Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Descentralização, Terceirização e Parcerias no Setor Público Material Teórico Responsável pelo Conteúdo: Prof. Ms. Bruno Leonardo Silba Tardelli Revisão Textual: Profa. Esp. Kelciane da Rocha Campos Federalismo e Descentralização Fiscal: Conceitos Básicos • Introdução • O federalismo • Bens públicos • A eficiência econômica e a descentralização fiscal • Economias e deseconomias de escala • Externalidades positivas e negativas • Considerações finais · Esta unidade tem como objetivo central abordar diversos conceitos econômicos e inseri-los no contexto do federalismo fiscal. Os principais conceitos a serem explorados são os de bens públicos, economias de escala, free rider e externalidades. OBJETIVO DE APRENDIZADO Nesta orientação de estudos, constam as informações gerais para direcioná-lo(a) a respeito das atividades a serem desempenhadas, até mesmo para que o estudo tenha o rendimento ideal. Siga os seguintes passos: 1. Em primeiro lugar, observe a representação visual da unidade. Na representação esquemática você poderá ter uma visão geral dos elementos que serão trabalhados nesta unidade. 2. Em segundo lugar, na contextualização, é importante notar que conceitos importantes estão inseridos nos tais “incentivos” retratados no parágrafo desse tópico. Os conceitos inseridos são, principalmente, os de externalidades, economias de escala e free rider. 3. Em terceiro lugar, ao longo do material teórico, atente-se para aprender cada conceito abordado. Além do material teórico, você terá acesso à apresentação de Power Point narrado sobre o texto. 4. Em quarto lugar, acompanhe a videoaula ligada a esta unidade. Ela auxiliará para algum ponto específico em que você ainda tenha dúvida. 5. Em quinto lugar, realize a atividade de aprofundamento, que está no formato de fórum de discussão. Nessa atividade, você irá escrever um texto sobre a presença do comportamento free rider no seu dia a dia. 6. Em sexto lugar, na atividade de sistematização, você irá responder o que será pedido, com o intuito de fixar o conteúdo. Verifique também se existe alguma solicitação adicional do professor tutor. 7. Em sétimo lugar, verifique o material complementar da unidade. ORIENTAÇÕES Federalismo e Descentralização Fiscal: Conceitos Básicos UNIDADE Federalismo e Descentralização Fiscal: Conceitos Básicos Contextualização Fonte: iStock/Getty Images Assim como todos estamos conectados de alguma forma, as comunidades de uma nação também se comunicam. Dessa forma, as ações de uma delas podem gerar novos incentivos às demais. Até que ponto a comunidade deve agir? Quando o governo central será importante? 6 7 Introdução Esta unidade tem como objetivo central explorar diversos conceitos que envolvem o federalismo fiscal, com a intenção de levantar alguns problemas que podem estar presentes e, assim, instigar o aluno para a busca de soluções. Os principais conceitos a serem abordados são os de federalismo, federalismo fiscal, bens públicos, economias de escala, free rider e externalidades. Esta unidade está dividida em nove seções, além desta introdução e das considerações finais. A primeira seção trata do conceito de federalismo; a segunda seção expõe o conceito de federalismo fiscal; a terceira seção explica o que seria um bem público; a quarta seção apresenta o termo eficiência econômica dentro da descentralização fiscal; a quinta seção traz a questão do free rider, que é o chamado “pegador de carona”; a sexta seção coloca os conceitos de economias e deseconomias de escala; a sétima seção insere a questão dos níveis de governo no contexto do conceito de economias de escala e do comportamento free rider; a oitava seção explica os conceitos de externalidades positivas e negativas; e por fim, na nona seção as externalidades são inseridas em meio às decisões governamentais. O federalismo O termo “federalismo” se refere a uma separação de poderes políticos e constitucionais entre distintos níveis de governos. Analisando o federalismo como conceito de organização político-constitucio- nal, os governos podem ser organizados, simplificadamente, em três possibi- lidades: sistema de governo unitário, sistema de governo federal e sistema de governos confederados. Sistemas de Governos 1) Sistema de governo Unitário Um sistema de governo unitário implica que o controle das escolhas governamentais está sob o comando do governo central. Trata-se de um governo que é o único centro político no território nacional, tendo apenas postos espalhados pela nação e os quais respondem a este governo nacional. 