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2 Partículas para todos O mundo microscópico ao alcance da mão. Dedico este livro à memória do meu pai, Eriberto, que me deu tanto; à Valéria, amor da minha vida, e à Fernanda e Francisco, eternas fontes de inspiração. Agradecimentos Sou imensamente grato à Lylian Corrêa dos Reis, minha irmã e mais fiel leitora, pela paciência apoio e incentivo constantes. Quero agradecer também aos meus amigos Sérgio Pinheiro e Sylvio Oliveira pelos comentários valiosos. Finalmente, um agradecimento à minha jovem leitora Rafaela Portugal. Arte de capa: Marcelo Damm instagram.com/marcelodamm 3 Sumário Introdução ................................................. 4 1. Luz ........................................................... 9 2. Quantum: Planck e Einstein .................... 27 3. Quantum: Rutherford e Bohr .................. 51 4. Mecânica Quântica ................................. 75 5. Relatividade Especial ............................. 105 6. Relatividade Geral ................................. 140 7. Dirac e Lattes ......................................... 166 8. Quarks e léptons ..................................... 190 9. Modelo Padrão ........................................ 216 10. A conexão cósmica ............................. 231 11. Detecção .............................................. 258 12. Enigmas ............................................... 293 13. O lado escuro da força .......................... 316 Epílogo .................................................. 334 Bibliografia comentada ......................... 336 4 Introdução O Pão de Açúcar é um dos símbolos da cidade do Rio de Janeiro. É um bloco único e compacto de pura rocha impenetrável, com quase 400 metros de altura, emergindo diretamente do mar e guardando a entrada da Baía de Guanabara. Foi formado há cerca de 600 milhões de anos. Além dos turistas, montanhistas de todo o mundo são atraídos pelas escarpas desafiadoras do Pão de Açúcar. No contato próximo com a rocha, os montanhistas percebem a sua textura e granularidade. O Pão de Açúcar é feito de gnaisse, um tipo de rocha constituída a partir da deformação de sedimentos de granito (palavra derivada do latim granun, grão, referindo-se à sua textura). A deformação foi causada por transformações químicas e físicas quando as rochas foram submetidas a temperaturas e pressão muito elevadas. O Pão e Açúcar é composto por vários tipos de minerais, embora cerca de 70% seja sílica (dióxido de silício, SiO2). Os grãos que formam a rocha são pequenos, medindo alguns milímetros. Examinados ao microscópio, revelam magníficos mosaicos formados pelos minúsculos grãos dos diversos minerais. Observando cada minúsculo grão ainda mais de perto (para isso, é necessário um “microscópio” especial, como o acelerador Sirius, em São Paulo, que produz a chamada luz síncroton), vemos os átomos que formam os diversos minerais dispostos em redes cristalinas (arranjos geométricos tridimensionais, formando um padrão que se repete em todas as direções), características dos minerais. A distância típica entre os átomos nas redes cristalinas é 5 da ordem de 0,000.000.000.2 m, cerca de duas vezes o tamanho dos átomos. Entre os átomos da rede cristalina, há o espaço vazio. Sabemos, há 110 anos, que os átomos são formados por um minúsculo núcleo composto por prótons e nêutrons, cercado por uma nuvem de elétrons. Praticamente toda a massa do átomo está concentrada nesse minúsculo núcleo. Para se ter uma ideia mais precisa, se um átomo de hidrogênio (o menor e mais simples de todos) fosse do tamanho do estádio do Maracanã, o núcleo seria do tamanho de uma ervilha, localizada no centro do gramado. O átomo é praticamente espaço vazio. As distâncias típicas entre os núcleos atômicos nas redes cristalinas são dezenas de milhares de vezes maiores que as suas dimensões. Assim, o Pão de Açúcar, visto de uma escala suficientemente pequena, tem seu volume basicamente constituído por espaço vazio, apesar de toda a sua solidez e imponência. O mundo moderno se desenvolveu a partir da revolução científica ocorrida no início do século XX. Essa revolução se deveu ao surgimento de duas teorias que afetaram profundamente muitas áreas do conhecimento, mudando definitivamente a nossa visão sobre a Natureza: a Mecânica Quântica e a Teoria da Relatividade. As duas teorias marcaram uma ruptura radical com as ideias que dominaram a Física por mais de dois séculos. O aspecto do mundo muda radicalmente dependendo da escala quem que o observamos. Essa talvez seja uma ideia um pouco óbvia, mas aceitá-la na sua plenitude é a chave para assimilar os novos conceitos introduzidos pela Teoria Quântica da matéria e pela Teoria da Relatividade. Não há por que supor que as mesmas leis que descrevem a colisão de duas bolas de bilhar valham também para o movimento dos elétrons no interior dos átomos. Ou que as leis de Newton, que descrevem com precisão o movimento da Lua em torno da Terra, também sejam capazes de descrever a dinâmica do Universo em sua mais larga escala.O objetivo deste 6 pequeno livro é contar um pouco da aventura vivida pela Ciência nos últimos 120 anos, partindo dos fatos que geraram uma crise sem precedentes na Física, e que culminaram na revolução científica do início do século XX. É muito importante saber como o conhecimento é adquirido, como é a dinâmica entre experimentos e teorias, muitas vezes temperada pelo acaso. Nos primeiros capítulos vamos acompanhar a evolução das descobertas e das ideias geniais que ao longo dos últimos 120 anos nos levaram ao que sabemos hoje sobre a estrutura da matéria. Mas, ironicamente, o muito que aprendemos nesse período nos mostrou também o tamanho da nossa ignorância. Temos hoje muito mais perguntas, muito mais enigmas do que na transição entre os séculos XIX e XX. Sobre essas perguntas, falaremos nos capítulos finais. Nunca é demais enfatizar o papel da Ciência no desenvolvimento da Humanidade. Este livro foi escrito durante a pandemia do coronavírus, uma crise sanitária global com efeitos devastadores. Nesse período tão dramático, uma das palavras mais veiculadas pela imprensa, nas mídias sociais e pelo mundo político foi “Ciência”. Diante da crise, os olhares se voltaram para a Ciência, e os cientistas assumiram o protagonismo. Laboratórios ao redor do mundo iniciaram imediatamente pesquisas por vacinas. E o que normalmente levaria anos, foi feito meses: várias vacinas surgiram em tempo recorde. Sem dúvida alguma, um imenso triunfo da Ciência. Essa conquista só foi possível graças ao conhecimento sobre o funcionamento dos organismos vivos em nível molecular, adquirido a partir da descoberta da estrutura do DNA. A descoberta da estrutura em dupla hélice foi, sem dúvida, uma das mais importantes do século passado, mas ela seria impossível sem o conhecimento sobre a estrutura atômica da matéria, proporcionado pela Mecânica Quântica, e da tecnologia desenvolvida a partir dela. A Ciência é movida pela curiosidade. A pesquisa em Ciência básica é feita sem visar aplicações práticas, embora, cedo ou tarde, 7 o conhecimento se transforme em inovação tecnológica e no aumento do bem-estar coletivo. Em países com tantos problemas estruturais e com imensas desigualdades como o Brasil, muitos consideram o gasto com Ciência um luxo desnecessário. Segundo essa visão, o Estado deveria, no máximo, financiar pesquisas sobre os problemas práticos que afligem a nossa sociedade. Essa é uma visão equivocada, que desconsidera o fato de que o desenvolvimento do mundo ocidental nos últimos cinco séculos teve como base a pesquisa científica desprovida de outro propósito que não fosse a curiosidade. Que aplicação prática teria a Física Quântica, quando surgiu no início do século passado? Que importância haveriaem conhecer a estrutura interna dos átomos? De que serviria saber que a matéria deforma o espaço e o tempo? Hoje vivemos na era digital. A base tecnológica da nova era é a eletrônica, que nada mais é do que a arte de conduzir elétrons da forma que quisermos. Não haveria a eletrônica sem a Mecânica Quântica. Difícil imaginar um mundo sem o GPS, que não existiria se não houvesse a Teoria da Relatividade Geral. Praticamente tudo à nossa volta resulta de alguma descoberta científica feita anos ou mesmo décadas atrás. Há uma relação estreita entre pesquisa em Ciência básica e desenvolvimento tecnológico. Os exemplos estão por toda parte. Para realizar suas pesquisas, os cientistas dependem da tecnologia. Frequentemente a tecnologia não existe, então trabalham para criá-la. Cedo ou tarde, as inovações tecnológicas passam a fazer parte do nosso dia a dia. O olhar da Ciência sobre a realidade é objetivo, visa encontrar as leis que regem os fenômenos naturais através da observação e experimentação sistemáticas. Ao se basear na razão, A Ciência oferece uma alternativa ao misticismo, ao sobrenatural, à visão do mundo em que os fenômenos da Natureza são atribuídos a forças ocultas (até poucos séculos atrás, mulheres eram queimadas vivas por serem consideradas bruxas). 