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Epidemiologia moderna 3ª Edição

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Epidemiologia moderna 3ª Edição, cap.30, p.700_725.
HERTZPICCIOTTO, Irva. Epidemiologia ambiental. In: ROTHMAN, K. J.; GREENLAND, S., LASH, T. L. (orgs.). Epidemiologia Moderna. 3. ed. Porto Alegre: Artmed, 2011. seção IV, cap. 30, p. 700725. ISBN 9788536325880. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788536325880/cfi/699!/4/4@0.00:0.00. Acesso em: 6 abr. 2020.
Epidemiologia Moderna 703
A determinação do tempo relevante para uma avaliação de exposição é específica para a hipótese etiológica e desfecho da doença. A determinação do tempo pode ser mensurada em relação a quando um efeito de saúde deve ser observado ou a quando o organismo provavelmente será suscetível. O primeiro está relacionado ao período de indução, o tempo entre a exposição e a ocorrência da doença. O intervalo pode ser de minutos ou horas para envenenamentos agudos, horas ou dias para condições respiratórias, meses ou anos para transtornos do desenvolvimento ou décadas para efeitos carcinogênicos ou cardiovasculares. A suscetibilidade, contudo, muitas vezes está relacionada com um período no desenvolvimento, tal como o tempo, quando as redes neurais estão se formando no córtex cerebral, quando a produção de IgG por um lactente começa ou quando o estirão de crescimento do adolescente está ocorrendo. A determinação do tempo também pode ser definida pela presença de um cofator que amplie ou reduza o efeito da exposição: atividade física (p. ex., durante exercício) ou uma condição de saúde (infecção viral).
Tipos de dados de exposição Os instrumentos para avaliação de exposição incluem (a) bases de dados sobre vendas ou uso de produtos; (b) entrevistas, questionários e diários estruturados; (c) mensurações no meio externo (macroambiente) a partir de registros existentes ou realizadas expressamente pela investigação do epidemiologista (p. ex., níveis de subprodutos da cloração medidos no reservatório da companhia de água); (d) concentrações no ambiente pessoal, ou microambiente (p. ex., monóxido de carbono no ar interior ou trihalometanos na água de torneira); (e) doses individuais (p. ex., usando monitores de ar pessoais, ou combinando medidas do consumo de água no relógio com o consumo de água relatado pelo usuário); (f) medidas de concentrações em tecidos humanos (chumbo no sangue ou bifenis policlorados [PCB] no leite materno) ou produtos metabólicos (ácido dimetilarsínico na urina após exposição ao arsênio); e (g) marcadores de efeitos fisiológicos (adutos proteicos induzidos por βnaftilamina na fumaça de cigarro). Todos os questionários e entrevistas dependem do conhecimento e da memória humanos e por isso estão sujeitos a erro. Entrevistas pessoais ou por telefone também podem causar subrelato de muitos fenômenos e estão sujeitas à “desejabilidade” da atividade que está sendo relatada. Os questionários autoadministrados evitam influências do entrevistador, mas, tipicamente, têm taxas de respostas mais baixas e podem não ser adequados para a obtenção de informações complexas, ao passo que um entrevistador pode verificar se o respondente entende as questões e segue padrões de “pulos” das questões (Armstrong et al., 1992). O uso de respondentes (proxy) resulta em erros maiores. Fazse uma distinção entre uma exposição, mensurada no ambiente externo, e uma dose, mensurada ou em tecido humano ou no ponto de contato entre o sujeito e o ambiente (p. ex., usando um monitor pessoal ou um amostrador de respiração). A diferença entre ambas depende dos padrões de atividade humana, das características fisiológicas e da variação nas próprias exposições externas ao longo do tempo e espaço. Mensurações em meios exteriores geram uma medida ecológica e são úteis quando as exposições estão disseminadas em algumas áreas geográficas ou períodos de tempo em estudo (mas não no total) ou, mais especificamente, quando diferenças de grupo superam diferenças entre indivíduos. Se trihalometanos ou arsênio na água de beber são 10 vezes mais altos em uma comunidade do que em outras áreas, a variação entre indivíduos, em doses, baseada no consumo de água, pode ser ultrapassada em muito pelas diferenças entre comunidades, e, então, o benefício de se colher dados extensos sobre consumo de água seria pequeno. Medidas do macroambiente também são úteis quando o cenário de exposição geral, mais que poluentes individuais, causa preocupação, por exemplo, se níveis de ação reguladora precisam ser determinados. Métodos diretos de mensuração de exposição externa devem ser validados, tanto por meio de um programa de controle de qualidade como de uma relação lógica entre a estratégia de amostragem e a biodinâmica do poluente no ambiente (Seifert, 1995). A duração do contato (ou contato pessoal) pode ser empregada como uma substituta da medida de exposição quantitativa. Tal medida, contudo, pode ser problemática, se a intensidade da exposição