2) Sistema de governo Federal Um sistema de governo federal representa a construção de um governo central, que está acima de outras esferas governamentais (como os estados e municípios), mas que transfere determinada autonomia a estes estratos subnacionais em relação às decisões governamentais. O Brasil atual é um exemplo que adota este sistema. Ex pl or 7 UNIDADE Federalismo e Descentralização Fiscal: Conceitos Básicos 3) Sistema de governos Confederados Um sistema de governos confederados diz respeito a uma inversão de forças entre o governo central e os governos estaduais, quando comparado a um sistema de governo federal. A esfera de governo estadual em um sistema de governos confederados possui força superior ao governo central, tendo este a função restrita à coordenação geral da nação. Conforme Mendes (2004), os Estados Unidos se mantiveram sob este sistema entre 1776 e 1787. O federalismo fiscal Na seção anterior, o federalismo possuiu uma classificação político-constitucional. Entretanto, a partir deste tópico, você acompanhará o sentido de federalismo como “federalismo fiscal”. Se a base de estudo desta unidade está envolvendo o federalismo, mais precisamente o federalismo fiscal, neste cenário de sistema de governo existe, além da importância fundamental do governo central nas decisões de aplicação de recursos financeiros para prover os bens públicos, também determinada autonomia dos governos subnacionais. No caso brasileiro, estes são representados pelos estados e municípios. Nesse sentido, qual das esferas deve prover quais tipos de bens à população? Governo nacional, estadual ou municipal? Será que cada esfera governamental deve oferecer um tipo de bem ou serviço? A qual esfera cabe oferecer cada bem ou serviço? A tentativa de iniciar o esclarecimento às perguntas do parágrafo anterior é o foco central desta unidade, pois representam a forma de distribuição das responsabilidades entre as esferas governamentais. Antes disto, entretanto, é importante entender o que seria um bem público, já que a ideia de federalismo fiscal pode ou não estar equivocadamente ligada ao fornecimento deste tipo de bem. A discussão deste ponto é fundamental, pois a teoria do federalismo fiscal é iniciada a partir dos artigos de Samuelson (1954 e 1955), os quais tratam do conceito de bem público na teoria do bem-estar econômico. Bens públicos Conforme Pindyck e Rubinfeld (2010, p. 602), os bens públicos são bens que possuem duas características: são não exclusivos e não disputáveis. Quando as pessoas não podem ser impedidas de consumir um bem, ele é chamado de bem não exclusivo. E, quando não existe custo adicional pela produção de um bem ele é dito não disputável. 8 9 Para deixar mais claro o conceito de bem público, alguns trechos de Pindyck e Rubinfeld (2010, p. 602) esclarecem exemplificando inicialmente casos de bens exclusivos, mas não disputáveis e o de bens não exclusivos e disputáveis e que, portanto, não são bens públicos. Na sequência, o autor coloca a situação de bens não exclusivos e não disputáveis, configurando-se, assim, como bens públicos. • Exemplo de bem não disputável e exclusivo Durante os períodos de tráfego menos intenso, a travessia de determinada ponte não é disputável, já que um automóvel adicional que passe pela ponte não causa uma alteração na velocidade dos demais veículos que estejamfazendo a mesma travessia. No entanto, a travessia da ponte é também exclusiva, pois as autoridades têm o poder de impedir que os cidadãos a utilizem. (PINDYCK E RUBINFELD, 2010, p. 602) • Exemplo de bem disputável e não exclusivo O mar ou um grande lago são não exclusivos, todavia a pesca é um bem disputável, porque impõe custos a outras pessoas: quanto maior o número de peixes capturados, menor a quantidade disponível para outros pescadores. (PINDYCK E RUBINFELD, 2010, p. 602) • Exemplo de bem não disputável e não exclusivo: o bem público Um exemplo [...] é a defesa nacional. Uma vez que o país tenha providenciado tal defesa, todos os cidadãos desfrutam seus benefícios. (PINDYCK E RUBINFELD, 2010, p. 602) O farol marítimo é também um bem público, porque é ao mesmo tempo não exclusivo e não disputável; em outras palavras, seria muito difícil cobrar dos navios o benefício que desfrutam pela utilização do farol. (PINDYCK E RUBINFELD, 2010, p. 602) A constatação final dos autores é de que na realidade a maior parte dos bens oferecidos pelo poder público não são exatamente bens públicos. Se formos analisar a questão da educação pública, por exemplo, caso o governo queira cobrar algum preço pelo acesso da educação, é possível que exclua uma parte dos estudantes. Assim, é