8 Por isso, podemos afirmar que a massificação do ensino da Ciência é revolucionária. Diante de tantas manifestações de negacionismo a que assistimos durante a pandemia do coronavírus, em especial no Brasil, fica claro que ainda há um longo caminho a percorrer. Diversos autores consideram que estamos no limiar de uma nova revolução industrial, impulsionada pelas novas tecnologias – inteligência artificial, computação quântica, bio e nanotecnologia. Meu filho tem hoje 12 anos. Quando chegar à maturidade, verá um mundo muito diferente do atual, tão diferente que é difícil até imaginá-lo. Muitas profissões tradicionais irão desaparecer aos poucos. Os trabalhadores do futuro deverão ter a capacidade de se adaptar rapidamente às transformações tecnológicas, e essa é mais uma razão pela qual o ensino de Ciências é estratégico para qualquer nação, e imprescindível para os indivíduos. O ritmo com que o conhecimento científico é acumulado é cada vez mais rápido. As instituições de ensino e os governos não têm a agilidade necessária para adequar os conteúdos e manter os professores continuamente atualizados. O resultado é um hiato crescente entre o que se sabe sobre a Natureza e o que é ensinado nas escolas. Na Física, em particular, um aluno do ensino médio de uma boa escola tem, em geral, contato com a Física dos séculos XVIII e XIX, mas quase nenhum contato com a Física dos séculos XX e XXI. Os alunos de hoje aprendem as mesmas coisas que eram ensinadas há 50 anos atrás. Este pequeno livro é uma tentativa de preencher uma parte desse hiato. Meu objetivo é apresentar não só o que sabemos hoje sobre a estrutura da matéria, mas também como esse conhecimento foi adquirido. Apesar dos saltos proporcionados por gênios como Newton, Maxwell e Einstein, a Ciência é uma construção coletiva, com a contribuição anônima de milhares de pesquisadores. É antes de mais nada uma criação humana. A história dessa construção envolve drama, crises e momentos épicos, e percorrê-la é uma aventura a que todos deveriam ter direito. 9 1 Luz Elementar A natureza ama esconder-se. A frase é atribuída ao filósofo grego Heráclito, nascido na cidade de Éfeso, na Jônia (atual Turquia), em 540 antes da nossa era. Heráclito foi um dos filósofos pré- Socráticos. A frase a ele atribuída mostra que a curiosidade sobre leis que regem os fenômenos naturais tem pelo menos 2500 anos. Os filósofos pré-Socráticos indagavam-se sobre qual seria o elemento primordial, o princípio que estaria por trás de todos os fenômenos naturais. Dentre esses filósofos, destacam-se Leucipo e Demócrito, os fundadores da escola atomista. Ambos sustentavam que a natureza consiste em átomos e vazio. A realidade e os movimentos decorreriam da atração e repulsão entre os átomos. Para esses filósofos, os átomos seriam imperceptíveis e existiriam em número infinito. A atração e a repulsão se deveriam às suas formas geométricas. Formas semelhantes se atrairiam, formas distintas se repeliriam. Dos gregos herdamos o termo átomo, derivado de atomon, o que não pode ser cortado, indivisível. É comum atribuir ao Ocidente a origem do atomismo, mas é possível que o conceito de átomo tenha surgido também na China e na Índia, de forma independente. 10 A ideia de os átomos serem as partículas elementares, constituintes fundamentais de toda a matéria, que não podem ser divididos, percorreu um longo caminho até ser aceita pela maioria dos físicos, no crepúsculo do século XIX. Em 1873, o grande físico escocês James Clerk Maxwell escreveu: “Um átomo é um corpo que não pode ser cortado em dois. [...] Átomos existem, ou a matéria é infinitamente divisível? Discussões sobre questões desse tipo ocorrem desde que o homem começou a pensar.” Podemos dizer que a Física moderna surgiu no apagar das luzes do século XIX. Num curto intervalo de tempo, os físicos se viram diante de descobertas desconcertantes: os raios-X, a radiatividade e o elétron. Descobertas que foram interpretadas como emanações originadas no interior dos átomos. Foram as primeiras indicações de que os átomos são mais complexos do que o imaginado por Maxwell: tinham uma estrutura interna. Nessa época já se sabia que cada tipo de átomo tem uma massa diferente, e que todos contêm cargas elétricas positivas e negativas em iguais proporções. Mas não havia ainda nenhuma indicação de como as cargas são distribuídas no interior dos átomos, nem dos mecanismos garantem a sua estabilidade. Entender a estrutura interna dos átomos foi o grande desafio da Física no início do século XX. Desse desafio nasceu a Mecânica Quântica (daqui em diante, vou me referir à Mecânica Quântica pelas iniciais MQ). Os adolescentes dos dias atuais aprendem na escola que os átomos contêm um núcleo, composto por prótons e nêutrons, cercado por uma nuvem de elétrons. Esse é um modelo relativamente recente. Meu pai já era vivo quando a composição do átomo foi finalmente estabelecida, em 1932, o ano em que o nêutron foi descoberto. Apesar de os componentes terem sido identificados, faltava descobrir que forças mantém o núcleo atômico coeso, formando uma estrutura estável. Esse problema foi resolvido em 1947, quando bombas atômicas já haviam sido lançadas sobre cidades. 11 No imaginário popular, os átomos são uma espécie de sistema Solar em miniatura, com elétrons orbitando em torno do núcleo atômico. Essa é uma imagem que aparece com muita frequência. Está presente até mesmo no logotipo do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas. Mas os átomos, na verdade, são bem mais complexos. A principal dificuldade no estudo da estrutura da matéria está no fato de as escalas de tamanho serem muito pequenas, difíceis de imaginar. Para termos uma comparação: um grão de areia muito fina mede, em média, 0,000.1 m (10-4 m); os glóbulos vermelhos medem aproximadamente 0,000.01 m (10-5 m); o coronavírus mede 0,000.000.1 m (10-7 m). Os átomos são incrivelmente pequenos, com dimensões da ordem de 0,000.000.000.1 m (10-10 m). Os núcleos atômicos, por sua vez, são estruturas 10 mil vezes menores, tipicamente da ordem de 0,000.000.000.000.001 m (10-15 m). Os núcleos atômicos, no entanto, são gigantescos comparados com os elétrons, que medem menos de 0,000.000.000.000.000.001 m (10-18m). Essa é a menor distância que é possível observar com a tecnologia disponível hoje. O que encontraremos quando conseguirmos atingir escalas ainda menores, de 10-25 ou 10-30 m? Não sabemos a resposta, mas podemos afirmar que não há razão para supormos que atingimos o limite, nem mesmo sabemos se há um limite. As potênciasde 10 são uma forma econômica e elegante de escrever números muito grandes ou muito pequenos. 12 É importante fazer uma ressalva: no mundo microscópico, “dimensão” é um conceito que não tem uma definição muito precisa, é antes uma ordem de grandeza, uma aproximação. Prótons, nêutrons e elétrons não são minúsculas esferas com uma superfície bem definida que delimita o seu interior. Nossa jornada pelo universo microscópico começa nos últimos anos do século XIX, quando os raios-X, a radioatividade e o elétron foram descobertos. Vamos percorrer os caminhos que nos levaram ao que sabemos hoje sobre a estrutura da matéria. Neste passeio pela história de Física, veremos as descobertas fundamentais, frequentemente acidentais, que revelaram sucessivas camadas da Natureza. Elétrons, prótons e nêutrons foram considerados partículas elementares (sem estrutura interna, indivisíveis) durante décadas. Toda a matéria do Universo seria feita a partir desses três constituintes fundamentais. A ordem estabelecida pela Física de Newton e Maxwell, e destruída pela teoria quântica, parecia ter sido finalmente restabelecida. Mas os anos se passaram, e revelaram a existência de novas partículas. No início dos anos 1960, o número de partículas conhecidas chegava à casa das centenas. Que papel exerciam na estrutura da matéria? Como entender o mosaico que formavam? Seriam todas elas elementares? No final dos anos 1960 o mundo ocidental foi sacudido por uma onda de rebeldia. A Física não passou incólume. Experimentos realizados na Califórnia, em 1968, revelaram uma nova camada na estrutura da matéria: prótons e nêutrons não são elementares, e sim formados por partículas ainda menores, os quarks, elementares como o elétron, até onde sabemos, mas com propriedades muito diferentes. A descoberta dos quarks foi um dos eventos que marcaram o início da Física de Partículas contemporânea. 13 Pelo que sabemos hoje, os quarks e os elétrons são os constituintes mais elementares de toda a matéria. Olhamos para o Cosmo, em qualquer direção e em qualquer profundidade, e vemos sempre a mesma coisa: galáxias, nebulosas, estrelas e planetas, todos feitos dos mesmos elementos químicos que encontramos aqui na Terra. Todos os elementos químicos são compostos por elétrons, prótons e nêutrons, e estes, por sua vez, são compostos por quarks. Podemos então dizer que toda a matéria que vemos no Universo, em toda a sua diversidade, é feita de quarks e elétrons. Radiação eletromagnética A luz é uma forma de radiação eletromagnética, uma onda que pode se propagar no vácuo e que transporta energia. Há vários conceitos importantes nessa frase. Por isso, antes de seguirmos é preciso definir o significado de “radiação” e “eletromagnetismo”, bem como o que é uma onda. Na minha infância não havia tantos automóveis. As crianças brincavam na rua, soltas. Pular corda era uma grande diversão. Às vezes, uma criança segurava firmemente uma das pontas da corda enquanto outra criança, na outra ponta, movia os braços com vigor e rapidamente, para cima e para baixo. Era divertido ver as ondulações produzidas na corda, uma sucessão de “picos” e “vales”. Um movimento brusco, feito apenas uma vez, produzia uma única ondulação - um pulso – que se propagava pela corda, refletia na outra extremidade e voltava à mão da criança. As cordas vibram de maneira um pouco diferente quando são fixas nas duas extremidades, como em um violão. Ao serem tocadas, as cordas formam ondas estacionárias. Cada ponto da corda oscila em torno de uma posição de equilíbrio. Se filmássemos a corda vibrando, teríamos a impressão de que a ondulação não se propaga. Como cada ponto da corda a amplitude da oscilação é diferente, temos a sensação de uma onda que se move sem sair do lugar. 