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Neandertais: A História dos Humanos Extintos Contemporâneos do Homo Sapiens na Europa Por Charles River Editors Foto de Claire Houck de um esqueleto Neandertal. Sobre a Charles River Editors A Charles River Editors fornece serviços de edição e redação original em todo o setor de publicação digital e possui experiência na criação de conteúdo digital para editores em uma ampla gama de assuntos. Além de fornecermos conteúdo digital original para editores terceirizados, também republicamos as maiores obras literárias da história, disponibilizando-as para novas gerações de leitores no formato de e-books. 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Outra descoberta ocorreu em 1856 numa mina de calcário numa região Neandertal na Alemanha atual; um crânio com características distintas (indicando espécies diferentes de Neandertais) também foi descoberto pouco mais de uma década depois, no Sudoeste da França. O último seria reconhecido como um exemplo da espécie Homo Sapiens, esses humanos anatomicamente modernos chegaram à Europa entre 45-43 mil anos atrás, no mesmo período em que se acredita que os Neandertais começaram a se extinguir. Os Neandertais são membros do gênero Homo, como o Homo sapiens, e compartilham cerca de 99,7% de seu DNA com humanos modernos (Reynolds e Gallagher 2012). Ambas as espécies até conviveram brevemente por um tempo na Eurásia. No entanto, os Neandertais evoluíram separadamente na Europa, longe dos humanos modernos que evoluíram na África. Fisicamente, o esqueleto Neandertal era muito mais robusto, sugerindo mais espaço para ligamentos musculares. No entanto, enquanto Neandertais eram mais fortes do que humanos modernos, a altura média do primeiro era menor: 1,67 metro de altura. Outras características físicas que diferenciam os Neandertais dos humanos modernos são encontradas no crânio. Seus crânios eram, no geral, baixos e alongados e a testa, inclinada com uma elevação occipital (projeção óssea na parte de trás do crânio), enquanto humanos modernos possuem uma testa mais vertical, sem tal elevação occipital. A capacidade craniana do Neandertal também era maior do que a do homem moderno, entre 1.500 e 1.740 centímetros cúbicos; ele não tinha queixo, mas suas órbitas eram mais circulares quando em contraste com as do Homo sapiens, que possuía queixo e tendia a ter órbitas mais retangulares. (Wolpoff 1999). Apesar das diferenças, os Neandertais podem ter sido discerníveis o suficiente para interagirem com Homo sapiens ou mesmo se misturarem à eles durante os milhares de anos que conviveram na Europa. Os Neandertais viveram na Europa e na Ásia por quase 200 mil anos e lá prosperaram, mas foram extintos há cerca de 40-30 mil anos, na mesma época em que humanos modernos começavam a chegar à Europa. Isso provocou enorme especulação sobre a natureza das interações entre Neandertais e Homo sapiens, especialmente porque alguns pesquisadores acreditam que interações entre as espécies existiram por mais de 5 mil anos antes dos Neandertais começarem a serem extintos pela Europa. Uma hipótese é que o Homo sapiens substituiu os Neandertais, pois estavam mais adaptados ao ambiente, e é obviamente possível, se não provável, que esses dois grupos tenham competido por comida e outros recursos, com o Homo sapiens sendo o mais bem-sucedido no final. Se tais interações próximas estivessem ocorrendo, também existe a possibilidade do Homo sapiens, relativamente novo na Europa, ter trazido consigo patógenos da África que eram desconhecidos pelo sistema imunológico dos Neandertais. Um exemplo mais recente desse tipo de interação é a expansão europeia para as Américas, que levou doenças como a varíola aos nativos americanos que nunca antes a haviam tido, entre outras doenças resultantes da domesticação de animais. É possível que a domesticação do cão pelo Homo sapiens possa ter contribuído na propagação de doenças estrangeiras entre os Neandertais. Quer isso tenha ocorrido ou não, é altamente provável que as interações entre os dois grupos se tornaram muito mais íntimas em certo ponto. Os Neandertais foram capazes de criar e utilizar um conjunto diversificado de ferramentas sofisticadas, controlar o fogo, fabricar roupas e criar decorações e ornamentos. Há até mesmo evidências de que Neandertais enterravam seus mortos com oferendas, uma prática também associada ao Homo sapiens posterior, o que sugere que as duas espécies trocavam ideias sobre ferramentas e rituais. Sítios arqueológicos foram encontrados da Espanha até a Rússia contendo ferramentas de pedra transitórias associadas ao Homo sapiens ou ao Neandertal. A partir de evidências arqueológicas, é difícil determinar o nível das interações que ocorreram nesses locais que podem terem sido utilizados ao mesmo tempo. Há também fortes evidências genéticas de acasalamento entre os Homo sapiens e os Neandertais. Tal teoria foi proposta em 1907, mas não foi até recentemente que a ciência foi capaz de demonstrar que os genomas de todos os não-africanos incluem porções de origem Neandertal. Estima-se que cerca de 2% do DNA de europeus e alguns asiáticos é compartilhado com o antigo DNA dos Neandertais. Ötzi, o Homem do Gelo, que morreu há 5.300 anos, é a mais antiga múmia europeia já descoberta e possui uma porcentagem ainda maior de DNA Neandertal. Os geneticistas também descobriram que, embora o DNA nuclear do humano moderno tenha certa conexão aos antigos Neandertais, o DNA mitocondrial pode apenas ser transmitido pela mãe. Isso sugere que machos Neandertais se acasalaram com fêmeas Homo sapiens e produziram descendentes férteis que carregavam o DNA mitocondrial da mãe humana; enquanto isso, machos Homo sapiens que se acasalaram com fêmeas Neandertais produziram apenas descendentes estéreis ou malsucedidos. Seja qual for o caso, não muito do genoma Neandertal parece ter sobrevivido no código genético dos atuais humanos modernos. Neandertais: A história dos seres humanos extintos contemporâneos do Homo Sapiens na Europa analisa a evolução dos Neandertais e examina as teorias sobre como foram extintos. Junto com fotos que retratam pessoas, lugares e eventos importantes, você aprenderá sobre os Cro-Magnons como nunca antes. Imagem de Thilo Parg de uma reconstrução representando Ötzi, O Homem do Gelo. Neandertais: A História dos Humanos Extintos Contemporâneos do Homo Sapiens na Europa Sobre a Charles River Editors Introdução Evolução Inicial A descoberta dos Neandertais A evolução dos Neandertais Coexistência com o Homo Sapiens Ferramentas dos Neandertais Enterros Neandertais Linguagem Canibalismo e Veneração Ritualística Cultos O fim dos Neandertais Recursos online Leitura Complementar Livros gratuitos da Charles River Editors Livros com desconto da Charles River Editors file:///C:/Users/gcdcb/AppData/Local/Temp/calibre_tnkr91/hos5la_pdf_out/text/XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX Evolução Inicial A vida pode ser traçada de volta até suas formas unicelulares, há aproximadamente 4 bilhões de anos. Mas não foi até o início da Era Paleozoica, há 500 milhões de anos, que os primeiros vertebrados apareceram no registro fóssil. É bastante possível que tais formas de vida datem de ainda mais cedo e, ou não foram preservadasno registro fóssil, ou ainda não foram encontradas pelos cientistas. Na Era Paleozoica, havia uma grande variedade de peixes, anfíbios e répteis. No final deste período geológico, há 250 milhões de anos, répteis parecidos com mamíferos, que podem ter sido ancestrais dos atuais mamíferos, surgiram. Durante tal período da história da Terra, os continentes não estavam posicionados como hoje; com a deriva continental, as crostas da terra se moveram e colidiram, resultando em atividades vulcânicas e terremotos. Antes e durante o Paleozoico, acredita-se que os continentes formavam um único supercontinente conhecido como Pangeia. E, então, as massas de terra passaram a se afastar, e não foi até 65 milhões de anos atrás que suas posições alcançaram o local que, mais ou menos, encontram-se hoje. Um mapa representando Pangeia. Os fatores ambientais tiveram uma influência significativa na evolução da vida. Animais terrestres, como primatas, acabaram isolados uns dos outros e, após um evento primário de extinção, a Era Mesozoica surgiu há 225 milhões de anos e durou até o próximo evento de extinção, 65 milhões de anos atrás. Neste período, dinossauros dominavam o ambiente, o ar e o mar, mas os primeiros mamíferos definitivos também começaram a aparecer no registro fóssil. O exemplo mais antigo de mamíferos placentários data de 70 milhões de anos atrás, ou perto do fim da Era Mesozoica. Tal adaptação evolutiva mamífera se estendeu pela Era Cenozoica e, ainda nos dias de hoje, pode ser encontrada na maioria de suas espécies. A Era Cenozoica é dividida em sete momentos distintas: Paleoceno, Eoceno, Oligoceno, Mioceno, Plioceno, Pleistoceno e Holoceno, que é o período atual. Quando a Era Mesozoica terminou numa extinção que eliminou a maior parte das formas de vida, como dinossauros e outros, permitiu-se que os recursos ecológicos, antes dominados por tais animais, estivessem repentinamente disponíveis aos sobreviventes. Um animal que sobreviveu ao evento foi um pequeno mamífero de tamanho aproximado ao de um roedor; esses mamíferos rapidamente, tornaram-se espécies bem afortunadas na nova realidade (Dawkins 2005). O tamanho de seus cérebros foi uma adaptação física que permitiu serem mais bem-sucedidos do que os répteis. Para que mamíferos processem mais informações relacionadas à aprendizagem, o cérebro precisa ser maior. Durante o período, então, houve um aumento no tamanho do cérebro. Em particular, houve aumento no tamanho do cerebelo e do neocórtex (responsável por funções cerebrais superiores). O cérebro também desenvolveu mais rugas ou convoluções, que disponibilizam uma maior área de superfície e, portanto, possibilitam a