704 Rothman, Greenland, Lash & Cols.
variar entre os indivíduos e ao longo do tempo, e é um determinante forte do efeito. Nesse caso, associações reais poderiam ser obscurecidas (ver “Tópicos sobre Avaliação de Exposição). Uma falta de dados sobre mudanças da exposição ao longo do tempo é difícil de superar. Quando mensurações externas estão disponíveis, são combinadas com duração e período de tempo de residência, e com informações sobre padrão de atividade (tempo gasto no ambiente interno e externo, quantidade de água ingerida, etc.) para se atribuir estimativas quantitativas, ou semiquantitativas, de exposição para os indivíduos. Quando mensurações em cada indivíduo são inviáveis, um substituto pode ser construído usandose modelagem dosimétrica (Lebret, 1995). Mensurações na fonte de exposição são combinadas com informações sobre propriedades físicoquímicas, e também, frequentemente, com mensurações de campo em múltiplas localizações. Exemplos incluem modelos de dispersão para poluentes do ar, modelagem hidrogeológica de exposições veiculadas pela água e modelagem isoplética de contaminantes do solo. Visto que um modelo é simplesmente um conjunto de suposições estruturadas, os modelos dosimétricos devem ser validados nas localizações relevantes antes de serem introduzidos em estudos epidemiológicos (Seifert, 1995). Medidas individuais estimadas podem ser um substituto pobre para doses individuais absorvidas por causa da variabilidade por frequência respiratória, idade, sexo, condições médicas, e assim por diante. A dose pertinente no tecidoalvo depende mais ainda da farmacocinética, isto é, da distribuição em vários compartimentos corpóreos (corrente sanguínea, rins, cérebro, etc.), das taxas e vias metabólicas que podem produzir o composto ativo ou destoxificálo, dos tempos de armazenagem ou retenção e de taxas de eliminação. Diferenças individuais em farmacocinética influenciam a dose no sítioalvo e seu curso no tempo. As concentrações tissulares podem ser melhores do que medidas externas e dados de atividade, mas podem ser uma indicação pobre de exposição de longa duração. Para as vantagens e desvantagens dos vários métodos de mensuração de exposição, ver Armstrong e colaboradores (1992) e Nieuwenhuijsen (2003). Marcadores biológicos, que são alterações em nível celular, bioquímico ou molecular, podem fornecer pistas sobre exposições regressas. Esses marcadores podem indicar a dose absorvida ou ser usados para estimar doses no tecidoalvo, portanto, suplementando dados de recordação pessoal. Os marcadores biológicos normalmente são divididos em marcadores de exposição, marcadores de suscetibilidade e marcadores de doença inicial, mas as linhas divisórias muitas vezes não são claras, pois aqueles com suscetibilidade maior podem absorver ou reter os compostos por tempo mais longo ou podem já estar exibindo fases iniciais de doença. A investigação de biomarcadores foca, largamente, os mecanismos esclarecedores de doenças, começando com exposição, por meio da dose interna, dose bioativa (p. ex., no tecido alvo, ou o metabólito que se crê causar dano), da evidência de fisiologia alterada e dos sinais precocesde doença. A fim de ser útil para esse propósito, devem ser feitas associações, tanto com a exposição quanto com o desfecho da doença. Por exemplo, há uma hipótese de que a proteína Creativa, produzida em resposta à infecção ou lesão local, pode ser um fator de rico causal para doença cardíaca coronariana (Pai et al., 2004). Esse resultado dá espaço para a determinação de fatores ambientais, genéticos ou nutricionais que influenciem os níveis de proteína Creativa. Algumas vezes, os biomarcadores são dosados em tecidos que não estão envolvidos na via
