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25 FISIOLOGIA Unidade II 3 SISTEMAS TEGUMENTAR E MUSCULOESQUELÉTICO 3.1 Sistema tegumentar O sistema tegumentar é formado pela pele (ou tegumento) e seus anexos – glândulas sebáceas, sudoríparas e mamárias, unhas, pelos, e receptores sensoriais. Recobre o corpo e possui funções essenciais, tais como proteger o corpo contra o atrito, contra a entrada de microrganismos (servindo como uma barreira protetora) e contra a radiação ultravioleta. Além disso, evita o ressecamento e a perda de água e apresenta papel na percepção sensorial, na síntese de vitamina D, na termorregulação, na excreção de íons e na secreção de lipídios protetores e de leite. A pele é o maior órgão do corpo humano, sendo composta pela epiderme, derme e hipoderme. A epiderme é a camada mais externa e é formada por tecido epitelial (epitélio estratificado pavimentoso queratinizado). A derme é uma camada subjacente de tecido conjuntivo e, por fim, há a hipoderme (ou fáscia subcutânea), formada por tecido conjuntivo frouxo e adiposo. Eixo do cabelo Poro de suor Papila dérmica Epiderme Corpúsculo de Pacini Glândula de suor (sudorípara) Derme Veia Artéria Corpúsculo de Meissner (corpúsculo tátil) Tela subcutânea (hipoderme) Vasos sanguíneos e linfáticos Fibra nervosa Papila do cabelo Folículo capilar Glândula sebácea Músculo eretor do pelo Estrato germinativo Camada de pigmento Estrato córneo Estrato espinhoso Estrato basal Figura 8 – Representação esquemática da pele 26 Unidade II Nossa pele possui algumas diferenças de acordo com a sua localização. As palmas de nossas mãos e as plantas de nossos pés apresentam uma epiderme com várias camadas celulares e por uma camada superficial de queratina muito espessa devido ao maior atrito nessas regiões. Também não verificamos a presença de pelos e glândulas sebáceas, apenas de glândulas sudoríparas (as quais são abundantes nessas áreas). No restante do corpo a pele possui uma epiderme com poucas camadas celulares e uma camada de queratina mais delgada. A epiderme é constituída por tecido epitelial, cujas células apresentam diferentes formas e funções. São originadas na camada basal e tornam-se mais achatadas à medida que ficam mais próximas da superfície. As células da camada córnea (mais superficial) não apresentam núcleo e são compostas em grande parte por queratina. Entre a camada basal (mais interna) e a córnea (mais externa), encontramos a camada granulosa, na qual as células estão repletas de grânulos de queratina; e a espinhosa, na qual as células possuem prolongamentos que as mantêm unidas. Portanto, podemos distinguir quatro camadas no epitélio da epiderme: o estrato basal, o estrato espinhoso, o estrato granuloso e o estrato córneo. No estrato basal, encontramos os melanócitos e as células de Merkel. Os melanócitos são células arredondadas com longos prolongamentos, citoplasma claro e núcleo ovoide. Possuem vesículas membranosas, denominadas de melanossomas, onde oxidam a tirosina em 3,4-di-hidroxifenilalanina (DOPA) através da enzima tirosinase e transformam a DOPA em melanina. A melanina é um pigmento pardo-amarelado a marrom-escuro. As células de Merkel são semelhantes aos melanócitos, mas são mais escassas. Apresentam processos curtos, nos quais podem se ligar aos queratinócitos. A melanina dá coloração aos olhos, ao cabelo e principalmente à pele. Entretanto, sua maior função é auxiliar a proteger o corpo dos impactos da radiação solar. Observamos uma maior produção de melanina quando nosso corpo fica exposto aos raios UV. Assim, os melanócitos agem dessa maneira como um mecanismo de defesa contra a radiação que penetra na pele e pode ocasionar lesões no DNA das células. A derme é composta de tecido conjuntivo fibroso, vasos sanguíneos e linfáticos, terminações nervosas e fibras musculares lisas. Essa camada pode variar em relação à espessura e une a epiderme ao tecido subcutâneo (hipoderme). É subdividida em derme papilar, que corresponde às papilas dérmicas e é constituída por tecido conjuntivo frouxo, e derme reticular, a maior parte da derme, de tecido conjuntivo denso não modelado. A hipoderme está situada logo abaixo da pele e é formada por tecido conjuntivo que, dependendo do local no organismo, varia do tipo frouxo ao denso. O tecido adiposo também está presente em quantidade variável, dependendo do local analisado e do estado nutricional do indivíduo. Além de depósito nutritivo de reserva, a hipoderme participa no isolamento térmico e na proteção mecânica do organismo às pressões e traumatismos externos e facilita a mobilidade da pele em relação às estruturas subjacentes. 3.1.1 Anexos da pele Localizadas nas pontas dos dedos, as unhas são placas de queratina. Em todo nosso corpo observamos pelos espalhados, com exceção de algumas regiões como: palmas das mãos, solas dos pés e certas áreas 27 FISIOLOGIA da região genital. Formados dentro do folículo piloso, os pelos são formados de queratina e restos de células epidérmicas mortas compactadas. Os cabelos crescem graças às células mortas queratinizadas produzidas no fundo do folículo. A quantidade de melanina produzida determina a cor dos pelos e dos cabelos – quanto maior a produção do pigmento mais escuros serão os pelos e cabelos. Os receptores sensoriais são ramificações de fibras nervosas e possuem função sensorial, sendo capazes de receber diversos tipos de estímulos: mecânicos, de pressão, de temperatura ou de dor. Existem vários receptores, cada qual com sua função: corpúsculos de Ruffini, corpúsculos de Paccini, bulbos de Krause, corpúsculos de Meissner, discos de Merkel, terminais do folículo piloso e terminações nervosas livres. As glândulas presentes na pele são exócrinas, pois liberam suas secreções para fora do corpo. As glândulas sebáceas secretam uma substância oleosa, chamada sebo, que tem a função de lubrificação dos folículos pilosos. Por sua vez, as glândulas sudoríparas apresentam forma tubular enovelada e secretam o suor através de poros na superfície da pele, o qual é constituído principalmente por água e íons de sódio, potássio e cloreto. O suor é importante no controle da temperatura corporal. 3.2 Sistema musculoesquelético Os músculos constituem cerca de 40% a 50% do peso corporal no homem. Suas células são altamente especializadas para fazerem a conversão de energia química em mecânica, ou seja, elas utilizam o ATP (trifosfato de adenosina) para gerar força ou realizar trabalho. A contração da fibra muscular pode ser graduada, essa característica permite a geração de movimentos com diferentes graus de refinamento em cada sistema que compõe o organismo, como o peristaltismo do trato digestório, a circulação sanguínea, o fluxo urinário, a dinâmica do sistema respiratório, entre outros. Por esse motivo, surgiram, pela evolução, vários tipos de músculos. Existem vários critérios de classificação, porém o mais utilizado leva em consideração as características anatômicas, dividindo os tipos de músculos em liso e estriado. Essa característica define o músculo segundo a disposição do material contrátil em seu interior. No caso do músculo estriado, o material está formado por bandas claras e escuras e, no caso do liso, o material contrátil apresenta uma organização diferente que não lhe confere o aspecto estriado. O músculo estriado pode ser, por sua vez, subdividido em estriado esquelético e estriado cardíaco, diferenciando-se por sua função. (AIRES, 2008; KOEPPEN; STANTON, 2009; CURI; PROCOPIO, 2009). (A) (B) (C) Figura 9 – Tipos de fibras musculares: (A) Fibra muscular estriada esquelética; (B) Fibra muscular estriada cardíaca; (C) Fibra muscular lisa 28 Unidade II Lembrete As células obtêm a energia para realizar suas funções a partir da molécula de ATP, que é obtida com a quebra da glicose. O músculo estriado esquelético está diretamente ligado ao esqueleto, e sua contração é voluntária, ou seja, controlada pelo sistema nervoso central. Além disso, ele exerce papel importanteem numerosas atividades, tais como manutenção da postura, locomoção, fala e respiração. É constituído por vários conjuntos de centenas ou milhares de células alongadas e multinucleadas chamadas de fibras musculares. Cada uma dessas fibras é envolvida por uma camada de tecido conjuntivo: o endomísio. As fibras musculares, por sua vez, agrupam-se em fascículos e cada um deles é envolvido por outra camada de tecido conjuntivo, o perimísio. No perimísio, estão os vasos sanguíneos e os nervos que suprem as fibras musculares individuais. Finalmente, os fascículos são agrupados para formar o músculo. O tecido conjuntivo que circunda o músculo é o epimísio. Esse tecido é mais rígido nas extremidades, formando os tendões que ligam os músculos aos ossos. As camadas de tecido conjuntivo são compostas principalmente por fibras colágenas e elásticas, e servem para que a contração do músculo seja transmitida ao esqueleto que, por sua vez, realizará o movimento, assim como contribuem para a tensão passiva do músculo e evitam danos às fibras musculares no caso de estiramento ou contração excessivos. A maior parte das células musculares põe-se unida aos ossos do corpo, e sua contração permite o movimento de partes do esqueleto. As fibras musculares esqueléticas são frequentemente longas e delgadas (1-50 mm de comprimento e entre 10-80 µm de diâmetro). As variações em diâmetro e comprimento estão relacionadas à função que o músculo desempenha, sendo menor o diâmetro dos que produzem movimentos finamente controlados e maior o comprimento daqueles que realizam maior força (AIRES, 2008; KOEPPEN; STANTON, 2009; CURI; PROCOPIO, 2009). Capilares Epimísio Endomísio Perimísio Músculo estriado esquelético em corte transversal Vasos sanguíneos Figura 10 – Corte transversal da musculatura estriada esquelética: tecidos conjuntivos que envolvem a musculatura esquelética O músculo estriado cardíaco é de controle involuntário (controlado por um marca-passo intrínseco e modulado pelo sistema nervoso autônomo) e suas fibras têm diâmetro entre 10 e 15 mm. Tratando-se de um músculo estriado, apresenta uma sistematização ordenada das proteínas contráteis. O mecanismo de contração muscular cardíaco é muito similar ao do músculo esquelético, contudo as fibras musculares 29 FISIOLOGIA cardíacas, ou cardiomiócitos, não funcionam isoladamente umas às outras, elas formam uma estrutura sincicial. Entre as células musculares cardíacas, existem pontos membranosos (chamados discos intercalares) que ligam os cardiomiócitos entre si e permitem ao miocárdio contrair-se como uma unidade funcional. Há, então, um único processo de excitação e um único processo de contração do miocárdio (KOEPPEN; STANTON, 2009; DOUGLAS, 2006). Discos intercalares Núcleo Figura 11 – Estrutura do músculo estriado cardíaco (miocárdio) de mamífero Finalmente, o músculo liso é de controle involuntário e constitui um grupo heterogêneo, com grande diversidade tanto em relação à morfologia quanto às propriedades fisiológicas. Suas fibras são alongadas, cujo diâmetro varia entre 2 e 5 mm, já o comprimento, entre 60 e 100 mm. Apresentam um único núcleo situado na zona central. O músculo liso visceral situa-se na parede dos diferentes órgãos viscerais, como no trato gastrointestinal, no sistema respiratório, nos vasos sanguíneos, nas glândulas, entre outros. A característica morfológica que o define é a carência de estriações periódicas, dada a ausência dessa estruturação muscular, que é o sarcômero. Daí que não se trata de um tipo muscular único, mas de um conjunto de tipos celulares com capacidade contrátil básica, porém com certas peculiaridades próprias ao órgão em que estão inseridas (KOEPPEN; STANTON, 2009; DOUGLAS, 2006). 3.2.1 Elementos que participam da contração e ausência de contração muscular Como descrito anteriormente, a unidade funcional do músculo é a fibra muscular. A fibra muscular é delimitada por uma membrana (sarcolema) e seu citoplasma é preenchido por fibrilas paralelas chamadas miofibrilas. Estas estruturas filamentares compõem, aproximadamente, de 70 a 80% do volume da fibra muscular, posicionando-se de forma paralela ao longo do eixo da célula, e possuem comprimento igual ao da fibra muscular. As miofibrilas são os menores elementos contráteis dos músculos. Cada miofibrila é envolta por uma especialização do retículo endoplasmático liso (retículo sarcoplasmático), cuja principal função é armazenar íons Ca2+, os quais serão liberados no citosol durante o processo de contração muscular. Muito próximas ao retículo sarcoplasmático, há estruturas tubulares formadas pela invaginação do sarcolema, chamadas “túbulos transversos” ou “túbulos T”, que contêm canais de Ca2+ dependentes de voltagem. O conjunto formado pelo túbulo T e os dois lados do retículo sarcoplasmático formam uma estrutura chamada “tríade”. É justamente na região da tríade que ocorre o acoplamento entre a excitação da membrana e os sinais químicos necessários para a contração muscular (AIRES, 2008, CURI; PROCOPIO, 2009). 30 Unidade II Miofibrila Túbulo do sistema T Túbulo do sistema T Retículo sarcoplasmático Mitocôndria Figura 12 – Esquema tridimensional do músculo As miofibrilas estão organizadas em unidades básicas contráteis que as subdividem longitudinalmente: os sarcômeros (do grego, “sarkós”, que significa “músculos”, e “mere”, “segmento”), portanto, cada miofibrila é formada por sarcômeros em série. Cada uma dessas unidades, ou sarcômeros, é delimitada por duas linhas Z (do alemão, “zwischen”, cuja acepção é “entre”) que possuem, de cada lado, uma linha clara denominada “banda I”, região menos densa e, portanto, mais clara, que contém os filamentos finos, formados por actina. A área compreendida entre duas bandas I no interior do sarcômero é denominada “banda A”, região mais densa e escura, onde estão os filamentos grossos, formados por miosina. No centro da banda A existe a linha M (do alemão, “mittel”, traduzível por “meio”), que é o sítio de união para os filamentos de miosina, apresentando função similar à linha Z para os filamentos de actina. Os filamentos de actina estão inseridos nas linhas Z e projetados a cada lado destas linhas, em direção ao centro do sarcômero. Os filamentos de miosina situam-se na parte central dos sarcômeros, na banda A. Tal banda, enquanto o músculo está relaxado, apresenta uma zona central mais clara: a zona H (linha ou disco de Hensen). Existe uma relação de disposição espacial entre os diferentes filamentos. As bandas I são regiões em que estão presentes somente os filamentos de actina. As bandas A são constituídas pelos filamentos tanto de miosina quanto de actina, que se interdigitam. Na fibra muscular relaxada, a zona H é constituída somente pela presença de filamentos de miosina. Além disso, existem pontes de contato entre os filamentos de miosina e actina. Esse arranjo sarcomérico mostra a inter-relação entre os filamentos, formando a base estrutural do sistema transmissor de força e movimento. Os arranjos, em que filamentos de actina formam uma estrutura hexagonal interdigitando com os filamentos de miosina, revelam a geometria das miofibrilas na relação de dois filamentos de actina para cada filamento de miosina, constituindo o sistema efetor final do acoplamento excitação-contração (DOUGLAS, 2006; AIRES, 2008; CURI; PROCOPIO, 2009). 31 FISIOLOGIA 1 2 3 4 5 6 Actina Miosina Z Z Z Z HA A H SE M |I SE M |I SE M |I Figura 13 – Estrutura do músculo esquelético: (1) músculo, (2) fibra muscular, (3) fibra muscular isolada, (4) miofibrila, (5) sarcômero e (6) elementos do sarcômero O filamento de actina estende-se da linha Z até o centro do sarcômero. Sua estrutura é composta de três proteínas: actina, tropomiosina e troponina, sendo as duas últimas reguladoras da contração. Em uma de suas extremidades, mais próxima da linha Z, a miosina apresenta uma saliência globular, ou cabeça, que possui atividade ATPase. É nessa parteda molécula que está o sítio de ligação à actina. A tropomiosina liga-se à actina, coordenando as mudanças conformacionais do filamento e, na ausência de cálcio, bloqueia o sítio da actina no qual se liga a miosina. Associada à tropomiosina está a troponina, que é responsável por modular a interação entre a actina e a miosina. A troponina consta de três subunidades: TnT, TnC e TnI. A subunidade TnT liga-se à tropomiosina, a TnC revela alta afinidade a cálcio, que lhe permite controlar a ligação da tropomiosina com a actina, e, finalmente, a subunidade TnI inibe a interação entre a actina e a miosina (AIRES, 2008; CURI; PROCOPIO, 2009). Observação As enzimas ATPase cortam um fosfato da molécula de ATP dando como resultado ADP + Pi. Nesse processo, libera-se a energia necessária para realizar trabalho. 3.2.2 Mecanismos da contração muscular esquelética O processo responsável pelo encurtamento dos elementos contráteis do músculo é o deslizamento dos filamentos finos (actina) sobre os grossos (miosina). A largura das bandas A é invariável, as linhas Z aproximam-se umas das outras quando o músculo se contrai e afastam-se quando o músculo é estirado (GANONG, 2006). 32 Unidade II O deslizamento durante a contração muscular ocorre quando as cabeças de miosina, ligadas firmemente à actina, curvam-se sobre o restante da molécula de miosina e, em seguida, desprendem-se. Esse “movimento de força” depende da hidrólise de ATP. As moléculas de miosina são dímeros de duas cabeças, mas apenas uma delas liga-se à actina de cada vez. Muitas cabeças geram ciclos exatamente (ou quase) ao mesmo tempo e os ciclos repetem-se, produzindo a contração muscular perceptível. Cada movimento de força encurta o sarcômero em cerca de 10 nm. Cada filamento grosso tem aproximadamente 500 cabeças de miosina e cada cabeça gera cerca de quatro ciclos por segundo durante a contração rápida (GANONG, 2006). Estágio A Estágio B Estágio C Figura 14 – Encurtamento do sarcômero durante a contração muscular: o estágio A representa o estiramento muscular, o estágio B, o músculo relaxado e o estágio C, o músculo contraído O processo que compreende os eventos desde a excitação da membrana sarcoplasmática até o desencadeamento da contração da fibra muscular é conhecido como acoplamento excitação‑contração (DOUGLAS, 2006). O potencial de repouso da membrana das fibras musculares é de algo em torno de -70 mV; do mesmo modo como sucede a outras células, é dependente da composição iônica de cada lado da membrana e da permeabilidade aos íons que a membrana possui. Dessa forma, nesse processo, o potencial de repouso tem seu valor aproximado ao do potencial eletroquímico do K+, como foi discutido previamente nesta unidade, na neurofisiologia. O potencial de ação é transmitido a todas as miofibrilas que compõem a fibra muscular por meio do túbulo T. Esse potencial provoca a liberação de Ca2+ pelas cisternas terminais, que são dilatações laterais do retículo sarcoplasmático localizado na proximidade do túbulo T. O Ca2+ inicia a contração, que é desencadeada por sua ligação à troponina C. No músculo em repouso, a troponina I está ligada firmemente à actina, e a tropomiosina cobre os locais aos quais as cabeças da miosina se ligam à actina. Assim, o complexo troponina-tropomiosina forma uma “proteína relaxante” que inibe a interação entre a actina e a miosina. Quando o Ca2+ liberado pelo potencial de ação liga-se à troponina C, a ligação da troponina I à actina fica enfraquecida, permitindo que a tropomiosina movimente-se lateralmente. Esse movimento libera os sítios de ligação para as cabeças de miosina. Em seguida, o ATP é hidrolisado e começa a contração. São liberados sete sítios de ligação para a ligação da miosina para cada molécula de troponina que se liga a um íon cálcio. A miosina passa por uma alteração de configuração, chamada “ação de catraca”, que puxa o filamento de actina em direção ao centro do sarcômero. 