existência de mais neurônios (células nervosas). Tal evolução do cérebro está relacionada ao longo período de crescimento interno durante a gravidez (Dawkins 2009, 209-250). Répteis, pássaros e a maioria dos peixes depositam os filhotes no ambiente e os deixam incubarem por certo tempo. Mamíferos placentários (em contraste aos mamíferos monotremados que põem ovos, ou marsupiais que possuem bolsas para filhotes) passam mais tempo no útero, ou seja, possuem um período mais longo de crescimento, que é continuado na infância. O período em que o filho depende do leite da mãe após o nascimento permite a formação de estruturas neurais mais complexas. Também é durante esse período de interações mais próxima que relações sociais e oportunidades de aprendizagem influenciam o desenvolvimento do cérebro. O influxo constante de aprendizagem numa idade tão jovem, através de observações e interações, possui efeito profundo no desenvolvimento do cérebro. Os mamíferos também possuíam uma dentição variada que os permitiu adaptarem-se com maior facilidade aos recursos ambientais. Em contraste a certos répteis, como o jacaré, que possui apenas um único tipo de dente especializado, a dentição dos mamíferos era composta por dentes para corte (incisivos), mordida (caninos) e quebra ou trituração (pré-molares e molares). A habilidade dos mamíferos de manterem uma temperatura corporal interna constante através de processos endotérmicos também contribuiu para seu sucesso em relação a outros não- mamíferos. Isso separa os mamíferos dos pássaros, ou outros determinados descendentes dos dinossauros, e dos répteis, que dependem do meio ambiente para elevação da temperatura corporal (Jurmain et al 2004). Por não dependerem tanto da exposição à luz solar, os mamíferos conseguiram se dispersar e ampliar e diversificar a quantidade de recursos disponíveis a eles. Em suma, poderiam se aventurar por latitudes mais ao Norte ou ao Sul, onde a exposição ao Sol não era tão intensa. A evidência fóssil das primeiras formas de vida primatas durante o Paleoceno é de difícil interpretação, pois é formada, em grande parte, por fragmentos de mandíbulas e dentes. Suas interpretações são debates frequentes entre paleontólogos, particularmente em relação a possibilidade de determinadas formas pertencem ou não à ordem dos primatas. Mais evidências completas podem ser encontradas no Eoceno (55-34 milhões de anos atrás), durante o qual mais de 200 espécies já foram reconhecidas (Dawkins 2009, 143-180). É a partir desta grande gama de espécies de primatas que cientistas afirmam que tais primatas estavam amplamente distribuídos (pela América do Norte, Europa e Ásia, todos conectados na época) e foram extintos no final do Eoceno. No entanto, ainda se debate até qual ponto essas espécies estão diretamente relacionadas aos primatas vivos. Durante o final do Eoceno e começo do Oligoceno (34-23 milhões de anos atrás), a primeira evidência de antropoides (subordem de primatas que inclui macacos, símios e humanos) começou a aparecer no registro fóssil. A maioria dos fósseis vieram do sitio arqueológico de Fayum, no Egito. Durante o período, a deriva continental teria separado espécies antropoides do Velho e do Novo Mundo, criando, assim, fundações para a evolução de diferentes antropoides no Velho ou Novo Mundo. Outras possibilidades incluem macacos primitivos chegando ao Novo Mundo numa espécie de jangada com ajuda de alguma grande tempestade, de maneira semelhante que tartarugas que não nadam passaram a habitar as Ilhas Galápagos. Não foi até o Mioceno (23-5 milhões de anos atrás) que os primeiros hominídeos apareceram. Por toda a Ásia, África e Europa, um novo tipo de hominídeo surgiu e novos avanços evolutivos ocorreram. Dada a ampla distribuição geográfica dos hominídeos, não havia apenas uma única espécie, mas muitas mais do que existem hoje (um grupo de macacos e um de humanos). Desta forma, uma série de avanços evolutivos ocorreram graças às mudanças geográficas, climáticas e à quantidade de recursos disponíveis; o clima, em particular, foi uma mudança importante, pois afetou todos os hominídeos durante o Mioceno. Os continentes, no período, estavam quase na mesma posição atual. O impacto da placa tectônica do sul da Ásia na Ásia criou o Himalaia e a América do Sul, enquanto a Austrália se afastou ainda mais da Antártida. Tais mudanças tornaram o clima do Mioceno dramaticamente mais quente do que no Oligoceno. A Placa Arábica também se posicionou ao Nordeste da África, permitindo que populações de hominídeos viajassem com facilidade para a Ásia há cerca de 16 milhões de anos. Fósseis antigos mostram hominídeos presentes na África há aproximadamente 23-14 milhões de anos; na Europa, há 13-11 milhões de anos e, na Ásia, há 16-7 milhões de anos. Embora haja uma abundância de fósseis do período, ainda são pouco compreendidos no contexto da evolução humana. O que pode ser dito com grau razoável de certeza é que tais hominídeos estão mais intimamente relacionados aos macacos modernos e aos humanos do que aos macacos do Velho Mundo, já tinham grandes corpos que mais se pareciam com orangotangos, gorilas, chimpanzés e humanos do que com outros pequenos macacos, como gibões. Uma linhagem definitiva da origem dos hominídeos ainda não foi definida, embora fora durante o final do Mioceno que fósseis de hominídeos começarama aparecer. O aparecimento de hominídeos ao final do Mioceno pode ser confirmado por fósseis e mudanças evolutivas que ocorreram em sua população. Como dito anteriormente, não se sabe quais espécies de hominídeos estão diretamente ligadas à sua linhagem tardia, mas mudanças evolutivas e compreensão que o ambiente, no período, passava por mudanças constantes oferecem pistas sobre como as adaptações evolutivas dos hominídeos foram influenciadas. As adaptações não ocorreram ao mesmo tempo, mas sim ao longo de milhares de anos e em diferentes proporções. A característica mais óbvia e distinta dos hominídeos é a capacidade de se locomover sobre duas pernas. Conhecida como bipedismo, a habilidade de andar sobre duas pernas também pode ser encontrada em macacos modernos não-humanos. Por curtas distâncias e com certa dificuldade, macacos não-humanos são capazes de caminhar e, às vezes, até mesmo de carregar objetos. Os hominídeos, por outro lado, dominavam a caminhada sobre duas pernas ao longo de distâncias maiores (ou seja, a eficiência da caminhada fazia com que menos calorias fossem gastas no processo). Em uma caminhada eficaz, o corpo precisa estar ereto, característica que, hoje, pode ser vista em primatas modernos ao praticarem suas atividades sociais como higiene, alimentação ou ao dormirem. É provável que os primeiros ancestrais dos humanos agissem de maneira semelhante. Os primeiros ancestrais do homem provavelmente passaram tempo significativo em cima de árvores, mas algum evento, ou motivação, eventualmente os levou ao chão, encorajando ainda mais a competência bípede. Embora o fator exato seja desconhecido, teoriza-se que a mudança climática reduziu a quantidade de florestas e selvas disponíveis. Selvas africanas podem ter passado a serem pastagens abertas semelhantes às encontradas hoje. Existem inúmeros benefícios ao andar sobre duas pernas em espaços abertos. A permanência sobre duas pernas pode ter se desenvolvido primeiramente como uma técnica de avaliação da presença de predadores quando fora da selva, pois tal capacidade permitia que se enxergasse a uma distância maior, especialmente se, quando sobre duas pernas, fosse possível enxergar além de vegetação alta. Assim, os hominídeos podem, num primeiro momento, ter se locomovido sobre quatro membros, parando para ficar em pé, verificando o redor, e voltando para a posição inicia sobre quatro membros. O benefício da caminhada por longos períodos enquanto se podia verificava a presença ou não de predadores, pode ter permitido que tais indivíduos sobrevivessem e se reproduzissem com maior sucesso do que aqueles que apenas paravam para ficar em pé e verificar a existência ou não de predadores ao redor. Tal postura ainda pode ser encontrada em babuínos modernos que habitam savanas africanas. Outro benefício físico que favorecera a postura ereta e a caminhada tem relação ao clima. As savanas da África recebem uma enorme quantidade de luz solar que, depois, irradia calor do solo. Em determinados momentos do dia, como ao meio-dia, o ângulo dos raios solares no solo pode chegar a ser de 90 graus. Os quadrúpedes expõem mais do próprio corpo à luz solar direta quando em locais aberto, fazendo com que seus corpos superaqueçam facilmente. Animais bípedes, por outro lado, expõem menor porcentagem dos corpos diretamente à luz solar, possibilitando, assim, que se mantenham frescos durante o dia. Quadrúpedes também estão mais próximos ao chão quando ele irradia o calor da luz solar, aquecendo mais ainda seus corpos, enquanto os bípedes mantêm seus corpos a uma distância maior do solo. O bipedismo permite que membros anteriores, ou braços, fiquem livres para o carregamento de recursos, seja comida ou material para abrigo. Tal vantagem pode ter permitido que indivíduos se aventurassem mais longe e com sucesso além da selva, e que também retornassem com recursos não disponíveis onde viviam. Eventualmente, depois de milhões de anos de adaptações à vida no solo, a habilidade de utilizar as mãos para a manipulação de materiais se tornou útil à produção de ferramentas. Isso estimulou a evolução bio-cultural, processo em que certos indivíduos eram favorecidos dentro de uma população com base na cultura presente. A habilidade de criação de ferramentas também encorajou a destreza bípede, à medida que hominídeos transacionavam da carniça da savana para a caça. Ao queimar menos calorias e poder manter o corpo fresco durante o dia, os hominídeos bípedes tornaram-se caçadores mais eficazes. Os caçadores-coletores modernos empregam uma tática de caça provavelmente