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Disciplina: Psicologia Social II Aula 3: Teoria das representações sociais Apresentação Nesta aula, discutiremos sobre a teoria das Representações Sociais conforme abordagem de Serge Moscovici. A compreensão do conceito e da forma como uma representação social é produzida é fundamental para o uso deste conceito na psicologia social. A partir da contribuição de pesquisas que objetivam compreender o fenômeno das representações sociais, é possível analisar a forma como elas contribuem para as relações sociais. Bons estudos! Objetivos • De�nir o conceito de representações sociais; • Relacionar essa noção com a psicologia social crítica. Representações sociais – do que se trata? Inicie esta aula fazendo o seguinte exercício: pense num cientista. É provável que você e muitas pessoas construam a imagem do cientista como uma pessoa de jaleco branco, cabelos brancos, talvez meio careca e possivelmente trabalhando com equações ou produtos químicos. Em geral, as imagens que temos de um cientista di�cilmente está relacionada a ciências humanas, sendo mais comumente associada a pesquisadores do campo das ciências biológicas ou exatas. Apesar de ser óbvio que o conhecimento cientí�co é composto por diversas áreas de conhecimento, não nos damos conta de que excluímos de nossas elaborações muitas áreas de conhecimento. De outro modo, repare que alguns conhecimentos são assumidos por nós como realidade sem estranhamento algum. Exemplo Pode ser que você já tenha participado de uma conversa sobre o valor de uma consulta médica ou tenha comparado o valor pago pelo plano de saúde a um médico com o valor pago a outros pro�ssionais de saúde e, nesta conversa, alguém dissesse algo semelhante à seguinte fala: “É caro, mas também, para ser médico tem que estudar muito...”. Repare que facilmente encontramos um discurso que justi�ca a desigualdade dos ganhos na pro�ssão da medicina em relação a outras áreas da saúde com a utilização de argumentos de mérito, apesar de não existir relação direta entre o esforço durante a formação acadêmica e o ganho �nanceiro no exercício pro�ssional. Nossas reações a determinadas realidades estão relacionadas com de�nições comuns na sociedade em que vivemos. Nestes dois exemplos, temos representações que atuam no reconhecimento de uma realidade e também sobre como devemos responder à realidade. Por acaso você iria a um psicólogo se soubesse que ele não estudou ou que não estuda muito? Teoria das representações sociais Essa teoria foi proposta por Serge Moscovici através da obra A psicanálise, sua imagem e seu público. Nessa obra, publicada em 1961 como tese de doutorado, Moscovici resgata o conceito de representações coletivas proposto por Émile Durkheim, estudando as representações acerca da psicanálise, percebida pelo público parisiense. As representações sociais constituem, portanto, estudos sobre saberes populares resultantes do processo de interação social. São explicações, ideias que implicam em uma prática e que colaboram para a construção de uma realidade comum. Nesse sentido, a teoria das representações sociais está intimamente relacionada com o estudo dos registros simbólicos sociais. Segundo Moscovici (1978, p. 26-27): No final das contas, ela produz e determina os comportamentos, pois define simultaneamente a natureza dos estímulos que nos cercam e nos provocam, e o significado das respostas a dar-lhes. Em poucas palavras, a representação social é uma modalidade de conhecimento particular que tem por função a elaboração de comportamentos e a comunicação entre indivíduos (...) Elas possuem uma função constitutiva da realidade, da única realidade que conhecíamos por experiência e na qual a maioria das pessoas se movimenta (...) É, alternativamente, o sinal e a reprodução de um objeto socialmente valorizado. Segundo Moscovici (2010), as representações sociais têm duas funções: 1 Convencionam aspectos da realidade, localizando em uma determinada categoria como um modelo que é compartilhado por um grupo de pessoas. 2 São prescritivas, ou seja, produzem uma norma que é instituída através de uma tradição que regula como devemos pensar. Não é raciocinado por nós, mas um processo que é imposto sobre nós. Por seu caráter prático, as representações são capazes de in�uenciar o comportamento do indivíduo ou de uma coletividade. As representações são produzidas nas atividades cotidianas, no trabalho, como produto de ações e comunicações. Grupo de pessoas | Fonte: Rawpixel.com / Shutterstock Pro�ssionais como professores, comunicadores da ciência e de outros saberes criam ou transmitem representações mesmo sem perceber como o fazem. Exemplo Esse é um conceito que nos permite compreender como uma pessoa que tem atitudes racistas rejeita a ideia de que seja racista, ou seja, ela repete