33 FISIOLOGIA A ligação do ATP à miosina diminui sua afinidade pela actina, resultando em sua liberação do filamento de actina. A miosina então hidrolisa parcialmente o ATP e parte da energia do ATP é utilizada para reerguer a cabeça da miosina e retornar ao estado de repouso. Se a concentração de Ca2+ intracelular ainda estiver elevada, a miosina passará por outro ciclo de pontes cruzadas e produzirá outra contração do músculo. O ciclo continua até que o Ca2+ é bombeado de volta para o retículo. Quando a concentração de Ca2+ intracelular diminui, o íon dissocia-se da troponina C e o complexo troponina-tropomiosina movimenta-se, bloqueando os sítios de ligação da miosina no filamento de actina, ação que leva o nome de complexo rigor ou rigidez. Se não houver ATP disponível no meio, esta associação torna-se estável, sem haver desligamento de ambas as moléculas. Se o suprimento de ATP esgota-se permanentemente, como acontece na morte, o ciclo para nesse estado com os complexos actina-miosina associados (estado de rigidez). Nesse caso, o músculo permanece rígido, e a condição é chamada de rigor mortis (KOEPPEN; STANTON, 2009; DOUGLAS, 2006; GANONG, 2006). Miômero Miômero relaxado Miômero contraído Actina Miosina Esquema representando a formação das pontes, seu dobramento e o movimento da actina em direção ao centro do miômero. Actina Z Z Z Figura 15 – Esquema representando os filamentos deslizantes O complexo de rigor é desfeito normalmente, no processo de contração muscular, pela capacidade que tem a porção globular da miosina de combinar-se com uma nova molécula de ATP, formando novamente o complexo miosina-ATP. Esse complexo não tem afinidade pela actina e, portanto, há desligamento das duas moléculas, voltando a miosina à sua posição normal de repouso (DOUGLAS, 2006). A contração muscular não ocorre na ausência de íons Ca2+, pois sem eles não há a retirada da inibição dos sítios ativos, causada pela troponina em primeira instância. Antes do relaxamento muscular, o estímulo nervoso cessa, consequentemente o potencial de membrana retorna ao seu nível de repouso em todo o sarcolema e túbulos T, isso acarreta a inativação da ação elétrica sobre o retículo sarcoplasmático 34 Unidade II e o cálcio é rapidamente removido do sarcoplasma, voltando para o interior do retículo sarcoplasmático, por meio de um processo ativo, por uma ATPase situada na membrana do retículo (DOUGLAS, 2006). Diminuindo o cálcio no interior do sarcoplasma, o Ca2+ desliga-se da troponina, voltando novamente a tropomiosina a cobrir os sítios ativos, impedindo a interação entre actina e miosina, relaxando, assim, a fibra muscular (DOUGLAS, 2006). Saiba mais Para entender melhor os processos discutidos na presente unidade, acompanhe o seguinte centro de atividades: IPWEB. Interactive Physiology. 2005. Disponível em: <http://bk.psu.edu/ clt/bisc4/ipweb/home/index2.html>. Acesso em: 13 maio 2015. Lembrete O potencial de ação é uma alteração rápida, do tipo tudo ou nada, do potencial de membrana, seguida pelo retorno do potencial de membrana ao repouso. 3.2.3 Placa motora A musculatura esquelética é controlada pelo sistema nervoso central. Especificamente, cada músculo esquelético é inervado por um neurônio motor α, cujos corpos celulares estão localizados no corno ventral da medula espinhal e seus axônios motores deixam a medula pelas raízes ventrais, alcançando os músculos por meio de nervos periféricos. Os axônios dos neurônios motores que inervam cada músculo esquelético ramificam-se para inervar várias fibras musculares, a menor quantidade possível de músculo que pode ser contraída em resposta à excitação de um único neurônio motor não é uma única fibra muscular, mas todas as fibras inervadas por esse neurônio. Cada neurônio isolado e as fibras musculares que ele inerva formam a unidade motora. O número de fibras musculares de uma unidade motora varia. Nos músculos como os das mãos e naqueles envolvidos nos movimentos oculares – ou seja, músculosque realizam movimentos finos, precisos e graduados –, há de três a seis fibras musculares por unidade motora. Já, nos músculos da perna de gatos, foram encontradas de 120 a 165 fibras por unidade, e alguns dos músculos maiores do dorso dos seres humanos contêm quantidades ainda maiores (KOEPPEN; STANTON, 2009; DOUGLAS, 2006; GANONG, 2006). 35 FISIOLOGIA Corte de medula espinhal Axônio de outro neurônio motor Axônio de um neurônio motor Junção neuromuscular Figura 16 – Inervação do músculo estriado A junção neuromuscular é a sinapse especializada por meio da qual o neurônio motor estimula a fibra muscular. Quando o axônio de um neurônio motor chega ao músculo, ele se ramifica em vários terminais, de número variável, cada qual terminando firmemente no sarcolema de uma fibra muscular, em uma região denominada placa motora. Portanto, cada fibra muscular tem uma ou várias placas motoras. A acetilcolina, liberada pelo neurônio motor α na fenda sináptica, em direção à placa motora, desencadeia um potencial de ação na fibra muscular que se propaga rapidamente ao longo de seu comprimento. A duração do potencial de ação, no músculo esquelético, é de menos de 5 ms. Isso contrasta com a duração do potencial de ação no músculo cardíaco, que é de aproximadamente 200 ms. A curta duração do potencial de ação no músculo esquelético permite contrações muito rápidas da fibra e fornece, ainda, outro mecanismo pelo qual a força de contração pode ser aumentada. O aumento de tensão do músculo por estimulação repetitiva é chamado de tetania (KOEPPEN; STANTON, 2009; DOUGLAS, 2006; GANONG, 2006). Axônio motor Núcleo do miócito Ramificações de axônio Junção neuromuscular (placa mioneural) Miócito Figura 17 – Placa motora 36 Unidade II Saiba mais A fim de propiciar inter-relações entre os conteúdos da unidade, assista ao filme a seguir: A INCRÍVEL máquina humana. Dir. Chad Cohen e Arthur F. Binkowski. EUA: National Geographic Channel e Pan Vision Ou, 2009. 94 min. 4 SISTEMAS NERVOSO E NEUROENDÓCRINO 4.1 Sistema nervoso O objetivo da neurociência é compreender os processos mentais pelos quais nós percebemos, agimos, aprendemos e nos lembramos. O encéfalo humano é uma rede de mais de 100 bilhões de células nervosas individuais interconectadas em sistemas que constroem nossas percepções sobre o mundo externo, fixam nossa atenção e controlam o mecanismo de nossas ações. A primeira etapa para se compreender a mente consiste em aprender como os neurônios estão organizados e como se comunicam por meio das sinapses (KANDEL; SCHWARTZ; JESSELL, 2003). Então, começaremos estudando a organização do sistema nervoso. 4.1.1 Organização do sistema nervoso Em termos anatômicos e funcionais, o sistema nervoso é dividido em duas porções: sistema nervoso central (SNC), formado essencialmente pelo encéfalo e pela medula espinal, e sistema nervoso periférico, formado pelos nervos que levam e trazem informações do SNC para periferia e da periferia para o SNC. (KANDEL; SCHWARTZ; JESSELL, 2003; CURI; PROCOPIO, 2009). A B C 1 Hemisfério cerebral 2 Diencéfalo 3 Mesencéfalo 4 Ponte 5 Cerebelo 6 Bulbo 7 Medula espinhal Figura 18 – (A) Sistema nervoso central e periférico; (B) Encéfalo e medula vistos lateralmente; (C) As divisões do sistema nervoso central 37 FISIOLOGIA O sistema nervoso central (SNC) contém, aproximadamente, 100 bilhões de neurônios e também de 10 a 50 vezes esse número em células gliais. O encéfalo é formado pelo cérebro, uma estrutura bilateral essencialmente simétrica, pelo cerebelo e pelo tronco encefálico, este subdividido em mesencéfalo, ponte e bulbo (ou medula oblonga) (GANONG, 2006; KANDEL; SCHWARTZ; JESSELL, 2003). A medula espinal é a parte mais caudal do SNC, recebe e processa as informações sensoriais da pele, articulações, músculos e vísceras. Ela é subdividida em região cervical, torácica, lombar e sacral. A medula espinal continua rostralmente como tronco encefálico que conduz a informação da medula espinal até o cérebro e, inversamente, do cérebro para a medula espinal (KANDEL; SCHWARTZ; JESSELL, 2003). Dorsal (sensorial) Ventral (motora) Figura 19 – Corte transversal da medula espinhal: a medula é um órgão com forma cilíndrica que se estende do bulbo até as vertebras sacrais Anatomicamente, quando a medula espinal termina, iniciando o tronco encefálico, vê-se o bulbo, ou medula oblonga, que fica diretamente acima da medula espinal. O bulbo é responsável por diversas funções vegetativas vitais, como digestão, respiração e controle do ritmo cardíaco. Acima do bulbo, situa-se a ponte que leva informações sobre os movimentos, dos hemisférios cerebrais até o cerebelo. O cerebelo localiza-se atrás da ponte e é ligado ao tronco encefálico por tratos importantes denominados pedúnculos. O cerebelo modula a força e o alcance do movimento, está envolvido na aprendizagem das habilidades motoras e com o equilíbrio. Já o mesencéfalo, situado rostralmente à ponte, é responsável por controlar muitas funções sensoriais e motoras, incluindo a movimentação ocular e a coordenação dos reflexos visuais e auditivos. Já no cérebro há o diencéfalo, que se situa rostralmente ao mesencéfalo e contém duas estruturas: o tálamo e o hipotálamo. O tálamo processa a maior parte das informações que chegam ao córtex cerebral e que são oriundas do resto do sistema nervoso central. O hipotálamo (localizado abaixo do tálamo) regula as funções vegetativa, endócrina e visceral. Os hemisférios cerebrais constam de uma camada exterior bastante pregueada – o córtex cerebral – e três estruturas profundas: os núcleos da base, o hipocampo e o núcleo amigdaloide. Os núcleos da base participam da regulação do desempenho motor; o hipocampo está envolvido com aspectos do armazenamento da memória; e o núcleo amigdaloide coordena as respostas vegetativas e endócrinas dos estados emocionais. 