semelhante à utilizada pelos primeiros ancestrais humanos. Um pequeno bando de caçadores perseguia um grande animal, como uma girafa, em um período quente do dia. O grande animal fugia dos caçadores, superaquecendo e cansando-se. Os caçadores continuavam a caça num ritmo descontraído, acompanhando o animal. O bipedismo é eficaz para se percorrer longas distâncias, enquanto o quadrúpede é mais eficiente ao fugir de predadores rápidos por curtas distâncias. Depois de perseguir a girafa repetidas vezes, nunca lhe dando chance de recuperação completa, o animal se exaure e pode facilmente ser morto pelos caçadores. O grande animal fornece uma quantidade significativa de calorias aos caçadores, que podem consumir parte dele no local do abate e levar o restante às famílias. Macacos modernos, como chimpanzés, caminham de maneira ineficaz porque seus membros posteriores são mais adequados para agarrarem-se a galhos do que para caminhadas (Gribbon e Cherfas, 2001), mas, ao longo do tempo, os hominídeos perderam completamente a habilidade de se agarrarem a galhos com os pés. Funcionalmente, cada pé precisa aguentar todo o peso do corpo e equilibrar-se enquanto outro pé pousa no calcanhar e recebe novamente o peso do corpo enquanto caminha. O centro de gravidade durante tal movimentação deve ser equilibrado, e para isso, os joelhos do hominídeo se aproximam enquanto caminham. A perna também evoluiu para permitir a extensão total do joelho, enquanto a pelve adquiriu um “formato de taça”. Por outro lado, a estrutura óssea do chimpanzé é feita para que o tronco fique paralelo ao solo, e para que a caixa torácica consiga manter os órgãos internos nos locais adequados. A caixa torácica de um hominídeo bípede de tronco ereto precisa suportar os órgãos internos que são empurrados para baixo pela gravidade. Sendo assim, ser bípede exigiu mudanças na pélvis que permitissem o sustento confortável dos órgãos internos. Outra mudança estrutural que facilitou o bipedismo foi a localização do buraco occipital, que auxilia o apoio da cabeça. Nos quadrúpedes, ele está localizado na parte posterior do crânio, permitindo que o animal olhe para frente, mas, nos bípedes, o buraco está mais abaixo do crânio, assim o bípede também pode olhar para frente quando ereto. A coluna desenvolveu duas curvas que ajudam a manter o centro de massa acima da pélvis. Eventualmente, os membros inferiores dos seres humanos se alongaram permitindo maior movimento (White 2011). Embora haja amplo consenso sobre características que definem os hominídeos e os padrões evolutivos, a datação e as classificações usadas sofrem mudanças à medida que novas descobertas são feitas e novas técnicas de datação, desenvolvidas. No curto período de uma década, um livro didático mudou a data do “primeiro hominídeo” de 3-4 milhões de anos para 7 milhões de anos atrás (Jurmain et al 2004: 191). A descoberta dos Neandertais Embora o primeiro espécime de Neandertal tenha sido descoberto em 1829 na Bélgica moderna (e recebeu o nome Engis 2 em homenagem ao local), não foi até 1864 que William King classificou os Neandertais, especificamente o espécime Neandertal 1 da Alemanha, como representantes do gênero Homo. No entanto, o espécime foi rapidamente reclassificado pelo próprio King no The Quarterly Journal of Science (1864: 1 [96]), onde ele concluiu que,“[A]plicando o argumento acima ao crânio Neandertal, e considerando que ele apresenta apenas semelhançaaproximada ao crânio de um homem, e tem maior proximidade ao cérebro de um chimpanzé, e além disso, assumindo, como devemos, que as faculdades símias são improváveis – incapazes de concepções morais e teológicas – parece não haver razão para acreditar, se não de outra maneira, que a escuridão similar caracterizou o ser a que o fóssil pertencia”. Em outras palavras, King acreditava que, devido à forma do crânio, o Neandertal seria incapaz de processos cognitivos complexos, como pensamento abstrato, capacidade de acreditar em um deus ou capacidade de desenvolver algum nível cultural. Com isso, o Neandertal foi classificado como uma espécie bruta e selvagem, não relacionada à linhagem do Homo sapiens, e eram vistos como uma espécie patológica humana, mas que sofria deformação. Essa visão negativa continuou pelo Século 20, mesmo quando mais fósseis foram descobertos. Em 1908, um exemplar bem preservado (La Chapelle-aux-Saints 1) foi descoberto em La Chapelle-aux-Saints, na França, e foi posteriormente estudado pelo paleontólogo francês Marcellin Boule. Em seu estudo sobre a humanidade publicado em 1912, ele fez uma observação sobre os Neandertais: “[Seu] uso de apenas um material simples, pedra (além provavelmente de madeira e osso), a uniformidade, simplicidade e grosseria de seus instrumentos de pedra, e a provável ausência de todos os vestígios de qualquer pré-ocupação sobre tipo estético ou moral, estão de acordo com a aparência brutal deste corpo enérgico e desajeitado, de crânio de mandíbula pesada, que ainda declara a predominância de funções de um tipo puramente vegetativo ou bestial sobre as funções da mente. Um estudo comparativo da morfologia de vários grupos humanos vivos confirma a ideia que estamos aqui preocupados com um tipo totalmente especial, muito diferente, não só das chamadas raças superiores, mas também dos esquimós, dos fueguinos, dos bosquímanos, dos pigmeus, africanos ou asiáticos, dos vedidas, dos polinésios, dos melanésios e até mesmo dos australianos, com quem muitas vezes se fazem tentativas de comparação.” (Boule 1923: 237-238). Esta passagem destaca as crenças subjacentes que tomaram forma no final do Século 19 e início do 20, quando a antropologia física começava a se desenvolver. Enquanto as potências europeias participavam da divisão do mundo conhecido e estabeleciam colônias na África e na Ásia, a comunidade científica justificava o domínio de suas nações sobre os povos indígenas (Ricci 2015). Em alguns casos, as expedições que coletavam fósseis eram parte de operações militares maiores e, em outras instâncias, militares forneciam aos museus ossos de povos indígenas que foram mortos para que os antropólogos físicos pudessem estudá-los e, em alguns casos, exibi-los. A maioria dos pesquisadores europeus durante o período se considerava superior a “outras raças” e tentaram provar isso através de observações empíricas (Ricci 2015). Deve-se notar que o termo “raças” aqui não significa necessariamente uma espécie distinta e não tem uma definição biológica real que separe uma “raça” de outra; este foi, em grande parte, um termo politicamente carregado para distinguir o europeu dos "outros". Este contexto é importante quando se considera como os europeus conceberam a própria evolução. Eles acreditavam que o primeiro homem ereto viera da Europa, uma vez que as raças contemporâneas da África eram consideradas primitivas. Eles também acreditavam que, já que os Neandertais europeus compartilhavam características físicas semelhantes aos aborígines australianos, então deve ter sido tão primitivo quanto os povos aborígenes do Século 19 e, portanto, não poderia estar relacionado aos europeus modernos. O desejo de descobrir um ancestral humano moderno que não fosse tão primitivo e culturalmente selvagem levou à "descoberta" do Homem de Piltdown na Inglaterra em 1908. Na pedreira de Piltdown, trabalhadores descobriram um crânio que, em seguida, foi quebrado no engano de ser um coco. Os fragmentos foram reunidos e apresentados por Charles Dawson em 1912, conquistando o interesse de Arthur Smith Woodward do British Museum. Mais tarde, uma mandíbula semelhante a de um macaco foi descoberta e dita ser parte do crânio descoberto anteriormente. Enquanto alguns céticos achavam que o crânio pertencia a um humano moderno, mas a mandíbula, a um macaco, outros, particularmente cientistas ingleses, chamaram a descoberta de "o primeiro homem inglês". (Woodward 1948). Convenientemente, o Piltdown se encaixava no elo perdido procurado para a ligação entre humanos modernos e um ancestral que compartilhasse traços semelhantes aos dos macacos, mas que também tivessem um grande cérebro e outras características europeias agradáveis. Assim escreveu Woodrow a respeito da descoberta: “Na época em que o crânio de Piltdown foi encontrado, os únicos fósseis geológicos de crânios humanos antigos conhecidos possuíam cumes ósseos proeminentes que recobriam os olhos de um rosto bastante largo. Tais crânios estavam amplamente distribuídos pela Europa e pela Ásia, e pareciam pertencer a uma “raça” variada que desapareceu no meio da última Era Glacial. Supunha-se que o homem moderno se originara de forma independente em algum lugar, e depois se espalhado por terras onde competiu contra homens mais antigos e brutais, mas que, eventualmente, foi capaz de derrotá-los e substituí-los. Eu, portanto, acreditei que o crânio de Piltdown, com seu rosto quase humano, poderia pertencer a um dos ancestrais do homem moderno que ainda era procurado.” (Woodward 1948: 86.) Esta passagem é um dos primeiros exemplos de cientistas que acreditaram na hipótese de seres humanos modernos terem competido contra seres humanos mais primitivos e os expulsaram e substituíram. Embora a era do colonialismo tivesse acabado para a maioria das nações europeias, o Reino Unido ainda mantinha um número significativo de colônias por todo o mundo. Além disso, o fato do próprio Woodward ter ajudado a encontrar os restos mortais do Homem de Piltdown, sem dúvida, encorajou-o a continuar lutando pelo lugar de Piltdown na evolução humana. No entanto, com o passar do tempo, o conhecimento científico e a metodologia também evoluíram, e em 1953, alguns anos depois de Woodward ter escrito a passagem acima, o Homem de Piltdown revelou-se uma farsa. O crânio era o de um humano anatomicamente moderno (embora de cérebro pequeno), enquanto a mandíbula era a de um orangotango propositalmente quebrada em lugares específicos para parecer poder ser de