14 Quando um músico toca, o número de nós (pontos na corda em que não há oscilação) depende da posição em que os dedos fixam cada corda ao longo do braço do violão. As possíveis ondas estacionárias formadas são os harmônicos. Uma onda em que todos os pontos vibram, é o harmônico fundamental. Se a onda tem um nó na metade do comprimento da corda, temos o segundo harmônico, com dois nós, o terceiro harmônico, e assim por diante. Uma pedra lançada nas águas calmas de num lago em um dia sem vento provoca a formação de ondas circulares, que se propagam radialmente. Uma antena de telecomunicações, por sua vez, produz ondas esféricas, que se propagam em todas as direções. Na Natureza há muitos tipos de ondas, mas com um aspecto fascinante: todos os fenômenos ondulatórios são regidos pelas mesmas leis, obedecem a equações de um mesmo tipo. Representação de ondas estacionárias. Cada ponto da corda oscila verticalmente. Todos os pontos oscilam com a mesma frequência (número de oscilações por segundo), mas com diferentes amplitudes. Os nós são posições em que a corda permanece em repouso (amplitude de oscilação nula). Os harmônicos pares (N = 2, 4, etc.) têm um número ímpar de nós, o que equivale a um número inteiro de comprimentos de onda. https://www.proenem.com.br/enem/fisica/ondas-estacionarias/ 15 As ondas são caracterizadas pela frequência – quantas vezes o mesmo padrão se repete por unidade de tempo. Quando a unidade de tempo é o segundo, a unidade de frequência é o Hertz, em homenagem ao físico alemão Heinrich Hertz, que demonstrou pela primeira vez a existência das ondas eletromagnéticas, em 1888. Uma onda também pode ser caracterizada pelo comprimento de onda, que é a distância entre dois picos, ou dois vales. O comprimento de onda é inversamente proporcional à frequência. Ondas com alta frequência têm comprimento de onda pequeno, e vice-versa. A velocidade de propagação de uma onda é a frequência multiplicada pelo comprimento de onda. Os fenômenos ondulatórios são universais. A foto mostra a difração das ondas do Oceano Atlântico que entram no Mar Mediterrâneo pelo Estreito de Gibraltar. Quando as ondas do oceano têm comprimento de onda comparável ou maior que a abertura do estreito, surgem ondas circulares no Mediterrâneo. Outra característica importante de uma onda é a amplitude – a altura dos picos, ou a profundidade dos vales. Essa é a característica 16 que distingue uma marola de um vagalhão. A energia transportada pela onda depende da sua amplitude. Ondas com alta intensidade têm grandes amplitudes e transportam muita energia. A radioatividade é o fenômeno em que alguns tipos de núcleos atômicos se desintegram espontaneamente, resultando em núcleos menores e na emissão de partículas energéticas ou de ondas eletromagnéticas de curtíssima frequência, como os raios-X ou os raios gama (g). No final do século XIX, quando a radioatividade foi descoberta, as emissões eram chamadas “raios”, daí a origem do termo radiação, que é usado indistintamente tanto para a luz como para as partículas materiais. Há várias formas de radiação: elétrons, partículas a (núcleos do elemento hélio), prótons, nêutrons ou fótons (“partículas” de luz). Em todos os casos, a radiação sempre carrega energia, e pode se propagar tanto no vácuo como através de qualquer meio material. Representação artística da emissão de uma partícula alfa, que é o núcleo do elemento hélio, despojado de seus elétrons. Após a emissão, o núcleo resultante torna-se um outro elemento químico. https://en.wikipedia.org/wiki/Alpha_decay#/media/ O Eletromagnetismo é um dos pilares da Física. A relação estreita entre os fenômenos elétricos e magnéticos é conhecida desde o início do século XIX. Campos magnéticos podem ser gerados por correntes elétricas, assim como correntes elétricas podem ser geradas por ímãs em movimento. 17 O conceito de campo é um dos mais fundamentais da Física. Apesar de serem um tanto abstratos, os campos têm uma realidade física concreta. O exemplo mais familiar é o do campo magnético. Aproximandodois ímãs, podemos sentir com as mãos a força que um exerce sobre o outro sem que haja contato entre eles. Nas experiências demonstrativas comuns nas escolas, limalhas (pedaços muito pequenos) de ferro são espalhadas sobre uma folha de papel. Um ímã colocado sob a folha faz com que as limalhas se alinhem com a direção do campo magnético do ímã. Da mesma maneira, uma carga elétrica exerce – e também sofre – uma força sobre uma outra carga elétrica em sua vizinhança. https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=88524982 O campo magnético é o exemplo mais palpável do conceito de campo. As linhas de campo indicam a força magnética em cada posição. Os campos são necessários para descrever como as forças atuam à distância, sem que haja contato entre os corpos. No entorno de uma carga elétrica qualquer existe um campo de forças – o campo elétrico - que tem uma intensidade diferente em cada ponto do espaço. Se uma segunda carga elétrica for colocada a uma determinada distância da primeira, ela sofrerá uma força de atração ou repulsão elétrica cuja intensidade é o produto da sua carga pelo valor do campo naquela posição. O campo indica também a direção em que a força elétrica atua. 18 O significado mais profundo da ideia de campo torna-se aparente quando as fontes estão em movimento. No exemplo acima, se a primeira carga sofre uma mudança brusca de posição, o campo elétrico na posição da segunda carga se altera. Mas a segunda carga não sente a alteração instantaneamente, não percebe imediatamente a variação na posição da primeira. Nenhuma informação se propaga com velocidade infinita. James Clerk Maxwell foi um físico genial, que deu contribuições fundamentais em vários ramos da Física, como a Termodinâmica e a teoria cinética dos gases. Em 1861, Maxwell chegou a um conjunto de equações que relacionam a eletricidade e o magnetismo, como duas faces de uma mesma moeda. Fenômenos elétricos e magnéticos são manifestações distintas de uma mesma entidade, o campo eletromagnético. Em uma situação estática, quando cargas elétricas e ímãs estão em repouso, a eletricidade e o magnetismo se manifestam como fenômenos distintos. Mas quando as cargas e ímãs se movem, eletricidade e magnetismo se entrelaçam. Campos elétricos que variam com o tempo são fonte de campos magnéticos, e vice-versa. As equações de Maxwell estabelecem a relação matemática entre os campos. A existência das ondas eletromagnéticas – a luz - é uma consequência natural das equações de Maxwell. A identificação da luz como onda eletromagnética foi um passo gigantesco, comparável ao insight de Newton ao associar a queda livre dos corpos com o movimento planetário. A comprovação da natureza da luz trouxe dias gloriosos para a Física ao ligar os fenômenos da ótica com os do eletromagnetismo. Ondas eletromagnéticas podem ser geradas de diferentes maneiras. Uma antena, por exemplo, é um dispositivo que faz uma carga elétrica oscilar com determinada frequência. O movimento oscilatório gera uma oscilação de mesma frequência no campo elétrico no entorno da antena. A oscilação do campo elétrico dá 19 origem a um campo magnético, que também oscila com a mesma frequência. Os campos elétrico e magnético oscilam em planos perpendiculares entre si. Essas oscilações ocorrem de forma sincronizada: a variação do campo elétrico provoca a variação do campo magnético, e vice-versa. Um se torna fonte do outro, em um processo que é autossustentado. A onda eletromagnética é a combinação das oscilações sincronizadas dos dois campos, que pode se propagar indefinidamente pelo espaço transportando energia. Eletricidade gera magnetismo, e vice-versa. Representação de uma onda eletromagnética. O campo elétrico oscila no plano vertical, e o magnético no plano vertical. Os campos elétrico e magnético estão em fase: ambos atingem o valor máximo no mesmo momento, passam pelo e atingem o valor mínimo também no mesmo instante. O sincronismo entre as oscilações dos campos sustenta a onda, que se propaga da esquerda para a direita. Fonte: https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=2107870 As ondas eletromagnéticas podem ter uma infinidade de frequências. As ondas mais energéticas são as de frequências mais altas: os raios gama (g). Em ordem decrescente de frequência – e energia - vêm os raios-X, a radiação ultravioleta, a luz visível, que ocupa apenas uma pequena região do espectro, seguida pelas ondas na faixa do infravermelho e, por fim, as ondas de rádio. A luz branca é uma combinação de ondas eletromagnéticas no intervalo de frequências da luz visível, que vão do vermelho (frequência mais baixa) ao violeta (frequência mais alta). 20 O espectro eletromagnético. O termo espectro designa uma distribuição de alguma grandeza, como massa, frequência, intensidade luminosa, etc. A ilustração mostra a distribuição de comprimentos de onda. O espectro visível – a luz – é uma pequena parte do espectro eletromagnético. A luz, os raios g, as micro- ondas e as ondas de rádio têm a mesma natureza. Fonte: https://www.ictp-saifr.org/ A natureza da luz exerce um fascínio desde a Antiguidade. Euclides, em 300 a.C., foi o primeiro a identificar as leis da reflexão. O astrônomo e matemático árabe Ibn al-Haytam foi um dos fundadores da ótica moderna. Em 1015, al-Haytam publicou uma obra magnífica, o “Livro de Ótica”, um tratado sobre a luz em sete volumes. O período entre os séculos VIII e XI foi a “era de ouro” do mundo islâmico. Bagdá, Damasco, Alepo, entre tantas outras, eram grandes cidades, esplêndidas, dotadas de sofisticados sistemas de iluminação pública e de fornecimento de água e esgoto. Nesse período surgiram as primeiras bibliotecas públicas. Foi uma era marcada pela tolerância religiosa e pelo convívio razoavelmente pacífico de culturas diferentes. 