38 Unidade II O córtex cerebral é dividido em quatro lobos: frontal, parietal, temporal e occipital. Esses lobos possuem funções especializadas. O lobo frontal está amplamente relacionado ao planejamento de ações futuras e ao controle do movimento; o lobo parietal, à sensação somática, à formação da imagem do corpo e à relação da imagem do corpo com o espaço extrapessoal; o lobo occipital, à visão e o lobo temporal, tanto à audição quanto, por meio de suas estruturas mais profundas – o hipocampo e o núcleo amigdaloide –, a aspectos de aprendizagem, memória e emoção. Cada lobo apresenta várias circunvoluções (pregas) profundas, que representam uma estratégia evolucionária propícia ao acúmulo de mais células em um espaço limitado (KANDEL; SCHWARTZ; JESSELL, 2003). Lobo frontal Lobo parietal Lobo temporal Lobo occipital Figura 20 – Vista lateral do cérebro humano e os quatro lobos cerebrais A organização do córtex cerebral tem duas características muito importantes: • primeiro: cada hemisfério está relacionado com processos motores e sensórios do lado contralateral (oposto) do corpo. Assim, as informações que chegam à medula espinal provenientes do lado esquerdo do corpo – da mão esquerda, por exemplo – cruzam para o lado direito do sistema nervoso (dentro da medula espinal ou no tronco encefálico) a caminho do córtex cerebral. De forma semelhante, as áreas motoras no hemisfério direito exercem controle sobre os movimentos do lado esquerdo do corpo. Assim, a mão direita, que, nos destros, é mais acionada para escrever, dentre outros movimentos que exigem habilidades específicas, é controlada pelo hemisfério esquerdo, o mesmo hemisfério que controla a fala. Na maioria das pessoas, portanto, o hemisfério esquerdo é considerado dominante; • segundo: embora os hemisférios sejam similares na aparência, suas estruturas não são completamente simétricas e tampouco com funções equivalentes (KANDEL; SCHWARTZ; JESSELL, 2003). 4.1.2 Aspectos gerais e funcionais dos neurônios e das neuroglias O sistema nervoso tem duas classes de células: os neurônios (células nervosas)e as células da glia, que dispõem de grande diversidade de tipos celulares. Essas células, muito mais numerosas que os neurônios, são as de suporte que circundam os corpos celulares, os axônios e os dendritos dos neurônios. Elas não estão diretamente envolvidas no processamento da informação, ou seja, não participam diretamente da 39 FISIOLOGIA sinalização elétrica, porém desempenham funções vitais aos neurônios e ao funcionamento adequado do sistema nervoso. As células gliais no sistema nervoso de vertebrados são divididas em duas classes principais: a micróglia e a macroglia. As micróglias, células que possuem função de fagocitose, são mobilizadas após lesão, infecção ou doença. Existe alguma controvérsia quanto à origem neural delas: alguns autores sugerem que, em condições basais, a micróglia é praticamente inexistente no sistema nervoso, aumentando rapidamente em número apenas em resposta à lesão – neste sentido, a micróglia originar-se-ia de macrófagos de fora do sistema nervoso, e não são fisiológica e embriologicamente relacionados a outros tipos celulares do sistema nervoso; já outros autores, como alternativa intermediária, consideram que possivelmente exista uma pequena população de micróglia residente no sistema nervoso. Pouco se sabe o que a micróglia faz no estado de repouso, mas ela é ativada e recrutada durante infecções, lesões e convulsões (KANDEL; SCHWARTZ; JESSELL, 2003; CURI; PROCOPIO, 2009). Três tipos de macroglia predominam no sistema nervoso dos vertebrados: oligodendrócitos, células de Schwann e astrócitos. Astrócito Oligodendrócitos Microglia A B C Figura 21 – Células da glia (neuroglia) Os oligodendrócitos e as células de Schwann são células produtoras de mielina e exercem o importante papel de isolar eletricamente partes do axônio dos neurônios. Essas células envolvem firmemente seus processos membranosos ao redor do axônio em uma espiral, formando uma camada de mielina denominada bainha de mielina. Os oligodendrócitos são encontrados apenas no sistema nervoso central. Um único oligodendrócito pode envolver seus processos membranosos ao redor de muitos axônios, isolando-os com um envoltório de mielina. Por outro lado, as células de Schwann estão presentes apenas no sistema nervoso periférico, fornecendo envoltórios de mielina que isolam os axônios dos neurônios periféricos. Cada uma das várias células de Schwann, posicionadas ao longo de um único axônio, forma um segmento de envoltório de mielina de cerca de 1 mm de comprimento. O envoltório assume sua forma assim que a extremidade interna da célula de Schwann enrola-se ao redor do axônio várias vezes, embrulhando-o em camadas concêntricas de membrana. Os intervalos entre os segmentos de mielina são conhecidos como nodos de Ranvier (KANDEL; SCHWARTZ; JESSELL, 2003). 40 Unidade II Bainha de mielina (A) (B) Camadas de mielina Nodos de Ranvier Núcleo Axônio oo Axônio oo Axônio oo ~1mm 1µm Figura 22 – (A) Esquema de um axônio mielinizado de um nervo periférico; (B) Micrografia eletrônica do nervo da perna de um rato jovem: podem-se observar duas células de Schwann, cada uma ao redor de seu axônio Saiba mais Para ampliar as inter-relações entre os conteúdos da unidade, assista ao filme a seguir: O ÓLEO de Lorenzo. Dir. George Miller. EUA: Universal Pictures, 1992. 136 min. Os astrócitos são as células gliais mais numerosas no sistema nervoso central. Assim são chamadas, devido a seus corpos celulares irregulares, que lembram estrelas. Os astrócitos tendem a ter processos longos, alguns dos quais terminando em estruturas conhecidas como pés-terminais. Alguns astrócitos, por meio de seus pés-terminais, fazem contato com vasos sanguíneos e com neurônios, funcionando como um intermediário no suprimento de nutrientes para essas células, tendo em vista que neurônios, em geral, não têm acesso direto aos vasos sanguíneos. Os astrócitos também ajudam a manter a concentração iônica de potássio correta no espaço extracelular entre os neurônios. Além disso, captam neurotransmissores das áreas sinápticas após a liberação e, portanto, ajudam a regular as atividades sinápticas pela remoção dos transmissores. São responsáveis também pela formação do tecido cicatricial e têm papel importante na formação da barreira hematoencefálica. Mas o papel dos astrócitos é principalmente o de suporte neuronal, eles fornecem suporte estrutural para a migração neuronal. De forma geral, os astrócitos desempenham funções tróficas e de nutrição essenciais para os neurônios. O conhecimento sobre as funções astrocitárias vem sendo constantemente ampliado, e começam a vislumbrar a possibilidade de os astrócitos contarem com capacidades e propriedades relacionadas às diferentes estruturas do sistema nervoso (KANDEL; SCHWARTZ; JESSELL, 2003; CURI; PROCOPIO, 2009). 41 FISIOLOGIA As células nervosas (neurônios) são as unidades básicas de sinalização do sistema nervoso. Um neurônio típico possui quatro regiões definidas morfologicamente: • corpo celular; • dendritos; • axônio; e • terminais pré-sinápticos (telodendro). Cada uma dessas regiões desempenha um papel distinto na geração de sinais e na comunicação entre as células nervosas (KANDEL; SCHWARTZ; JESSELL, 2003). Substância de Nissl Núcleo de célula de Schawnn Telodendro Neurilema Bainha de mielina Nódulo de Ranvier Neurofibrilas Corpo celular Axônio Núcleo Dendritos Figura 23 – Esquema de um neurônio O corpo celular, também chamado “soma”, é o centro metabólico do neurônio. É ali que está localizado o núcleo da célula, que armazena a informação genética, bem como outras organelas responsáveis pelo funcionamento celular. Do corpo celular, geralmente, originam-se dois tipos de processos: vários dendritos curtos e um único axônio longo e tubular. Os dendritos ramificam-se em um padrão semelhante a uma árvore – daí o termo “árvore dendrítica” –, e são o principal elemento para receber sinais que chegam de outras células nervosas. Já o axônio estende-se para além do corpo celular, sendo a principal unidade condutora para a transmissão de sinais a outros neurônios. Portanto, os dendritos recebem os sinais, enquanto o axônio conduz esses sinais. Um axônio pode transmitir sinais elétricos por distâncias que variam de 0,1 mm até 3 m. Esses sinais elétricos, chamados potenciais de ação, são impulsos nervosos rápidos, transientes, do tipo tudo ou nada, com amplitude de 100 mV e duração de cerca de 1 ms (KANDEL; SCHWARTZ; JESSELL, 2003). 