um crânio humano. Para que os dentes parecessem ser mais velhos e ter o formato correto, eles foram lixados e manchados. Embora houvesse sempre algum nível de ceticismo por trás do crânio do Homem de Piltdown, a comunidade científica estava mudando a maneira como evidências arqueológicas e paleontológicas seriam interpretadas. Ao invés de se ter uma pauta ou crença, e fazer com que a evidência se encaixasse em tal visão, a comunidade científica gradualmente passou a observar evidências disponíveis para completar a história humana, e no processo de observá-las a partir do novo ponto de vista, muitas das antigas opiniões sobre Neandertais foram derrubadas ou reconsideradas. Um exemplo crítico de evidências científicas que foram derrubadas também ocorreu na década de 1950, quando William Straus e A.J.E. Cave, dois anatomistas, reexaminaram o trabalho do paleontólogo Marcellin Boule. Boule examinara o espécime La Chapelle-aux-Saints 1, e ignorara as principais características específicas do fóssil que o tornava muito mais distinto do que um espécime típico deveria ter sido. O fóssil mostrava sinais de artrite severa nos ossos, uma condição que afeta a formação de articulações e vértebras; outra observação notável que Boule fizera foi que as vértebras do pescoço se pareciam com as de um chimpanzé. Como um chimpanzé passa a maior parte do tempo de quatro com a cabeça voltada para a frente, o buraco occipital (o grande buraco na base do crânio humano moderno com o qual a primeira vértebra cervical interage)precisa estar posicionado em direção a parte de trás do crânio. Essa divergência de localização exige diferentes facetas das vértebras do colo do útero, ou pescoço, em particular da vértebra C1 que forma uma articulação com o crânio. Straus e Cave descobriram que as vértebras dos Neandertais não eram, na verdade, nada parecidas com as do chimpanzé, mas muito mais humanas. Boule também alegou falsamente que os ossos do pé do homem Neandertal mostravam sinais de ser preênsil (Constaple 1973: 27). Essas são claramente características importantes que Boule deveria ter percebido, mas é possível que tenham sido negligenciadas, de modo que os Neandertais pudessem assumir o papel presumido de “macaco selvagem” que Boule talvez já tivesse em mente. Assim, o estudo científico moderno dos Neandertais realmente começou na década de 1950 com o estudo de Straus e Cave, e eles descobriram que não só os Neandertais eram tão fisicamente capazes quanto os humanos anatomicamente modernos, mas realmente tinham cérebros maiores e teriam sido quase indistinguíveis dos humanos modernos. Eles também desenvolveram uma cultura complexa e é possível que até mesmo tenham tido a capacidade cognitiva de desenvolver uma linguagem. Nos últimos anos, a genética revelou ainda mais visões sobre a vida dos Neandertais, indicando que eles estavam tão intimamente relacionados com os seres humanos modernos que poderiam ter se acasalado com sucesso uns com os outros. À medida que novos avanços são feitos na ciência, a compreensão da história dos Neandertais continua a se tornar mais abrangente. A evolução dos Neandertais Uma das primeiras espécies do gênero Homo a ser descoberta foi o Homo habilis, que significa “homem capaz”. O nome vem da crença na época de sua descoberta de que essa espécie fora a primeira a utilizar ferramentas de pedra. Os primeiros fósseis a serem descobertos em Olduvai Gorge eram da mesma camada estratigráfica que simples ferramentas de pedra. Os fósseis do crânio e do esqueleto pós-craniano dessa espécie foram encontrados na África Oriental e Austral e datam cerca de 2,5-1,6 milhões de anos atrás. Imagem de Cicero Moraes de uma reconstrução facial de Homo habilis. Os restos de uma caveira. Dadas as mudanças graduais que ocorrem na evolução, o Homo habilis compartilha uma série de características semelhantes ao gênero Australopithecus, como certos elementos pós-cranianos. Dito isso, o tamanho e a forma do crânio do Homo habilis são marcadamente diferentes. O tamanho do cérebro é muito maior em relação ao tamanho do corpo, possuindo cerca de 680 centímetros cúbicos. Para abrigar um cérebro maior, o crânio apresenta um osso frontal mais vertical, criando, então, uma testa mais vertical. Os sulcos da testa que se encontram na parte inferior do osso frontal também possuem tamanho reduzido. Outras reduções na face incluem redução do prognatismo e redução no tamanho dos pré-molares e molares. Os elementos pós-cranianos exibem sinais claros de bipedismo, como o dedão alinhado aos outros dedos do pé, ao invés de estarem ao lado, como nos macacos modernos. Além disso, os arcos do pé estão presentes, permitindo que todo o peso do corpo seja suportado e que atue como amortecedor ao caminhar. Os ossos da perna também são mais longos que no Australopithecus, mas o Homo habilis conservou os braços longos. Outras características primitivas incluem ossos da mão e dos dedos que facilitariam a escalada em árvores. A robustez dos ossos dos dedos é mais comparável aos dos macacos modernos do que aos dos humanos. Há também uma ligação muscular da perna que é particularmente útil em escaladas, sugerindo que algum tempo ainda era gasto com a atividade. Há uma grande variação de características encontrada nesta espécie, e dada a natureza fragmentária de alguns dos elementos, é possível que tenham pertencido a outras espécies de Homo como o Homo rudolfensis. Outra possibilidade é que o dimorfismo sexual foi mais acentuado no Homo habilis do que pensado anteriormente. O que é aceito de modo geral é que o Homo habilis era capaz de fabricar ferramentas de pedra. Essas ferramentas eram lascas de pedra com bordas afiadas retiradas de um pedaço maior. Tais ferramentas serviam a vários propósitos, como cortar os restos de um animal ou retirar sua pele. Mas enquanto o Homo habilis quase certamente utilizou ferramentas, estudiosos ainda debatem quais espécies de Homo realmente foram os primeiros a criar ferramentas de pedra, já que a espécie Homo rudolfensis também viveu na mesma época. Durante tal período na África, o ambiente passou por uma intensa mudança climática, e as florestas fechadas com lagos e riachos facilmente disponíveis foram substituídas por savanas abertas de condições áridas. É possível que essas mudanças ambientais, que tiverem início há 2,5 milhões de anos, tenham estimulado o desenvolvimento do gênero Homo. Cerca de 2 milhões de anos atrás, o clima voltou a ser quente e úmido, e baseado em outros fósseis de faunas correspondentes, o Homo habilis provavelmente habitou áreas florestais com acesso a riachos e lagos. O Homo rudolfensis também conviveu com o Homo habilis, entre 2,1-1,8 milhões de anos atrás. Assim como o Homo habilis, o Homo rudolfensis estava presente no Leste e no Sul da África e possuía características morfológicas similares aos ancestrais do gênero Australopithecus. O Homo rudolfensis tinha uma capacidade craniana de cerca de 750 centímetros cúbicos (maior do que a do Homo habilis, seu contemporâneo). Apesar do cérebro maior, o rosto era muito mais amplo, com molares e pré-molares maiores e órbitas também maiores para os olhos. Os grandes molares e pré-molares, característicos das espécies de Australopithecus, levaram pessoas a argumentarem que o Homo rudolfensis pertencia a este gênero. A mistura de características primitivas e derivadas dificulta a compreensão do papel desta espécie na evolução humana. Além disso, a classificação de fósseis entre Homo habilis e Homo rudolfensis tem sido difícil e constantemente gera confusões em torno dessas espécies. É possível que as duas espécies sejam, na verdade, uma e as diferenças sejam apenas resultados de dimorfismo sexual. No entanto, isto é bastante difícil de ser comprovado, já que os únicos restos fósseis recuperados de Homo rudolfensis são partes de crânios. Em outras palavras, não há ossos de membros ou troncos com os quais se possa comparar os tamanhos do corpo inteiro de Homo rudolfensis e Homo habilis. Dito isso, o padrão de desgaste dentário do Homo rudolfensis sugere que a dieta desta espécie diferia da do Homo habilis. O padrão de trituração dos molares e pré-molares maiores do Homo rudolfensis indica que uma quantidade significativa de trituração era feita. É provável que o Homo rudolfensis fosse capaz de consumir frutas e plantas duras que exigiam muita mastigação. Isto se contrasta com o desgaste dos dentes do Homo habilis, que indica que possuía uma dieta de carne e vegetais. O debate sobre qual espécie de Homo é ancestral direto dos humanos modernos é importante para compreender o desenvolvimento evolutivo de outras espécies ramificadas. Neste caso, o desenvolvimento de um cérebro maior, caso o Homo habilis fosse ancestral direto, teria ocorrido de maneira independente. Por outro lado, se o Homo rudolfensis era o ancestral direto, então as notáveis características primitivas da face também podem ter se desenvolvido de maneira independente a ancestrais anteriores. Cerca de 1,8 milhões de anos atrás, uma terceira espécie de Homo apareceu no registro fóssil. O Homo erectus teria compartilhado o ambiente por algum tempo com o Homo habilis e com o Homo rudolfensis; mas os fósseis do Homo erectus não são encontrados apenas ao Leste e ao Sul da África. Ao invés disso, são encontrados por toda a África e em partes da Ásia continental e insular. Esta é a primeira espécie de Homo encontrada fora da África (Rightmire 1993). Características do Homo erectus sugerem uma evolução em direção os humanos modernos. As característicasque separam o Homo erectus das outras espécies Homo são encontradas no crânio. O tamanho do cérebro era de aproximadamente 900 centímetros cúbicos, maior que o cérebro do Homo habilis. Mas o Homo erectus não teve a maior capacidade cerebral do gênero Homo durante sua existência, pois o Homo heidelbergensis surgiu há aproximadamente 800 mil anos. O tamanho maior do cérebro pode não importar muito