de preencher uma das condições que a sobrevi- vência e a organização dos indivíduos em grupo impõem: a comunicação. Desse modo, é possível encontrar linguistas que estudam a língua como possibilidade de representação de uma realidade, ou os que a entendem como geradora de ações significativas dos indivíduos. Há ainda os que se ocupam em estudar os significados, descrevendo as regras de uso da língua e há aqueles que se propõem a analisar a produção de sentidos, incluindo dimensões mais amplas, como a da historicidade da linguagem. Pensando nas muitas maneiras de significar, os estu- diosos começaram a se interessar pela linguagem de uma maneira bem particular: a Análise do Discurso (AD). Nesta, procura-se compreender a língua fazendo sentido, como trabalho simbólico, parte do trabalho social geral, constitutivo do homem e da história. 8 Capítulo 1 1. Análise do discurso: filiAções teóricAs para a noção de sujeito. Este, por sua vez, se consti- tui na relação com o simbólico na história. Assim, para a Análise do Dis- curso, resume Orlandi (2010): a. A língua tem sua ordem própria, mas só relativamente autônoma (distinguindo-se da Linguística, ela reintroduz a noção de sujeito e de situação da análise da linguagem); b. A história tem seu real afetado pelo simbólico (os fa- tos reclamam sentidos); c. O sujeito de linguagem é descentrado, pois é afetado pelo real da língua e também pelo real da história, não ten- do o controle como elas o afetam. Tal fato redunda em dizer que o sujeito discursivo funciona pelo inconsciente e pela ideologia. A Análise do Discurso, trabalhando na conflu- ência dos três campos de conhecimento citados, irrompe em suas fronteiras e produz um novo re- corte de disciplinas, constituindo um novo objeto que vai afetar essa forma de conhecimento em seu conjunto: este novo objeto é o discurso. Nele te- mos o social e o histórico indisssociados. 2. Análise do discurso: linhA frAncesA De seu marco inicial (1969) até hoje, a Análise de Discurso francesa, de Michel Pêcheux e seus segui- dores, completou 35 anos. É pouco para a consoli- dação de qualquer área de conhecimento e pouco também para a ‘disciplina de entremeio’. Com o desaparecimento de seu principal pensador, em 1983, houve um natural esvaziamento do grupo de pesquisa, liderado por ele, a tal ponto que, hoje, na França, não se ouve mais falar em Pêcheux. Seu nome, suas obras, sua inquietante reflexão foram deixados de lado até por aqueles que se dizem ‘ana- listas de discurso’ na França. A morte do pai foi consumada. Apesar disso, ainda hoje se ouve falar muito o nome de Pêcheux. Onde? Aqui entre nós, na América Latina, mas, sobretudo no Brasil. Fo nt e: ht tp :// pt .w ik ip ed ia .o rg /w ik i/F ic he iro :B ru eg he l-t ow er -o f- ba be l.j pg Babel - Pieter Brueghel, o Velho (1563) A Análise do Discurso, nos anos 60, se constitui no espaço de questões criadas pela relação entre três domínios disciplinares que são, ao mesmo tempo, uma ruptura com o século XIX: a Linguísti- ca, o Marxismo, a Psicanálise. A Linguística se constitui pela afirmação da não transparência da linguagem: ela tem seu objeto pró- prio, a língua, e esta tem sua ordem própria. Essa afirmação, segundo Orlandi (2010), é fundamental para a Análise do Discurso que procura mostrar que a relação linguagem/pensamento/mundo não é unívoca, não é uma relação direta que se faz ter- mo a termo, ou seja, não é passada diretamente de um a outro, pois cada um tem sua especificidade. Por outro lado, a Análise do Discurso pressupõe o legado do materialismo histórico, isto é, há um real da história de tal forma que o homem faz his- tória, mas esta também não lhe é transparente. Daí, conjugando a língua com a história na pro- dução de sentidos, esses estudos do discurso tra- balham o que se vai chamar forma material (não abstrata), que é aforma encarnada na história para produzir sentidos; essa forma é, portanto, linguísti- co-histórica. Reunindo estrutura e acontecimento, a forma material é vista como acontecimento do significante (língua) em um sujeito afetado pela história. Entra aí, então, a contribuição da Psica- nálise, com o deslocamento da noção de homem 9Capítulo 1 Para aqueles que já tiveram a oportunidade de per- correr os intrincados caminhos da análise do dis- curso, está bem presente a marca que essa experiên- cia deixa no modo pensar as questões relacionadas à linguagem, ao mundo, ao sujeito. É difícil ficar imune a esse caminhar. Aqui no Brasil, o grande tributo que se deve pres- tar, pela consolidação e pela difusão da área é a Eni Orlandi, que, em seu trabalho como profes- sora, orientadora, pesquisadora e autora fez da Análise do Discurso um lugar de referência con- sagrado no quadro acadêmico institucional. (FER- REIRA, Maria Cristina Leandro – Disponível em: http://w3.ufsm.br/revistaletras/artigos_r27/re- vista27_3.pdf). As razões que fizeram surgir a Análise de Discurso na França, no final da década de 60, são diferentes das razões que a fizeram proliferar entre nós, no final da década de 70. Na França, o quadro da con- juntura política da época contrapunha a Análise do Discurso à tendência dominante nas ciências sociais – o conteudismo, a análise de conteúdo – como também à entrada com força da corrente for- malista-logicista, graças ao prestígio, entre outros, de linguistas como Chomsky. No Brasil, desde o início, o embate se deu com a Linguística, e a Aná- lise do Discurso acusada de não dar importância à língua, fixando-se exclusivamente no político. Por essa trilha, surgem os epítetos de ‘análise do dis- curso radical ou ortodoxa’ atribuídos à Análise do Discurso, concebida por Michel Pêcheux. Têm-se, pois, uma teoria e método de investiga- ção de que, o texto – unidade empírica – busca o acesso ao discurso, aceitando o desconforto de não considerar a linguagem como evidência, tampou- co como o já estabelecido. Prefere refletir nos en- tremeios, em interstícios disciplinares, nos desvãos existentes nas disciplinas que acabam por deixar à espreita suas articulações contraditórias. A AD trabalha na (des)construção do seu objeto, isto é, o discurso, interpretando-o incessantemente, em busca da compreensão do seu funcionamento. Nesse entremeio, formado pelo materialismo his- tórico, pela linguística e pela psicanálise, o discur- so instaura uma leitura que permite novos gestos de interpretação, liberando os seus sentidos por meio da sua materialidade, compreendida como o encontro do histórico com o linguístico. Aprofunda o caráter de interpretação da história, deslocando a ideia de que a história “aparenta” o movimento da interpretação do homem diante dos “fatos” para um campo teórico em que a noção de discurso pressupõe as condições de sua produ- ção. Não vê a história como exterioridade do texto, mas reconhece a historicidade no texto. 3- A linGuAGem em Questão Se, originalmente, a função da linguagem era ape- nas dar nomes às coisas do universo dos homens a fim de garantir melhores condições de sobrevi- vência, quando as relações sociais se estruturaram de forma para além dos agrupamentos primitivos, outros objetivos cada vez mais complexos se consti- tuíram e ultrapassaram a nomeação e a informação pura e simples. Fo nt e: ht tp :// bl og do or la nd el i.z ip .n et /a rc h2 00 9- 01 -1 1_ 20 09 -0 1- 17 .h tm l 3.1 línGuA e discurso Algumas abordagens concentram sua atenção sobre a língua como sistema de signos ou como sistema de re- gras formais, temos então a Linguística; ou como norma de bem dizer, por exemplo, a gramática normativa. 10 Capítulo 1 Segundo Voese (2004), é até com certa tranquili- dade e frequência que se afirma e ainda se aceita, em especial na escola, que a língua é um instru- mento de comunicação, no sentido de que serve para transmitir informações. Ou seja, entende-se que seja função predominante da língua a de re- presentar algo. Quando se defende a concepção de que a função da língua é exclusivamente representativa, adota-se a noção de código. Se a língua, porém, fosse ape- nas um código, os enunciados deveriam remeter sempre a um mesmo significado, embora se alte- rando, por exemplo, os contextos em que fossem produzidos. Voese (2004) lembra que, na década de 70, Ducrot abordava com muita propriedade essa questão, quando afirmava: Dizer que as línguas naturais são códigos destinados à transformação da informação de um indivíduo a outro, é ao mesmo tempo, admitir que todos os conteúdos expres- sos graças a elas são exprimidos de maneira explícita. Com efeito, por definição, uma informação codificada é, para aquele que sabe decifrar o código, uma informação que se dá como tal, que se confessa, que se expõe. O que é dito no código é totalmente dito, ou não de forma alguma. (DUCROT 1977 apud VOESE, 2004:30) A afirmativa nos deixa pistas de que a comunicação requer, a cada nova palavra explicativa, a necessária polissemia das palavras. Por necessária polissemia talvez possa ser compreendida a concepção de que os recursos linguísticos podem estar se referindo a diferentes coisas, ou que a nomeação de coisas é sempre arbitrária e seu sentido depende, em parte, de como os grupos sociais pensam e agem. Além disso, uma mesma coisa pode ser nomeada por diferentes expressões. Esse fato nos dá a primeira noção das dificuldades para se manter a noção de código, além de apontar para a complexidade