42 Unidade II Os potenciais de ação constituem os sinais pelos quais o sistema nervoso recebe, analisa e transmite informações. São iniciados em uma região específica de disparo localizada na origem do axônio, chamada cone de implantação; de lá eles são conduzidos pelo axônio, sem falha ou distorção, a uma velocidade que varia de 1 a 100 m/s. A amplitude de um potencial de ação que trafega pelo axônio permanece constante, pois o potencial de ação é um impulso do tipo tudo ou nada, que é regenerado em intervalos regulares ao longo do axônio. Esses sinais são altamente estereotipados ao longo do sistema nervoso, embora sejam iniciados por uma variedade enorme de estímulos ambientais que vão desde a luz até o contato mecânico e de odores até ondas de pressão. Dessa forma, os sinais que transmitem informações sobre a visão são idênticos aos que transmitem informações sobre odores, o que diferencia um do outro é a via neural pela qual a informação transmitida trafega no encéfalo. O encéfalo analisa e interpreta padrões de sinais elétricos que chegam e, desse modo, cria nossas sensações de visão, tato, paladar, olfato e som. Para aumentar a velocidade de condução dos potenciais de ação, grandes axônios são envolvidos pela bainha de mielina, que é uma camada lipídica e isolante, com interrupções em intervalos regulares, os nodos de Ranvier. É nesses pontos não isolados do axônio que o potencial de ação se regenera, aumentando a velocidade de condução do potencialde ação (KANDEL; SCHWARTZ; JESSELL, 2003). Mais adiante, estudaremos com mais cuidado a mielinização e os potenciais de ação. Próximo à sua extremidade, o axônio divide-se em ramos mais finos que formam locais de comunicação com outros neurônios. O ponto no qual dois neurônios se comunicam é chamado sinapse. A célula nervosa que transmite o sinal é chamada célula pré‑sináptica. O sinal é recebido pelos dendritos ou corpo da célula pós‑sináptica. A célula pré-sináptica transmite os sinais pelas dilatações de seus ramos axonais, chamadas terminais pré‑sinápticos. No entanto, uma célula pré-sináptica não se comunica anatomicamente com a célula pós-sináptica, não há contato físico. As duas células estão separadas por um espaço chamado fenda sináptica. A maioria dos terminais pré-sinápticos termina nos dendritos de neurônios pós-sinápticos, mas também podem terminar no corpo celular ou, mais raramente, no início ou no fim do axônio da célula receptora. Os ramos de um único axônio podem formar sinapses com até outros mil neurônios (KANDEL; SCHWARTZ; JESSELL, 2003). Estímulo Neurônio Neurônio Impulso nervoso Impulso nervoso Sinapse Vesículas com acetilcolina Figura 24 – Sinapse, no caso sinapse química 43 FISIOLOGIA Baseado na quantidade de projeções que saem do corpo celular, os neurônios são classificados em três grandes grupos: unipolares, bipolares e multipolares. Os neurônios unipolares são as células nervosas mais simples, pois apresentam uma única projeção que deixa o corpo celular. Geralmente, esse processo primário pode originar muitos ramos. Há ramos que funcionam como axônio; outros, como estruturas dendríticas receptoras de informação. Essas células são predominantes no sistema nervoso de invertebrados; nos vertebrados, elas aprecem no sistema nervoso autônomo. Os neurônios bipolares têm um corpo em forma oval que origina dois processos: um dendrito que recebe a informação e um axônio que transmite tal informação em direção ao sistema nervoso central. Muitas células sensoriais são bipolares, por exemplo, as células presentes na retina e no epitélio olfativo. Existe uma variante de células bipolares, são as chamadas células pseudounipolares. Essas células, inicialmente, desenvolvem-se como células bipolares; posteriormente, as duas projeções dessas células fundem-se para formar um pequeno axônio que emerge do corpo celular. O axônio, então, divide-se em dois: um ramo dirige-se à periferia (aos receptores sensoriais na pele, articulações e músculo), e o outro, à medula espinal; ambos funcionam como axônios. Os neurônios multipolares têm um único axônio e muitos dendritos que emergem de vários pontos em torno do corpo celular, predominam no sistema nervoso dos vertebrados e são do tipo mais comum no sistema nervoso de mamíferos. Geralmente, o número e a extensão de seus dendritos estão relacionados ao número de contatos sinápticos que outros neurônios estabelecem com eles. A árvore dendrítica de uma célula de Purkinje, no cerebelo, recebe aproximadamente 150 mil contatos (KANDEL; SCHWARTZ; JESSELL, 2003). A Célula unipolar B Célula bipolar Dendrito Dendritos Dendritos Dendrito apical Dendrito basal Dendritos Axônio Axônio Axônio Axônio Axônio Axônio periférico para pele e músculo Processo único bifurcado Axônio central Terminais axônicos Corpo celular Corpo celular Corpo celular Corpo celular Corpo celular Corpo celular Neurônio de invertebrado Neurônio motor da medula espinal Célula piramidal do hipocampo Célula de Purkinje do cerebelo Célula bipolar da retina Célula ganglionar da raiz dorsal C Célula pseudounipolar D Três tipos de células multipolares Figura 25 – Tipos de neurônios: unipolares, bipolares ou multipolares 44 Unidade II Os neurônios também são classificados de acordo com sua função, os três principais grupos funcionais são: sensoriais, motores e interneurônios. Os neurônios sensoriais transmitem a informação da periferia (pele, articulações, músculos etc.) do corpo até o sistema nervoso central (medula espinal ou encéfalo) com o propósito tanto de percepção como de coordenação motora. Os neurônios motores transmitem os comandos do cérebro ou da medula espinal (SNC) para músculos e glândulas (periferia). Os neurônios motor e sensorial são representados no arco reflexo patelar. Observação No arco reflexo patelar, o neurônio sensorial leva a informação de estiramento do músculo para o SNC, por meio da raiz dorsal da medula; já o neurônio motor conduz a ordem de ação para contração da musculatura, por meio da raiz ventral da medula. Os corpos celulares dos neurônios sensoriais estão localizados nos gânglios raquidianos, enquanto os corpos dos neurônios motores estão localizados no corno ventral da medula Os interneurônios constituem, de longe, a maior classe de neurônios, compreendendo todas as células nervosas que não são especificamente sensoriais ou motoras. Os interneurônios são subdivididos em duas classes: • os do tipo relê ou de projeção, que possuem axônios longos e transmitem sinais de uma região do sistema nervoso a outra, percorrendo distâncias consideráveis; e • os interneurônios locais, que têm axônios curtos e processam a informação dentro de circuitos locais (KANDEL; SCHWARTZ; JESSELL, 2003). 45 FISIOLOGIA Receptor Sensorial Efetor Raiz ventral Raiz dorsal Gânglio Neurônio motor Figura 26 – Arco reflexo patelar 4.1.3 Potencial de ação A atividade coordenada de dezenas de bilhões de neurônios é o que determina o funcionamento do sistema nervoso, desde funções primitivas, como reações reflexas a estímulos simples do ambiente, até a complexa percepção do meio externo, mecanismos de atenção e controle de movimentos delicados e precisos. Os neurônios dispõem-se em cadeias celulares que transmitem e processam as informações que são captadas por células especializadas. A todo o momento, estamos sendo expostos a diversas modalidades de estímulos – estímulos fóticos, sonoros, mecânicos, térmicos etc. – e os neurônios não são capazes de transmitir ondas sonoras nem radiações eletromagnéticas. São necessárias, portanto, estruturas especializadas na transformação dessas formas de estímulos em sinais neurais, por meio da codificação das informações em uma linguagem comum ao sistema nervoso (AIRES, 2012). As membranas neuronais são especializadas na geração de sinais elétricos, assim as informações veiculadas por todas as formas de energia devem ser transduzidas em sinais elétricos. Essa tarefa é 46 Unidade II cumprida por receptores sensoriais, terminações nervosas ou células particularmente diferenciadas que possuem a capacidade de perceber estímulos específicos e transformá-los em sinais elétricos (AIRES, 2012). A sinalização neural envolve variações do potencial elétrico de membrana. A membrana neuronal em repouso apresenta uma diferença de potencial elétrico de -70 mV, sendo que o interior da célula é negativo. Esse potencial de repouso pode ser modulado com aplicação de pulsos de corrente. Pulsos de baixa intensidade produzem variações de potencial proporcionais à intensidade da corrente, e cuja polaridade depende do sinal da corrente aplicada. Uma corrente aplicada que aumenta a diferença de potencial e torna o interior da célula mais negativo, é chamada hiperpolarização. Já uma corrente aplicada que diminui a diferença de potencial e torna o interior da célula mais positivo é chamada despolarização. No caso de pulsos de correntes despolarizantes, o aumento da intensidade da corrente aplicada pode, se for forte o suficiente, criar uma variação de potencial rápida, de grande amplitude, cerca de 120 mV no total, de curta duração, de 1 a 2 ms, que constitui um impulso nervoso ou potencial de ação. Durante o potencial de ação, o potencial de membrana atinge cerca de +50 mV, ou seja, o interior da célula fica positivo, ocorrendo assim uma inversão na polaridade da membrana. Este tipo de resposta só aparece para pulsosdespolarizantes. Nem todo pulso de corrente despolarizante desencadeia um potencial de ação, o pulso precisa ter intensidade suficiente (ser supralimiar) para atingir o limiar de excitabilidade e, então, desencadear o potencial de ação. Caso não seja forte o suficiente, ele será um estímulo sublimiar que não é capaz de desencadear um potencial de ação (um impulso nervoso). +40 +20 0 –20 –40 –60 –80 A Po te nc ia l d e m em br an a (m ili vo lts ) +40 +20 0 –20 –40 –60 –80 B Po te nc ia l d e m em br an a (m ili vo lts ) Potencial de ação Potencial de repouso +40 +20 0 –20 –40 –60 –80 C Po te nc ia l d e m em br an a (m ili vo lts ) Período refratário Figura 27 – Potencial de ação (A, B e C) e potencial de membrana em repouso, indicado em B 47 FISIOLOGIA Uma característica do potencial de ação é que ele obedece à lei do tudo ou nada, ou seja, para qualquer estímulo supralimiar, a amplitude e a forma do potencial de ação serão sempre constantes. Em seu modo mais simples, o aumento da intensidade de um estímulo elétrico sobre uma célula nervosa resulta não no aumento da amplitude, mas sim no da frequência de potenciais de ação disparados. Assim, para efeito de transmissão das informações, o código neural é essencialmente um código de frequências, e não de amplitude (AIRES, 2012). Lembrete O potencial de ação segue a lei do tudo ou nada: estímulos sublimiares não são capazes de desencadear potenciais de ação, eles desencadeiam potenciais de ação com amplitude e forma constantes. Um estímulo supralimiar intenso leva a um aumento de disparos de potenciais de ação. A membrana é capaz de gerar um potencial de ação para cada pulso de corrente, e o limiar de excitabilidade permanece constante. Contudo, quando o intervalo entre dois pulsos sucessivos é reduzido, ou seja, houve um aumento na intensidade do estímulo, o limiar de excitabilidade para a geração de um novo potencial de ação aumenta progressivamente até que, para intervalos muito curtos, é impossível