atitudes por representações que não são atos conscientes, mas naturalizadas, e nega essas atitudes como parte de si. Com isso, assistimos em jogos de futebol a torcedores jogarem bananas para um jogador de futebol negro, aos gritos de “macaco”, carregado de um afeto negativo que tentava desquali�car o jogador usando sua cor de pele como argumento. Mas o torcedor nega que seja racista quando racionaliza o processo. Em outros termos, ele realiza atitudes a partir de representações que favorecem atitudes racistas, que reproduzem uma compreensão da realidade e prescreve um modo de agir. Moscovici (2010) trata o lugar onde são produzidas as representações a partir da distinção de dois universos: consensuais e rei�cados. Grupo de pessoas | Fonte: Iakov Filimonov / Shutterstock. O universo consensual re�ete uma realidade de pessoas livres e iguais, em que cada um tem a possibilidade de falar pelo grupo. Pode ser representado pelas conversas em locais públicos, como praças, bares, onde diversos conhecimentos sobre política, religião, futebol, educação etc. são expressos. Revelam seu ponto de vista construindo normas pelas quais agir. Já no universo rei�cado, temos uma sociedade com diferentes papéis e classes, em que a participação está sujeita à competência adquirida. São os especialistas que produzem discursos sobre a realidade, médicos em programas de televisão, psicólogos, sacerdotes e outros. O universo rei�cado é compreendido pelo conhecimento cientí�co, enquanto as representações sociais correspondem ao campo do universo consensual. Médico | Fonte: Zieusin / Shutterstock. A partir do entendimento destes dois universos, Moscovici a�rma que a �nalidade de todas as representações é: Tornar familiar algo que não familiar, ou a própria não familiaridade. MOSCOVICI, 2010, p. 54 Em outras palavras, como os universos consensuais são espaços de saberes populares, a passagem do conhecimento cientí�co para o conhecimento popular ocorre como um processo de familiarização. São os modos de entendimento popular sobre expressões criadas no universo rei�cado. O conhecimento de expressões da psicanálise, por exemplo, como histérica, neurótico ou inconsciente, são compreendidos pelo universo consensual de modo diferente do que é tratado no universo rei�cado. Ocorre um processo que torna familiares essas expressões. Atividade 1. Segundo Moscovici (2010), qual a �nalidade das representações socais? 2. Explique o conceito de representações sociais. Processos que geram as representações sociais Podemos classi�car esses processos como: Ancoragem Objetivação Vamos conhecê-los! Ancoragem A ancoragem está relacionada a uma classi�cação dessa realidade não familiar. Essa classi�cação, em geral, está associada a um juízo de valor, pois no processo de ancoragem, ao classi�car uma pessoa ou ideia, já a situamos em categorias históricas que possuem uma dimensão de valor. Conforme ilustra a imagem a seguir: O novo conhecimento é ancorado a categoria preexistente. O processo de ancoragem é fundamental para a compreensão de determinados fenômenos, auxiliando a enfrentar di�culdades. Oliveira eWerba (2008, p. 109) utilizam o exemplo de: [...] quando surgiu o problema da Aids, diante das perplexidades e dificuldades em entendê-la e classificá-la, uma das formas encontradas pelo senso comum para dar conta de sua ameaça foi ancorá-la como uma ‘peste’, mais especificamente ‘a peste gay’ ou o ‘câncer gay’. Assim representada, embora classificada de forma equivocada e preconceituosa, a nova doença pareceu menos ameaçadora, pois já havia sido categorizada pelo senso comum como uma peste, que só aconteceria aos “gays”. Objetivação Signi�ca tornar concreta uma realidade que antes não conseguíamos visualizar, ou projetar uma imagem que a represente. Um dos exemplos apresentados por Moscovici está na religião, quando chama de “pai” ao Deus cristão. A�nal, chamar Deus de pai é objetivar uma imagem já conhecida, transferir algo que está no pensamento para algo que exista no mundo. Deus e homem | Fonte: Paul shuang / Shutterstock. Esses processos nos permitem compreender como as representações contribuem para a construção de relações sociais. A signi�cação, produto das representações, ocorre a partir das condições de possibilidade do sistema de valores. Como possuem uma característica prescritiva, implicam em atitudes em relação à pessoa ou objeto, portanto, através do estudo das representações sociais podemos analisar pensamento e prática social do grupo em enfoque. Denise Jodelet (2001) fornece importante contribuição para os estudos das representações sociais pesquisando as representações sociais da Aids. Argumenta em seus estudos que identi�ca duas concepções: uma moral e social, outra biológica. Concepção moral e social A Aids representa qualidades de uma sociedade marcada por condutas