considerado um bem exclusivo. Adicionalmente, a cada aluno que é inserido em uma sala de aula há uma disputa maior da atenção do professor, de modo que quanto mais alunos em sala, maior a dificuldade dos alunos consumirem o estudo em sala e, então, se teria um bem disputável. De forma semelhante, os parques públicos também são bens disputáveis – pois se estiverem lotados reduzem o benefício dos consumidores – e são exclusivos, pois em algum momento o governo pode decidir cobrar taxa de entrada. Assim, somente seriam considerados bens públicos aqueles que são não exclusivos e não disputáveis sob quaisquer condições. No caso da defesa nacional, o governo teria dificuldade de encontrar uma taxa pela nação estar sendo defendida e não 9 UNIDADE Federalismo e Descentralização Fiscal: Conceitos Básicos existe disputa por este bem. Como as pessoas iriam disputar a defesa nacional? Da mesma forma o exemplo do farol, que se encaixa como bem público por não ser possível limitar o uso do farol e também não há disputa pelo uso, pois todos os comandantes de navios poderiam avistar o farol, independentemente do número de navios no mar. A eficiência econômica e a descentralização fiscal Quando à expressão federalismo se adiciona a palavra fiscal, a literatura faz referência à formação de “parâmetros de racionalidade e eficiência econômica que orientem os ajustes na organização das federações, à medida que o processo político permita tais alterações” (MENDES, 2004, p. 423). Complicado? Então vamos perseguir o entendimento do funcionamento do federalismo fiscal. Se o federalismo em si diz respeito à existência de um governo nacional acima dos governos subnacionais, mas que estes possuem determinada autonomia, você verá na seção “Economias de escala, o free rider e os níveis de governo” que a forma de distribuição das tarefas pode afetar a eficiência econômica das ações. Mas o que seria essa tal eficiência econômica? O conceito de eficiência econômica pode ser entendido, grosso modo, como o “fazer mais ações com determinada quantidade de recursos financeiros” ou “fazer determinadas ações com menor custo possível”. Um governo pode gastar recursos disponíveis sem ter o benefício devido à população e, então, não ser eficiente. Somente será eficiente a aplicação de recursos que traria um benefício social compatível com o gasto realizado. Por exemplo, caso os recursos públicos estejam sendo mal administrados, o benefício social resultante dos gastos destes pode não ser o mais desejado. O comportamento “free rider” Se você já conviveu em uma “república” de estudantes, ou seja, em um imóvel – normalmente alugado – dividindo as despesas com outros estudantes, deve ter passado por uma destas situações: 1. alguém deixou a pia da cozinha com pratos sujos à espera de um corajoso para enfrentar a tarefa; 2. a casa não está adequadamente limpa pelo fato de alguns não estarem cumprindo com a distribuição das tarefas da “casa” de forma adequada; 3. as compras do supermercado foram realizadas em conjunto, mas alguém se alimentou bem acima dos demais. 10 11 Em todas as situações anteriores, existe a figura do free rider. Este é o famoso “pegador de carona”. O free rider identifica que mesmo não realizando as suas tarefas, algum sujeito inquieto acabará por fazê-las. Por exemplo, o sujeito mais “relaxado”, que não lava a louça da casa ou sequer limpa qualquer cômodo atribuído a ele para manter a boa aparência do local, imagina que algum outro morador acabará se incomodando em maior grau e irá realizar as tarefas em seu lugar. Já o caso das compras de supermercado em conjunto e o do consumo de alimentos se assemelha ao de uma conta de restaurante. Coloque-se em uma situação na qual você marcou com alguns amigos para jantarem em conjunto. Suponha que desde a entrada todos já estavam cientes de que dividiriam a conta de modo uniforme. Qual o resultado deste acordo? Possivelmente o valor da conta seria superior em relação a um combinado no qual cada um pagaria sua parte. Mas, por que isto ocorre? Bem, pelo fato de haver o combinado da separação comum da conta do restaurante, alguns indivíduos podem ter pensado da seguinte forma: “Como a conta será dividida de forma igual, então qualquer item do cardápio que eu pedir, os outros também terão de pagar. E se eu deixar de pedir o que desejo, talvez outro o faça e terei de pagar a parte dele”. O resultado deste raciocínio pode culminar em uma conta elevada. Basta um sujeito presente na mesa com um pouco menos de bom senso para potencializar uma conta mais “gorda”. Analogamente, o free rider também está presente no setor