causal, porque órgãos de interesse são inacessíveis (cérebro, pulmão, fígado, etc.): adutos de DNA mensurados em leucócitos são substitutos para lesão de DNA no tecido relevante. Os biomarcadores também são úteis para se explorar interações geneambiente. Por exemplo, o genótipo GSTM1 entre casos de câncer de mama foi associado com adutos de PAH* naquelas que ingeriam álcool, mas não nas abstêmias (Rundle et al., 2003). A fase da vida parece influenciar a frequência de adutos, pois tem sido relatado que recémnascidos têm frequências de adutos maiores em comparação com suas mães, muito embora mutações de gene no locus HPRT fossem mais baixas (Perera et al., 2002). Esse paradoxo aparente é explicado por um tempo de vida mais longo dos adutos nos neonatos, sublinhando
* Polycyclic aromatic hydrocarbons (hidrocarbonetos policíclicos aromáticos).
Epidemiologia Moderna 705
que a referência de tempo da exposição, refletida por qualquer biomarcador, deve ser compreendida, a fim de se evitar conclusões defeituosas.
Tópicos em avaliação de exposição Quer planejando um estudo, quer avaliando revisão de literatura, os epidemiologistas devem lutar com a incerteza em relação à melhor métrica de exposição para o desfecho em estudo. Presumese, frequentemente, que exposições cumulativas tenham quantidade biologicamente relevante, mas essa presunção geralmente não é verificável. A exposição cumulativa em estudos de casocontrole, e alguns de coorte, requer a reconstrução de exposições pregressas, um processo eivado de problemas de recordação, de mensurações incompletas em meios externos ou de registros imprecisos que não podem mais ser validados. Resultados reprodutivos ou do desenvolvimento estão relacionados, frequentemente, a janelas de tempo crítico relativamente curto. Se a representação escolhida não for a biologicamente relevante, o erro de classificação resultante poderá causar estimativas de associação viesadas. Uma medida do erro de classificação, que resulta do uso de uma janela de tempo demasiadamente ampla, é a razão de prevalência de exposição geral para prevalência dentro de uma janela de tempo específica, abreviada como a razão OTW* (HertzPicciotto et al., 1996). Essa medida varia, no limite, de 1 a ∞. Valores altos indicam variabilidade de exposições ao longo do tempo; um valor de 1 implica nenhuma variabilidade, isto é, aqueles expostos em um ponto no tempo, ou durante uma janela específica, possivelmente crítica, estão expostos ao longo de todo o período em que a exposição é avaliada. Em um estudo de mortes fetais, a razão OTW baixa para fumo de cigarros (1.1 ou 1.2) indicou que aquelas que fumavam tendiam a fazêlo durante toda a gravidez, ao passo que a OTW para exposições a pesticidas no trabalho variou de 2.1 a 3.2, indicando que aqueles expostos em um trimestre tendiam a não ser expostos nos outros trimestres e que ocorreria erro de classificação considerável pela presunção de exposições homogêneas durante toda a gravidez. Exposições ou residências em tempos passados são mais apropriadas para estudar doenças que têm longos períodos de indução ou que são causadas por ataques crônicos de longo prazo. Investigações extensas sobre leucemia se aglomerando ao redor da instalação nuclear Sellafield, em West Cumbria, Inglaterra, encontraram um número excessivo entre crianças nascidas na vila, mas não naquelas que se mudaram para a área, sugerindo que, se uma exposição foi responsável, ela atuou antes do nascimento (Gardner et al., 1987). A função cognitiva nos idosos poderia estar relacionada com exposição ao chumbo durante toda a vida, o que é melhor avaliado