imorais, sendo vista como um “castigo de Deus”. Essa visão moralista colaborou para a produção de uma rejeição das pessoas estigmatizadas. Concepção biológica Permite a compreensão de que o contágio poderia ocorrer de diferentes formas, sendo um perigo que se aliava e servia a um discurso racista, utilizando o argumento biológico para a exclusão, o que servia para adotar ou justi�car tais práticas. Segundo Jodelet (2001, p. 11): Assim, duas representações – uma moral e outra biológica – são construídas para acolher um elemento novo: veremos que se trata de uma função cognitiva maior da representação social. Apoiam-se em valores variáveis – segundo os grupos sociais de onde tiram suas significações – e em saberes anteriores, reavivados por uma situação social particular: e notaremos que são processos centrais na elaboração representativa. Estão ligadas tanto a sistemas de pensamento mais amplos, ideológicos ou culturais [...]. As instâncias ou substitutos institucionais e as redes de comunicação informais ou da mídia intervêm em sua elaboração, abrindo caminho a processos de influência e até mesmo de manipulação social – constataremos que se trata de fatores determinantes na construção representativa. Jodelet (2001) apresenta exemplos de como as representações sociais são fenômenos complexos ativados na vida social. Diversos elementos compõem a representação, sendo eles processos informativos, expressos através de crenças, na defesa de valores, com atitudes ou mesmo opiniões, imagens, entre outros. Esses elementos em relação com a ação serão objeto de análise e investigação cientí�ca, que terá como tarefa a descrição, análise e explicação nas suas dimensões, formas, processos e funcionamento. Exemplo Outro exemplo de pesquisa pode ser encontrado no trabalho de Maciel et al. (2011), que estudam as representações sociais de familiares acerca da loucura e do hospital psiquiátrico. A pesquisa foi realizada com a participação de diversos familiares de usuários de serviços de saúde mental, através de teste de associação livre de palavras. Os resultados mostraram uma dimensão negativa, estranha, que produz uma relação com signi�cantes da loucura atravessados por um sentimento de medo, que produz um afastamento de qualquer experiência humana que se afaste do padrão de normalidade ou racionalidade. O trabalho da reforma psiquiátrica, na proposta de reinserção da pessoa que viveu longa internação e também na reorientação do trabalho, que deixa de se asilar para um projeto de atenção psicossocial comunitária, precisará considerar contribuições de pesquisas como a de Maciel et al. (2011) na elaboração de suas ações. Diante disso, podemos nos questionar: Como produzir laço social junto a uma realidade que sofreu décadas de segregação social? Será necessário recompor os elementos de representações sociais que colaborem para a convivência comunitária no lugar da exclusão. Grupo de pessoas com as mãos sobrepostas | Fonte: Supavadee butradee / Shutterstock. Atividade 3. Explique o conceito e dê um exemplo do processo de ancoragem. 4. Explique o conceito e dê um exemplo do processo de objetivação. Abordagem estrutural – Jean-Claude Abric Os estudos das representações sociais não se limitaram à contribuição de Moscovici. Um exemplo é a abordagem estrutural discutida por Jean-Claude Abric, chamada de Teoria do Núcleo Central. Para Abric (1998), as representações não se explicam apenas como re�exo da realidade, mas possuem uma estrutura organizada que serve para a interpretação da realidade. Essa estrutura rege as relações, determinando práticas e saberes. Para o autor, a representação: É um sistema de pré-codificação da realidade, porque ela determina um conjunto de antecipações e expectativas. ABRIC, 1998, p. 28 Segundo ele (1998), o núcleo central é composto por dois sistemas: central e periférico. Sistema central Sistema periférico É o que possibilita a interface entre a realidade concreta e o sistema central. Portanto, é aquele que possibilita a integração entre experiências e histórias individuais, admitindo particularidades entre os membros do grupo e contradições. Re�ete as condições sócio-históricas e valores do grupo, constituindo uma base comum, coletivamente partilhada das representações. Este sistema é resistente à mudança, de modo a garantir a continuidade da representação. Tem como função gerar o signi�cado básico da representação. Observe o que a�rma Abric (1998, p.34) sobre esse duplo sistema: É a existência deste duplo sistema que permite compreender uma das características básicas das representações, que pode parecer contraditória: elas são, simultaneamente, estáveis e móveis, rígidas e flexíveis. Estáveis e rígidas posto que determinadas por um núcleo central profundamente ancorado no sistema de valores partilhado pelos membros do grupo; móveis e flexíveis, posto que se alimentando das experiências individuais. Elas integram os dados do vivido e da situação específica, integram a evolução das relações e das práticas sociais nas quais se inserem os indivíduos ou os grupos. O núcleo central consiste num subsistema que pode organizar e dar estabilidade à representação de determinado objeto social. O núcleo possui, portanto, três funções básicas: (ABRIC, 1998) 1 Geradora 2 Organizadora Pela qual os elementos ganham um valor, um sentido. Que une entre si os elementos da representação. 