da linguagem humana. A Análise do Discurso ou de Discurso, como seu próprio nome indica, não trata da língua, não trata da gramática, embora todas essas coisas lhe inte- ressem. Ela trata do discurso. A palavra discurso, etimologicamente, tem em si a ideia de curso, de percurso, de correr por, de movimento. O discurso é, assim, a palavra em movimento, prática de lin- guagem. Com o estudo do discurso, observa-se o ser humano falando. Por esse tipo de estudo, pode-se conhecer melhor aquilo que faz do homem um ser especial, com sua capacidade significar e significar-se. A Análise do Discurso concebe a linguagem como mediação ne- cessária entre o homem e a realidade natural e so- cial. Essa mediação, que é o discurso, torna possível tanto a permanência e a continuidade quanto o des- locamento e a transformação do homem e da reali- dade em que vive. O trabalho simbólico do discur- so está na base da produção da existência humana. Para Orlandi (2010), a primeira coisa a se observar é que a Análise do Discurso não trabalha com a língua como um sistema abstrato, mas com a lín- gua no mundo, com maneiras de significar, com seres humanos falando, considerando a produção de sentidos como parte de suas vidas, seja como sujeitos, seja como membros de uma determinada forma de sociedade. Levando em consideração o homem em sua histó- ria, a Análise do Discurso considera o processo e as condições de produção da linguagem mediante a análise da relação estabelecida pela língua com os sujeitos que falam e as situações em que se produz o dizer. Desse modo, para encontrar a regularida- de da linguagem em sua produção, o analista do discurso relaciona a linguagem à sua exterioridade. Tendo em vista essa finalidade, ele articula de modo particular conhecimentos do Campo das Ciências Sociais e do domínio da Linguística, fundada em uma reflexão sobre a história da epistemologia e da filosofia do conhecimento empírico, objetivan- do a transformação da prática das ciências sociais e também a do estudo da linguagem. Essa proposta em que o político e o simbólico se confrontam, coloca questões para a Linguística, interpelando- -a pela historicidade, do mesmo modo que coloca questões para as Ciências Sociais, interrogando a transparência da linguagem sobre a qual elas se assentam. Dessa forma, os estudos discursivos vi- sam pensar o sentido dimensionado no tempo e no espaço daspráticas do homem, descentrando a noção de sujeito e relativando a autonomia do objeto da Linguística. Em consequência, não se trabalha com a língua fe- chada nela mesma, mas com o discurso, que é o ob- jeto sócio-histórico em que o linguístico intervém. Nem se trabalha, por outro lado, com a história e a sociedade como se elas fossem independentes do fato de que elas significam. 11Capítulo 1 Nessa confluência, a Análise do Discurso critica a prática das Ciências Sociais e a da Linguística, refletindo sobre a maneira como a linguagem está materializada na ideologia e como a ideologia se manifesta na língua. Partindo da ideia de que a materialidade específica da ideologia é o discurso e a materialidade do discurso é a língua, trabalha a relação língua-discurso-ideologia. Essa relação se complementa com o fato de que “não há discurso sem sujeitos e não há sujeito sem ideologia: o in- divíduo é interpelado em sujeito pela ideologia e é assim que a língua faz sentido” (PECHEUX, 1975 apud ORLANDI, 2010). Consequentemente o discurso é o lugar em que se pode observar essa relação entre língua e ideologia, compreendendo-se como a língua produz sentido por e para os sujeitos. 3.2 discurso A noção de discurso, em sua definição, distancia- -se do esquema elementar de comunicação que dis- põe seus elementos, definindo o que é mensagem (emissor, receptor, código, referente e mensagem). Para a Análise do Discurso, não se trata apenas de transmissão de informação, nem há essa linearida- de na disposição dos elementos da comunicação, como se a mensagem resultasse de um processo assim seriado: alguém fala, refere alguma coisa, baseando-se em um código, e o receptor capta a mensagem decodificando-a. Na realidade, a língua não é só um código entre outros, não há essa sepa- ração entre emissor e receptor, tampouco eles atu- am numa sequência em que primeiro um fala e de- pois o outro decodifica, etc. Eles estão realizando, ao mesmo tempo, o processo de significação e não estão separados de forma estanque. Além do mais, em vez de mensagem, o que se propõe é justamente pensar aí o discurso. Desse modo, vemos que não se trata apenas, como pontua Orlandi (ibid. p.21) de transmissão de in- formação, pois, no funcionamento da linguagem, que põe em relação sujeitos e sentidos afetados pela língua e pela história, temos um complexo processo de constituição desses sujeitos e produ- ção de sentidos e não meramente transmissão de informação. São processos de identificação do su- jeito, de argumentação, de subjetivação, de cons- trução da realidade, etc. Por outro lado, tampouco se assenta esse esquema na ideia de comunicação. A linguagem serve para comunicar e para não co- municar. As relações de linguagem são relações de sujeitos e de sentidos e seus efeitos são múltiplos e variados. Daí a definição de discurso: o discurso é feito de sentidos entre locutores. Portanto, o sujeito e a situação que tinham sido postos para fora da análise linguística contam fun- damentalmente para a análise do discurso. Este su- jeito e esta situação, porém, contam na medida em que são redefinidos discursivamente como parte das condições de produção do discurso. Daí que na análise do discurso não se pode deixar de re- lacionar o discurso com suas condições de produ- ção, sua exterioridade. Essas condições de produção incluem, pois, os su- jeitos e a situação. Esta, por sua vez, pode ser pensa- da em seu sentido estrito quando ela compreende as circunstâncias da enunciação, o aqui e o agora do dizer, o contexto imediato; e no sentido lato quando a situação compreende o contexto sócio- -histórico, ideológico, mais amplo. Entenda-se que essa separação entre contexto imediato e contexto em sentido amplo é utilizada para fins explicativos, isto é, na prática, não se pode dissociar um do ou- tro, ou seja, em toda situação de linguagem, esse contextos funcionam conjuntamente. Não se deve também confundir discurso com “fala” na continuidade da dicotomia (língua/fala) proposta por Ferdinand de Saussure. O discurso não corresponde à noção de fala, pois não se tra- ta de opô-lo à língua como um sistema, em que tudo se mantém, com sua natureza social e suas constantes, sendo o discurso como fala apenas em sua ocorrência casual, individual, realização do sistema, fato histórico, assistemático, com suas va- ráveis, etc. O discurso tem sua regularidade, tem seu funcionamento em que é possível apreender se não fazemos oposição entre o social e o histórico, o sistema e a realização, o subjetivo e o objetivo, o processo e o produto. A Análise do Discurso faz outro recorte teórico re- lacionando língua e discurso. Em seu quadro teóri- co, nem o discurso é visto como uma liberdade em ato, totalmente sem condicionantes linguísticos ou determinações históricas, nem a língua como totalmente fechada em si mesma, sem falhas ou equívocos. A língua é condição de possibilidade do discurso. No entanto, as fronteiras entre língua e discurso são postas em causa sistematicamente em cada prática discursiva, pois as sistematicidades 12 Capítulo 1 em cada prática discursiva não existem sob a forma de um bloco homogêneo de regras, organizado à maneira de uma máquina lógica. A relação é de recobrimento, não havendo, portanto uma separa- ção estável entre eles. 3.3 o Ato de fAlA O estudo dos atos de fala revela que utilizar a lín- gua envolve muito mais que transmitir informa- ções, especialmente quando se descobre que se pode nela atuar. E o mal-entendido, o constrangi- mento, o mal-estar e o sofrimento que produzem certos enunciados não podem, pois, ser explicados, apenas, de um ponto de vista linguístico ou comu- nicacional porque, em geral, eles são resultados da inobservância de regras sociais que orientam tanto as escolhas linguísticas como o modo de usá-las. No ato de fala, ou seja, no uso da língua em inte- ração, o enunciante faz e age, em geral, motivado por interações e interesses pessoais que nem sem- pre são explícitos, mas subentendidos, cuja com- preensão, porém, depende não só do que diz o enunciante, mas também das regras que orientam os atos de fala. Ao falar, deverá o indivíduo assu- mir, além do sentido instituído nas palavras, deter- minados comprometimentos cooperativos como o de ser sincero, quer seja em relação à informação quer seja em relação aos propósitos. Assim, além se ser uma produção de enunciados, qualquer ato de fala, também, é um ato interativo. Não se pode, portanto, reduzir o uso da língua à função comunicativa: a interação verbal, embora se apoie na informatividade das expressões lin- guísticas, inclui a observação de determinadas re- gras e acordos sociais, o que deve ser considerado como um conjunto de elementos extralinguísticos que parece acoplar-se aos sentidos do enunciado e contribuir de modo decisivo com o processo de significação. Observando, entretanto, um enunciado como “lu- gar de homem não é na cozinha”, algumas questões sérias em relação à concepção dos atos de fala to- mam vulto porque, nem sempre, o enunciante tem a preocupação de ser cooperativo e explícito nos seus objetivos, uma vez que pode implicitar por di- ferentes razões: “Saia da cozinha”, ou “Você está desrespeitando um costume nosso” ou “A minha mulher não quer você na cozinha”, por exemplo. Isso poderia indicar que nem sempre um enuncia- do tem um caráter informativo ou revelar as reais intenções do enunciante e com o que ele estaria disposto a se comprometer na interação, o que tal- vez explique, pelo menos parcialmente, porque se diz, correntemente, que, ao agir, não basta ter boas intenções. Isto é, as relações sociais são bem mais complexas que as que poderiam estimular sinceri- dade e transparência com as quais nem sempre os indivíduos podem se comprometer. Os seres hu- manos, muitas vezes, também mentem, enganam, seduzem, coagem, ameaçam, ou seja, se escondem e se protegem usando a língua, o que poderia in- dicar que aos propósitosdo enunciante se acres- centam dimensões de uma esfera mais ampla, a do controle e a dos rituais culturais. 