público. De que forma? Imagine que uma rodovia tenha como destino final apenas dois municípios. Entretanto, o asfalto está em péssimas condições, o que compromete o desenvolvimento econômico de ambas. Se a responsabilidade das melhorias for dos prefeitos, a partir de impostos recolhidos nos próprios municípios, o que poderia ocorrer? Uma possibilidade seria os municípios criarem um acordo para dividirem – em alguma proporção – os gastos das obras. Outra possibilidade seria a de não haver qualquer acordo devido à esperança entre eles de que o outro realize as obras, ou seja, cada um deles poderia agir como “free rider”. Várias outras situações podem ser aplicadas ao setor público em relação ao provimento de serviços públicos. Pode ser a situação da construção de um hospital de referência regional com recursos de apenas um município, a construção de escolas de excelência por parte de uma comunidade, entre outros. Em todos estes casos, a livre mobilidade dos cidadãos pode fazer com que haja uso dos serviços oferecidos por determinada localidade por cidadãos de outras comunidades. A solução destas situações parte de um arranjo específico para que o provimento dos serviços ocorra de forma alinhada entre as esferas governamentais. 11 UNIDADE Federalismo e Descentralização Fiscal: Conceitos Básicos Economias e deseconomias de escala O conceito de economias de escalas é estudado, tradicionalmente, em cursos de microeconomia no contexto da teoria da firma (ou da produção). Pindyck e Rubinfeld (2010, p. 215), explorando o conceito em tal teoria, colocam que uma empresa apresenta economias de escala quando ela é capaz de duplicar a produção com menos do dobro de custos. Os custos de produção da empresa estão associados aos gastos com os recursos necessários à produção de qualquer bem ou serviço, como o salário de trabalhadores e recursos monetários para compra de matérias-primas, manutenção de máquinas, dentre outros. No âmbito da teoria da firma, a empresa capaz de elevar a produção sem precisaraumentar os custos na mesma proporção estará operando com economias de escala. Considere o exemplo de uma empresa fabricante de lâmpadas que produz em determinado mês (período 1) mil lâmpadas com o custo de $ 1.000. Se no próximo mês (período 2) a empresa conseguir produzir duas mil lâmpadas – ou seja, dobrar a produção –, com menos do dobro de custo, a empresa operará com economias de escala. A tabela 1 apresenta o exemplo de a empresa fabricante alterar a produção de mil para duas mil unidades de lâmpadas sem a necessidade de gastar $2.000. Tabela 1 – Exemplo de economias de escala para um fabricante de lâmpadas Custo Produção (em unidades) Período 1 $1.000 1.000 Período 2 $1.800 2.000 O exemplo contrário, no qual a empresa dobra a produção e mais que dobra os custos, é o de uma empresa que esteja enfrentando deseconomias de escala. Ou seja, à medida que a produção se eleva, o custo de cada unidade produzida fica cada vez mais caro. A tabela 2 traz um exemplo numérico para o caso de o fabricante de lâmpadas enfrentar deseconomias de escala. Tabela 2 – Exemplo de deseconomias de escala para um fabricante de lâmpadas Custo Produção (em unidades) Período 1 $1.000 1.000 Período 2 $2.100 2.000 No exemplo da tabela 2, a empresa mais que dobra os custos para poder produzir o dobro. Mas, qual a relação dos conceitos de economias e deseconomias de escala com a questão do federalismo e descentralização fiscal? 12 13 Imagine que você seja o prefeito de uma cidade de 100 mil habitantes com 10 hospitais municipais disponíveis para a comunidade. Ao estar à frente de uma série de tomada de decisões do município, faria sentido lutar pela criação de mais 10 hospitais municipais? Talvez não. Por quê? Pensando pelo lado do serviço adicional (benefício marginal) gerado para a comunidade e o custo adicional (custo marginal) para a implantação e manutenção dos hospitais, operar sob deseconomias de escala pode ser, grosso modo, considerado como ineficiente do ponto de vista econômico. Economias de escala, o free rider e os níveis de governo Uma discussão relevante para entender as questões que envolvem o federalismo fiscal é avaliar duas situações extremas: 1) um sistema de governo em que apenas existe a figura do governo central e 2) um sistema de governo sem a presença de um governo central, ou seja, um sistema totalmente descentralizado em que somente existem as esferas de governo subnacionais. Esta análise foi realizada por Wallace Oates, em1956. Mendes (2004) comenta a concepção de Oates (1956) acerca da centralização e descentralização fiscal do setor público no contexto