21 Durante a era de ouro, o mundo islâmico foi o centro intelectual. Muitas inovações tecnológicas foram introduzidas nessa época, em que havia intensa atividade criativa na filosofia, literatura, astronomia, matemática, física, medicina, entre outras áreas. Esse florescimento cultural foi iniciado pela tradução para o árabe de muitos livros da Antiguidade, que de outra forma talvez fossem perdidos. Ibn al-Haytam nasceu em 965 na cidade de Basra, no atual Iraque, mas viveu a maior parte de sua vida no Cairo. Ele foi a primeira pessoa a afirmar que a luz consiste em um feixe de pequenas partículas de energia que se propagam em linha reta e com uma velocidade muito grande, mas finita, antecipando-se em 900 anos a Einstein. Usando uma câmera escura (o princípio de funcionamento das máquinas fotográficas), foi também o primeiro a propor a ideia de que a visão se localiza no cérebro, e não nos olhos, e que vemos os objetos porque a luz chega aos olhos após ser refletida neles. Ibn al-Haytam pode ser considerado um dos pais do método científico, pois propunha que qualquer ideia ou teoria somente deveria ser aceita depois de ser testada experimentalmente. Em 2015 a Unesco celebrou o “Ano Internacional da Luz”, em comemoração ao milésimo aniversário de sua monumental obra. A teoria corpuscular da luz de Ibn al-Haytam foi adotada por Isaac Newton, no século XVII. Em oposição, havia a teoria ondulatória, formulada por Christian Huygens em seu “Tratado sobre a Luz”, de 1690. Por mais de um século houve um intenso debate sobre a natureza da luz. A descoberta do fenômeno da difração, em 1660 (Francesco Grimaldi), fez a balança pender a favor da teoria ondulatória. Mas o triunfo “definitivo” ocorreu em 1801, quando o físico estadunidense Thomas Young descobriu o fenômeno da interferência, que só pode ocorrer com ondas. Essa descoberta encerrou o debate, eliminando todas as dúvidas: a luz era, indiscutivelmente, um fenômeno ondulatório. 22 O experimento de Thomas Young, em 1801. Um feixe luminosoincide sobre uma placa com dois orifícios. A luz incidente tem comprimento de onda maior que o diâmetro dos orifícios. As linhas representam os picos das ondas. Ao passar pelos orifícios as ondas incidentes sofrem difração. As ondas circulares resultantes interferem ao se cruzar: suas amplitudes se somam ou subtraem, gerando áreas claras e escuras na placa fotográfica P. Nos laboratórios dos cursos de Física esse experimento é repetido usando tanques de água em vez de luz. Fonte: https://www.elmundo.es/ciencia/2015/09/16/55f678c3ca4741ce708b4570.html É provável que você já tenha visto a capa do álbum Dark side of the moon (um dos meus favoritos), da banda inglesa Pink Floyd. Sobre um fundo preto, um feixe de luz branca incide sobre um prisma. Do outro lado, surgem as cores do arco-íris. A separação dos diversos componentes da luz branca ao atravessar um prisma é o fenômeno conhecido como dispersão. No vácuo, a velocidade de propagação de qualquer forma de radiação eletromagnética - raios g, raios-X, luz visível ou ondas de rádio - é a mesma, independente da frequência. Na verdade, a velocidade da luz no vácuo é um limite absoluto. Nenhum sinal pode se propagar mais rapidamente. 23 No vácuo a luz se propaga sempre com a mesma velocidade, mas isso não acontece quando a luz atravessa um meio transparente qualquer. Nesse caso, a velocidade da luz varia de acordo com a frequência (ou com o comprimento de onda). A luz “branca” é uma composição de todas as cores, de ondas de diferentes frequências. Ao penetrar no prisma, cada componente da luz branca sofre um desvio diferente. Assim, os prismas funcionam como analisadores da luz. Foram muito utilizados tanto na exploração do interior dos átomos como também para determinar a composição química de objetos astronômicos. A luz branca é uma mistura de ondas de diferentes frequências. Quando há uma mudança no meio em que a luz se propaga, ela sofre refração, que é um desvio na direção de propagação, que varia de acordo com a frequência. A decomposição da luz do Sol resulta numa distribuição contínua de cores. Joseph Fraunhofer foi um ótico alemão que dominava com maestria a arte de manipular o vidro. Graças às suas habilidades, construiu instrumentos óticos da mais fina qualidade. Em 1815, Fraunhofer fez uma descoberta notável. Analisando a luz do Sol, Fraunhofer descobriu uma série de linhas escuras entremeando o espectro contínuo de cores. O seu espectrógrafo era tão sensível que permitiu a Fraunhofer analisar a luz das estrelas mais brilhantes e determinar seus espectros. As mesmas linhas foram encontradas! 24 Pela primeira vez foi feita a conexão entre o mundo microscópico e o Cosmo. Fraunhofer interpretou o fenômeno corretamente: a luz originada no Sol, assim como a de qualquer estrela, atravessa a atmosfera estrelar antes de chegar aos nossos telescópios. Nessa travessia, alguns comprimentos de onda específicos são absorvidos pelos átomos da atmosfera solar, gerando as linhas escuras. Essas linhas estão na mesma posição do espectro de elementos químicos medidos em laboratório. São como os espectros do sódio, do magnésio, cálcio e ferro. Assim ficamos sabendo que as estrelas são feitas dos mesmos elementos químicos encontrados aqui na Terra. Espectros A espectroscopia é uma técnica empregada há mais de dois séculos. Era muito comum na segunda metade do século XIX. Os espectrógrafos eram simples e são usados ainda hoje nos cursos básicos de Física. No interior de uma ampola de vidro transparente, preenchida com um gás, uma placa metálica (eletrodo) é colocada em cada extremidade. Quando os eletrodos são conectados a uma bateria, há uma descarga elétrica entre as placas. O gás, aquecido pela descarga, emite uma luz cuja cor depende da sua composição química. A luz emitida pelo gás é uma composição ondas eletromagnéticas com frequências distintas. As ondas se sobrepõem, assim como ocorre com a luz do Sol, formando um feixe luminoso de uma única cor. Assim é possível separar os diversos componentes da luz e registrar o espectro em filmes fotográficos. No caso da luz emitida pelo gás aquecido, a imagem resultante é o espectro de emissão, que é muito diferente do espectro da luz branca. Em vez de uma distribuição contínua de cores, como no 25 arco-íris, o espectro de emissão é discreto: uma coleção de linhas bem definidas e separadas, sobre um fundo preto. A cada linha corresponde uma onda eletromagnética com uma frequência específica. Isso significa que os átomos só emitem radiação em um conjunto discreto de frequências. Cada elemento químico tem possui um espectro de emissão diferente, que funciona como uma espécie de “impressão digital” do elemento. O espectro de emissão do hidrogênio e do ferro. Ambos consistem em um conjunto discreto de linhas. A cada linha está associada radiação de frequência bem definida. O átomo de hidrogênio é o mais simples de todos os elementos, com apenas um elétron. Seu espectro possui poucas linhas. O átomo de ferro possui 26 elétrons, o que torna o seu espectro de emissão (na parte inferior da figura) bem mais complexo. Cada elemento tem seu próprio espectro de emissão. Um outro tipo de espectro é observado quando o gás no interior da ampola, em vez de ser aquecido, é iluminado por uma luz branca. O espectro resultante é chamado espectro de absorção. Esse tipo de espectro é parecido com o da luz do Sol. Consiste em uma distribuição contínua de cores, entremeadas por linhas escuras em determinadas posições. Cada linha escura ao longo do espectro de absorção corresponde a um comprimento de onda bem definido, ou seja, uma componente da luz incidente que é absorvida pelos átomos do gás. O espectro de absorção também é uma impressão digital de cada elemento químico. 26 Espectro de absorção do hidrogênio (esquerda), comparado com o espectro de emissão (direita). As linhas escuras no primeiro correspondem aos mesmos comprimentos de onda das linhas coloridas no segundo. As frequências que faltam no espectro de absorção são as mesmas que aparecem no espectro de emissão. Fonte: http://www.if.ufrgs.br/fis02001/aulas/aula_espec.htm O fato mais notável é que as linhas escuras do espectro de absorção coincidem exatamente com as linhas claras do espectro de emissão. Correspondem exatamente aos mesmos comprimentos de onda. A coincidência das linhas espectrais era muito intrigante, mas a sua causa era um mistério. Como veremos em breve, a interpretação das linhas espectrais está intimamente ligada ao surgimento da teoria quântica da matéria. 27 2 Quantum: Planck e Einstein Corpo Negro Calor e temperatura são frequentemente confundidos, mas são coisas muito diferentes. Calor é energia em trânsito, propagada sob a forma de radiação eletromagnética (daqui em diante, abreviada por radiação EM), fluindo sempre de um corpo de maior para um de menor temperatura, como estabelecem as leis da Termodinâmica. A temperatura, por sua vez, é uma grandeza que mede a energia interna de um sistema físico. Não é correto dizer “o calor de um corpo...”, pois o calor não é um atributo dos corpos. É a temperatura que define o estado físico de um sistema. Em qualquer material, átomos e moléculas estão em permanente estado de agitação. Mesmo nos sólidos, os átomos vibram em torno de posições fixas. A temperatura de um corpo é uma medida da sua energia interna, ou seja, do grau de agitação de seus átomos e moléculas. A temperatura é um conceito que se aplica a sistemas físicos contendo muitos corpos. Não faz sentido falar sobre a temperatura de um único átomo. Quanto maior for agitação atômica ou molecular, maior será a temperatura do corpo. 