por mensurações de chumbo ósseo (com uma meiavida de 10 a 15 anos) do que de chumbo no sangue (meiavida de 45 dias). Em contraste, para um estudo do efeito da exposição intrauterina do feto ao chumbo, a exposição cumulativa da mãe é menos relevante do que a quantidade que atinge a circulação placentária; logo, o chumbo sanguíneo materno durante a gravidez (que atravessa a placenta rapidamente) poderia ser superior a uma mensuração isolada de chumbo ósseo. Para efeitos agudos ou moderados de curto prazo (p. ex., episódios de asma induzidos pela
poluição do ar, certos desfechos reprodutivos adversos), o período crítico pode ser mais fácil de identificar, e a recompensa da coleta de informações temporais detalhadas pode ser grande. Bell e colaboradores (2001a, 2001b) descobriram que a força da associação entre pesticidas e mortes fetais tardias por anomalias congênitas era maior para a 3a
a 8a semanas, período de organogênese. Esse estudo tirou vantagem da janela crítica conhecida para tal resultado. Quando a informação sobre tempo de exposição é coletada, mas a janela de tempo crítica não é conhecida, análises com várias escolhas diferentes podem ser instrutivas (ver Cap. 16), desde que haja variabilidade de exposição entre os períodos de tempo e entre as pessoas (Bell et al., 2001c).
Um tópico correlato é aquele do tempo de retenção. Muito embora as exposições externas possam ter terminado anos antes, um composto com uma meiavida longa estará presente em certos
* Overall:timewindow
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órgãos. Os incidentes trágicos conhecidos como Yusho (“doença do óleo”), no Japão, e YuCheng, em Taiwan, envolveram o consumo de óleo de cozinha contaminado com compostos de PCB* (Kuratsune et al., 1972; Chen et al., 1994). Crianças nascidas, anos mais tarde, das mulheres que haviam sido envenenadas, sofreram deficiências graves do desenvolvimento, como um resultado de exposições prénatais à carga no corpo da mãe (Chen et al., 1994). A persistência de pesticidas organoclorados em tecido adiposo possibilita inferências sobre exposições em períodos anteriores, uma vantagem para estudos de casocontrole. De modo mais amplo, ao desenvolver um plano para avaliação de exposição, os epidemiologistas precisam considerar as durações dos períodos de indução e de latência. Embora haja tradições diferentes em áreas de especialidades distintas, para nossos propósitos aqui, consideramos que, quando a exposição ocorre em um só ponto no tempo, o período de indução representa o tempo entre a exposição e o início da doença. O período de latência representa, então, o tempo desde o início até a detecção clínica da doença. Para exposições prolongadas, os períodos combinados de indução e latência abrangem desde o tempo quando a exposição alcança um limiar crítico até o tempo quando a doença se manifesta clinicamente. O ponto em que a exposição atinge o limiar crítico normalmente não é conhecido: ele ocorre em algum momento quando a exposição cumulativa, ou a intensidade da exposição, ultrapassa o limiar que o organismo pode tolerar. Isso poderia acontecer mesmo além do período de exposição externa, se depósitos internos continuassem a “expor” os tecidosalvo, em consequência de tempos longos de retenção (HertzPicciotto et al., 2004). Para exposições prolongadas, os epidemiologistas muitas vezes usam o tempo entre início da exposição e detecção da doença, mas esse intervalo é apenas um substituto para os verdadeiros períodos de indução e latência combinados e pode levar a viés por erro de classificação. Para uma proporção substancial de doenças, o ambiente interage com a genética (ver Cap. 2).