gerar um segundo potencial de ação, independente da intensidade de estimulação. O período após a geração de um potencial de ação no qual a membrana é resistente à estimulação elétrica é denominado período refratário, que pode ser período refratário absoluto – no qual a membrana é inexcitável – ou um período refratário relativo, durante o qual a membrana recupera gradativamente sua excitabilidade e ocorre imediatamente após o absoluto. O período refratário tem uma consequência funcional importante, que é a limitação da frequência máxima de potenciais de ação que um neurônio é capaz de transmitir. +50 –50 1 2 3 4 5 6 tempo, ms (milissegundo) Po te nc ia l d e m em br an a m V (m ili vo lts ) Figura 28 – Potencial de ação da membrana por milissegundo Os potenciais de ação são gerados no segmento inicial (ou cone de implantação) do axônio e, à medida que o impulso nervoso segue ao longo do axônio, seu retorno é impedido pelo período refratário absoluto no segmento por onde o potencial de ação acabou de passar. A velocidade de condução dos impulsos nervosos é dada pela bainha de mielina que é interrompida regularmente pelos nodos de 48 Unidade II Ranvier. Nessas regiões, a resistência transversal da membrana é baixa e a corrente tende a fluir através desses segmentos, ou seja, os potenciais de ação que percorrem o axônio são gerados nos nodos de Ranvier, sucessivamente, resultando na chamada condução saltatória. A mielinização dos axônios é uma forma extremamente eficaz de aumentar a velocidade de condução de impulsos nervosos e, consequentemente, a transmissão de informações em altas velocidades (AIRES, 2012). 4.1.3.1 Mecanismos iônicos do potencial de ação O mecanismo iônico do potencial de ação é baseado no princípio de que o fluxo iônico por meio da membrana é função do gradiente eletroquímico. Cada íon tende a fluir da região mais concentrada para a região menos concentrada, e no sentido do polo oposto à sua carga. A combinação dos gradientes químico e elétrico, respectivamente, determina o chamado gradiente eletroquímico. No entanto, a cada instante, o movimento iônico é estritamente dependente da condutância da membrana ao íon, ou seja, da permeabilidade seletiva da membrana plasmática a determinado íon. O potencial de membrana em repouso é de cerca de -70 mV, sendo o interior da célula negativo, o gradiente de concentração de sódio é de 9:1 (9 moléculas de sódio no meio extracelular, para 1 no meio intracelular); juntos, eles constituem um gradiente eletroquímico altamente favorável à entrada de sódio na célula. Esse influxo não ocorre, porque a permeabilidade da membrana ao sódio é extremamente baixa em repouso. A geração do potencial de ação depende de um estímulo supralimiar para produzir um súbito aumento da condutância da membrana ao sódio, provocando assim uma intensa passagem deste íon para dentro do neurônio. A tendência do potencial de membrana é de atingir valores próximos ao potencial de equilíbrio do sódio, cerca de +55 mV (interior positivo). Por essa razão, ocorre a despolarização e a inversão de polaridade da membrana, passando o interior da célula a ser positivo. O aumento de condutância ao sódio é transitório, em menos de 1 ms a permeabilidade da membrana ao sódio volta a valores muito baixos. A permeabilidade da membrana ao potássio é cerca de 25 vezes maior do que a permeabilidade ao sódio, e o gradiente de concentração para o potássio é de 20:1 (mais concentrado no meio intracelular); portanto, a tendência do potássio seria sair da célula. Esse gradiente de concentração é, no entanto, contrabalanceado quase totalmente pelo potencial de membrana em repouso de -70 mV (interior negativo). Durante o potencial de ação, no entanto, a inversão de polaridade da membrana – causada pela entrada de sódio – cria um gradiente eletroquímico favorável à saída de potássio. Um aumento tardio na condutância desse íon provoca saída de potássio suficiente para repolarizar a membrana (volta a ficar negativa). A condutância ao potássio permanece por algum tempo mais alta que na condição de repouso, produzindo, em muitos axônios, uma hiperpolarização transitória. Em poucos milissegundos, a membrana volta ao potencial de repouso, com o restabelecimento das condutâncias iônicas basais para o sódio e potássio (AIRES, 2012). Os canais de sódio que geram o potencial de ação fazem parte de um conjunto de canais dependentes de voltagem, que incluem vários tipos de canais seletivos para sódio, potássio e cálcio. O canal de sódio pode existir em três conformações: fechado, aberto e inativado. A despolarização da membrana plasmática aumenta a probabilidade dos canais de sódio passarem do estado fechado ao estado aberto. Cada canal permanece aberto por um curto período de tempo, e fecha-se espontaneamente. Imediatamente após uma abertura provocada pela despolarização, cada canal de sódio passa a um estado inativado, no qual 49 FISIOLOGIA permanece por alguns milissegundos, e torna-se insensível à despolarização. A inativação dos canais de sódio dá origem ao período refratário. O período refratário absoluto dura enquanto toda a população de canais de sódio está no estado inativado. Quando a população de canais retorna ao estado de repouso (fechado), volta a ser sensível à despolarização. O período refratário relativo ocorre à medida que os canais de sódio vão tornando-se sensíveis e a condutância do potássio diminui a níveis basais, e o limiar de excitabilidade retorna progressivamente ao nível de repouso (AIRES, 2012). Neurônios no sistema nervoso são capazes de gerar e conduzir potenciais de ação somente ao longo de segmentos de membrana contendo canais de sódio dependentes de voltagem. Nos axônios mielinizados, esse tipo de canal é encontrado em densidade elevada somente nos nodos de Ranvier; tal distribuição justifica o comportamento saltatório dos potenciais de ação nas fibras mielinizadas.O canal de potássio envolvido no potencial de ação também é dependente de voltagem, e sua condutância aumenta com a despolarização da membrana. Porém, sua ativação por despolarização é lenta em relação ao canal de sódio, além disso, o canal de potássio não sofre a inativação rápida e sua probabilidade de abertura permanece alta durante períodos relativamente longos de despolarização de membrana. Assim, o potencial de ação resulta essencialmente da entrada de sódio, causando despolarização, seguida da saída de potássio, produzindo a repolarização da membrana. A quantidade de íons que atravessam a membrana a cada impulso é muito pequena e não modifica significantemente as concentrações iônicas dos dois lados da membrana. A manutenção dos gradientes de concentração destses íons depende da atividade da bomba de sódio (Na+) e potássio (K+), ou a Na+-K+-ATPase, que expele 3 Na+ para fora da célula e introjeta 2 K+ para dentro da célula, mantendo a distribuição desigual desses íons em ambos os lados da membrana da célula (AIRES, 2012; KANDEL; SCHWARTZ; JESSELL, 2003). A Axônio impulso B impulso C impulso impulso Figura 29 – Condução do impulso nervoso ao longo do axônio: a figura ilustra o fluxo de íons durante os eventos de despolarização e repolarização 50 Unidade II O potencial de ação é conduzido pelo axônio da célula em direção às terminações dos axônios. Nesse local, são disparados os mecanismos sinápticos responsáveis pela transmissão da informação de um neurônio à célula seguinte da cadeia, que pode ser outro neurônio ou uma célula efetora muscular ou glandular (AIRES, 2012; KANDEL; SCHWARTZ; JESSELL, 2003). 4.1.4 Transmissão sináptica: sinapses elétrica e química O termo sinapse foi proposto pelo neurofisiologista inglês Charles Sherrington, para descrever a região especializada de contato entre uma célula nervosa e a célula seguinte em uma cadeia funcional. O neurônio, em média, estabelece cerca de mil conexões sinápticas e recebe um número bem maior de conexões, que pode chegar a mais de 10 mil. Existem dois tipos básicos de sinapses: elétrica e química. Nas elétricas, a comunicação se dá pela passagem direta de corrente elétrica de uma célula para outra. Já, nas sinapses químicas, a transmissão da informação depende da liberação de um mediador químico que age sobre a célula seguinte da cadeia (AIRES, 2012; KANDEL; SCHWARTZ; JESSELL, 2003). Nas sinapses elétricas, o terminal pré-sináptico e a célula pós-sináptica não estão completamente separados, a corrente gerada por um potencial de ação no neurônio pré-sináptico flui diretamente para a célula pós-sináptica por meio de canais especializados chamados junções comunicantes, que servem de condutores entre o citoplasma das duas células. Portanto, quando um sinal elétrico é gerado em uma célula, ele é diretamente transferido para a célula adjacente, por meio do fluxo de íons, por meio das junções comunicantes. As sinapses elétricas permitem a rápida comunicação entre neurônios adjacentes, sincronizando a atividade elétrica nessas células. Essa comunicação é bidirecional, embora algumas junções comunicantes permitam o fluxo de correntes em apenas uma direção (STANFIELD, 2004; KANDEL; SCHWARTZ; JESSELL, 2003). A sinapse pode ser excitatória (despolarizante) ou inibitória (hiperpolarizante), dependendo da corrente elétrica que passa por essas junções. As sinapses elétricas foram identificadas na retina e em algumas áreas do córtex. Também foram descritas em áreas do tronco encefálico que regulam o processo respiratório. Alguns neurônios hipotalâmicos também estão conectados a outros neurônios por junções comunicantes, sincronizando, assim, sua atividade e resultando em surtos de liberação de hormônio trófico. Contudo, muito ainda permanece desconhecido a respeito da função das sinapses elétricas (STANFIELD, 2004). Figura 30 – Sinapse elétrica: a corrente elétrica passa diretamente da célula pré-sináptica para a célula pós-sináptica por meio de junções comunicantes entre as duas células 51 