28 A menor temperatura que pode ser atingida é -273,15 0C, o zero absoluto, o menor nível de energia possível. Masmesmo no estado de menor energia, os átomos têm um movimento vibracional residual. Nunca ficam completamente imóveis, e isso é uma consequência de os átomos serem sistemas quânticos. Qualquer objeto cuja temperatura esteja acima do zero absoluto emite radiação térmica, mais conhecida como calor. É um processo em que a energia mecânica de átomos e moléculas se transforma em energia eletromagnética. Esse é um dos mecanismos que permitem que corpos com temperaturas diferentes atinjam um equilíbrio térmico quando postos em contato. Os átomos de uma barra de ferro oscilam sem cessar em torno de uma posição de equilíbrio, absorvendo e emitindo radiação EM. Quando a barra de ferro é aquecida, a radiação térmica emitida é inicialmente invisível (ondas EM com frequência na faixa do rádio). A radiação se torna visível à medida que a temperatura da barra aumenta, adquirindo o tom avermelhado do ferro em brasa. Se a temperatura da barra segue aumentando, a luz emitida vai se tornando cada vez mais branca. A radiação térmica não é monocromática, isto é, não é composta por ondas de uma única frequência, mas sim por uma combinação de ondas com frequências distintas. A luz vermelha é apenas a componente dominante, aquela que possui maior intensidade. O termo espectro é empregado também para descrever como a intensidade (amplitude da onda) da radiação térmica varia de acordo com a frequência em função da temperatura. O valor da frequência em que a intensidade da radiação térmica é máxima depende da temperatura do corpo (como no ferro em brasa). Quando a luz incide sobre um corpo, parte da energia é refletida, e parte é absorvida. Energia absorvida implica um aumento na temperatura do corpo. Em geral, a energia absorvida é reemitida 29 após um pequeno intervalo de tempo, e os corpos voltam à temperatura inicial. O espectro da radiação térmica de um corpo depende da sua temperatura. A figura mostra como a intensidade da radiação varia com o seu comprimento de onda. A temperatura é medida na escala Kelvin, mais usada na Física. A curva em azul corresponde a um corpo muito quente (5.500 K, aproximadamente 5.500 oC). As demais curvas correspondem a temperaturas menores. O comprimento de onda que corresponde à intensidade máxima aumenta à medida que o corpo se resfria, sendo cerca de 550 nm para a temperatura maior, e de 900 nm para a temperatura menor. Um nanômetro (nm) equivale a 10-9 m, ou 0,000.000.001m. Fonte: https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=21767142 A Terra reflete boa parte da luz do Sol, por isso podemos vê-la do espaço (uma visão maravilhosa). Mas uma grande quantidade de energia é absorvida pela superfície da Terra. Essa energia é reemitida principalmente como ondas EM com frequências na faixa do infravermelho. O carbono presente na atmosfera impede 0 2 4 6 8 10 12 14 0 0.5 1 1.5 2 2.5 3 In te ns id ad e (U ni da de s A rb itr ár ia s) Comprimento de Onda (μm) 5000 K 4000 K 3000 K 0 2 4 6 8 10 12 14 0 0.5 1 1.5 2 2.5 3 Teoria Clássica (5000 K) 30 que a maior parte da radiação reemitida pela superfície da Terra escape para o espaço sideral. É o chamado efeito estufa. Graças a ele a vida é possível, mas está demonstrado que o excesso de carbono na atmosfera causa o aumento da temperatura na superfície da Terra. Imagine agora um objeto que seja capaz de absorver toda radiação EM incidente, sem refletir nenhuma componente. Na sequência, esse objeto idealizado, chamado corpo negro, reemite toda a energia absorvida na forma de radiação térmica. No exemplo da barra de ferro em brasa, a luz de cor vermelha não é refletida, e sim emitida pelo ferro. O espectro da radiação térmica de corpo negro foi bastante estudado no século XIX. O “corpo negro” utilizado, assim como nos laboratórios didáticos dos cursos de Física atuais, consiste em uma cavidade cujas paredes internas têm grande capacidade de absorção de radiação. Um forno é um bom exemplo de corpo negro. No interior da cavidade, a radiação térmica é absorvida e reemitida incessantemente pelas paredes internas. Do ponto de vista microscópico, o processo é bastante complicado, mas pode ser resumido da seguinte maneira. As moléculas absorvem energia e seus átomos passam a vibrar com mais intensidade. Mas esse estado não é estável, e logo as moléculas se desexcitam emitindo radiação EM com a mesma frequência da radiação que absorveram. A troca constante de energia entre matéria e radiação faz com que a cavidade atinja um regime de equilíbrio (termodinâmico) em que a temperatura no interior é a mesma em todos os pontos, e seu valor permanece o mesmo ao longo do tempo. Um pequeno orifício na cavidade permite que uma amostra da radiação térmica escape e que seu espectro seja registrado. Um fato notável é que o espectro depende apenas da temperatura no interior da cavidade, independente do material de que ela é feita. 31 O espectro de frequências da radiação térmica do corpo negro era um mistério. Ninguém conseguia explicá-lo usando a Física Clássica do século XIX. Todas as tentativas fracassaram. Até então, a Física era baseada no princípio da continuidade: qualquer sistema físico sempre pode evoluir entre um estado inicial e final de forma contínua, passando suavemente por um número infinito de estados intermediários. A Natureza não daria saltos. Desde Newton, gerações e mais gerações de cientistas foram formadas tendo a continuidade da Natureza como uma lei óbvia. Assim foi até alguém dar um passo de muita ousadia. Ilustração de uma cavidade utilizada para estudar a radiação de corpo negro. Se a cavidade é mantida a uma temperatura constante, a radiação que escapa pelo orifício tem um espectro que depende apenas da temperatura no interior. Fonte: https://phys.libretexts.org/Bookshelves/University_Physics/Book%3A_University_Physi cs_(OpenStax)/Book%3A_University_Physics_III_Optics_and_Modern_Physics_(Open Stax)/06%3A_Photons_and_Matter_Waves/6.02%3A_Blackbody_Radiation 32 Max Karl Ernst Ludwig Planck foi um dos maiores cientistas alemães. Seus trabalhos abriram as portas do mundo quântico. Nos dias de hoje, há na Alemanha uma rede de 84 instituições de pesquisa em várias áreas do conhecimento, os Max Planck Institutes, nomeados em sua homenagem. Planck nasceu em 1858, na pequena cidade de Kiel, em uma família bastante tradicional, religiosa e conservadora, e com uma invejável tradição acadêmica. Quando completou o ensino médio, aos 16 anos, Planck mudou-se para Munique. Na universidade, seu orientador acadêmico o desencorajou a seguir a carreira científica. Sugeriu-lhe que tentasse outra área, pois na Física não havia nada mais de importante a ser descoberto, só restavam algumas lacunas a serem preenchidas. Essa, aliás, era uma visão muito difundida entre os físicos na época. Felizmente, Planck não lhe deu ouvidos. Sempre foi um excelente aluno. Completou seu doutorado em 1879, com apenas 21 anos. Poucos anos depois, foi admitido na prestigiosa Academia Prussiana de Ciências. Planck se dedicou ao estudo da teoria do calor desde o início de sua carreira. Em particular, ele se interessava pelo enigma do corpo negro. Seu objetivo era determinar a lei que relaciona a temperatura de um corpo com a radiação que ele emite. 33 Planck, como seus antecessores, utilizou uma cavidade. Segundo o princípio da continuidade, as moléculas da cavidade poderiam vibrar com qualquer frequência. Isso significa que qualquer quantidade de energia, por menor que fosse, poderia ser absorvida pelas paredes e reemitida em seguida. No entanto, todos os cálculos baseados nessa premissa estavam em evidente desacordo com os dados.Planck era um homem religioso, e talvez por isso tenha sido tão atraído pela ideia do absoluto. Havia no enigma do corpo negro um aspecto universal que lhe interessava particularmente: o espectro de frequências da radiação térmica é o mesmo para todos os corpos, independente de sua composição, forma ou volume. Em sua autobiografia científica, Planck afirma:” O mundo externo é algo independente do homem, algo absoluto, e a procura pelas leis que se aplicam a esse absoluto parece-me o mais sublime objetivo científico da vida.” Planck se empenhou a fundo no estudo da radiação de corpo negro. Depois de alguns anos de tentativas, seus esforços foram amplamente recompensados: da tentativa de resolver esse enigma nasceu a ideia do quantum, a menor quantidade de energia. A fórmula para o espectro da radiação de corpo negro foi o seu trabalho mais famoso, e por ele recebeu o Prêmio Nobel de Física em 1918. Antes de falar sobre o trabalho de Planck é preciso definir mais um conceito. Imagine duas pequenas esferas apoiadas sobre uma mesa muito lisa, onde podem deslizar sem atrito. As esferas estão presas às extremidades de uma mola, e inicialmente estão em repouso. As esferas são afastadas, distendendo a mola. Quando são soltas, a mola se comprime e as esferas se aproximam novamente, num movimento acelerado. As esferas ganham energia suficiente para ultrapassar a posição de equilíbrio da mola e comprimi-la. A mola resiste à compressão, freando gradativamente as esferas até pararem. Nesse momento, as esferas se afastam novamente até o ponto de distenção máxima da mola. 34 Os osciladores harmônicos são muito importantes, e aparecem em muitas áreas da Física. Sem atrito, ou outra força externa, as esferas executam indefinidamente um movimento de vai-e-vem, que pode ser caracterizado pela frequência (número de oscilações complexa por segundo). Se o atrito pudesse ser eliminado totalmente, uma vez afastadas, as esferas executariam esse movimento oscilatório indefinidamente, sempre com a mesma frequência (número de oscilações por segundo), que depende