quando se considera o tamanho do corpo, que também aumentou. O desenvolvimento do crânio também sofreu mudanças no Homo erectus. Enquanto o corpo se tornou maior, a caixa craniana não se tornou mais vertical em relação ao corpo, resultando em uma aparência inclinada e longa semelhante a uma bola de futebol americano. Outras características que se desenvolveram no crânio são as testas salientes e o desenvolvimento de projeções ósseas na parte posterior do crânio (Gilbert e Asfaw, 2008). O crânio de um Homo erectus. Mesmo que as características faciais do Homo erectus o fizesse perceptivelmente diferente se estivesse vivo hoje, sua morfologia pós-craniana pode ter sido semelhante à dos humanos modernos. Uma diferença fundamental é a densidade ou espessura dos ossos; no Homo erectus, os ossos dos membros são mais robustos, mas, por outro lado, são muito semelhantes aos dos humanos modernos. O comprimento dos membros posteriores em relação aos braços também é semelhante ao dos humanos modernos, o que significa que o Homo erectus pode ter sido capaz andar de maneira semelhante. (Richtmire 1993: 57– 84). Isto pode ou não estar relacionado a distribuição generalizada do Homo erectus. Talvez mais importante para o H. erectus do que simplesmente sair da África, teria sido a capacidade de se adaptar a mudanças climáticas e, principalmente, modificar o ambiente ao seu redor. Sobretudo, a maior vantagem que o H. erectus teria seria a habilidade de controlar o fogo. Tal habilidade, não dominada por nenhum outro animal, ajudou o H. erectus a viajar pelo mundo, e pode ser datada entre 1,7 milhão a 200 mil anos atrás. A maioria dos cientistas concorda que o H. erectus já era capaz de controlar o fogo há pelo menos 600 mil anos, enquanto humanos anatomicamente modernos foram capazes de criá-lo e utilizá-lo há 150 mil anos. As primeiras espécies de Homo teriam conhecimento sobre as consequências que o fogo poderia trazer, desde grandes devastações às florestas até incêndios que se espalhariam rapidamente pelas savanas. Tais incêndios teriam sido responsáveis por matar e queimar animais encontrados pelos Homo antigos durante seus vasculhamentos após incêndios naturais. Quando os benefícios do fogo foram compreendidos, o Homo primitivo pôde controlá-lo e levá-lo para onde fosse necessário. Após um incêndio natural, o H. erectus, ou outra espécie de Homo, provavelmente tentaria aproveitar o poder de tal fogo já aceso e levá-lo para outro local, como a um acampamento. Já que este era a única maneira de se “possuir” fogo antes da habilidade de criá-lo ser descoberta, procurar-se-ia manter o fogo aceso pelo maior tempo possível. O primeiro benefício do fogo que fora facilmente reconhecido foi o calor que era capaz de proporcionar. Isso, juntamente ao surgimento de roupas de peles de animais, teria sido o começo da manipulação do ambiente pra a sobrevivência da humanidade. Não somente o H. erectus seria capaz de permanecer aquecido durante a noite, mas poderia sobreviver em temperaturas congelantes. O medo que outros animais tinham do fogo seria outro benefício usado pelo H. erectus na conquista do reino animal, já que o fogo os protegia de predadores, durante a noite, que já teriam eliminado as espécies vulneráveis. Algumas das primeiras evidências arqueológicas do uso do fogo podem ser encontradas em cavernas, uma vez que a área abrigada não é regularmente erodida pela água e pelo clima, isso é o que também faz cavernas lugares ideais para animais viverem. Antes de poder aproveitar o fogo, o H. erectus teria que compartilhar ou lutar pelo controle de tais cavernas, mas o medo que os animais tinham em relação ao fogo ajudou os H. erectus a esvaziarem as cavernas de quaisquer ameaças em potencial e mantê-las do lado de fora. Essa tática também poderia ser aplicada à caça de animais. Percebendo que os animais fugiam em determinada direção quando frente ao fogo, o H. erectus pôde iniciar incêndios para direcionar animais a currais, penhascos ou locais onde poderiam ser abatidos e cozidos. Este método de caça teria proporcionado uma abundância de alimentos que dificilmente se encontrava antes. Tipicamente, o Homo primitivo teria retirado carne de carcaças deixadas para trás por caçadores maiores, mas com o fogo, a humanidade pôde obter as partes principais do animal e cozinhá-las (Wrangham 2010, 101). O homem primitivo também teria percebido as mudanças que o fogo era capaz de causar na carne enquanto procurava alimentos em uma floresta ou após um incêndio na mata. Sobretudo, a carne cozida era mais fácil de mastigar e digerir. Comer alimentos crus e não cozidos consumia entre 15-35% a mais de energia, ou calorias, do que ingerir alimentos cozidos; salvar tais valiosas calorias extras permitiu que avanços evolutivos ocorressem. Mudanças podem ser vistas no H. erectus que provavelmente refletem os benefícios do uso do fogo e de alimentos cozidos. Os dentes, por exemplo, ficaram menores, o que indica uma dieta mais macia que não exigia dilaceramento e fragmentação como antes. Além disso, o cérebro se tornava maior, sugerindo uma dieta com alimentos de melhor qualidade. Outra vantagem do cozimento de alimentos, embora provavelmente não soubessem disso na época, era que o calor eliminava parasitas e agentes patogênicos perigosos da comida, prolongando, assim, a expectativa de vida daqueles que ingeriam a comida cozida. A maior taxa de sobrevivência possibilitou um maior número de H. erectus, ou seja, novas gerações também puderam aprender sobre os benefícios do fogo para a modificação de ferramentas. A capacidade do H. erectus e de demais espécies tardias do Homo de aproveitar o fogo também lhes permitiu aumentar a eficácia das ferramentas, proporcionando um grande avanço tecnológico. O fogo poderia ser usado para endurecer lanças de madeira, permitindo que as espécies de Homo caçassem com sucesso uma maior variedade de animais. Um sítio arqueológico na Alemanha associado ao H. heidelbergensis (comentado mais abaixo) continha oito lanças de madeira endurecidas pelo fogo usadas para caçar cavalos (Coolidge e Wynn 2009, 151 - 179). Outro sítio na Alemanha também possuía lanças endurecidas pelo fogo utilizadas para caçar “elefantes de presas retas”. As táticas para tais caças passaram de lanças não endurecidas arremessadas, para ataques próximos. O efeito endurecedor do fogo também foi utilizado na criação de objetos ritualísticos. Enquanto figuras do mesmo período eram esculpidas em pedra ou osso, outras foram criadas a partir de barro queimado como cerâmica. Todas essas evidências sugerem que muitas interações importantes ao longo da vida ocorreram ao redor de fogueiras, e tais interações teriam ajudado no desenvolvimento da cultura e da comunicação entre indivíduos, estimulando o desenvolvimento da linguagem e das sociedades. Em poucas palavras, o fogo se tornou a ferramenta mais importante da evolução da humanidade. Uma vez que um grupo de Homo erectus tivesse se afastado o suficiente de outro grupo de Homo erectus, a separação geográfica, junto a pressões únicas de fatores ambientais e seleção natural, resultaria na formação de uma nova espécie. Os Homo erectus que permaneceram na África começaram a seguir por um caminho evolucionário diferente daqueles que se mudaram para a Europa e para a Ásia. Existem duas teorias gerais sobre a propagação do Homo erectus fora da África. A primeira é que há cerca de 1,5 milhão de anos, o Homo erectus migrou da África em vários fluxos, talvez caçando rebanhos migratórios. Tal teoria postula que o Homo erectus migrou para regiões separadas e acabou se desenvolvendo independentementedaqueles que se tornaram Homo sapiens. Essa teoria colocaria os Neandertais como uma fase intermediária entre o Homo erectus e o Homo sapiens. Outra hipótese é que o Homo erectus deixou a África cerca de 1,5 milhão de anos atrás e continuou a evoluir fora da África, mas, por outro lado, foi somente na África que o Homo sapiens se desenvolveu e a deixou uma “segunda vez” há 150 mil anos em direção a Europa e a Ásia. Esta segunda porção dos primeiros Homo sapiens encontrou Neandertais na Europa e na Ásia e acabou por substituir seus primos evolucionários (Steadman 2009: 69). A segunda teoria é a mais aceita pelos antropólogos e é apoiada por evidências fósseis e genéticas. Fósseis de Neandertais anteriores há 130 mil anos são raros, mas depois, tornam-se muito mais comuns em localizações europeias e asiáticas; o próprio nome Neandertal é baseado na descoberta do que trabalhadores de pedreira acreditaram ser fósseis de ursos no Vale do Neander, perto de Düsseldorf. Alemanha. Em 1856, trabalhadores de uma pedreira de calcário levaram os restos fossilizados a um professor de ciências naturais local, Johann Carl Fuhlrott, que reconheceu os restos fragmentados como uma das “raças mais antigas do homem” (Leakey, 1981: 146). Sua suposição baseava-se nas testas baixas e proeminentes e nos fortes ossos dos membros. Esse achado foi confirmado pelo especialista em anatomia Hermann Schaaffhausen, que também acreditava que os ossos pertenciam a uma “raça” de alguns milhares de anos. Fuhlrott. Schaaffhausen. Enquanto isso, o resto do mundo acadêmico não estava tão convencido de que os Neandertais faziam parte da raça humana, ou que, pelo menos, não era um ancestral "comum". Os cientistas alemães, em particular, estavam convencidos de que robustas pernas curvadas indicavam que a pessoa fora um cavaleiro durante a maior parte da vida. Tal observação se encaixou na história recente da área – em 1814, a cavalaria russa cruzou o local perseguindo os soldados franceses de Napoleão perto do fim das Guerras Napoleônicas. Outras teorias postuladas foram que as pernas arqueadas eram o resultado de raquitismo, uma osteopatologia que se desenvolve a partir de uma deficiência vitamínica e causa dor suficiente para fazer a pessoa franzir habitualmente a testa, resultando em uma estrutura óssea mais