Em nível individual, as exposições afetam aqueles que são geneticamente suscetíveis, de tal forma que o conjunto de causas suficientes inclui tanto a exposição como os genes. Assim, a doença é causada conjuntamente, tantopela herança genética como pelas exposições exógenas com as quais os indivíduos se depararem, e não se desenvolveria sem ambas. Para certas doenças, isso será verdadeiro para todos ou para quase todos os casos, implicando uma fração atribuível de 100% (quase) para causas genéticas e o mesmo para causas ambientais. No entanto, quando epidemiologistas tentam mensurar a contribuição de fatores ambientais disseminados, as estimativas podem ser muito erradas. Se as exposições tendem a ser homogêneas (baixa variabilidade), seus efeitos serão subestimados, ou mesmo completamente obscurecidos. Todos os delineamentos de estudos podem falhar na detecção de uma associação com uma exposição ambiental e identificarão principalmente marcadores de suscetibilidade (Rose, 1985). Outros cenários também poderiam produzir esse problema. Por exemplo, mesmo que as exposições sejam disseminadas e variem, a doença induzida pela exposição pode ocorrer abaixo do nível ao qual a maioria das pessoas está exposta (i.e., as exposições excedem o limiar que influencia o risco de doença). Aqui, os estudos não serão capazes de observar uma associação com exposição, mesmo que a exposição seja onipresente e universalmente causal e apesar de o estudo ter sido delineado para avaliar interações geneambiente. A importância da avaliação da exposição em epidemiologia ambiental não pode ser superdeclarada. Não só os erros frequentemente são substanciais, como os pesquisadores às vezes não sabem quais são as exposições tóxicas ou qual é a via de exposição (inalação, ingestão, absorção dérmica). Mesmo quando a exposição e a via são conhecidas, os níveis de exposição pessoal frequentemente não são avaliados, apesar da variabilidade potencialmente alta. Naturalmente, com frequência o custo é uma barreira.
Erros na mensuração da exposição introduzem tanto viés como imprecisão nas estimativas de seus efeitos sobre a saúde (Brunekreef et al., 1987). A repetição de mensurações pode melhorar a precisão das estimativas de exposição, assim reduzindo o viés em medidas de efeito (Brunekreef et al., 1987; Liu et
* Bifenilas policloradas
Epidemiologia Moderna 707
al., 1978). Observe, também, que, quando a variabilidade entre indivíduos é grande, medidas de exposição em nível macro podem ser preferidas a medidas pessoais ou biológicas, porque as primeiras tendem a dar melhores estimativas de exposições médias (Rappaport et al., 1995). Sheppard e colaboradores assinalaram que, em estudos de séries temporais de poluição do ar, quando fontes de poluição não ambientais são ignoradas, se elas forem independentes das fontes ambientais, o erro resultante em avaliação da exposição não introduzirá viés na estimação de efeito (Sheppard et al., 2004). A literatura sobre erros de mensuração é abundante (Thurigen et al., 2000; Sturmer et al., 2002; Spiegelman et al., 2005), com livros inteiros devotados a esse tópico, alcançando níveis que são altamente técnicos (p. ex., Carroll et al., 2006). O Capítulo 9 discute conceitos básicos e consequências de tais erros. Outras perspectivas sobre melhoramentos na avaliação de exposição focam a integração de uma ampla gama de variáveis, por meio de sistemas de informações geográficas (SIG), softwares que fornecem gerenciamento de dados, mapeamento e capacidade de análise estatística para incorporar atributos espaciais de dados (Cromley e McLafferty, 2002). Tais sistemas podem superpor mapas de dados topográficos (p. ex., cobertura terrestre, tipo de solo, bacias hidrográficas), meteorológicos, sociodemográficos, infraestrutura de serviços de saúde e outros. As aplicações têm incluído determinação de elementos da paisagem que explicam a abundância do vetor Anopheles albimanus em Chiapas, México (Beck et al., 1994); análise da incidência de câncer em crianças em áreas censitárias, em relação a exposições a poluentes aéreos perigosos de várias fontes (Reynolds et al., 2003); e identificação das áreas dentro de um condado onde crianças com níveis altos de chumbo estavam concentradas, a fim de planejar um rastreamento direcionado (Reissman et al., 2001). No planejamento do estudo, a utilidade de mensurações existentes de bases de dados administrativas ou de vigilância, e as decisões sobre quantas e que tipo de mensurações fazer são críticas. Ambas requerem exame próximo de variabilidade dentro e entre indivíduos com o tempo, assim como fontes de erro e incerteza.