apenas da elasticidade da mola. Sistemas como esse são osciladores harmônicos. São extremamente importantes na Física. Um pêndulo é outro exemplo de oscilador harmônico. Planck imaginou um modelo simples para representar as paredes internas da cavidade: uma imensa coleção de moléculas que vibram como se fossem minúsculos osciladores harmônicos. O problema é que o número de átomos ou moléculas em qualquer porção de matéria é imensamente grande. Impossível analisar o estado de cada uma. Mas justamente aqui está a chave do sucesso de Planck: tratar o problema do ponto de vista estatístico. Na sua análise, Planck usou a Mecânica Estatística, ramo da Física que trata de sistemas com um número muito grande de componentes, como, por exemplo, um gás em um recipiente, ou o 35 as paredes internas da cavidade. Naquele tempo, a Mecânica Estatística era uma disciplina relativamente nova e ainda em desenvolvimento. Planck e Einstein, entre outros, deram contribuições importantes. Imagine um recipiente contendo um gás qualquer. Mesmo que o volume seja pequeno, o número de moléculas é gigantesco. No Sistema Internacional de Unidades, o mol é a unidade utilizada para quantidade de matéria. A unidade é baseada no carbono-12. Um mol corresponde à quantidade de átomos existente em 12 g de 12C. O número de átomos (ou de moléculas, no caso de substâncias compostas) em um mol é o número de Avogadro: 6,022 x 1023! Obviamente, é impossível descrever o estado do gás seguindo a trajetória e medindo a energia de cada molécula. A alternativa é utilizar propriedades macroscópicas como a temperatura, que é proporcional à energia média das moléculas, ou a pressão, que é a força média que as moléculas exercem sobre as paredes do recipiente. Se a interação entre duas moléculas é conhecida, os métodos da Mecânica Estatística possibilitam obter informações sobre o estado do gás como um todo. Planck usou o mesmo argumento para os osciladores. Depois de alguns anos de muito trabalho, Planck finalmente chegou à fórmula que reproduz com perfeição o espectro do corpo negro. Para chegar à fórmula correta, no entanto, Planck foi forçado a dar um passo de muita coragem intelectual, indo contra um dos princípios que lhe eram mais caros. A conclusão dos seus estudos era inescapável: as moléculas das paredes da cavidade simplesmente não poderiam absorver qualquer quantidade de energia, não poderiam vibrar com qualquer frequência. Abandonar a ideia de continuidade da Natureza foi o obstáculo que os antecessores de Planck não conseguiram superar. A hipótese da continuidade foi substituída por outra, bastante desconcertante: os átomos só podem vibrar com frequências que sejam múltiplos inteiros de uma frequência mínima, fundamental, o que implica os 36 átomos poderem absorver e emitir apenas quantidades de energia que sejam múltiplos inteiros de um valor mínimo, um quantum de energia. A teoria de Planck revelou um mundo inteiramente novo, descontínuo, com espectros de energia discretos. Os átomos da cavidade, ao absorver e emitir apenas múltiplos inteiros do quantum de energia, passam de um estado de vibração a outro saltando os degraus de uma escada em vez de subir ou descer uma rampa. Foi o primeiro fenômeno quântico identificado. Na Física Clássica, o espectro de energia é contínuo. Uma molécula poderia vibrar com qualquer valor de energia. Na teoria quântica, a energia de vibração pode ter apenas alguns valores, múltiplos inteiros de uma quantidade mínima, ou quantum. Essa quantidade elementar de energia é proporcional à frequência. As moléculas, especialmente as que são feitas de muitos átomos, podem vibrar de várias maneiras, mas não há liberdade total nesse movimento. Qualquer que seja o modo de vibração, há sempre um número finito de frequências possíveis, múltiplos inteiros de uma frequência mínima. h⌫ <latexit sha1_base64="Y9Sz60tiutt9rppoqLAD+zGhQs4=">AAAB7HicbZDNSgMxFIXv1L9a/6ou3QSL4KrMqKButODGZQWnLbRDyaSZNjTJDElGKEOfwY0LRdz6Ir6BO9/GzLQLrR4IfJxzL7n3hgln2rjul1NaWl5ZXSuvVzY2t7Z3qrt7LR2nilCfxDxWnRBrypmkvmGG006iKBYhp+1wfJPn7QeqNIvlvZkkNBB4KFnECDbW8kc9mVb61Zpbdwuhv+DNoXb9cVqo2a9+9gYxSQWVhnCsdddzExNkWBlGOJ1WeqmmCSZjPKRdixILqoOsGHaKjqwzQFGs7JMGFe7PjgwLrScitJUCm5FezHLzv6ybmugiyJhMUkMlmX0UpRyZGOWbowFTlBg+sYCJYnZWREZYYWLsffIjeIsr/4XWSd07q1/eubXGFcxUhgM4hGPw4BwacAtN8IEAg0d4hhdHOk/Oq/M2Ky058559+CXn/RtSkJCV</latexit> n = 1 n = 2 n = 3 n = 4 En er gi a Espectro contínuo Espectro discreto 37 A cada modo de vibração corresponde um valor bem determinado de energia da molécula. A molécula pode passar de um modo de vibração a outro absorvendo energia e dando um “salto quântico”. Para que isso ocorra, no entanto, é necessário que a quantidade de energia fornecida à molécula tenha um valor muito preciso: a exata diferença entre os valores das energias do estado inicial e final. Se a radiação incidente sobre a molécula tiver energia diferente, mesmo que por uma pequena quantidade, ela simplesmente não será absorvida. O movimento vibratório pode ser bastante complexo, especialmente em moléculas compostas por muitos átomos. Mas em cada modo de vibração, as frequências só podem ter um conjunto discreto de valores, que correspondem a múltiplos inteiros de uma quantidade mínima de energia, múltiplos de um quantum. Planck comunicou seus resultados em uma sessão da Sociedade Alemã de Física, em 14 de dezembro de 1900. Sua apresentação foi recebida com fria cordialidade. A princípio, seu trabalho despertou pouco interesse da comunidade acadêmica. As atenções estavam voltadas para outro lado. A Física, na aurora do século XX, vivia em estado de ebulição, com descobertas excitantes como a do elétron, da radiatividade, dos raios-X, entre outras. 38Para muitos, o trabalho de Planck poderia ser considerado mais um estudo para “preencher algumas lacunas”, como classificaria o seu orientador acadêmico. O próprio Planck não se deu conta imediatamente de que sua descoberta marcava o fim do longo reinado da Física de Newton e Maxwell, e o início de uma nova era. Como ele mesmo confessou anos depois, “a quantização da energia foi uma hipótese puramente formal, e eu não lhe dei muita importância”. Planck tinha uma formação bastante conservadora, com convicções profundamente enraizadas sobre os princípios fundamentais da Física, que lhes eram tão caros. Por isso, mesmo diante da realidade inegável dos fatos, Planck relutou até o final da vida em aceitar a descontinuidade da Física que ele havia descoberto. Tentou, por anos e sem sucesso, incorporar o quantum à Física Clássica. Mesmo assim, muitos consideram o dia 14 de dezembro de 1900 como a data de nascimento da Física Quântica. A hipótese de Planck estabelece a relação entre a energia e a frequência de oscilação das moléculas. É uma fórmula simples e universal, com um significado profundo: E = hn. A energia absorvida ou emitida pela molécula é proporcional à frequência com que oscila. O símbolo h é a constante de Planck, a constante fundamental da Teoria Quântica. Seu valor é muito pequeno e define a escala a partir da qual os fenômenos quânticos se manifestam. O impacto da descoberta de Planck só foi plenamente percebido a em 1905, quando um jovem e desconhecido físico publicou uma teoria sobre o efeito fotoelétrico Nessa teoria, a constante h apareceu novamente, mas agora em um contexto muito diferente. 39 Berlim era a capital científica do mundo nas primeiras décadas do século XX. Era também a capital do jovem Império Alemão, o estado-nação formado em 1871 pela unificação dos Estados Germânicos, sob a liderança do kaiser Wilhelm Hohenzollern. A Alemanha era um país novo, mas que trazia consigo a monumental tradição científica e cultural germânica. Ali nasceram Mozart, Bach e Beethoven, Gauss, Riemman e Leibnitz, Kant, Hegel, Marx e Nietzsche, Röntigen, Planck e, posteriormente, Einstein e Heisenberg, além de muitos outros brilhantes cientistas da Química, Física e da Matemática. Os Prêmios Nobel em Física e em Química começaram a ser concedidos em 1901. Nos primeiros 20 anos, 16 químicos e físicos alemães foram laureados. Um novo país em busca do seu espaço entre as potências europeias da época. Assim era a Alemanha no início do século passado. Não bastava ter poderio militar, ou colônias na África e na Ásia, como as outras potências. Era necessário também consolidar o prestígio científico, e esse era um objetivo estratégico que unia a elite intelectual, o governo e boa parte do empresariado alemães. Essa estratégia integrava um projeto de nação, no qual Berlim, a capital, significava o progresso, a inovação tecnológica, o símbolo de um povo industrioso e moderno. A Universidade de Berlim e a Academia Prussiana de Ciências figuravam entre as instituições 40 mais prestigiosas da Europa. E havia também os Kaiser Wilhelm Institutes, na periferia de Berlim, institutos de pesquisa custeados pela elite econômica alemã. Em 1913, dois viajantes ilustres embarcaram em Berlim, rumo à Zurique: Max Planck, o mais admirado e prestigioso físico alemão, e Walther Nernst, um dos mais brilhantes químicos do século XX. A viagem era uma missão oficial, representando o Estado alemão, os empresários e o mundo acadêmico. O objetivo: trazer Einstein de volta a Berlim, ele que, anos antes, havia renunciado à cidadania alemã e se tornado cidadão suíço. Para realizar a tarefa, Planck e Nernst traziam na bagagem uma proposta irrecusável. Quando recebeu a visita de Planck e Nernst, Einstein já era um físico com grande prestígio internacional. Mas sua fama era relativamente recente. Einstein formou-se em Física e Matemática pela Escola Politécnica de Zurique, a ETH, em 1900. Tinha 21 anos. Durante o seu curso, Einstein teve uma relação conflituosa com seus professores, que o consideravam um aluno petulante. Einstein sempre se opôs a qualquer forma de autoritarismo, e isso lhe custou caro. Após a sua formatura, não conseguiu um cargo de assistente em nenhuma universidade, apesar de várias tentativas. Durante mais de um ano Einstein viveu o drama do desemprego, sobrevivendo às custas de aulas particulares e da ajuda de seus pais. Graças ao pai de seu grande amigo Marcel Grossmann, Einstein finalmente conseguiu um emprego, não como físico, mas como especialista de terceira classe no escritório de patentes da cidade de Berna, na Suíça, em 1902. Em Berna, Einstein, como os suíços em geral, levava uma vida sem sobressaltos. Já era casado com sua primeira mulher, a física sérvia Mileva Maric, com quem teve três filhos. Mesmo com um trabalho burocrático, Einstein jamais desistiu da Física. Na verdade, a rotina tranquila do escritório de patentes de Berna dava-lhe todo o tempo necessário para pensar nas grandes questões. 