espessa acima dos olhos (Leakey 1981: 146). Com o passar do tempo, mais fósseis com características semelhantes forçaram a comunidade científica a aceitar os Neandertais como uma linhagem genuína dos hominídeos (Jurmain et al 2004: 256). Outros espécimes foram encontrados em países europeus fora da Alemanha; no Sudoeste da França em 1908, o espécime examinado por Boule foi descoberto. Ainda mais interessante, relatou-se que o esqueleto quase completo foi descoberto durante um enterro. O corpo fora depositado em posição fetal com fragmentos de osso não-humanos sobre ele. Ao redor do corpo, durante o enterro, havia ferramentas de pedra e mais fragmentos de ossos não humanos. Apesar dessas descobertas, Boule ainda considerava tanto o indivíduo quanto os Neandertais em geral parte de uma raça selvagem brutal. Em outro local na França, na caverna de Moula-Guercy, foram encontrados cerca de 78 fragmentos hominídeos associados aos Neandertais. Esses restos, descobertos no final do Século 21, foram datados entre cerca de 100-120 mil anos atrás. Uma área mais recente de Neandertais em St. Césaire, na França, continha fósseis que datam de aproximadamente 35 mil anos atrás. Tal local continha vestígios de animais e uma variedade de ferramentas comumente associadas aos Neandertais. Outra caverna em Zafarraya, na Espanha, também continha fósseis de Neandertais relativamente recentes. Lá, os restos foram datados tendo cerca de 29 mil anos (Jurmain et al 2004: 257-258). A datação recente de outra caverna na Europa central também afirma a existência dos Neandertais há menos de 30 mil anos. O que tais locais indicam é que os Neandertais habitavam a mesma região geográfica que os humanos anatomicamente modernos há milhares de anos, e podem até ter compartilhado entre si métodos de fabricação de ferramentas. Fósseis Neandertais também foram descobertos fora da Europa. Em Israel, foram encontrados fósseis que compartilham muitas semelhanças com os Neandertais europeus, mas são notavelmente menos robustos. Talvez o mais famoso desses achados venha de Mugharet-et-Tabun, ou Caverna do Forno, em Israel. O local foi escavado pela primeira vez na década de 1930, mas testes científicos modernos indicam que os achados têm cerca de 120 mil anos de idade. Como os achados europeus, isso faz dos Neandertais um contemporâneo dos humanos modernos, cujos fósseis também foram descobertos em cavernas nas áreas circundantes. Outro achado importante da região vem de Kebara. Neste sistema de cavernas, descobriu-se um osso hióide (osso flutuante localizado na garganta) que possui cerca de 60 mil anos de idade. Acredita-se que tal osso tenha pertencido a um Neandertal, pois foi encontrado junto a uma pelve Neandertal quase completa. Os cientistas puderam usar essa descoberta para melhor aprenderem sobre a cultura Neandertal, especialmente em relação a suas habilidades linguísticas. Outro local que forneceu uma visão interessante sobre os Neandertais foi encontrado nas Montanhas Zagros, Iraque. Aqui, um indivíduo, conhecido como Shandir 1, foi descoberto e datado com cerda de 60 mil anos. Esta pessoa sofreu uma quantidade considerável de trauma físico, mas conseguiu sobreviver até seus 30-45 anos. Para que esse indivíduo tenha sobrevivido por tanto tempo, acredita-se que deve ter recebido ajuda de outras pessoas, o que seria uma indicação de cultura e interação social entre os Neandertais (Trinkaus e Shipman 1992: 341). Coexistência com o Homo Sapiens Desenvolvimentos no campo da genética têm sido capazes de lançar uma quantidade considerável de luz sobre a relação entre humanos anatomicamente modernos e Neandertais. Geneticamente, os Neandertais estão notavelmente próximos aos humanos modernos, compartilhando cerca de 99,7% de seu DNA. O tipo de DNA extraído de fósseis de Neandertais é conhecido como mtDNA, ou DNA mitocondrial. A partir de amostras extremamente pequenas, é possível usar reações em cadeia da polimerase para produzir múltiplas cópias do mtDNA. Neste método, as duas cadeias de DNA são separadas e a replicação do DNA é sintetizada. Um fator importante ao considerar o mtDNA é que ele é transmitido somente através da linhagem materna, ou de mãe para filho. Isso permite o exame do genoma não apenas do Neandertal, mas também dos humanos arcaicos contemporâneos que viveram na mesma época. O que os geneticistas descobriram é que o cruzamento entre humanos anatomicamente modernos e Neandertais teria sido possível, mas não necessariamente bem- sucedido. Um macho Neandertal teria sido capaz de se acasalar com uma fêmea humana e ter descendentes férteis que subsequentemente se reproduziriam e disseminariam o gene Neandertal. Por outro lado, um macho humano anatomicamente moderno poderia acasalar com uma fêmea Neandertal, mas a descendência seria estéril ou não sobreviveria por muito tempo. De qualquer forma, o mtDNA dos Neandertais, transmitido através das fêmeas, não está presente em humanos anatomicamente modernos. O primeiro desses humanos anatomicamente modernos foi descoberto em 1868 na França. Louis Lartet havia descoberto cinco esqueletos no Abri de Cro-Magnon, ou Abrigo de Rocha do Cro- Magnon, perto de Les Eyzies-de-Tayac-Sireuil. Quatro dos esqueletos parciais descobertos pertenciam a adultos, enquanto o quinto pertencia a uma criança. Entre os restos também foram descobertos vários objetos de artesanato e decorações, incluindo um colar de conchas perfuradas e chifre de rena esculpido. Os restos mortais foram identificados como seres humanos pré- históricos, com características físicas distintas daquelas dos Neandertais descobertos na Alemanha há apenas uma década. Hoje, o termo Cro-Magnon taxonomicamente não possui status formal,uma vez que não se refere a uma espécie, subespécie, fase arqueológica ou cultura. No lugar de Cro-Magnon, a literatura científica usará de maneira mais frequente o termo “humanos modernos europeus primitivos” ou EEMH (european early modern humans). No entanto, Cro-Magnon tem sido usado em textos populares para distinguir os seres humanos dos Neandertais durante o Paleolítico Superior. Enquanto as características físicas de Cro-Magnon eram semelhantes às dos humanos modernos, o ambiente em que viviam era muito diferente. Na Europa, o Cro-Magnon existiu até 43 mil anos atrás, e mais recentemente, há 10 mil anos, durante um período conhecido como Paleolítico Superior Europeu. A Europa, durante este período, era drasticamente diferente do que é hoje, pois as camadas de gelo cobriam grande extensão do continente antes de um aquecimento relativamente rápido ocorrer há cerca de 19 mil anos. Os lençóis de gelo se espalhavam pela maior parte das Ilhas Britânicas, formando as ilhas, e prendiam uma quantidade significativa de água, que reduziu o nível do mar em mais de 100 metros e expôs as plataformas continentais. O clima naquela época suportava uma variedade de fauna agora extinta. Como resultado, os Cro-Magnons tiveram uma vida semi-nômade, seguindo manadas de grandes mamutes, cavalos e renas. Para sobreviver, o Cro-Magnon precisava ser fisicamente saudável e adaptável. O crânio do Cro-Magnon apresentava uma mistura de traços arcaicos e modernos. A testa do Cro-Magnon era mais vertical que a de seu contemporâneo Neandertal, e possuía um queixo proeminente. Outras características distintas foram as testas relativamente pequenas, o desenvolvimento da fossa canina (um recuo acima do dente canino entre a bochecha e a mandíbula superior) e um processo mastoide piramidal (uma projeção óssea triangular localizada atrás da orelha). Tais características também podem ser encontradas em humanos modernos, mas o resto do corpo dos Cro-Magnon era mais robusto, com uma altura média de 1,67 metro. A capacidade craniana também era ligeiramente maior que a dos humanos modernos, e as órbitas dos olhos, mais retangulares. Seus rostos tendiam a ser mais largos, com mandíbulas fortes e narizes estreitos. Crânio Cro-Magnon. O sequenciamento de DNA indicou que eles provavelmente tinham pele escura e, alguns deles, olhos azuis e cabelos escuros, sugerindo que a pele clara dos europeus nortenhos seja um fenômeno mais recente. A mente do Cro-Magnon também foi suficientemente desenvolvida para ser inventiva e compreender técnicas de fabricação de ferramentas. A cultura do Cro-Magnon é baseada nas descobertas de ferramentas, ornamentos e pinturas rupestres. Ferramentas feitas de pedra associadas ao Cro-Magnon são também conhecidas como cultura Aurignaciana. Ao contrário das culturas anteriores, essas ferramentas de pedra possuíam finas lâminas feitas propositadamente a partir de núcleos de pedras preparados e não de pedaços grosseiros. O Cro-Magnon também trabalhava ossos e chifres em pontos específicos cortando sulcos em suas partes inferiores. Isso é significativo porque demonstra o desenvolvimento da padronização na fabricação de ferramentas, ou seja, as primeiras culturas de Cro-Magnon estavam se desenvolvendo e repassando processos de fabricação de ferramentas umas às outras. Além de desenvolver novas técnicas de fabricação de ferramentas, os Cro-Magnons também criaram uma variedade de ornamentos, como pingentes, pulseiras, contas de marfim, estatuetas esculpidas e flautas de osso. A flauta mais antiga foi descoberta na Alemanha e é feita de osso de abutre. Possui cinco buracos para os dedos e é capaz de reproduzir a escala pentatônica moderna. A cultura Cro-Magnon é fortemente marcada pela criação de várias formas de arte. Inúmeras estatuetas foram descobertas retratando mamíferos agora extintos, como o mamute, bem como rinoceronte e cavalos selvagens da Eurásia. Outras estatuetas retratam versões antropomorfizadas de animais. Uma delas é o Löwenmensch, ou Homem Leão, datado com cerca de 40 mil anos e descoberto na Alemanha. Esta é a mais antiga figura antropomórfica conhecida, e sugere que o Cro-Magnon pode ter começado a desenvolver crenças religiosas ou sobrenaturais durante tal