de um sistema de governo federal. Na visão de Oates (1972), explicada por Mendes (2004, p. 425): Um setor público descentralizado, que não tivesse um governo central, mas apenas governos locais administrando partes estanques do território nacional, teria sérias dificuldades para implementar políticas macroeconômicas e de distribuição de renda, bem como para ofertar bens públicos que beneficiassem toda a nação, como, por exemplo, a segurança nacional. Já no extremo oposto, com um único governo central cuidando de tudo, ocorreria uma situação ineficiente, pois esse governo não conseguiria atender às diferentes preferências locais e não estimularia a fiscalização da ação do governo pelos cidadãos. Com o objetivo de destrinchar melhor a ideia, inicialmente será analisada a situação de um governo totalmente descentralizado em termos fiscais, de modo que cada município, por exemplo, tenha total autonomia e responsabilidade sobre ações governamentais. Além disso, os impostos referentes à população local seriam totalmente aplicados no próprio município. Quais poderiam ser os resultados prováveis de um sistema de governo como este? Em primeiro lugar, surge o seguinte conjunto de questões de aspecto econômico: cada município teria a própria moeda? Cada município teria uma política econômica própria e teria de promover o próprio progresso econômico? Caso a resposta seja positiva, seria simples realizar estas medidas? Em relação aos impostos, imagine se cada município decidir por uma forma de tributar a produção; será que uma guerra fiscal entre os municípios, com a intenção de atrair a instalação de empresas não poderia comprometer a arrecadação municipal? 13 UNIDADE Federalismo e Descentralização Fiscal: Conceitos Básicos Em segundo lugar, como as pessoas de uma nação têm a liberdade de se moverem entre os municípios, caso a administração de determinadas comunidades decidam por melhorar a vida da população de baixa renda com recursos próprios, qual a consequência natural em relação aos cidadãos de baixa renda das demais comunidades? Possivelmente se deslocarão para os locais que beneficiem este perfil de cidadãos. Desta forma, as cidades que decidirem por reverter parte dos recursos arrecadados para melhorar a distribuição de renda do município teria por resultado aumentar a população de baixa renda e a ação seria pouco efetiva. Então, será que algum município teria incentivo para promover alguma política de distribuição de renda? Provavelmente não. Este é um clássico problema de free rider (“pegador de carona”). Em terceiro lugar, poderiam surgir problemas de oferecimento de serviços públicos. Por exemplo, qual seria o estímulo para cada município ter um hospital de referência em cada área da saúde? Imagine cada município tendo um hospital do coração ou especializado em oncologia. Seria viável economicamente? Muito provavelmente não. No caso dos centros e unidades de saúde de alta complexidade fornecidos pelo setor público, estes teriam dificuldade de se expandir pelo território nacional. Se determinado município resolvesse arcar com o custo do projeto, da obra e manutenção do espaço, este teria por efeito um mecanismo semelhante ao comentado anteriormente em relação à distribuição de renda: atrair cidadãos de outras comunidades para usufruir o bem. Como assim? Observe. A decisão da criação de algo tão específico pode atrair a atenção de pacientes de outras regiões, de modo a migrarem para receber o atendimento específico na localidade que possuir determinada especialidade. Assim, o governo local arcaria com todos os gastos relacionados com a unidade hospitalar, mas os benefícios ultrapassariam os membros da comunidade local. A existência de problemas de escala e a tendência de existir o free rider, dentre outros fatores, poderia acabar por inibir a iniciativa do governo municipal em criar espaços altamente complexos e específicos à própria comunidade. Portanto, o resultado provável seria o não oferecimento deste tipo de serviço à população local de cada município. Por outro lado, caso as decisões sobre os assuntos de cada comunidade estiverem centralizados no governo nacional, quais seriam os possíveis resultados? O governo nacional à frente das decisões e as esferas subnacionais como meras representantes e auxiliares da esfera central podem trazer efeitos indesejados. Conforme Mendes (2004, p. 426), um exemplo das consequências poderia ser representado através do trecho a seguir. 