41 E então, em 1905, sua vida mudou radicalmente. Nesse ano, Einstein publicou uma série de trabalhos que fundaram a Física moderna. O ano de 1905 é considerado o seu “annus mirabilis”, o ano milagroso, cujo centenário foi celebrado recentemente em todo o mundo. Em um desses trabalhos, Einstein tratou de um fenômeno com que hoje lidamos rotineiramente: o efeito fotoelétrico. O fechamento automático das portas de elevadores, por exemplo, é controlado por dispositivos que convertem a luz em corrente elétrica. Einstein tornou-se mundialmente conhecido pela Teoria da Relatividade, da qual falarei mais adiante. Mas foi o estudo sobre o efeito fotoelétrico que rendeu a Einstein o Prêmio Nobel de Física de 1921, apesar de não ter sido o seu trabalho mais famoso. O efeito fotoelétrico é conhecido desde 1887. Quando a superfície de um metal é iluminada por radiação EM, elétrons são ejetados dos seus átomos. Esse fenômeno foi estudado com bastante detalhe pelo físico alemão Phillipp Lenard, que posteriormente viria a se tornar um entusiasta do nazismo. O aparato experimental usado por Lenard consistia em duas placas metálicas paralelas ligadas a uma bateria, colocadas dentro de uma ampola evacuada. Elétrons eram ejetados de uma das placas quando esta era iluminada, e eram atraídos para a outra placa devido ao campo elétrico existente entre elas, gerando uma corrente. Lenard mostrou que a energia dos elétrons ejetados depende apenas da frequência da luz incidente, e não de sua intensidade. Quando usava feixes luminosos mais intensos, observava apenas um número maior de elétrons. Mas quando usava luz de frequência mais alta, os elétrons ejetados tinham mais energia. Essa observação erai bastante surpreendente. Para entender o porquê da surpresa, basta olharmos para as ondas do mar. Compare uma sequência de marolas que tenha a mesma frequência de uma 42 sequência de vagalhões. Não há dúvidas que a sequência de vagalhões transporta mais energia. Assim, por que razão uma maior intensidade da luz não implica elétrons com mais energia? Até 1905, não havia resposta para essa pergunta. Ilustração do aparato utilizado por Lenard para estudar o efeito fotoelétrico. O interior da ampola deve ser evacuado para que os elétrons ejetados de um dos eletrodos possam ser coletados no outro, gerando uma corrente elétrica. A frequência da onda luminosa determina apenas a sua cor. Uma lanterna e um farol de automóvel podem emitir luz de mesma frequência, mas com intensidades muito diferentes. Um feixe de luz intenso transporta mais energia (ondas de maior amplitude, os vagalhões) que um feixe de pequena intensidade (as marolas), mesmo que ambos tenham a mesma frequência. De acordo com a Física Clássica, feixes luminosos mais intensos deveriam transferir mais energia aos elétrons, que seriam ejetadoscom uma velocidade maior. As teorias de Newton e Maxwell explicam uma enorme variedade de fenômenos físicos, desde o comportamento de gases nobres ao movimento de corpos celestes relativamente próximos. No século XIX, o sucesso da Física Clássica era tão espetacular que muitos 43 físicos acreditavam que não houvesse mais nada a ser descoberto, como o orientador acadêmico de Max Planck. As leis da Natureza estavam estabelecidas, e a Física oferecia a visão de um mundo perfeito e ordenado. Mas as descobertas do elétron, da radiatividade e dos raios-X eram novidades que não se encaixavam nesse mundo ordenado. Uma tempestade se formava. A Natureza, pouco a pouco, começava a revelar alguns dos seus segredos mais profundos, e isso colocava a Física Clássica contra a parede. Depois da radiação de corpo negro, o efeito fotoelétrico era mais um fenômeno que não podia ser explicado pelas teorias de Newton e Maxwell. Ao ver os resultados dos estudos de Lenard, Einstein logo se deu conta de que havia ali uma rachadura no sólido edifício da Física Clássica. Lenard havia demonstrado claramente que o efeito fotoelétrico não poderia ser explicado supondo que a luz fosse uma onda. O problema da natureza da luz, que parecia definitivamente solucionado com a observação das ondas EM, previstas por Maxwell, não estava de fato resolvido. A radiação de corpo negro e o efeito fotoelétrico têm em comum dois aspectos fundamentais: ambos envolvem a interação da radiação com a matéria, e ambos revelam a granularidade da Natureza quando observada em escala microscópica. Planck desenvolveu sua teoria com foco na matéria – a quantização da frequência dos osciladores. Não havia restrições para as frequências da radiação, mas apenas algumas poderiam ser absorvidas pelos osciladores. Einstein, ao contrário, desenvolveu uma teoria centrada na quantização da radiação. Na teoria de Einstein do efeito fotoelétrico, a luz se comporta como um feixe de pequenos “pacotes” individuais de energia, tal como afirmara Ibn al-Haytam, e não como uma onda que se propaga no espaço. Hoje chamamos os pacotes individuais de energia propostos por Einstein de fótons: partículas de luz, sem massa, quanta de pura energia, que viajam sempre com a mesma 44 velocidade e nunca podem ser observados em repouso. O efeito fotoelétrico ocorre pela colisão dos fótons com os elétrons da superfície do metal. A luz se comportando como corpúsculos. Einstein descobriu a conexão entre a energia dos fótons e a frequência da luz. Um feixe luminoso monocromático (luz de uma única frequência) é constituído por um número muito grande de fótons, cada um com energia E = hn, onde n é a frequência da luz e h é a constante de Planck. A onda EM pode ser vista como o efeito coletivo de um número muito grande de partículas de luz, assim como a água, cuja fluidez é o efeito coletivo de zilhões de moléculas. As fórmulas de Einstein e de Planck são iguais, mas com significados diferentes. Planck associou a energia dos osciladores, E, com a frequência da radiação incidente, n. A teoria da radiação do corpo negro restringe as frequências de vibração, mas não impões limites para a radiação. Átomos e radiação são entidades diferentes, evidentemente. E eis por que a fórmula de Einstein é mais radical: ela conecta duas grandezas, energia e frequência, de uma mesma entidade, a luz! Os fótons de um feixe de luz violeta têm, individualmente, mais energia que os de um feixe de luz vermelha, porque a frequência do violeta é maior que a do vermelho. A intensidade da luz está associada ao número de fótons do feixe. Quanto mais fótons, mais intenso é o feixe, e quanto maior a intensidade, mais energia é transportada. Assim, uma mesma quantidade de energia pode ser transportada combinando intensidade e frequência de formas diferentes. A teoria de Einstein explica o eleito fotoelétrico da seguinte forma: quando a luz incide sobre a superfície do metal, os fótons colidem individualmente com os elétrons dos átomos das camadas mais superficiais. Na colisão, os fótons se comportam como partículas, transferindo aos elétrons energia suficiente para vencer a atração dos núcleos atômicos e serem ejetados. 45 Feixes de alta intensidade contêm muitos fótons, e assim muitos elétrons são ejetados, mas todos têm a mesma energia. Em feixes com frequências mais altas, os fótons são mais energéticos, e por isso transferem mais energia aos elétrons, mesmo que a intensidade do feixe seja baixa. A teoria de Einstein explicou perfeitamente os resultados experimentais de Lenard. Einstein foi o primeiro a formular a ideia da ambiguidade do comportamento da luz. Essa ambiguidade está no coração da teoria Quântica, mas é um conceito muito estranho, difícil de assimilar. Em uma carta ao seu grande amigo Michel Besso, Einstein disse: “Todos esses anos de intensa reflexão não me aproximaram da resposta à pergunta: o que são os quanta de luz? Claro, hoje qualquer idiota acha que sabe a resposta, mas está apenas se enganando”. O que é a luz, afinal, uma onda ou uma partícula? A resposta é: nem um nem outro. Não sabemos ao certo o que a luz é. A Mecânica Quântica não responde à pergunta “qual é a natureza da luz?”, e sim à pergunta “como a luz se comporta?”