período. Uma pintura rupestre datada de cerca de 16 mil anos atrás. Outra evidência de uma cultura espiritual entre os Cro-Magnon é a descoberta de que indivíduos falecidos, como os encontrados por Lartet, podem ter sido intencionalmente enterrados com pertences. O ato do enterro significa que os Cro-Magnons haviam desenvolvido um ritual para os mortos ou possuíam uma noção de doença, que exigia que os corpos fossem isolados e contidos. A análise dos esqueletos também revelou lesões traumáticas cicatrizadas, como fraturas cranianas ou vértebras que se fundiram. Quando essas lesões foram sofridas, o que teria sido comum durante a caça, os indivíduos não poderiam ter cuidado de si mesmos e teriam exigido que outros cuidassem deles até que estivessem curados. Desta maneira, fica claro que os Cro-Magnons desenvolveram empatia pelos outros. Esses humanos anatomicamente modernos chegaram à Europa há cerca de 40 mil anos, quando os Neandertais começavam a se extinguir, apesar das semelhanças físicas que compartilhavam com os Cro-Magnons. O esqueleto dos Neandertais era mais encorpado do que o dos humanos modernos; de fato, os ossos eram mais densos e podiam lidar com uma quantidade significativa de estresse e peso, e os ossos longos permitiam uma maior quantidade de ligamentos musculares que ajudaram os Neandertais em situações de combate próximo. Apesar da força dos Neandertais, ou talvez por causa disso, sua altura era, em média, de apenas 1,67 metro. Os Neandertais também tinham traços craniais diferentes que talvez se desenvolveram como resultado do ambiente ou das condições adversas em que viviam. O crânio era baixo e inclinado, o que deixava pouco espaço para a testa. Na base da testa estão os cumes espessos e pesados que são característicos das representações dos homens das cavernas nos dias atuais. Na parte de trás do crânio havia uma característica que não é encontrada no homem moderno, conhecido como buraco occipital. O objetivo exato desta projeção óssea é desconhecido. O crânio em si era bastante grande e tinha cerca de 1.500-1.740 centímetros cúbicos de espaço para o cérebro se desenvolver. O rosto em geral projetava-se mais do que o de um humano moderno, o nariz era maior e os Neandertais não tinham queixo. Ainda assim, apesar das diferenças, é possível que os Neandertais pudessem passar despercebidos entre os humanos anatomicamente modernos. As crianças dos Neandertais também podem ter se desenvolvido e crescido mais rápido do que as dos primeiros humanos. As crianças humanas modernas têm o maior período de crescimento entre todos os mamíferos. Esse crescimento lento permite que o cérebro e os ossos ao redor se desenvolvam adequadamente antes de um surto de crescimento durante a puberdade. Por outro lado, foi observado pela primeira vez em 1928 que uma criança Neandertal de uma caverna Mousteriana parecia ter características de um adulto (Garrod et al. 1928). A fusão antecipada dos ossos, particularmente no crânio, resultaria em menor desenvolvimento do cérebro, o que também pode ter certa responsabilidade pelo crânio baixo e inclinado. Dito isso, pesquisas recentes também sugerem que a taxa de crescimento pode estar mais próxima da dos humanos modernos do que se supunha anteriormente (Rosas et al. 2017). Outra característica única dos Neandertais era que possuíam uma abertura relativamente grande para o nariz. Uma razão para isso pode ter sido a permissão para que uma maior área de superfície aquecesse o ar frio antes que entrasse nos pulmões, enquanto outra possibilidade poderia ter sido o melhor deslocamento do calor durante períodos de atividade extrema (Finlayson 2004: 84). O clima em que os Neandertais viviam não era tão extremo quanto no extremo Norte, e eles provavelmente nunca viajaram acima da latitudede 55 graus. Portanto, parece que os humanos anatomicamente modernos que se aventuraram ao extremo Norte eram melhores adaptados ao frio do que os Neandertais, o que significaria que a expansão da região nasal não teve relação com a adaptação ao frio. Dadas as estreitas similaridades genéticas e físicas entre as duas espécies, parece lógico que elas compartilhassem um ancestral evolucionário comum próximo, mas evidências de interação entre as espécies têm sido difíceis de serem encontradas. Embora haja evidências de ferramentas transicionais a partir de um período em que podem ser associadas a qualquer uma das espécies, as diferenças em quando existiram são difíceis de se identificar. Em outras palavras, uma caverna pode ter sido usada por centenas ou mesmo milhares de anos por uma espécie antes de ser abandonada e ocupada por outra. O resultado seria uma mistura de artefatos ao longo do tempo que, a princípio, pareceriam estarem associados uns aos outros, mas, na verdade, são de tempos diferentes. Ferramentas dos Neandertais A cultura da ferramenta Neandertal é mais comumente associada à indústria de ferramentas Mousteriana, embora nem toda a indústria Mousteriana tenha sido originária dos Neandertais. Isso ocorre porque a disseminação de tal cultura de ferramentas se estende da Europa e do Sudoeste da Ásia, onde é sabido que os Neandertais habitaram, até partes do Norte da África, da Rússia moderna e, possivelmente, até da China. As similaridades de ferramentas produzidas pelos Neandertais provavelmente resultam de métodos de produção transportados com grupos de caçadores- coletores enquanto se espalhavam pelo ambiente; um desses grupos acabou evoluindo e se tornou a linhagem Neandertal. O nome da técnica de fabricação de ferramentas em si vem da caverna Le Moustier em Dordogne, onde a técnica de fabricação de ferramentas foi identificada pela primeira vez (Leakey 1981: 150). Este complexo de ferramentas data de 160-40 mil anos atrás e é encontrado principalmente em torno da Eurásia, com alguns exemplos no Norte da África. Os métodos de produção de ferramentas dos Neandertais eram semelhantes aos do Norte da África, especificamente em relação às técnicas nucleares de Levallois. Esta foi uma característica específica da indústria de ferramenta Mousteriana, e a técnica recebeu o nome do subúrbio de Levallois-Perret, em Paris, França, e desenvolveu-se a partir da cultura da ferramenta de lapidação precoce das pedras: Acheuliana. O método envolvia retirar lascas de pedra de um núcleo. O núcleo seria então modificado ao redor das bordas para se obter uma forma específica. Essencialmente, o núcleo seria moldado na forma desejada. Ao previamente se preparar o núcleo, havia mais controle sobre o tipo de lascas produzidas. Este avanço tecnológico é uma indicação significativa da capacidade cognitiva avançada dos Neandertais e humanos anatomicamente modernos, uma vez que a criação de tais ferramentas exigia planejamento e prospecção. Este método foi mais eficaz no preparo de ferramentas em lascas na hora do que a preparação de lascas individuais a partir do zero, mas os Neandertais ainda refinaram a metodologia para permitir que uma forma específica de lasca de pedra fosse removida. Isto provou ser cerca de cinco vezes mais eficaz para a fabricação de ferramentas, permitindo aos Neandertais produzirem quase 2 metros de lâmina afiada de um único quilo de pedra (Leakey 1981: 151). No total, os Neandertais foram capazes de produzir aproximadamente 60 tipos distintos de ferramentas, incluindo facas e pontas de projéteis. Desde que as técnicas e ideias de ferramentas acompanhavam os Neandertais que as produziam, sempre existe a possibilidade de que os estilos e funções mudaram à medida que novas ideias foram desenvolvidas e o ambiente, alterado. Já se foi argumentado que existiram aproximadamente quatro culturas Mousterianas distintas na Europa – a Mousteriana Denticulada, a Mousteriana Típica, a Acheuliana e a Charentiana. François Bordes posicionou tais culturas distintas em regiões específicas que acreditava terem vivido perto o suficiente umas das outras para compartilharem idéias, mas ainda permanecerem como culturalmente distintas (Bordes, 1968). A ideia de culturas que vivem tão próximas e permanecem distintas (pelo menos arqueologicamente) é apoiada por descobertas antropológicas. O estudo e a observação de culturas vivas podem ser utilizados para ajudar a apoiar (ou refutar) hipóteses dentro da arqueologia. Um estudo sobre os Njemps e o Tugen do norte do Quênia apoia a ideia de que as culturas podem estar próximas, mas ainda serem culturalmente distintas. Essas duas tribos criaram cabras, ovelhas e gado, fizeram negócios entre si e se casaram uma na tribo da outra, mas mantiveram seu próprio estilo de roupas, arquitetura e técnicas de produção de ferramentas (Hodder, 1982). A preservação de costumes culturais únicos é uma maneira pela qual as pessoas podem se identificar com sua comunidade. Arqueologicamente, existem alguns problemas em potencial a serem considerados sobre essa hipótese, pelo menos no que diz respeito às conexões entre os humanos modernos e os Neandertais. O maior problema potencial para tal explicação pode ser a diferença de tempo, porque, embora as diferentes culturas Neandertais possam ter vivido próximas umas das outras geograficamente, elas podem não terem existido ao mesmo tempo. As atuais técnicas de datação disponíveis não permitem que os cientistas identifiquem com a precisão necessária dentro de algumas gerações. Uma explicação alternativa (e não exclusiva) para as diferenças na produção de ferramentas pode estar na função das próprias ferramentas. É possível que as modificações nas ferramentas tenham sido o resultado da necessidade de funcionarem de maneira diferente, mas embora essa seja uma explicação possível ou parcial para as diferenças na produção, é um conceito difícil de ser sustentado arqueologicamente. Até agora, não houveram estudos convincentes para demonstrar claramente que um conjunto de produção de ferramentas diferiu de outro por conta de uma função cultural diferente. Um avanço feito na cultura foi