3.4 o evento culturAl As pessoas se valem para interagir, não só da lín- gua, mas também de regras de uso. Nem sempre falar garante o sucesso do ato interativo, mesmo respeitando os limites do jogo linguístico e as re- gras conversacionais e interativas. A comunicação pode ficar prejudicada e a interação parece fugir do controle, motivo pelo qual a descrição do processo de produção de sentidos provavelmente requeira incluir, ainda, elementos de outra esfera social: a dos rituais institucionalizados, o que quer dizer in- cluir as determinações culturais. Na verdade, quando os indivíduos interagem, também se submetem a regras que têm origem em esferas sociais mais distantes da situação imediata e, por isso, são diferentes das regras conversacionais: as ações interativas apoiadas na linguagem sempre recebem marcas que, inclusi- ve, dizem respeito às atividades que desenvolvem os interlocutores. A interação verbal pode estar revelando que na in- formação contida pelo enunciado e o ato de fala que o enunciante realiza ao pronunciá-lo também se refere a um determinado papel que se pode exer- cer em determinada cultura, isto é, outra comuni- cação estaria se processando e o ato de fala deveria ser entendido como sempre, também um evento cultural. Veja-se o exemplo da frase dada “Lugar de homem é na cozinha.” Tem-se que esta refle- te, também, valor e valoração de papéis e lugares sociais, o que, historicamente, se constituiu como uma hierarquização de forças da qual, em geral, as interações sociais não podem fugir. 13Capítulo 1 3.5 o luGAr sociAl dA enunciAção Ao incluir, na produção dos enunciados, a di- mensão histórica, amplia-se ainda mais a questão da complexidade do uso da língua, de modo que um enunciado como o que vem sendo trabalhado “Lugar de homem não é na cozinha”, cujos senti- dos poderiam, no plano imediato da enunciação, ser considerados um tanto “inocentes” -, já que se referem a uma informação e realizam um ato de fala que é também um evento cultural -, assume também uma forma de valoração de um lugar so- cial, ou seja, aquilo que o homem diz (ou não) e faz (ou não) em determinado lugar social vai ter mais ou menos prestígio e poder. Em outros termos, ao enunciar “Lugar de homem não é na cozinha”, o enunciante poderia estar manifestando um valor como “Quem é que manda nessa casa, o homem ou a mulher?”, o que revelaria que só a mulher deveria ocupar o lugar onde se cozinha – e só ela deveria, poderia (?) falar sobre os assuntos ligados a esse lugar da casa, cuja “força” de fala seria inferior a de outros lugares por onde, por oposição, deveria transitar preferencialmente o homem. Pode-se, por exemplo, entender hoje que alguém, alguma vez, tenha sido condenado à morte por dizer que a Terra é redonda? E mais, isso pertence ao passado? Não, existem ainda hoje coisas ditas e não ditas, especialmente em jornais e revistas, às quais só poucos têm acesso. Fo nt e: ht tp :// w w w .g oo gl e. co m /im gr es ?h l= pt - A distribuição de papéis, de acordo com os lugares sociais que os indivíduos ocupam, corresponde a uma hierarquização que concretiza uma diferencia- ção quanto ao valor e à importância do que se diz em cada instância social, ou seja, há valores de pa- péis que se agregam às falas, ungindo-as com maior ou menor força para produzir efeitos de poder. E se nos enunciados transitam também valores sociais dessa ordem, pode-se arguir que, se muitas vezes o que é dito pode levar a julgamento e punição, não é porque houve insucesso no processo de comuni- cação. Ao contrário, é porque houve sucesso e se compreendeu muito bem o que foi dito para poder condenar o que, segundo valores sociais, não pode- ria ter sido dito. Há outras dimensões das relações humanas com que a utilização da língua se acha en- volvida e isso, em geral, não é dito explicitamente. Fo nt e: ht tp :// w w w .p or ta l6 70 .c om .b r/ ?p = 12 68 3 Outra questão que deve ser considerada importan- te diz respeito ao uso da língua na mídia, também chamada de meios de comunicação social, preci- samente, porque, se são esses os instrumentos dos quais a sociedade depende em termos de cir- culação e transmissão de informações, seria capaz de se esperar que a primeira preocupa- ção fosse, aí, com a precisão e a transparên- cia possível, no sentido de comunicar o mais exato e imparcialmente temas e fatos de que depende o desenvolvimento social. Sabe-se, porém, que tanto a TV como o jornal e o rá- dio, dentro da nossa sociedade, devem a sua existência não ao comprometimento com o que importa ao gênero humano, mas à prio- rização dos efeitos de manipulação produ- zidos por certas notícias com o público. Ou seja, são selecionadas e verbalizadas somente as infor- mações que atendam às expectativas das empresas patrocinadoras dos programas cujos produtos são divulgados e prestigiados. Nenhuma empresa, por exemplo, divulga seus produtos em jornais cujos leitores são poucos ou pertençam à camada social de pequeno poder aquisitivo. Tal situação revela, geralmente, a instalação, nesse meio, de um tipo de cumplicidade acobertada pelo fato de que inte- resses particulares se sobrepõem aos coletivos. Já não é tão difícil escutarmos que alguns canais de comunicação desinformam mais que informam, que não comunicam de forma imparcial ou que atendem mais aos interesses de determinados seg- mentos da sociedade. 14 Capítulo 1 Nesse sentido, pode-se compreender que a língua não se reduz à (de)codificação de uma mensagem, nem apenas a interações e eventos culturais, mas que a produção de sentidos não sugere uma trans- parência nem inocência, antes, o contrário. Os subentendidos e as implicitações comprometidas com determinados interesses são mais frequentes que se espera ou se pensa, e as interpretações que interessam ao exercício do poder, gerando confli- tos, representam problemas maiores que o fato de fazer apenas uma leitura errada. Ora, tal constatação implica dizer que a descrição da produção de sentidos precisa, também, respon- der por que e como se dá o fato de uma dada infor- mação, um determinado ato de fala ou evento cul- tural e não outros surgirem no tempo e no espaço circunstancial, ou seja, interessa também saber por que, em dadas circunstâncias históricas e sociais, se faz uma distinção quanto à presença de homem e mulher, por exemplo, na cozinha e que efeitos de sentido em termos de poder isso provoca nas respectivas falas. 3.6 o Acontecimento Ponto em que um enunciado rompe com a es- trutura vigente, instaurando um novo proces- so discursivo. O acontecimento inaugura uma nova forma de dizer, estabelecendo um marco inicial de onde uma nova rede de dizeres possí- veis irá emergir. Para Voese (2004:41), descrever a produção de enunciados e sentidos requer observar não só a si- tuação imediata da enunciação – o ato ou o evento restrito a si mesmo – mas também um contexto mais amplo e histórico. Nesse momento, o enun- ciado assume o estatuto de acontecimento. Essa concepção implica entender qualquer enunciado, do nível da sentença ao nível do texto, como um discurso não só quanto à estrutura interna como também em relação às conexões o qual estabelece, com diferentes esferas do gênero humano, o que corresponde à sua discursividade. Implica dizer que um enunciado, como texto, tem uma estrutu- ra interna própria e uma discursividade entendida como determinação exterior que fixa o horizonte de seu acontecimento e de suas leituras. Por ser mediação de fatos que acontecem na história, diz- -se que o discurso é também um acontecimento. É também história. E, por ser acontecimento, o discurso também deve ser abordado do ponto de vista do que significa como um repetido-errepetível para a continuidade do gênero humano. A compreensão do texto como discurso depende fundamentalmentede como se entende essa relação entre uma lógica do enuncia- do e a da determinação exterior, tanto da esfera imediata como da mediata. 