FISIOLOGIA A maioria das sinapses no sistema nervoso é química. Nas sinapses químicas, a fenda sináptica separa as duas células que não se conectam por meio de canais comunicantes, não há continuidade entre o citoplasma de uma célula e o da seguinte. Uma mudança no potencial de membrana da célula pré-sináptica gera a liberação de um transmissor químico do terminal axônio na fenda sináptica. O transmissor químico difunde-se pela fenda sináptica, ligando-se a receptores moleculares na membrana pós-sináptica, dessa forma, abrindo canais iônicos através dos quais a corrente flui. Esses receptores podem ser classificados em dois grandes grupos: ionotrópicos e metabotrópicos. O primeiro tipo, o receptor ionotrópico, é um canal iônico que se abre quando o transmissor é ligado. O segundo tipo, o receptor metabotrópico, age indiretamente nos canais iônicos, ativando um sistema de segundos mensageiros dentro da célula pós-sináptica. Ambos os tipos podem produzir despolarização ou hiperpolarização, isso dependerá das propriedades do receptor com o qual o transmissor interage. Um único transmissor pode produzir vários efeitos distintos ativando diferentes tipos de receptores. Os terminais da célula pré-sináptica contêm conjuntos específicos de vesículas sinápticas, cada qual é preenchida com milhares de moléculas de um transmissor químico específico. As vesículas sinápticas agrupam-se em regiões da membrana especializadas na liberação do transmissor, chamadas zonas ativas. Durante a descarga de um potencial de ação pré-sináptico, o cálcio (Ca2+) entra no terminal pré-sináptico por meio de canais de Ca2+ dependentes de voltagem, localizados na zona ativa, aumentando a concentração de Ca2+ intracelular. O aumento de Ca2+ intracelular leva as vesículas a se fundirem com a membrana pré-sináptica e assim a liberar seu neurotransmissor na fenda sináptica, processo chamado de exocitose. As moléculas transmissoras difundem-se pela fenda sináptica e ligam-se aos receptores na membrana da célula pós-sináptica. Isso, por sua vez, ativa os receptores, levando à abertura ou ao fechamento dos canais iônicos. O fluxo iônico resultante altera a condutância da membrana e o potencial da célula pós-sináptica. Essas diversas etapas fazem com que a sinapse química seja um pouco mais lenta do que a elétrica; por outro lado, elas têm a importante propriedade de amplificação. Com a descarga de apenas uma vesícula sináptica, milhares de moléculas de neurotransmissores armazenadas são liberadas e são capazes de abrir milhares de canais iônicos na célula pós-sináptica (KANDEL; SCHWARTZ; JESSELL, 2003). Axônio pré-sináptico Vesículas sinápticas Membrana da célula pós-sináptica Neurotransmissor encaixado no receptor Neurotransmissores Receptor Na+ Exoc itose Figura 31 – Sinapse química 52 Unidade II 4.1.5 Neurônios sensoriais O sistema somatossensorial é responsável por levar as informações sobre o estado do corpo e seu contato com o mundo até o SNC. Ele transmite informações sobre quatro modalidades principais de sensações: tato discriminativo (necessário para o reconhecimento do tamanho, forma, textura e movimentação do objeto na pele), propriocepção (sensação da posição estática e dos movimentos dos membros e do corpo), nocicepção (sinalização de dano tecidual ou irritação química, normalmente percebida como dor ou coceira) e sensação térmica (calor ou frio). Isso é feito por meio de diversos receptores sensoriais que fazem a transdução desses estímulos em sinais elétricos. Em cada modalidade de sensação, o contato inicial com o mundo externo ocorre por meio de estruturas neurais especializadas chamadas receptores sensoriais. Cada uma dessas modalidades é mediada por sistemas de receptores e vias neuroanatômicas distintas. Com base na distribuição de seus receptores, o sistema somatossensorial recebe três grandes categorias de informações (KOEPPEN;STANTON, 2009; KANDEL; SCHWARTZ; JESSELL, 2003): • Exteroceptiva: responsável pela percepção de estímulos oriundos do mundo externo. Nessa categoria, encaixam-se os mecanorreceptores, nocirreceptores e os termorreceptores localizados na superfície da pele. • Proprioceptiva: fornece informações sobre a posição e o movimento do corpo e de partes do corpo, baseia-se nos receptores encontrados nas articulações, músculos e tendões. • Interoceptiva: tem receptores que monitoram o estado interno do corpo. São mecanorreceptores que detectam distensões no intestino ou a bexiga cheia. O receptor sensorial é a primeira célula de toda a via sensória, ele transforma a energia do estímulo em energia elétrica, estabelecendo, dessa forma, um mecanismo de sinalização comum a todos os sistemas sensórios. O sinal elétrico produzido pelo receptor sensorial é chamado potencial receptor. A amplitude e a duração do potencial receptor estão relacionadas à intensidade e duração do estímulo num determinado receptor. O processo pelo qual cada estímulo específico é convertido em um sinal elétrico é chamado transdução do estímulo. Os receptores são especializados em transduzir formas específicas de energia. A maioria dos receptores sensitivos é seletiva a um único tipo de energia do estímulo, uma propriedade denominada especificidade do receptor. Portanto, cada receptor possui um estímulo adequado que é capaz de ativá-lo mesmo com baixo nível de energia. Todas as modalidades de sensações compartilham uma classe comum de neurônios sensoriais que recebem informações da pele, músculos e articulações e as transmitem para o SNC: os neurônios do gânglio da raiz dorsal. São neurônios pseudounipolares, cujos corpos celulares localizam-se no gânglio da raiz dorsal. O seu axônio possui duas ramificações, uma com projeção central (para o SNC) e a outra para região periférica. As ramificações periféricas dos neurônios do gânglio da raiz dorsal respondem seletivamente a tipos específicos 53 FISIOLOGIA de estímulos devido às especializações morfológicas e moleculares dos seus terminais nervosos que estão na periferia (pele, músculos e articulações). A parte terminal do ramo periférico do axônio, a região receptora propriamente dita, é sensível a estímulos naturais. As características dessas terminações nervosas é que determinam a função sensorial de cada neurônio do gânglio da raiz dorsal. O restante do ramo periférico em conjunto com o ramo central é chamado fibra aferente primária, que transmite a informação codificada do estímulo para a medula espinal ou para o tronco encefálico (SNC). O neurônio do gânglio da raiz dorsal é o receptor sensorial do sistema somatossensorial. Independente da modalidade, toda informação somatossensorial dos membros e do tronco é conduzida por neurônios do gânglio da raiz dorsal. Já as informações somatossensoriais de estruturas craniais são transmitidas por neurônios sensoriais trigeminais, que são funcional e morfologicamente homólogos aos neurônios do gânglio da raiz dorsal. Observação Os neurônios sensoriais agrupam-se nos gânglios da raiz dorsal localizados na coluna vertebral, imediatamente adjacentes à medula espinal. Quando um receptor sensorial é ativado por um estímulo específico, ocorre a transdução do estímulo em sinal elétrico, e esse sinal elétrico percorre todo o axônio do gânglio da raiz dorsal chegando ao SNC. Portanto, os neurônios do gânglio da raiz dorsal são adaptados às suas duas principais funções: • transdução do estímulo e • transmissão da informação codificada para o sistema nervoso central. O sinal elétrico (aferência) chega à medula espinal (SNC) por meio do corno dorsal e, ao entrar na medula, o axônio ramifica-se em duas projeções, uma que se projeta para substância cinzenta espinal (onde pode ativar circuitos reflexos locais) e outra que ascende para os núcleos localizados na junção da medula espinal com o bulbo, carregando informações para o encéfalo, em que essa informação torna-se base da percepção de tato, sentido de posição ou dor (KANDEL; SCHWARTZ; JESSELL, 2003). Substância cinzenta Substância branca Raiz posterior Raiz anterior Canal do epêndima (canal central) Figura 32 – Representação esquemática de um corte transversal da medula espinhal: a informação sensorial (aferência), vinda do corpo, chega ao SNC pela raiz dorsal ou raiz posterior, e a informação motora (eferência) sai do SNC pela raiz ventral ou raiz anterior 54 Unidade II Os terminais periféricos dos neurônios do gânglio da raiz dorsal podem ser terminações nervosas livres ou do tipo encapsuladas por estruturas não neurais. As terminações nervosas encapsuladas medeiam as modalidades somáticas de tato e propriocepção, e são sensíveis a estímulos que podem, até mesmo, deformar fisicamente a superfície receptora. Já as terminações nervosas livres medeiam sensações dolorosas e térmicas. Os mecanorreceptores e proprioceptores são inervados por neurônios do gânglio da raiz dorsal que apresentam axônios mielinizados e de grosso calibre que conduzem potenciais de ação rapidamente. Receptores térmicos e nociceptores possuem axônios finos não mielinizados ou finamente mielinizados, que conduzem impulsos mais lentamente. Existem duas classes de sensações somáticas: a epicrítica e a protopática. Sensações epicríticas envolvem aspectos finos do tato e são mediadas por receptores encapsulados. Essas sensações incluem a capacidade de detectar o contato sutil da pele e localizar a posição exata do estímulo; permite também discernir vibração e determinar sua frequência e amplitude; permite perceber pelo toque detalhes espaciais, como textura de superfícies e o espaçamento entre dois pontos simultaneamente (discriminação entre dois pontos) e permite reconhecer a forma de objetos com a mão. As sensações protopáticas envolvem as sensações dolorosas e térmicas – assim como coceira e cócegas – e são mediadas por receptores com terminações nervosas livres (KANDEL; SCHWARTZ; JESSELL, 2003). 