a evolução da lança Ateriana, que surgiu na cultura da ferramenta Mousteriana. Essas lanças são contemporâneas às Mousterianas, mas diferenciam-se delas pela presença de um “cabo”, elemento que pode ter sido também utilizado na criação de projéteis. Tradicionalmente, as lanças dos projéteis possuem uma seção simétrica onde o projétil é preso ao cabo, mas as próprias ferramentas possuem formas altamente variáveis, sugerindo que nem todas foram produzidas da mesma maneira. Isso seria incomum para lanças de projéteis. Também é possível que as lanças tenham sido afiadas repetidamente e retrabalhadas ao longo do tempo devido ao desgaste do uso, mas isso também seria incomum para pontas de projéteis. É mais provável que tenha sido mais usadas como raspadores do que como pontas de lanças, embora a função dupla também seja possível. Ainda são necessárias mais evidências de tal indústria de ferramentas. Algumas das primeiras ferramentas de projétil datam de 300-400 mil anos atrás, na forma de lanças de madeira. Tais lanças foram descobertas na Alemanha e são feitas de hastes de abeto e madeira de pinho. As ferramentas foram desenvolvidas para serem lançadas como um dardo moderno, com o centro de gravidade localizado no terço frontal da haste. Um caçador devidamente treinado teria sido capaz de lançá-la a até 6 metros de distância durante uma caçada. A descoberta de tais ferramentas de caça é significativa porque marca uma ruptura definitiva entre o recolhimento de carniças e a caça, uma vez que a ponta encontrada poderia também ter sido usada para a limpeza das carcaças. Enquanto a datação destas Lanças de Schonigen Spears não está aberta a discussões, sua função exata ou como eram utilizadas ainda é assunto de debates. Baseado em relatos etnográficos comparáveis de lanças de madeira, o diâmetro e o peso de suas hastes são pesados demais paraserem lançados, levando alguns cientistas a acreditarem que eram utilizadas de outra maneira (Shea 2006). Deve-se ter em mente, contudo, que a incapacidade dos relatos etnográficos modernos de produzir lanças semelhantes pode ser o resultado de um meio-ambiente diferente alemão há 300 mil anos; os animais que eram caçados não mais o são nos dias de hoje. Além disso, a anatomia dos Neandertais também era diferente. O úmero, ou osso do braço, dos Neandertais é mais oval em sua seção transversal, permitindo diferentes ligações musculares ao osso e, portanto, diferentes funções. Isso pode ter permitido aos Neandertais uma melhor utilização das lanças, como as Lanças de Schonigen, para esfaqueamento e não arremesso. Se assim foi, isso significa que quando caçavam mamutes ou cervos, os Neandertais teriam que estar muito próximos da presa para infringirem uma ferida potencialmente letal. Outro avanço decorrente da cultura de ferramentas Mousteriana é a Chatelperroniana, cujo nome deriva da Grotte des Fés, em Châtelperron, Allier, na França. Essa cultura, que estava presente principalmente na França e na Espanha, produzia ferramentas com bordas denticulares que as faziam parecer com serras. Outro tipo de ferramenta produzida por essa cultura era uma lâmina de pedra curva com um único lado cortante. Para produzi-las, foram utilizadas grandes lascas espessas, separadas dos núcleos. Houve também uso de marfim associado a essa cultura de ferramentas que dificilmente é encontrado em outros lugares. Argumentou-se que tal adequação do marfim a essa cultura de ferramentas pode ter sido resultado dos Neandertais interagindo com os Homo sapiens, que sabidamente produziam ferramentas de ossos e chifres (Diamond, 1991). Hoje, a existência dessa cultura ainda é debatida na comunidade científica pois seu local de descoberta foi prejudicado no Século 19. Isso, argumenta-se, resultou na mistura de artefatos e, consequentemente, de diferentes culturas arqueológicas (Mellars, 2010). Enquanto o debate sobre se a cultura Chatelperroniana é ou não uma cultura legítima requer mais evidências arqueológicas, a cultura Aurignaciana é geralmente aceita como posterior a cultura Mousteriana. Essa cultura de ferramentas recebeu o nome de um local no Sudoeste da França conhecido como Aurignac, mas a evidência mais antiga dessa cultura veio da Europa Oriental. Acredita-se que tal cultura de ferramentas tenha sido trazida para a Europa com a migração dos humanos modernos. Uma característica típica das ferramentas produzidas pelos humanos modernos e pela cultura Aurignaciana é o trabalho com chifres e ossos, além do uso de núcleos para lascas finas. A introdução dessa cultura arqueológica na Europa aconteceu há cerca de 40 mil anos, na época em que os Neandertais começaram a desaparecer do registro arqueológico. Enterros Neandertais Embora os primeiros pesquisadores dos Neandertais acreditassem que os primeiros ancestrais fossem "incapazes de concepções morais e teológicas," a evidência arqueológica sugere o contrário. As crenças exatas dos Neandertais só podem ser sugeridas através de arte que foi deixada para trás, mas os Neandertais intencionalmente enterraram seus mortos e até mesmo depositaram oferendas a eles. Em Le Moustier, um adolescente foi enterrado deitado do lado direito em posição fetal com a cabeça apoiada no antebraço. Uma posição como esta é sugestiva de uma noite de sono; ele também tinha um “travesseiro” de lascas de pedra, insinuando ainda mais um sistema de crenças, como a crença na vida pós-morte ou a necessidade de objetos pós-morte, um machado de pedra totalmente funcional foi deixado perto da mão do indivíduo. Pesquisadores também acreditam que oferendas faziam parte do enterro, pois ossos de gado selvagem foram posicionados ao redor do corpo. Eles poderiam conter carne quando posicionados ou poderiam ter feito parte de alguma celebração no tempo do enterro. O enterro de La Chapelle-aux-Saints 1, mencionado acima, foi a primeira escavação de um Neandertal que apresentou a possibilidade de um enterro intencional, uma noção que ainda é debatida até hoje (Trinkaus 2013). O enterro foi descoberto dentro de uma caverna, em um local de sepultamento feito de pedra calcária. Como outros enterros, este também foi encontrado na posição fetal. Outro potencial ritual de enterro dos Neandertais pode ter sido encontrado em Teshik Tash, no Uzbequistão. O enterro é de uma criança de sexo indeterminado que foi enterrada com um círculo de chifres de íbex em uma "cama" de ossos de íbex. Ao contrário do enterro em Le Moustier, há marcas de corte nos ossos da criança, e tais marcas são consistentes com as encontradas em ossos de animais após remoção de sua carne. O que isso indica é a remoção intencional da carne da criança em algum tipo de ritual. Esse tipo de prática, a remoção da pele e dos órgãos, deixando-se apenas os ossos para trás, também pode ser observado em práticas funerárias de nativos americanos e em práticas medievais europeias para a preservação dos ossos de certos indivíduos. A remoção intencional de pele e órgãos para fins de enterro indica um complexo sistema de crenças envolvendo o tratamento do corpo. Na caverna de Shanidar, no Iraque, um homem entre 30-45 anos de idade, conhecido como Shanidar IV, foi enterrado do lado esquerdo, também em posição fetal. A escavação cuidadosa do local permitiu a coleta de grãos de pólen do solo, revelando que o homem foi enterrado com feixes de flores que poderiam ter sido posicionados propositalmente durante o enterro. As plantas com que o homem foi enterrado incluíam milefólio, centáurea, senécios, jacintos de uva, malva-rosas e cavalinhas amadeiradas. (Leakey 1981: 153). Visualmente, isso resultaria em uma mistura de flores brancas, amarelas e azuis, e com base nas propriedades herbáceas dessas plantas e seu uso hoje, é possível que tivesse sido um enterro para algum tipo de xamã ou curandeiro. De maneira alternativa, tais polens poderiam ter sido introduzidos por roedores (Meriones persicus) conhecidos por fazerem tocas para armazenar sementes e flores (Sommer, 1999). Imagem de Tim Evanston de uma regeneração computadorizada da cabeça de Shanidar IV. A análise de enterros e restos mortais de Neandertais, em geral, revelam que compaixão e cuidado estavam presentes na cultura Neandertal. Ao invés de terem uma natureza animalesca como pensada pelos primeiros cientistas, os Neandertais, na verdade, demonstravam quantidade significativa de compaixão por idosos e deficientes. Isso, no mínimo, pode ser deduzido de numerosos restos fósseis que pertenciam a indivíduos deficientes demais para caçarem ou mesmo cuidarem de si mesmos. Isso significava que outro alguém precisava fornecer comida, água e roupas para que a pessoa com deficiência pudesse sobreviver. Na caverna de Shanidar, foram encontrados restos fossilizados de um homem entre 40-50 anos que mostrava sinais de deformidades debilitantes e extremamente dolorosas. Shanidar I sofreu um sério golpe na cabeça quando criança, deixando o olho esquerdo bastante danificado e possivelmente cego. Além disso, o golpe também causou sérios danos neurais que resultaram em lesões ao sistema nervoso do lado direito do corpo (Smithsonian 2018). A extensão exata do dano ao tecido macio do lado direito não pode ser conhecida com certeza através dos fósseis, mas há evidências do trauma refletidas nos ossos. Nos organismos vivos, quando ossos e músculos não estão sendo usados regularmente devido a fraturas ou imobilidade, o corpo passa a decompor esses materiais orgânicos por meio de um processo conhecido como atrofia. Neste caso, Shanidar I sofria de atrofia óssea no braço direito que pode ter sido causada por danos neurológicos sofridos durante a infância, ou mesmo ser o resultado de uma amputação. Se a remoção de parte do braço direito na extremidade distal do úmero foi realizada ou não, não é possível saber ao certo, mas o indivíduo viveu tempo suficiente para que o osso se curasse. Outros sinais de paralisia parcial
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