3.7 ideoloGiA “...toda língua está necessariamente em relação com o ‘não está’, o ‘não está mais’, ‘o ainda não está’ e o ‘nunca estará’ da percepção imediata: nela se inscreve assim a eficácia omni-histórica da ideolo- gia como tendência incontornável a representar as origens e os fins últimos, o alhures, o além e o invi- sível.” (PÊCHEUX,1990, p. 8) IdeologIa e SujeIto Fo nt e: u el -2 00 5- q3 6- to ta lit ar is m o. jp g Orlandi (2010) enfatiza que um dos pontos fortes da Análise de Discurso é ressignificar a noção de ideologia com base na consideração da linguagem, trata-se de uma definição discursiva de ideologia. O fato de que não há sentido sem interpretação, atesta a presença da ideologia, ou seja, não há sentido sem interpretação e, além disso, diante de qualquer objeto simbólico, o homem é levado a interpretar. O trabalho da ideologia é produzir evidências, colocando o homem na relação imagi- nária com suas condições materiais de existência, a ideologia é condição para a constituição do sujeito e dos sentidos. O indivíduo é interpelado em sujei- to pela ideologia para que se produza o dizer. A evidência dos sentidos que faz uma coisa apagar o seu caráter material, faz ver com transparência aquilo que se constitui pela remissão a um conjun- to de formações discursivas que funcionam com uma dominante. A palavra recebe seus sentidos de 15Capítulo 1 formação discursiva em suas relações. Este é o efei- to da determinação do interdiscurso (da memória). A evidência do sujeito apaga o fato de que o indi- víduo é interpelado em sujeito pela ideologia. Esse é o paradoxo pelo qual o sujeito é chamado à exis- tência: sua interpretação pela ideologia. São essas evidências que dão aos sujeitos a realidade como sistema de significação percebida, experimentada. Tais evidências funcionam pelo chamado esque- cimento. Acontece de modo que a subordinação – assujeitamento - se realiza sob a forma da autono- mia, como um interior sem exterior, esfumaçando- -se a determinação do real do interdiscurso pelo modo como ele funciona. O trabalho ideológico é um trabalho de memória e do esquecimento, pois é só quando passa para o anonimato que o dizer produz seu efeito de literalidade. O dizer tem histó- ria, os sentidos não se esgotam no imediato. Tanto é assim que fazem efeitos diferentes para diferentes interlocutores. 4. o sujeito e suA formA históricA A forma-sujeito histórica, que corresponde à socie- dade atual, apresenta bem a contradição: é um su- jeito ao mesmo tempo livre e submisso. Ele é capaz de uma liberdade sem limites e uma submissão sem falhas: pode tudo dizer, contanto que se submeta à língua para sabê-la. Essa é a base que chamamos as- sujeitamento. Mediante a noção de determinação, o sujeito gramatical cria um ideal de completude, participando do imaginário de um sujeito mestre de suas palavras, ou seja, ele determina o que diz. Em determinados casos, o assujeitamento se faz do modo que o discurso apareça como instrumento (límpido) do pensamento e um reflexo justo da re- alidade. O sentido literal, na concepção linguística imanente, é aquele que uma palavra tem indepen- dentemente de seu uso, em qualquer contexto. Daí seu caráter básico, discreto, inerente, abstrato e ge- ral. A literalidade é uma construção que o analista deve considerar em relação ao processo discursivo com suas condições. 4.1 o sujeito nA históriA e no simbólico A prática da leitura discursiva procura compreen- der como sujeito e discurso se constituem. Surgem, assim, o simbólico e o significante, inaugurando-se novas práticas de leitura. O sujeito, então, é posto na ordem dos efeitos do simbólico e da história e no equívoco em que se trabalha o inconsciente e a ideologia. Portanto, a própria língua funciona ideologicamente, tem sua materialidade e oferece lugar à interpretação e à produção de sentidos. É aí que entra o interdiscurso, já que há o “outro”, na identificação ou na transferência, abre, assim, a possibilidade de interpretar mediante a organiza- ção da memória. Fo nt e: ht tp :// w w w .c ou nt er -c ur re nt s. co m /2 01 1/ 07 /n or m an -r oc kw el ls - -t rip le -s el f- po rt ra it/ É na memória que se inscrevem os sujeitos e os sentidos, mostrando-nos as coisas não como uma aprendizagem, mas como uma transferência, um deslizamento de sentidos metafóricos que são pro- duzidos nos discursos. Assim, podemos dizer que não há sentidos literais armazenados. Os sentidos são simbólicos e se constituem em processos, nos quais estão presentes a ideologia e o inconsciente. TEXTOS COMPLEMENTA RES Análise do discurso de linha francesa. Disponível em: http:/ /pt.scribd.com/ doc/36173843/ANALISE -DO-DISCUR- SO-DE-LINHA-FRANCES A O pensamento de FOUC AULT – Dispo- nível em: http://www.sc ielo.br/pdf/es/ v25n87/21471.pdf Análise do discurso: as marcas do su- jeito. Disponível em: h ttp://www.con- teudo.org.br/index.php/ conteudo/arti- cle/viewFile/13/12 Entre a estrutura e o acontecimen- to: Uma releitura de P êcheux e Fou- cault em busca do sis tema. Disponí- vel em: http://www .discurso.ufrgs. br/impressao.php3?i d_article=13 16 Capítulo 1 TEXTOS COMPLEMENTA RES Atos de fala. Disponíve l em: http:// www.atosdefala.com/ Teoria dos atos de fala. Disponível em: http://www2.videoliv raria.com.br/ pdfs/10585.pdf Atos de fala e ações sociais. Dis- ponível em: http:/ /www.ifcs.ufrj. br/~mvelasco/Textos/AC CIOSOC.pdf Análise dos atos de fala nas tirinhas de Mafalda. Disponível em: http://www.fi- lologia.org.br/xiicnlf/tex tos_completos/ An%C3%A1lise%20do s%20atos%20 de%20fala%20nas%20t iras%20de%20 mafalda%20-%20M%C3 %94NICA.pdf A Marcha da Produçã o: discurso e acontecimento (Ana Cl eide Chiarotti Cesário) http://www.pr.anpuh.o rg/resources/ anpuhpr/anais/ixencon tro/comunica- cao-coordenada/Marc ha%20da%20 producao%20um%20me smo%20obje- to%20e%20varios%20ol hares/AnaCC- Cesario.htm Contextos epistemológic os da analise do discurso: http://ww w.labeurb.uni- camp.br/portal/pages/p df/escritos/Es- critos4.pdf A teoria dos atos de fala como concep- ção pragmática de ling uagem (Danilo Marcondes de Souza Fil ho). Disponível em: http://www.pesso al.utfpr.edu.br/ paulo/atos%20de%20fal a.pdf VÍDEOS: Michel Foucalt por ele mesmo: http:// www.youtube.com/w atch?v=Oy0_ KfZnlws Debate: Chomsky-Fou cault: http:// www.youtube.com/watc h?v=W9S1CiG PX2Q&feature=related Ideologia Marcuse: http ://www.youtu- be.com/watch?v=7mNN npygMWU A Ideologia Segundo Ma rx: http://www. youtube.com/watch?v=5 mBwkKNyo4M SAIBA MAIS! FOUCAULT Paul-Michel Foucault na sceu em Poitiers, na França, em 15 de out ubro de 1926. Foi aluno de Jean Hyppolite , importante filó- sofo que trabalhava o hegelianismo na França. Estudou na Esco la Normal Supe- rior da França, a partir de 1946, na qual conhece e mantém con tatos com Pierre Bourdieu, Jean-Paul Sa rte, Paul Veyne, entre outros. Nessa me sma Escola, Fou- cault foi também aluno de Maurice Mer- leau-Ponty. Passados do is anos, Foucault graduava-se em Filosof ia na Universida- de de Sorbonne. Em 194 9, Foucault se di- ploma em Psicologia e c onclui seus Estu- dos Superiores de Filoso fia com uma tese sobre Hegel, sob a ori entação de Jean Hyppolite. Em 1950, o pensador aderiu ao Parti- do Comunista Francês. No ano seguinte, Foucault torna-se profe ssor de psicolo- gia na Escola Normal Su perior, onde tem como alunos Derrida e Paul Veyne. Nes- se mesmo ano, ele trab alha no Hospital Psiquiátrico de Saint-An ne. Também na década de 1950, evidenc ia-se a afinidade de Foucault pelas artes. Podemos obser- vá-lo estudando o surrea lismo, por exem- plo, em 1952 e René Ch ar em 1953. Mais ou menos nesse período , Foucault segue o famosoSeminário de Jacques Lacan. Maurice Blanchot e Geor ges Bataille apro- ximam Foucault de Niet zsche, ao mesmo tempo em que ele rec ebe seu diploma em Psicologia Experime ntal (fase em que Foucault se aplica a Jane t, Piaget, Lacan e Freud). Começa, então, a fase mais pro- dutiva, no sentido acadê mico, na vida de Foucault a qual vai até o final da década de 1970. Em 1971, Foucault assu me a cadeira de Jean Hyppolite na discip lina História dos Sistemas de Pensamento . A sua aula inau- gural nessa cadeira foi a famosa “Ordem do discurso”. ACESSE: http://www.p ropp.ufms.br/ps- grd/grupo-mf/biografi.h tml CONHEÇA O GRUPO D E ESTUDOS MI- CHEL PÊCHEUX: http://w ww.ufsm.br/cor- pus/grupo_estudo/peche ux1.html 17Capítulo 1 AtividAdes | Utilize o conhecimento adquirido para articular os fundamentos da Análise do Discurso às ideias, possivelmente, expressas nos textos abaixo: 1. MITO DA CAVERNA http://www.labeurb.unicamp.br/portal/pages/pdf/escritos/Escritos4.pdf 2. TEORIA DO SUCESSO 3. ESTRAGOU A TELEVISÃO!!! Luís Fernando Veríssimo -- Iiiih... -- E agora? -- Vamos ter que conversar. -- Vamos ter que o quê? -- Conversar. É quando um fala com o outro. -- Fala o quê? -- Qualquer coisa. Bobagem. -- Perder tempo com bobagem? -- E a televisão, o que é? -- Sim, mas aí é a bobagem dos outros. A gente só assiste. Um falar com o outro, assim, ao vivo... Sei não... -- Vamos ter que improvisar nossa própria bobagem. -- Então começa você. -- Gostei do seu cabelo assim. -- Ele está assim há meses, Eduardo. Você é que não tinha... Fo nt e: h tt p: // to rr ed eb ab el 10 .b lo gs po t.c om /2 01 1/ 10 /o - -m ito -d a- ca ve rn a- em -q ua dr in ho s.h tm l Fo nt e: h tt p: // bo ok s.g oo gl e. co m .b r/ bo ok s/ ab ou t/ TE O RI A_ D O _S U - CE SS O .h tm l? id = PH hm M -s dv -M C& re di r_ es c= y 18 Capítulo 1 -- Geraldo. -- Hein? -- Geraldo. Meu nome não é Eduardo, é Geraldo. -- Desde quando? -- Desde o batismo. -- Espera um pouquinho. O homem com quem eu casei se chamava Eduardo. -- Eu me chamo Geraldo, Maria Ester. -- Geraldo