. Sabemos que em certas circunstâncias, como na difração e na interferência, a luz se comporta como uma onda (energia dispersa em uma região extensa). Já no efeito fotoelétrico, a luz interage com a matéria como se fosse um feixe de partículas (energia concentrada em regiões muito pequenas). Talvez seja mais fácil lidar com a ambiguidade do comportamento da luz invertendo a equação de Einstein: em vez de dizer que a energia é igual à constante de Planck vezes a frequência, E = hn , podemos dizer que a frequência da onda formada pelos fótons é igual a energia de cada um dividida pela constante de Planck, n = E/h. Assim, relacionamos a energia dos quanta, partículas individuais microscópicas, ao seu efeito coletivo, macroscópico, uma onda de frequência n. 46 A Mecânica Quântica transformou praticamente todas as áreas da Física. A teoria envolve conceitos muito diferentes de tudo o que havia na Física. Ainda hoje, quase cem anos depois da sua criação, ainda se discute a interpretação da Mecânica Quântica. O mais importante, no entanto, é que, independente de interpretações, sabemos operar muito bem com ela, e com isso podemos construir coisas maravilhosas. A Ciência é um discurso sobre a Natureza que é baseado na experimentação sistemática e no raciocínio lógico. Sua linguagem é a matemática. Mas é, antes de tudo, uma criação humana, feita por indivíduos que vivem imersos na cultura de seu tempo, e que carregam consigo suas convicções e preconceitos. Com Planck e Einstein não foi diferente. Ambos também tiveram muita dificuldade em aceitar certas implicações da teoria quântica. Se a princípio a teoria do efeito fotoelétrico foi considerada uma excentricidade, para Einstein ela foi apenas o ponto de partida. Ele seguiu adiante em suas investigações, analisando outros fenômenos em que a quantização da energia seria o elemento crucial. Em um desses trabalhos, Einstein abordou o problema do calor específico de sólidos cristalinos. A capacidade térmica de um corpo é relação entre a quantidade de energia térmica fornecida ou retirada desse corpo e variação decorrente na sua temperatura. Depende, claro, da quantidade de matéria: mais energia é necessária para aquecer uma piscina do que uma chaleira. O calor específico é uma propriedade física de cada substância, assim como a densidade, a condutibilidade elétrica, o ponto de ebulição etc. É definido como a quantidade de energia que deve ser fornecida (ou retirada) para que a temperatura de um grama de uma substância varie em 1 oC. Quanto maior o calor específico de uma substância, maior será a quantidade de calor necessária para aquecê-laou resfriá-la. 47 Uma propriedade fundamental do calor específico dos sólidos, segundo a Termodinâmica Clássica, é que seu valor não depende da temperatura do corpo. A quantidade de energia necessária para aumentar a temperatura de um corpo em 1 oC é sempre a mesma, esteja ele inicialmente a uma temperatura de -100, 0 ou 100 oC. Nos sólidos cristalinos, as moléculas formam arranjos geométricos regulares, as redes cristalinas. As moléculas não se deslocam ao longo da rede, mas podem vibrar de várias formas em torno das suas posições de equilíbrio. Se o sólido está em equilíbrio térmico (a mesma temperatura em todas as partes), sua energia interna é dividida igualmente entre todos os possíveis movimentos vibratórios das moléculas. A energia média de cada modo de vibração molecular é proporcional à temperatura do corpo. Admitindo que as moléculas possam vibrar com qualquer frequência, seria possível fornecer ao corpo uma quantidade infinitamente pequena de energia, o que provocaria uma variação infinitamente pequena na temperatura, de acordo com o princípio de continuidade. Assim, a razão entre a energia transferida, Q, e a variação da temperatura DT – o calor específico - permaneceria constante, mesmo quando a temperatura do corpo fosse muito baixa (moléculas vibrando com frequências muito pequenas). E eis aqui mais uma dificuldade da Física Clássica, mais um conflito entre teoria e observação: em temperaturas muito baixas, o calor específico (a razão Q/DT) deixa de ser constante. Em vez disso, diminui acentuadamente, aproximando-se de zero quando a temperatura se aproxima do zero absoluto. Einstein elaborou uma teoria para o calor específico que usava as ideias de Planck. Em um artigo publicado em 1907 ele diz: “Se a teoria de Planck da radiação atinge o coração da matéria, devemos então esperar contradições entre teoria e resultados experimentais 48 em outras áreas da teoria do calor, contradições que podem ser resolvidas seguindo o mesmo caminho”. Por esse raciocínio, como a teoria de Planck vale para o corpo negro, deve valer também para o calor específico dos sólidos. De maneira análoga à Planck, Einstein propôs um modelo simplificado para os sólidos, mas que contém os elementos cruciais: uma rede de osciladores harmônicos independentes, todos oscilando com a mesma frequência. Seriam possíveis apenas vibrações cujas frequências fossem múltiplos inteiros de uma frequência mínima, n0. Essa seria a frequência de vibração do estado de menor energia. Nesse estado, a energia de cada oscilador seria igual a hn0. No modelo de Einstein, no segundo estado de menor energia (o primeiro estado excitado) as moléculas vibrariam com frequência 2hn0, no terceiro estado, 3hn0, e assim por diante. Como a constante de Planck é um número muito pequeno, a diferença entre dois níveis consecutivos de energia, hn0, é uma quantidade muito pequena. Em temperaturas ambientes as energias de vibração são imensamente maiores que o quantum de energia hn0, o que torna os efeitos quânticos imperceptíveis. Nessas condições, a variação de temperatura é proporcional ao calor cedido ao corpo. Mas em temperaturas próximas ao zero absoluto os efeitos quânticos não podem ser ignorados. O fato de os osciladores só poderem vibrar com frequências que sejam múltiplos de um valor fundamental significa que as moléculas do sólido só podem absorver calor se este vier na dose certa, n vezes hn0, onde n é um número inteiro. Qualquer quantidade de energia fornecida ao sólido que seja diferente desses valores não será absorvida pelas moléculas. Nesse caso, a energia fornecida não acarreta um aumento de temperatura. Assim Einstein explicou a diminuição do calor específico que ocorre em temperaturas muito baixas. Einstein apresentou a teoria quântica do calor específico em um evento que entrou para a história: a primeira conferência de Solvay, um encontro dos físicos mais proeminentes patrocinada por Ernest 49 Solvay, um milionário belga que fez grande fortuna na indústria química. Solvay era um filantropo e tinha grande interesse pela Física. Promoveu uma série de encontros, sempre reunindo os físicos de maior prestígio. A primeira conferência foi realizada em Bruxelas, em junho de 1911. O tema da conferência, como não poderia deixar de ser, foi a crise da Física teórica provocada pela nova teoria quântica. A conferência foi organizada por Walther Nernst, que fez os convites em nome de Solvay. Cada participante recebeu a incumbência de escrever um trabalho sobre um tema previamente designado. Os trabalhos deveriam ser distribuídos aos participantes com antecedência, de forma a facilitar as discussões. A Einstein coube o tema do calor específico. Ernest Solvay patrocinou outros encontros. O terceiro foi realizado em 1921, poucos anos após a I Guerra Mundial. Os cientistas alemães, dessa vez, não foram convidados, com uma exceção feita à Einstein. Em protesto, ele se recusou o convite. Em vez de ir ao encontro, Einstein fez sua primeira visita aos EUA, levado por Chaim Weizmann, um dos fundadores do Estado de Israel e seu primeiro presidente. De todas as conferências de Solvay, a mais famosa foi a quinta, realizada em 1927, cujo tema foi “Elétrons e fótons”, abordando a recém-criada Mecânica Quântica. Dos 29 participantes, 17 haviam sido ou seriam laureados com o Prêmio Nobel. Teorias físicas têm como objetivo descrever as leis que regem os fenômenos naturais. As teorias devem também ser capazes de fazer previsões, e estas devem sempre ser testadas. Se confirmadas, a teoria se torna mais sólida. Se falham, a teoria é incompleta, mas as falhas não eliminam os acertos. A Mecânica de Newton e o Eletromagnetismo de Maxwell são exemplos de teorias incompletas. São os dois pilares da Física Clássica, teorias precisas no limite em que os efeitos quânticos são tão pequenos que não podem ser observados. Elas foram incorporadas à Mecânica Quântica e à Eletrodinâmica Quântica (a teoria quântica da 50 radiação). Ambas descrevem o funcionamento do mundo microscópico, mas se tornam as teorias de Newton e Maxwell a escala aumenta e se torna macroscópica. A primeira conferência de Solvay, em 1911, reuniu os grandes nomes da Física. Foi organizada por Walther Nernst (1). Entre os participantes estavam Planck (3), Lorentz (8), de Broglie (10), Rutherford (19), Marie Curie (20), Poincaré (21), Einstein (23) e, naturalmente, Solvay (6). Outras conferências foram organizadas em anos posteriores. A participação feminina se resumia à Marie Curie. Apesar de grandes mudanças desde então, as mulheres ainda são minoria no meio científico, infelizmente. Fonte: Benjamin Couprie, Public Domain, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=227787 51 3 Quantum: Rutherford e Bohr Revolução Há cerca de dois milhões e meio de anos, no coração do continente africano, nossos ancestrais longínquos desceram das árvores e começaram a caminhar eretos. Desde então, nossa árvore genealógica teve várias ramificações, mas só uma prevaleceu: a nossa espécie, o Homo Sapiens, surgida entre 500 e 600 mil anos atrás. Nós, os Sapiens anatomicamente modernos, habitamos o planeta há cerca de 200 mil anos. Humanos dessa época passariam despercebidos no metrô. Existem muitos registros arqueológicos que mostram que, apesar de não ter havido mudanças anatômicas, a nossa espécie continuou evoluindo. Uma transformação significativa do cérebro humano teria ocorrido entre 50 e 60 mil anos atrás, causando o que é chamado “o grande salto adiante”. Uma revolução da qual teriam surgido, entre outras inovações, a sofisticação da linguagem, a arte e, talvez, a visão mística sobre a Natureza. Durante a maior parte da nossa existência, nós, humanos, fomos caçadores-coletores nômades. Vivíamos em pequenos bandos 52 formados por umas poucas dezenas de
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