4.1.5.1 Tato e os mecanorreceptores da pele A sensibilidade tátil é mais desenvolvida na pele dos dedos sem pelo (glabros), na superfície palmar da mão, na sola dos pés e nos lábios. A pele glabra da ponta dos dedos apresenta uma disposição regular de cristas formadas por pregas da epiderme, essas cristas arranjadas em um padrão circular são as nossas impressões digitais, e contêm um grande número de mecanorreceptores. Esses receptores medeiam a sensação do tato e são excitados pelo contato ou movimentação do estímulo sobre sua superfície. Existem quatro tipos principais de mecanorreceptores na pele glabra (sem pelo). Dois deles – corpúsculo de Meissner e os discos receptores de Merkel – estão localizados nas camadas superficiais da pele, são pequenos e sensíveis apenas à deformação das cristas papilares em que estão situados. Os outros dois – o corpúsculo de Pacini e as terminações de Ruffini – estão situados no tecido subcutâneo, são grandes e sensíveis à deformação de uma área da pele maior que aquela pertencente às cristas acima deles (KANDEL; SCHWARTZ; JESSELL, 2003). 55 FISIOLOGIA Corpúsculo de Meissner Corpúsculo de Paccini Epiderme Derme Corpúsculo de Ruffini Terminação nervosa livre Figura 33 – Corpúsculos sensoriais Observação Os receptores sensoriais adaptam-se à estimulação constante, e logo perde-se a sensação. Alguns adaptam-se lentamente; outros, rapidamente. Por isso, deixamos de sentir a costura da meia, após alguns minutos. O corpúsculo de Meissner é um receptor de adaptação rápida mecanicamente acoplado à borda da crista papilar, o que lhe confere uma sensibilidade mecânica refinada. O disco receptor de Merkel é um receptor de adaptação lenta, é formado por uma pequena célula epitelial que circunda o terminal nervoso e transmite a força de compressão da pele para a terminação sensorial nervosa, gerando uma resposta sustentada e de adaptação lenta. Geralmente, são encontrados em grupos no centro da cristapapilar. O corpúsculo de Paccini é fisiologicamente semelhante ao corpúsculo de Meissner, eles respondem ao contato rápido da pele e não à pressão constante, porque possuem lâminas de tecido conjuntivo que os circundam. O corpúsculo de Paccini possui uma grande cápsula que é presa à pele de modo flexível, o que permite que o receptor seja sensível à vibração ocorrida a vários centímetros de distância. As terminações de Ruffini são receptores de adaptação lenta que estão no tecido subcutâneo das dobras da pele das articulações e da palma e nas pontas dos dedos. São sensíveis a estímulos que comprimem seu terminal nervoso como o estiramento da pele ou a flexão dos dedos. A informação mecânica mediada pelas terminações de Ruffini contribui para a percepção da forma de objetos que estão sendo segurados nas mãos. Mecanorreceptores semelhantes são encontrados na pele pilosa que cobre a maioria da superfície do corpo humano (KANDEL; SCHWARTZ; JESSELL, 2003). 56 Unidade II 4.1.5.2 Campo receptivo O campo receptivo de um neurônio sensorial determina a localização topográfica específica da informação sensorial, pois é na área da camada receptiva que o estímulo pode excitar a célula receptora. Por exemplo, o campo receptivo de um mecanorreceptor para o tato é a região da pele inervada diretamente pelos terminais de um único neurônio receptor e inclui toda área da pele onde o estímulo tátil pode ser conduzido para chegar aos terminais nervosos. Já o campo receptor de um fotorreceptor da retina é a região do campo visual projetada pelas lentes do olho sobre a porção da retina na qual o fotorreceptor está localizado. Cada receptor responde somente à estimulação dentro de seu campo receptivo. Um estímulo que atinge uma área maior que o campo receptivo de um dado receptor irá ativar também receptores adjacentes. Portanto, o tamanho do estímulo influencia o número de receptores que são estimulados. A densidade de receptores dentro de cada região do corpo reflete a capacidade do sistema sensorial em perceber os detalhes da informação sensorial que chega a cada região do corpo. Uma região do corpo com alta densidade de receptores está relacionada a uma melhor resolução espacial, pois os receptores têm campos receptivos menores e mais receptores acabam sendo estimulados. Por exemplo, a discriminação entre dois pontos é muito mais acurada nas pontas dos dedos, onde os receptores sensoriais são abundantes e os campos receptivos são pequenos. Em outras regiões, como o tronco, a informação sensorial acaba sendo menos precisa, pois os receptores estão em menor número nesta área e têm campos receptivos maiores, portanto menos sensível. Essas diferenças na quantidade de receptores são refletidas no sistema nervoso por meio de mapas corporais que são criados a partir do arranjo topográfico dos impulsos aferentes. Em cada mapa, as regiões do corpo mais densamente inervadas (por exemplo, ponta dos dedos e lábios) ocupam áreas maiores no SNC, e as regiões esparsamente inervadas (por exemplo, costas) ocupam áreas menores, devido a um número menor de aferências (KANDEL; SCHWARTZ; JESSELL, 2003). 4.1.5.3 Processamento da informação sensorial Nos receptores sensoriais, iniciam-se as vias neurais receptivas, as quais levam diversos tipos de informação para o sistema nervoso central, cada uma delas sendo portadora de um tipo de mensagem. As modalidades de informação receptiva que dão origem à atividade consciente trafegam todas por vias que, por meio de várias sinapses, vão até o córtex cerebral (CURI; PROCOPIO, 2009). As vias que constituem o sistema sensorial são organizadas em série. A informação sensorial captada por receptores em diversas partes do nosso corpo é repassada sucessivamente, por meio de sinapses, para neurônios subsequentes em uma cadeia de processadores internos. O primeiro neurônio sensorial é denominado neurônio de primeira ordem. Sucessivamente, os demais vão sendo denominados de segunda ordem, terceira ordem e assim por diante. Já, no córtex cerebral, há os neurônios de ordem superior, que são os de quarta ou quinta ordem. A cada nível de passagem da informação, dos neurônios de uma ordem para a subsequente, a informação é modulada de forma a privilegiar a atividade em um determinado conjunto de neurônios em detrimento de outros. Esse resultado deve-se a neurônios que fazem um processo chamado de inibição lateral. Graças a esse processo, ao final da cadeia de processamento no córtex, a atividade (frequência de potenciais de ação) de certos neurônios 57 FISIOLOGIA aumenta e a de seus vizinhos imediatos diminui, caracterizando a geração de contraste. Além desse controle lateral do fluxo de informações, há ainda um controle descendente, em que o córtex controla estruturas no tronco encefálico regulando a subida das informações a outras áreas corticais. Esses dois modos de processamento combinados (inibição lateral e controle descendente) permitem, assim, um apreciável ganho de sinal (maior destaque para as características relevantes dos estímulos sensórios) no sistema, isto é, eles separam o ruído ou a atividade esporádica das fibras sensitivas individuais e transmitem apenas sequências fortes de atividade de fibras individuais ou a atividade simultânea de muitos receptores (KANDEL; SCHWARTZ; JESSELL, 2003; CURI; PROCOPIO, 2009). Quase todas as vias que vão ao córtex cerebral, não somente vias sensoriais, inclusive as de controle motor, têm uma estação sináptica no tálamo. O tálamo é uma estrutura subcortical de massa cinzenta dividida em um grande número de núcleos. Cada um deles recebe uma aferência e projeta-se para uma região específica do córtex cerebral. Por exemplo, o núcleo geniculado lateral recebe informações da retina e conecta-se à área visual primária no lobo occipital; o núcleo geniculado medial recebe informação coclear e projeta-se para a área auditiva primária no lobo temporal (CURI; PROCOPIO, 2009). O córtex possui um mapa do corpo para cada modalidade de sensação. O mapa somatossensorial do córtex é a representação da superfície do corpo no córtex. Cada parte do corpo é representada em proporção à sua importância relativa na percepção sensorial. A face é grande quando comparada com o dorso da cabeça; o dedo indicador é gigantesco quando comparado com o dedão do pé, enquanto as costas e o tronco possuem a menor de todas as áreas. Como já dito anteriormente, essa distorção reflete as diferenças na densidade de inervação em diferentes áreas do corpo (KANDEL; SCHWARTZ; JESSELL, 2003). Observação Somatotopia é a distribuição ordenada das aferências das diferentes porções da superfície corporal, e é mantida em toda a via somatossensorial ascendente. 4.1.6 Neurônios motores A missão primordial do sistema motor pode ser definida como a de gerar comportamentos. Essa geração de comportamentos compreende as diversas formas de interagirmos com o mundo que nos cerca e é, de modo geral, descrita por verbos de ação: sorrir, falar, correr, comer, olhar, pegar. A resposta motora pode ser de dois tipos: reflexiva (involuntária) e voluntária (CURI; PROCOPIO, 2009; GANONG, 2006). Em suas formas mais básicas, os atos motores são desencadeados por circuitos apenas medulares (ou apenas do tronco cerebral em alguns casos específicos). Os reflexos são respostas involuntárias, estereotipadas a estímulos específicos. Por exemplo, o reflexo de sucção do recém-nascido é uma dessas respostas estereotipadas. Trata-se de uma resposta motora pré-programada em resposta a um dado estímulo. Para os recém-nascidos, mesmo sem nunca antes terem tido essa experiência, o estímulo tátil no céu da boca (palato) desencadeia uma movimentação coordenada de diversos músculos, 58 Unidade II promovendo a sucção. Tal resposta crítica para a sobrevivência do indivíduo pode ser modulada por estruturas corticais da mesma forma que diversos outros tipos de reflexos. Os reflexos podem ser simples, envolvendo apenas poucos neurônios, ou mais elaborados
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