Maria Ester?! -- Não, só Geraldo. Maria Ester é o seu nome. -- Não é não. -- Como, não é não? -- Meu nome é Valdusa. -- Você enlouqueceu, Maria Ester? -- Pelo amor de Deus, Eduardo... -- Geraldo. -- Pelo amor de Deus, meu nome sempre foi Val- dusa. Dusinha, você não se lembra? -- Eu nunca conheci nenhuma Valdusa. Como é que eu posso estar casado com uma mulher que eu nunca... Espera. Valdusa. Não era a mulher do, do... Um de bigode... -- Eduardo. -- Eduardo! -- Exatamente. Eduardo. Você. -- Meu nome é Geraldo, Maria Ester. -- Valdusa. E, pensando bem, que fim levou o seu bigode? -- Eu nunca usei bigode! -- Você é que está querendo me enlouquecer, Edu- ardo. -- Calma. Vamos com calma. -- Se isso for alguma brincadeira sua... -- Um de nós está maluco. Isso é certo. -- Vamos recapitular. Quando foi que casamos? -- Foi no dia, no dia... -- Arrá! Tá aí. Você sempre esqueceu o dia do nos- so casamento... Prova de que você é o Eduardo e a maluca não sou eu. -- E o bigode? Como é que você explica o bigode? -- Fácil. Você raspou. -- Eu nunca tive bigode, Maria Ester! -- Valdusa! -- Tá bom. Calma. Vamos tentar ser racionais. Di- gamos que o seu nome seja mesmo Valdusa. Você conhece alguma Maria Ester? -- Deixa eu pensar. Maria Ester... Nós não tivemos uma vizinha chamada Maria Ester? -- A única vizinha de que eu me lembro é a tal de Valdusa. -- Maria Ester. Claro. Agora me lembrei. E o nome do marido dela era... Jesus! -- O marido se chamava Jesus? -- Não. O marido se chamava Geraldo. -- Geraldo... -- É. -- Era eu. Ainda sou eu. -- Parece... -- Como foi que isso aconteceu? -- As casas geminadas, lembra? -- A rotina de todos os dias... -- Marido chega em casa cansado, marido e mulher mal se olham... -- Um dia marido cansado erra de porta, mulher nem nota... -- Há quanto tempo vocês se mudaram daqui? -- Nós nunca nos mudamos. Você e o Eduardo é que se mudaram. -- Eu e o Eduardo, não. A Maria Ester e o Eduardo. -- É mesmo... -- Será que eles já se deram conta? -- Só se a televisão deles também quebrou. Disponível em: http://www.ime.usp. br/~vwsetzer/jokes/TV-estragou.html) Glossário AssujeitAmento - Movimento de interpelação dos indiví- duos por uma ideologia, condição necessária para que o indivíduo torne-se sujeito do seu discurso ao submeter-se livremente às condições de produção impostas pela or- dem superior estabelecida, embora tenha a ilusão de au- tonomia. Para Althusser, os indivíduos vivem na ideologia, não havendo, portanto, uma separação entre a existência da ideologia e a interpelação do sujeito por ela, o que ocorre é um movimento de dupla constituição: se o sujeito só se constitui por meio do assujeitamento, é pelo sujeito que a ideologia torna-se possível já que, ao entendê-la como prática significante, concebe-se a ideologia como a relação entre sujeito, língua e história na produção dos sentidos (Orlandi, 1999). interdiscurso - Compreende o conjunto das formações discursivas e se inscreve no nível da constituição do dis- curso à medida que trabalha com a ressignificação do sujeito sobre o que já foi dito, o repetível, determinando os deslocamentos promovidos pelo sujeito nas fronteiras de uma formação discursiva. O interdiscurso determina materialmente o efeito de encadeamento e articulação de tal modo que aparece como o puro “já-dito”. interdiscursividAde - Relação de um discurso com outros discursos; vozes discursivas outras que se manifestam em um dado discurso e interferem no seu sentido. Esses dis- cursos alheios penetram no discurso em estudo, interferin- do assim no seu sentido. Tal noção está ligada, portanto, à noção de heterogeneidade discursiva, de formação dis- cursiva e de pré-construída. condições de Produção - São responsáveis pelo estabe- lecimento das relações de força no interior do discurso e mantêm com a linguagem uma relação necessária, cons- tituindo com ela o sentido do texto. As condições de pro- 19Capítulo 1 dução fazem parte da exterioridade linguística e podem ser agrupadas em condições de produção em sentido es- trito (circunstâncias de enunciação) e em sentido amplo (contexto sócio-histórico-ideológico), segundo preconiza Orlandi (1999). Disponível em: http://www.discurso.ufrgs.br/glossario. html referÊnciAs ORLANDI, Eni Pulcinelli. Análise do Discurso: princípios e procedimentos. Campinas: Pontes, 2010. ________________. Introdução às ciências da linguagem - Discurso e textualidade. Campinas: Pontes editores, 2010. FERREIRA, Maria Cristina Leandro – O quadro atual da Análise de Discurso no Brasil. Dispo- nível em: http://w3.ufsm.br/revistaletras/arti- gos_r27/revista27_3.pdf). VOESE, Ingo. Análise do discurso e o ensino de língua portuguesa. São Paulo: Cortez, 2004. Glossário de termos do discurso. Disponível em: http://www.discurso.ufrgs.br/glossario.html 21Capítulo 2Capítulo 2Capítulo 2 objetivos específicos • Apresentar aos cursistas os conceitos basilares de texto e discurso; • Refletir acerca dos processos de construção do sentido com base nas perspec- tivas teóricas da análise do discurso; • Possibilitar o conhecimento dos diversos recursos linguísticos agenciados na produção de sentido a partir dos estudos da semiótica e semiologia. introdução No primeiro momento do nosso estudo, privilegiamos o conhecimento acerca do percurso histórico que definiu o objeto de investigação da Análise do Discur- so e os desdobramentos teóricos que a disciplina sofreu antes da delimitação do seu objeto: o discurso. Neste segundo capítulo, abordaremos reflexões e proble- máticas acerca dos conceitos e da relação texto-discurso, conduzindo as reflexões à teoria semiótica, cujo contexto restringe-se ao próprio texto, no qual nos será possível observar que, face a certas situações, a semiótica mobiliza saberes da te- oria daenunciação, entre eles, a noção de contexto situacional. Com base nesses fundamentos, esperamos ampliar a compreensão de que pensar o texto em seu funcionamento é pensá-lo em relação às suas condições de produção, é ligá-lo a sua exterioridade, uma vez que as palavras em si mesmas não apresentam senti- do. Além disso, a construção de sentido depende também de aspectos extralin- guísticos em “que a própria textualidade traz, nela mesma, sua historicidade, isto é, o modo como os sentidos se constituem, considerando a exterioridade inscrita nela e não fora dela”. É com esse propósito que abrimos o segundo capítulo deste livro. Assim, convidamos você, caro estudante, a caminhar conosco, imbuído de um espírito reflexivo e disposto a debruçar-se sobre as questões que envolvem texto, discurso e produção de sentidos. Análise do discurso Profa. maria Perpétua Teles monteiro Carga Horária | 15 horas 22 Capítulo 2 1. texto e discurso http://mastersuno.blogspot.com.br/2010/05/ eleicoes-2010-discurso-para-antes-e.html O que nos permite afirmar ser ou não um cachimbo? Para alguns linguistas, não há diferença entre texto e discurso. Para outros, um texto é mais ou menos um produto físico, resultado de um discurso que, por sua vez, é analisado como um processo que leva à construção de um texto. Para outros, ainda, um texto se define, em primeiro lugar, pelo fato de ter um propósito identificável – uma abordagem que leva, imediatamente, a classificá-lo num certo número de tipos, caracterizados por propósitos di- ferentes, os quais, por conseguinte, também têm características diferentes. Outros ainda veem o texto como abstração, cuja realização física seria o discurso. Por fim, há linguistas que simplesmente consideram o texto apenas o escrito, ao passo que o discurso, a fala. Passando a refletir sobre a análise, Orlandi (2010:22) afirma que a unidade de análise de dis- curso é o texto, o qual é uma unidade significativa; destacando ainda que, para ser texto, é preciso ter textualidade. Esta, por sua vez, é função da relação do texto consigo mesmo e com a exterioridade em que podemos pensar não a sua função, mas o seu funcionamento. Não são as palavras que significam, mas o texto. Quando uma palavra significa é porque ela tem textualidade, ou seja, é porque sua interpretação deriva de um discurso que a sustenta, que a provê de realidade significativa. A palavra que significa é uma palavra textualizada. Daí, ser o texto um obje- to linguístico-histórico. Ele não é apenas um con- junto de enunciados portadores de uma e até várias significações; é, antes, um processo que se desenvol- ve de múltiplas formas em determinadas situações sociais (RIDOUX, 1973 apud ORLANDI, 2010). Do ponto de vista de sua apresentação empírica, um texto é um objeto com começo, meio e fim; mas se o considerarmos como discurso, reinstala- -se imediatamente sua incompletude. Isso porque nem o discurso nem os sentidos são completos. O texto, pois, visto na perspectiva do discurso, não é uma unidade fechada – embora como unidade de análise ele possa ser considerado uma unidade inteira – pois tem relação com outros textos, com suas condições de produção, com o que se chama sua exterioridade constitutiva (o interdiscurso, a memória do dizer). Orlandi (ibid...) chama atenção para o fato do que se chama historicidade do texto nada tem a ver com a noção de história relacionada à linguagem como no século XIX, que via nesta uma dimen- Fo nt e: ht tp :// w w w .p as se iw eb .c om /s ai ba _m ai s/ ar te _c ul - tu ra /g al er ia /o pe n_ ar t/ 42 0 René Magritti – Les Deux Mystères (1966) Trask (2010:291), no Dicionário de Linguagem e Linguística, nos aponta texto como uma porção de língua falada ou escrita, especialmente quan- do tem um começo e um fim reconhecíveis. Por muito tempo, os linguistas usaram a palavra tex- to muito informalmente, para denotar qualquer trecho de língua em que, por acaso, estivessem circunstancialmente interessados. A partir da dé- cada de 60, a noção de texto ganha status teórico em vários domínios, tornando-se a análise de tex- tos, hoje, um dos principais objetivos da investi- gação linguística. Quanto ao termo discurso, Trask (ibid. p. 82) o define como qualquer fragmento conexo de escri- ta ou fala. Um discurso pode ser produzido por uma única pessoa que fala ou escreve ou, também, por duas ou mais pessoas que tomam parte de uma conversação ou, mais raro, de uma troca de escritos. O estudo do discurso ganhou realce nos últimos anos, e o tratamento é numeroso e varia- do. Há variação em seu uso, mas, de um modo ge- ral, os linguistas anglo-saxônicos aplicam o termo Análise do discurso a uma abordagem fortemente baseada nos conceitos gramaticais tradicionais, já o termo Análise da conversação a uma abordagem empírica que rejeita os conceitos tradicionais e que procura extrair esquemas dos dados, e o termo Linguística textual a estudos de unidades linguís- ticas amplas, cada qual com uma função comuni- cativa definida. 