14 15 Como há ampla mobilidade dos indivíduos, que podem decidir onde morar, se uma municipalidade adotasse medidas para aumentar a taxação dos ricos e transferir recursos aos pobres, haveria a atração de pobres de outras localidades onde o orçamento público não lhes fosse tão favorável e o estímulo à saída dos ricos. Ao final, aquele município conseguiria chegar a uma melhor distribuição de renda, mas à custa da redução da renda per capita municipal. A seguir, o conjunto de conceitos será ampliado com a inclusão do conceito de externalidade. Externalidades positivas e negativas As externalidades positivas possuem um papel fundamental na determinação dos serviços que os governos possam oferecer. O termo externalidade pode ser formalizado como uma “ação de um produtor ou consumidor que afeta outros produtores ou consumidores, mas que não é consideradano preço de mercado” (Pindyck; Rubinfeld, 2010, p. 576). Simplificadamente, Mankiw (2001, p. 11) apresenta a externalidade como o impacto das ações de alguém sobre o bem-estar dos que estão em torno. Apesar do esforço em apresentar definições do conceito, este acaba por ser mais bem entendido quando surgem exemplos, lembrando que a externalidade pode ser positiva ou negativa. Um exemplo de externalidade negativa poderia ser a emissão de gases poluentes pelo carro de um cidadão ou pelas fábricas ao redor de uma cidade. A emissão do poluente pelo carro de um cidadão representa uma ação do consumidor do transporte que expeliu o gás no ar e que pode afetar o estado de saúde dos moradores locais, bem como causar efeito visual pouco agradável na cidade. A emissão por parte das fábricas funcionaria da mesma forma. Portanto, uma externalidade negativa seria uma ação que gera reação em outras áreas, mas que não seria considerada, por exemplo, na composição do preço do combustível como uma forma de criar um fundo para programas governamentais com a intenção de atenuar a poluição gerada. Por outro lado, uma externalidade positiva representa uma ação de indivíduos ou empresas que teriam efeitos positivos sobre outros indivíduos ou empresas. Um exemplo de externalidade positiva poderia ser o caso no qual você possui inicialmente um imóvel em uma determinada região que está avaliado em $ 100.000 e, devido à construção de um shopping próximo ao imóvel, este passou a ter preço calculado de $ 180.000. A ação da construção do shopping neste caso representou um resultado positivo sobre o valor de seu imóvel, sem que o shopping receba algo por isso. 15 UNIDADE Federalismo e Descentralização Fiscal: Conceitos Básicos Externalidades e as decisões governamentais A questão proposta para ser discutida neste tópico é a seguinte: qual a ligação das externalidades com as decisões governamentais tanto de governo central como dos governos subnacionais? Ou seja, o que este termo representa para esta unidade? A resposta é: muito. Veja o exemplo da educação fornecida pelo setor público. A escola pública não pode ser considerada, propriamente, um bem público pelo fato de poder ser exclusiva – caso o governo assim deseje cobrar algum montante – como também é disputável – em função do número de alunos que podem congestionar as salas de aula, diminuindo o benefício de cada aluno. Mas se não é um bem público, qual a motivação de ser oferecida pelo governo? A resposta está no potencial da educação gerar externalidades positivas no sentido de auxiliar o progresso econômico da região considerada e, assim, melhorar a vida de todos os indivíduos deste espaço. Apesar da análise de Oates (1972) contemplar o conceito de externalidade nas ações do setor público, foi com Gordon (1983) que se teve a exposição de forma sistemática sobre este conceito aplicado ao setor público. Este autor avalia os efeitos externos – e não facilmente mensuráveis – das decisões dos governos locais sobre as demais comunidades e esta abordagem será explorada a partir deste momento. A livre mobilidade dos indivíduos e do capital para optar a localidade a qual irão “repousar” pode gerar algumas situações esperadas de acordo com o mecanismo de incentivo gerado pelos textos constitucionais. A existência de programas criados por determinadas comunidades, como os de preservação ambiental, podem melhorar a qualidade de vida de não residentes. Estes gerariam, portanto, uma externalidade positiva. Entretanto, com o gasto envolvido pelo programa em um sistema de governo totalmente descentralizado com autonomia da esfera municipal, não haveria incentivos reais à manutenção de programas que seriam custeados por determinada localidade, que melhorariam a condição de todo o planeta, dada a ausência de contrapartida financeira. As dificuldades da implantação de programas mundiais de preservação ambiental, por exemplo, passam