3 Estabilizadora Em que elementos resistem às mudanças. Assim, para que uma representação mude, é necessário que ela se organize em torno de outros núcleos centrais. A coerência de um grupo não se de�ne por consenso entre seus membros, mas pela organização em torno de um núcleo central da representação. Desse modo, a análise de uma representação social, para Abric (2003), consiste em conhecer o conteúdo, a estrutura interna e o núcleo central. O núcleo central é o fundamento da representação, que se diferenciará e se individualizará no sistema periférico. As representações sociais têm sido pesquisadas em variados métodos de pesquisa: Moscovici Em seus estudos na década de 1960, usou a interpretação de textos escritos nos meios de comunicação para analisar como a psicanálise foi interpretada por aqueles veículosde comunicação e, posteriormente, reinterpretada pelo senso comum. Denise Jodelet (2005) Optou por um método enológico na sua investigação sobre a loucura. Ela passou um período como habitante de uma comunidade francesa, convivendo com famílias, observando o cotidiano dos residentes e dos pacientes. Jean-Claude Abric (1998) Desenvolveu um instrumento de pesquisa, um questionário respondido a partir de um termo indutor escolhido pelo pesquisador. As respostas foram posteriormente organizadas, possibilitando uma análise das expostas para o reconhecimento da estrutura das representações. Consiste numa análise de evocação, que tem como critério a frequência e a ordem da evocação. Atividade 5. (CFP - Especialista em Psicologia Social - 2013) O conceito de representações sociais, na psicologia social, é importante em diferentes aspectos. Assinale a opção incorreta com relação às possibilidades dessa categoria: Conhecer a realidade por meio da sua objetivação nas representações sociais. Compreender os processos simbólicos imbricados nos espaços sociais, na ação social e na dinâmica da vida social. Constituem fontes de investigação sobre as condições de vida, os saberes e os recursos de uma comunidade. Conhecer os mundos subjetivos, intersubjetivos e objetivos que configuram as representações de uma determinada cultura. Permite conhecer como novos saberes (na vida cotidiana) são produzidos e acomodados no tecido social. Notas Referências ABRIC, J. C. Abordagem estrutural das representações sociais: desenvolvimentos recentes. In: CAMPOS, P. H. F.; LOREIRO, M. C. S. (Org.). Representações sociais e práticas educativas. Goiânia: UCG, 2003. p. 37-57. JODELET, D. Representações sociais: um domínio em expansão. In: ______. (Org.). As representações sociais. Tradução de Lílian Ulup. Rio de Janeiro: UERJ, 2001. p. 17-44. ______. Loucuras e representações sociais. Petrópolis: Vozes, 2005. /v19n1a15.pdf> . Acesso em: 7 mar. 2019. MOSCOVICI, S. A representação social da psicanálise. 1. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1978. ______. Representações sociais: investigações em psicologia social. Tradução de Pedrinho A. Guareschi. 7. ed. Petrópolis: Vozes, 2010. OLIVEIRA, F. de; WERBA, G. C. Representações sociais. In: STREY, M. N. et al. Psicologia social contemporânea. Petrópolis: Vozes, 2008. Próxima aula • Diferentes formas de abordagem do conceito de identidade; • Utilização da noção de identidade na psicologia social. Explore mais Para saber mais sobre os assuntos estudados nesta aula, recomendamos a leitura da pesquisa Representações sociais do corpo: estética e saúde <//pepsic.bvsalud.org/pdf/tp/v19n1/v19n1a21.pdf> . Nela, as autoras utilizam o conceito de representações sociais como forma de compreender a saúde e a beleza. https://pepsic.bvsalud.org/pdf/tp/v19n1/v19n1a15.pdf https://pepsic.bvsalud.org/pdf/tp/v19n1/v19n1a15.pdf https://pepsic.bvsalud.org/pdf/tp/v19n1/v19n1a15.pdf https://pepsic.bvsalud.org/pdf/tp/v19n1/v19n1a15.pdf https://pepsic.bvsalud.org/pdf/tp/v19n1/v19n1a21.pdf https://pepsic.bvsalud.org/pdf/tp/v19n1/v19n1a21.pdf https://pepsic.bvsalud.org/pdf/tp/v19n1/v19n1a21.pdf https://pepsic.bvsalud.org/pdf/tp/v19n1/v19n1a21.pdf https://pepsic.bvsalud.org/pdf/tp/v19n1/v19n1a21.pdf https://pepsic.bvsalud.org/pdf/tp/v19n1/v19n1a21.pdf https://pepsic.bvsalud.org/pdf/tp/v19n1/v19n1a21.pdf https://pepsic.bvsalud.org/pdf/tp/v19n1/v19n1a21.pdf
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