23Capítulo 2 são temporal expressa na forma da cronologia e da evolução. Historicidade são os meandros do texto, o seu acontecimento como discurso, seu funciona- mento, o trabalho dos sentidos nele. Desse modo, só se pode pensar uma temporalidade se esta for uma temporalidade interna, ou melhor, uma rela- ção com a exterioridade tal como ela se inscreve no próprio texto e não como algo lá fora, refletido nele. Trata-se de compreender como a matéria tex- tual produz sentidos. Assim, a Análise do Discurso, ao tomar em consi- deração o texto como forma material, manifesta- ção concreta do discurso, torna possível a análise de seu funcionamento, não pela utilização de uma metalinguagem formal, mas pelo deslocamento do lugar heurístico da interpretação: o analista não in- terpreta o texto por meio de um dispositivo analíti- co, ele explica, torna visíveis os gestos de interpre- tação que textualizam a discursividade e interpreta os resultados dessa análise no interior de um dis- positivo teórico. Sua finalidade não é interpretar o texto, mas compreender os gestos de interpretação inscritos nele. AtividAde | Com base no que você leu, tomando as ima- gens como sugestão, discorra sobre como a Análise do Discurso leva-nos a compreender melhor a constituição dos sujeitos, dos senti- dos e suas relações. 1.1 A função discursivA Autor Para Orlandi (2010:22), o discurso está para o texto assim como o sujeito está para o autor. Se há um sujeito no discurso, no texto há um autor. Essas relações dizem respeito à ligação entre unidade e dispersão. De um lado, a dispersão do discurso e do sujeito, de outro, a unidade imaginária do texto e do autor. Ao citar Ducrot, Orlandi (Idem....) aponta a fun- ção enunciativa do locutor e a do enunciador. O locutor é aquele que se representa como “eu” no discurso, e o enunciador é a perspectiva que esse “eu” constrói. De acordo com Foucault (1971), há processos in- ternos de controle e delimitação do discurso. Esses processos se dão a título de princípios de classifi- cação, de ordenação, de distribuição, visando do- mesticar a dimensão do acontecimento e do acaso do discurso. Tal controle pode ser observado em noções como a de comentário, autor e disciplina. Foucault (1971), citado por Orlandi (2010), consi- dera o autor como princípio de agrupamento do discurso, como unidade e origem de suas signifi- cações, como o núcleo de sua coerência. O que o coloca como responsável pelo texto que produz. Passamos, assim, da noção de sujeito para a de autor. Se a noção de sujeito recobre não uma for- ma de subjetividade, mas um lugar, uma posição discursiva (marcada pela sua descontinuidade nas dissenções múltiplas do texto) a noção de autor já é uma função da noção de sujeito, responsável pela organização do sentido e pela unidade do texto, produzindo o efeito de continuidade do sujeito. A partir daí - à diferença de Foucault, que guardaa noção de autor para situações enunciativas espe- ciais (em que o texto original, de autor, se opõe a comentário) - procuramos estender a noção de au- toria para o uso corrente, como função discursiva do sujeito, distinta da de enunciador e de locutor. Com isso, para nós, a função autor não se limita, como em Foucault, a um quadro restrito e privile- giado de produtores originais de linguagem (que se SAIBA MAIS! A Análise da Conversaç ão (AC) é uma abor- dagem da Análise do D iscurso desenvolvida por sociólogos que se a utodenominam etno- metodologistas. A etno metodologia é uma abordagem interpretativ a da Sociologia que focaliza a vida cotidiana como efeito depen- dente de habilidades e métodos que as pes- soas usam para produzi -las. Há uma tendên- cia em se evitar discuss ões e conceitos como classe, poder e ideolog ia. Os analistas da conversação têm-se con centrado em conver- sas informais entre igua is, embora trabalhos mais recentes tenham se direcionado para ti- pos institucionais de dis cursos, nos quais as assimetrias de poder são mais óbvias. Sugestão de leitura: Lui z A. Marcuschi - Aná- lise da Conversação. São Paulo: Ática (2003) TEXTOS COMPLEMENTA RES http://www.pucrs.br/e dipucrs/online/ pesquisa/pesquisa/artig o12.html http://www.slideshar e.net/premas- ter2010/linguagem-disc urso-e-texto A etnometodologia e a análise da con- versação e da fala em: http://www.emtese.ufsc. br/h_Adalto.pdf 24 Capítulo 2 definiriam em relação a uma obra, por exemplo, Saussure, Marx etc.). Para nós, a função autor se realiza toda vez que o produtor de linguagem se repre¬senta na origem, produzindo um texto com unidade, coerência, progressão, não contradição e fim. Em outras palavras, ela se aplica ao corriquei- ro da fabricação da unidade do dizer comum, afe- tada pela responsabilidade social: o autor responde pelo que diz ou escreve, pois é suposto estar em sua origem. Assim, estabelecemos uma correlação entre sujeito/autor e discurso/texto (entre disper- são/unidade etc.). A função autor é tocada de modo particular pela história: o autor consegue formular, no interior do formulável, e se constituir, com seu enunciado, numa história de formulações. Significa que, em- bora ele se constitua pela repetição, esta é parte da história e não mero exercício mnemônico. Ou seja, o autor, embora não instaure discursividade (como o autor original de Foucault) produz, no entanto, um lugar de interpretação no meio de ou- tros. Esta é sua particularidade. O sujeito só se faz autor se o que ele produz for interpretável. Ele ins- creve sua formulação no interdiscurso, historiciza seu dizer. Porque assume sua posição de autor, ele produz um evento interpretativo. O que só repete (exercício mnemônico) não o faz. O que se leva a distinguir: a. repetição empírica, exercício mnemônico que não se historiciza (efeito papagaio); b. repetição formal: técnica de produzir frases, exer- cício gramatical que também não historiciza; c. repetição histórica: a que inscreve o dizer no repetível (interpretável) como memória consti- tutiva (interdiscurso). Esta, a memória, rede de filiações, faz a língua sig- nificar. É assim que sentido, memória e história se intrincam na noção de interdiscurso. Sem a inscri- ção da língua na história (memória discursiva) não há significação. 1.2 interpretAção Segundo Orlandi (2010), na análise de discurso, a interpretação está relacionada com a questão da ideologia. Podemos considerar a interpretação em duas instâncias: a. como parte da atividade do analista; b. como parte da atividade do sujeito. Como parte da atividade do analista, devemos di- zer que a análise de discurso dá um estatuto dife- rente que a hermenêutica dá à interpretação. Na análise de discurso, há um batimento entre descri- ção e interpretação, a linguagem não é transparen- te. Interpretar não é atribuir sentido, mas se expor à opacidade do texto, ou seja, é explicitar como um objeto simbólico produz sentidos. Se atentarmos para o modo de existência da in- terpretação no sujeito, podemos dizer que a inter- pretação é uma injunção. Face a qualquer objeto simbólico, o sujeisto é instado a interpretar, pois ele tem a necessidade de “dar” sentido. E o que é dar sentido? Para o sujeito que fala, é construir sítios de significação, é tornar possíveis gestos de interpretação. É por meio do modo como se trabalha a interpre- tação que a análise de discurso desloca-se de uma perspectiva sociológica de ideologia para outra perspectiva. O modo como as Ciências Humanas e Sociais concebem a ideologia é ancilar à perfí- dia interpretativa: considerando que a linguagem é transparente, essas ciências visam aos conteú- dos ideológicos, concebendo a ideologia como ocultação. Desse modo, elas deixam pensar que, pela busca dos conteúdos (o que ele quis dizer?) se podem descobrir os “verdadeiros” sentidos do discurso que estariam escondidos. Se não nos ati- vermos aos conteúdos da linguagem, mas ao fun- cionamento do discurso, podemos compreender o modo como o texto produz sentido e a ideologia será