também por esta dificuldade, uma vez que o mundo está descentralizado em diversas nações. Uma externalidade positiva, em um sistema de governo municipal com ampla autonomia na cobrança e retenção de tributos e, ao mesmo tempo, com a responsabilidade dos gastos, traz à tona, muitas vezes, a elevada possibilidade de surgimento do comportamento free rider. Ou seja, um governo subnacional da comunidade A pode aproveitar-se de uma externalidade positiva gerada por outras comunidades (B, C e D), como preservação ambiental, a construção de unidades hospitalares especializadas, programas amplos de assistência social, 16 17 entre outros, para que a população de A aproveite-se destes benefícios e deixe de se ter a necessidade de oferecê-los. Este conjunto de fatores tenderia a contribuir para que as comunidades em geral não oferecessem alguns tipos de serviços públicos de interesse local. As externalidades podem também ser negativas, de modo que uma comunidade pode estar preocupada com a geração de prejuízos de suas atividades em relação à qualidade de vida de seus próprios moradores. Por exemplo, se a esfera de governo estadual possuir a responsabilidade sobre a decisão da localidade de instalação de uma penitenciária de abrangência para comportar presos de todo o estado, seguramente o prefeito da localidade escolhida poderá não ficar muito contente. O temor dos efeitos negativos locais é conhecido na literatura como “not in may backyard” (“no meu quintal, não”). Os efeitos (positivos ou negativos) de uma comunidade sobre demais comunidades também podem ser sentidos em relação à disputa pela arrecadação de impostos, como também pela exportação dos mesmos. O Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) é um típico exemplo de um imposto sobre o valor agregado que busca melhorar a arrecadação dos Estados, mas que possui determinadas peculiaridades a serem observadas. No Brasil, o ICMS tem a característica de ser cobrado na origem do produto, de modo que existe o repasse da arrecadação em função da circulação das mercadorias entre os estados. Ou seja, haveria a exportação de tributos para os estados de origem dos bens. Em um sistema de governo com decisões descentralizadas, haveria a tendência de abuso do uso deste tipo de instrumento. No caso do ICMS no Brasil, os indivíduos do estado A que consomem produtos do estado B estarão financiando os gastos públicos no estado A. Ainda em relação ao ICMS, a guerra fiscal é uma realidade entre estados brasileiros. Com a intenção de elevar a arrecadação com ICMS, os estados oferecem incentivos para atrair a instalação de empresas em seu território. O resultado geral pode não ser satisfatório, pois a concorrência entre os estados pode ocasionar menor arrecadação conjunta em relação à cobrança realizada via esfera de governo nacional e transferência de recursos aos estados. Considerações fi nais Nesta unidade, foi possível compreender o conceito de federalismo fiscal, a partir da classificação político-constitucional de federalismo. Com a intenção de esclarecer alguns conceitos que envolvem o tema do federalismo fiscal e, por consequência, o de descentralização fiscal, foram explorados os conceitos de bens públicos, economias de escala, eficiência econômica, free rider e externalidades. 17 UNIDADE Federalismo e Descentralização Fiscal: Conceitos Básicos Material Complementar Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade: Livros Federalismo fiscal à brasileira: algumas reflexões AFONSO, José Roberto; SERRA, José. Federalismo fiscal à brasileira: algumas reflexões. Revista do BNDES, v. 6, n. 12, p. 3-30, 1999. Microeconomia PINDYCK, R. S.; RUBINFELD, D. L. Microeconomia. 7. ed. São Paulo: Pearson Education do Brasil, 2010. (e-book) Federalismo fiscal no Brasil REZENDE, Fernando. Federalismo fiscal no Brasil. Revista de Economia Política, v. 15, n. 3, p. 5-17, 1995. Federalismo fiscal e política de estabilização no Brasil WERNECK, Rogério L. F. Federalismo fiscal e política de estabilizaçãono Brasil. Revista Brasileira de Economia, v. 49, n. 2, p. 375-390, 1995. 18 19 Referências GIAMBIAGI, F.; ALÉM, A. C. D. de. Finanças públicas. 2 ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2000. MANKIW, N. G. Introdução à Economia: princípios de micro e macroeconomia. 2. ed. Rio de Janeiro: Campus, 2001. MENDES, G. Federalismo fiscal. In: BIDERMAN; C.; ARVATE, P. (Org.). Economia do setor público no Brasil. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004. p. 421-461. PINDYCK, R. S.; RUBINFELD, D. L. Microeconomia. 7. ed. São Paulo: Pearson Education do Brasil, 2010. 19
Compartilhar