então percebida como o processo de produ- ção de um imaginário, isto é, produção de uma interpretação particular que apareceria, no entan- to, como a interpretação necessária e que atribui sentidos fixos às palavras em um contexto histórico dado. A ideologia não é assim um conteúdo “x”, mas o mecanismo de produzir “x’. Fo n te :h tt p :/ /m as te rs u n o .b lo g sp o t. co m . br /2 01 0/ 05 /e le ic oe s- 20 10 -d is cu rs o- pa ra -a nt es - -e .h tm l 25Capítulo 2 Uma concepção discursiva de ideologia estabelece que, como os sujeitos estão condenados a signifi- car, a interpretação é sempre regida por condições de produção específicas que, no entanto, aparecem como universais e eternas. Disso resulta a impres- são do sentido único e verdadeiro. Um dos efeitos ideológicos está justamente no fato de que, no momento mesmo em que se dá, a inter- pretação se nega como tal. Quando o sujeito fala, ele está em plena atividade de interpretação, ele está atribuindo sentido às suas próprias palavras em condições específicas. Mas ele o faz como se o sentido estivesse nas palavras - e não na inscrição das palavras em formação discursiva - apagando-se assim suas condições de produção, desaparecendo o modo pelo qual a exterioridade o constitui. Em suma, a interpretação aparece para o sujeito como transparência, como o sentido lá. Não se pode assim excluir do fato linguístico o equívoco como fato estrutural, implicado pela or- dem do simbólico. Há, como diz Pêcheux (1995), “um trabalho do sentido sobre o sentido, tomado no relançar indefinido das interpretações”: Aí in- tervêm a história e a ideologia. O processo ideológico não se liga à falta, mas ao ex- cesso. A ideologia representa a saturação, o efeito de completude que, por sua vez, produz o efeito de “evidência”: sustentando-se sobre o já dito, os senti- dos institucionalizados, admitidos por todos como “naturais”: Pela ideologia, há transposição de certas formas materiais em outras, isto é, há simulação. Assim, na ideologia não há ocultação de sentidos, mas apagamento do processo de sua constituição. Além disso, há, como diz M. Pêcheux (1984), uma divisão social do trabalho da leitura, de tal modo que ela tem suas diferentes formas na história, em- bora, basicamente, se possam distinguir: a. o modo literário e b. o modo científico da relação com os sentidos, sendo essa relação determinada pela divisão entre o corpo social dos que têm direito à interpretação, distinto daqueles que fazem o trabalho cotidiano de sustentação da interpre- tação que deve ser, que se estabiliza. É a administração sócio-histórica da apreensão e produção dos sentidos: gesto que divide, separa, na história, o direito à interpretação e trabalha os modos de gerenciá-la. 1.3 dispositivos dA interpretAção A análise de discurso leva em conta a tomadaem consideração da materialidade do texto e a cons- trução de dispositivos da interpretação. Ao se re- conhecer a materialidade da linguagem, sua não transparência, reconhece-se, ao mesmo tempo, a necessidade da construção de dispositivos para se ter acesso a ela, para trabalhar sua espessura lin- guístico-histórica, sua discursividade. Os dispositivos são de dois tipos: dispositivo teóri- co da interpretação e dispositivo analítico da inter- pretação. O dispositivo teórico é constituído pelas noções e conceitos que constituem os princípios da análise de discurso: a noção de discurso como efeito de sentidos, a noção de formação discursiva, a de formação ideológica, o interdiscurso etc.. O dispositivo teórico vai determinar o dispositivo analítico. Ele orienta o analista em como observar o funcionamento discursivo. É o dispositivo teóri- co que faz o deslocamento de uma leitura tradicio- nal para uma leitura que chamamos sintomática: a que estabelece uma escuta que coloca em relação o dizer com outros dizeres e com aquilo que ele não é, mas poderia ser (ORLANDI, 2010). O dispositivo analítico da interpretação é o que cada analista constrói em cada análise específica. Determinado pelo dispositivo teórico, o dispositi- vo analítico, por sua vez, vai depender da questão do analista, da natureza do material analisado, do objetivo do analista e da região teórica em que se inscreve o analista (Linguística, História, Antropo- logia, Literatura etc.). Feita a análise, o analista não vai interpretar o tex- to, mas os resultados da análise à luz da teoria do discurso como entrada do dispositivo e a teoria (so- ciológica, antropológica, linguística etc.) a que ele se filia. A esse fato chamamos compreensão. Por isso, podemos dizer que o analista tem como finali- dade compreender o processo de produção de sen- tidos instalado por uma materialidade discursiva. Na realidade, todo sujeito interpreta com base em um dispositivo ideológico que o faz interpre- tar de uma maneira e não de outra. Pelo processo de identificação, como sabemos, o sujeito se ins- creve em uma formação discursiva para que suas palavras tenham sentido. E isso lhe aparece como natural, como o sentido lá, transparente. Ele não 26 Capítulo 2 reconhece o movimento da interpretação, ao con- trário, ele se reconhece nele. Ele se reconhece nos sentidos que produz. É, no entanto, a possibilida- de de contemplar o movimento da interpretação, de compreendê-lo, que caracteriza a posição do analista. Nem acima, nem além do discurso ou da história, mas deslocado. Numa posição que en- tremeia a descrição e a interpretação e que pode tornar visíveis as relações entre diferentes sentidos. Desse modo, com esses dispositivos (o teórico e o analítico), ficamos sensíveis ao fato de que a des- crição está exposta ao equívoco e o sentido é sus- cetível de tornar-se outro. Espera-se do dispositivo teórico que ele produza um deslocamento capaz de permitir ao analista trabalhar as fronteiras da for- mação discursiva. Em outras palavras, que ele não se inscreva em uma formação discursiva, mas entre em uma relação crítica com o conjunto complexo da formação. E o dispositivo analítico deve ofe- recer procedimentos (paráfrase, substituição etc.) para que ele possa explicitar isso. Com isso, não estamos pretendendo uma posição neutra do analista em relação aos sentidos. Não só ele está sempre afetado pela interpretação, como um dispositivo analítico marca uma posição em re- lação a outras. O que estamos afirmando é que o dispositivo analítico é capaz de deslocar a posição do sujeito, trabalhando a opacidade da linguagem, a sua não evidência e, com isso, relativizando a re- lação do sujeito com a interpretação. Ele poderá assim fazer uma leitura o menos subjetiva possível, mediado pela teoria e pelos mecanismos analíticos. efeIto MetafórIco A noção de funcionamento, estendida da linguís- tica para a análise de discurso, faz não trabalhar- mos apenas com o que as partes significam, mas procu¬rarmos quais as regras que tornam possível qualquer parte. Isso introduz a análise de discurso no campo das ciências da linguagem. A proposta é, então, explicitar os mecanismos de funcionamen- to do discurso (E. Orlandi, 1983). O trabalho do analista de discurso é mostrar como funciona um objeto simbólico, como os processos de significa- ção trabalham um texto, qualquer texto. Por seu lado, a definição de efeito metafórico situa a questão do funcionamento na relação do discur- so com a língua. M. Pêcheux (1969) vai chamar efeito metafórico o fenômeno semântico produ- zido por uma substituição contextual, lembrando que esse deslizamento de sentido entre x e y é cons- titutivo do sentido designado por x e por y. Como esse efeito é característico das línguas naturais, por oposição aos códigos e às línguas artificiais, pode- mos considerar que não há sentido sem essa pos- sibilidade de deslize, e, pois, sem interpretação. O que nos leva a colocar a interpretação como consti- tutiva da própria língua (natural). Consequentemente, quando se trata da língua na- tural não há metalinguagem. Toda descrição está intrinsecamente exposta ao equívoco da língua: “Todo enunciado é intrinsecamente suscetível de tornar-se outro, diferente de si mesmo, se deslocar discursivamente de seu sentido para derivar para um outro” (M. Pêcheux, 1991). A não ser que haja proibição explícita de interpretação. A metáfora, não vista como desvio, mas como transferência (M.Pêcheux, 1975), - uma palavra por outra -, é assim constitutiva do sentido. O conjunto desses deslizes (paráfrases) instala o dizer no jogo das dife- rentes formações discursivas e são o vestígio da his- toricidade. O deslize, próprio da ordem simbólica, é o lugar da interpretação, da ideologia, da histori- cidade. É assim que podemos compreender a rela- ção entre língua e discurso: a língua pensada como “sistema sintático intrinsecamente passível de jogo, e a discursividade como inscrição de efeitos linguís- ticos materiais na história” (M. Pêcheux, 1994). O modo de conceber o deslize, o efeito metafórico como constitutivo do funcionamento discursivo, liga-se ao modo de se conceber a ideologia discur- sivamente. Em termos de interpretação, isso nos aponta para o “discurso duplo e uno”. Segundo Al- thusser, a leitura sintomática, falando de ideologia, é a que revela o ir-revelado no próprio texto que lê e o remete a outro texto, presente no primeiro por uma ausência necessária. Essa duplicidade que faz referir um discurso a outro, para que ele faça sentido, envolve a questão do equívoco. Na análise de discurso, essa duplicidade, esse equívoco é tra- balhado como a questão ideológica fundamental, pensando a relação do discurso à língua e a da ide- ologia ao inconsciente. É ainda o efeito metafórico, a deriva, o deslizamen- to de um enunciado em outro, que pode nos fazer compreender o que chamamos historicidade na análise de discurso. Tomemos como exemplo: 1- Não há liberdade sem luta. 2- Não há l liberdade sem paz. 27Capítulo 2 Em 1, temos uma fala que toma a perspectiva de quem vive em uma sociedade ditatorial e que só vê a possibilidade de sair dela e de viver um regime de liberdade. AtividAde | Leia o poema de Gilberto Gil e, considerando os estudos realizados, reflita: Como se dá a in- terpretação do indivíduo em sujeito? Metáfora Gilberto Gil Uma lata existe para conter algo Mas quando o poeta diz: “Lata” Pode estar querendo dizer o incontível Uma meta existe para ser um alvo Mas quando o poeta diz: “Meta” Pode estar querendo dizer o inatingível Por isso, não se meta a exigir do poeta Que determine o conteúdo em sua lata Na lata do poeta tudo nada cabe Pois ao poeta cabe fazer Com que na lata venha caber O incabível Deixe a meta do poeta, não discuta Deixe a sua meta fora da disputa Meta dentro e fora, lata absoluta Deixe-a simplesmente metáfora. Disponível em: http://www.gilbertogil.com.br/sec_disco_ SAIBA MAIS! Formação discursivaNa visão de Orlandi (19 99), formação discursiva pode ser uma “regiona lização do interdiscurso” , uma configuração espec ífica do discurso em sua s relações, ou seja, uma palavra pode ter sentid os diferentes de acordo co m as condições de prod ução, da posição dos su jeitos, etc. Foucault deix a claro que a formação dis cursiva diz respeito ao q ue se pode dizer soment e em uma época e espaç o social; enfim, as condiçõ es de produção específic as historicamente é que vão possibilitar o lugar e a realização de um enun ciado. Esse dispositivo o portuniza uma reflexão relacionada ao sujeito s i- tuado em um espaço, em determinada época, com estilo de vida, exigência s e costumes diferentes. Assim, ao apresentar um a propaganda do século XXI, com suas imposiçõ es de formas e estilos de corpo feminino, por exem plo, o professor deve pos sibilitar ao aluno, image ns de outras épocas para que se percebam as pos síveis construções de sen tido de palavras, imagen s ou conceitos. ACESSE - Efeitos metafó ricos em: http://www.unicamp.br/ iel/site/alunos/publicaco es/textos/e00008.htm; http://www.filologia.org .br/ileel/artigos/artigo_1 28.pdf; http://www.ufp.pt/index .php?option=com_conte nt&view=article&id=189 %3Ahipermedia-pessoa - no-o-simbolismo-metafo rico&catid=21%3Aunive rsidade&Itemid=68 Fo nt e: info.php?id=585&letra h t t p : / / w w w . y o u t u b e . c o m / watch?v=OBS3vtP6H1c 1.4 semióticA e semioloGiA Trataremos essa temática à luz de Vogt (2010) quando observa que o termo semiótica tem longa tradição de uso e sua antiguidade remonta ao mé- dico grego Cláudio Galeno, que viveu entre 131 e 201 da era cristã, cujas teorias influenciaram forte- mente a medicina até, pelo menos, o século XVII. Nesse caso, semiótica, com a variante semiologia, designa a ciência dos sintomas em medicina e é sinônimo de sintomatologia. O uso do termo semiótica, para designar a ciência dos signos, correspondendo, nesse sentido, à ló- gica tradicional, foi proposto pelo filósofo inglês John Locke, no século XVII e, em seguida, retoma- 28 Capítulo 2 do por Lambert, no século XVIII, como título da terceira parte da obra Novo Organon. Entretanto, por iniciativas independentes, a semi- ótica, por um lado, na designação de origem anglo- -saxã, e a semiologia, de outro, na vertente neola- tina da cultura europeia, vão ser propostas como disciplinas autônomas, no primeiro caso, pelo filó- sofo norte-americano Charles Sanders Peirce, que viveu de 1839-1914 e, no segundo, pelo linguista suíço, Ferdinand de Saussure (1857-1913), cujo Curso de linguística geral (1976), publicado postuma- mente em 1916, por Charles Bally e A. Sechehaye, que haviam sido seus alunos, constitui o marco de referência da grande revolução teórica dos estudos na área. A terceira e última parte da “Introdução” a essa obra fundadora da linguística moderna, Saussure a dedica à reflexão sobre o “Lugar da língua nos fatos humanos”, para, daí, anunciar, com feliz au- gúrio, o nascimento futuro da semiologia. É conhecida a distinção entre língua e fala propos- ta por Saussure, no sentido de delimitar a língua como objeto de estudo da ciência linguística. Enquanto a fala é um contínuo sonoro e a lingua- gem é heterogênea e múltipla de aspectos físicos, psíquicos e sociais, a língua, de natureza homogê- nea, formada de elementos discretos, constitui um todo em si mesmo, é um princípio de classificação, isto é, de ordenação e explicação dos fatos de lin- guagem. A língua é, portanto, um objeto teórico, um constructo, um sistema cujos elementos inte- grantes e integradores são os signos. É, ao mesmo tempo, uma instituição social que se distingue de outras instituições, políticas, jurídicas etc., pela na- tureza especial do sistema de signos que constitui. Segundo escreve Saussure: A língua é um sistema de signos que exprime ideias e, desse modo, é com- parável à escrita, ao alfabeto dos surdos-mudos, aos ritos simbólicos, às formas de polidez, aos sinais militares etc. É, contudo, o mais importante, des- ses sistemas. É nesse momento que, anunciando a nova ciência dos signos, o autor lança a semente do que viria a ser um dos mais profícuos campos de investigação do comportamento e das formas simbólicas das re- lações humanas no século XX e continuando neste século, que já, aos poucos, se desdobra. Diz o autor: Pode-se conceber uma ciência que estuda a vida dos signos no seio da vida social; ela seria parte da psicologia social e, consequente- mente, da psicologia geral; nós a nomearemos semiologia (do grego sémeion, “signo”). Ela nos ensinará em que consistem os signos e que leis os regem. Como ela não existe ainda, não se pode dizer o que ela será; mas tem direito à existência e seu lugar já está pré- -determinado. A linguística não é senão uma parte dessa ciência geral e as leis que descobrirá a semiologia serão aplicáveis a ela, fazendo com que a linguística se ligue a um domínio bem definido no conjunto dos fatos humanos. Um pouco mais sobre o assunto nas duas páginas restantes dessa “Introdução” e é tudo o que aparece no Curso de linguística geral referente à semiologia. Mas o vaticínio lançado funcionou também como provocação científica. Desse modo, uma escola se- miológica, com identidade, diferença, harmonia e disputa, foi se consolidando na Europa e foi se disseminando no mundo pela ação de intelectu- ais, estudiosos e grandes referências internacionais como o linguista Roman Jakobson, o antropólo- go Claude Lévi-Strauss, a teórica da literatura Ju- lia Kristeva, o semanticista e semiólogo Algirdas Julien Greimas, o ensaísta Roland Barthes, entre muitos outros, que fizeram ou seguiram escolas de semiologia, lá, aqui, onde quer que se falasse de sentido, significação, signos e significância. A outra vertente da moderna semiologia, designa- da mais especificamente pelo termo semiótica, tem suas origens mais contemporâneas na vasta obra do lógico e filósofo americano Charles Sanders Peirce (1931-1958). Preocupado em estabelecer uma relação necessá- ria entre Ciência e Filosofia, formula o método pragmático, buscando, assim, propor um método científico para a Filosofia. Quer dizer, um método capaz de conferir significado às ideias filosóficas em termos experimentais. As opiniões e o estabe- lecimento de sua verdade constitui o objetivo fun- damental do método científico. Ao pragmatismo cabe responder pela determinação experimental do significado das ideias ou dos conceitos intelectuais. O pragmatismo proposto por Peirce como um método científico para determinar o significado de conceitos intelectuais é também a negação do intuicionis¬mo cartesiano e da ideia de que o pen- samento possa interpretar-se a si mesmo. É só em termos de signo que ele se efetua e, desse modo, é 29Capítulo 2 visto como complexamente estruturado numa rela- ção triádica: significa alguma coisa para alguém de alguma maneira. A semiótica, para Peirce, é sinônimo não só da ló- gica, mas também da teoria linguística e deve en- globar os três níveis fundamentais de análise: o da sintaxe, o da semântica e o da pragmática. Peirce propõe uma série de classificações para o signo, sendo a mais conhecida a que o considera em sua relação com o objeto e o caracteriza como ícone, índice ou como símbolo. Em Peirce, tudo é múltiplo de 3, assim como para Saussure e para os estruturalistas que vieram de- pois dele, os sistemas de signos são binários e se organizam em posições dicotômicas. Na linha da semiótica de inspiração lógica, é pre- ciso lembrar a forte influência exercida por Frege, em particular sua distinção entre sentido e signi- ficado, os trabalhos de Russel e de Carnap e a sis- tematização que a ela deu outro lógico e fIlósofo americano nos anos 1930, Charles Morris. Seguindo essa mesma orientação, mas incorporan- do o conteúdo dos estudos etológicos desenvolvi- dos nos EUA e na Europa, a semiótica voltou-se também para a vida
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