DELINEAMENTOS PARA EPIDEMIOLOGIA AMBIENTAL
A epidemiologia ambiental usa todos os delineamentospadrão: coorte, transversal, casocontrole, ecológico, intervenção comunitária e, ocasionalmente, ensaios randomizados. Por exemplo, estudos iniciais da exposição crônica a baixo nível de chumbo e desenvolvimento mental em crianças incluíram delineamentos de coorte (de la Burde e Choate, 1975) e de casocontrole (Youroukos et al., 1978), e, em um estudo clássico transversal, Needleman e colaboradores (1979) estimaram a exposição cumulativa de crianças pela mensuração do conteúdo de chumbo na dentina de seus dentes decíduos, estabelecendo que, depois de ajuste para muitos confundidores, a exposição ao chumbo mais alta durante o tempo de vida estava associada com QI mais baixo e a mais problemas comportamentais. O seguimento longitudinal mostrou mais ainda que a exposição precoce ao chumbo predizia falta de conclusão do curso secundário, escores pobres em leitura, vocabulário e testes de coordenação mãoolho e tempo de reação (Needleman et al., 1990). Bellinger e colaboradores, (1994a) descobriram, de modo semelhante, que o chumbo na dentina dos dentes decíduos estava associado a problemas de comportamento em crianças de 8 anos de idade, ao passo que a exposição prénatal, mensurada pelo chumbo no cordão umbilical, não estava. Em adolescentes, descobriram que a função executiva e a autorregulação foram afetadas adversamente pela exposição ao chumbo (Bellinger et al., 1994b). Assim, uma série de estudos de delineamentos diferentes constrói um corpo de evidências convincente. Estudos de intervenção comunitária são exemplificados por ensaios de fluoração dos sistemas de suprimento público de água. Tais ensaios demonstraram que a adição de flúor tinha o mesmo efeito que o uso do flúor ocorrendo naturalmente na prevenção de cáries, reduzindo o número de dentes cariados, perdidos ou obturados por criança em 48 a 70% (Ast, 1962). A epidemiologia ambiental forneceu o estímulo para o desenvolvimento metodológico de dois
delineamentos relativamente novos: recrutamento aleatorizado em estudos de casocontrole (Weinberg e Sandler, 1991) e estudos de casoscruzados (MacClure, 1991; Levy et al., 2001; Janes et al., 2005).
708 Rothman, Greenland, Lash & Cols.
Recrutamento randomizado Delineamentos de casocontrole em dois estágios (Walker, 1982a; White, 1982b; ver Caps. 8 e 15) são úteis (a) para estudar exposições raras relativas a doenças raras (p. ex., mortes fetais tardias e exposições ocupacionais em uma coorte de base populacional) ou (b) sempre que alguns casos forem muito mais informativos que outros, como ocorre quando a maioria dos casos é atribuível a um fator de risco conhecido que não é de interesse dos pesquisadores. Um exemplo do último é um estudo de casocontrole de causas de câncer de pulmão que não o fumo. Em um delineamento de dois estágios, algumas variáveis prontamente disponíveis são obtidas para todos os sujeitos potenciais, enquanto a coleta custosa de outros dados é limitada aos sujeitos do segundo estágio, que são escolhidos com base no status de doença, como em outras variáveis do primeiro estágio. A maior vantagem do delineamento de dois estágios é a redução substancial dos custos de coleta de dados. No recrutamento randomizado, as probabilidades desejadas no segundo estágio para seleção são aplicadas a estratos baseados em variáveis do primeiro estágio, para determinar se o recrutamento atingiu o sujeito potencial. Essas probabilidades são précalculadas para maximizar eficiência (semelhante a um delineamento pareado padrão), por exemplo, atribuindo uma probabilidade alta aum caso não fumante e uma baixa probabilidade a um caso fumante, ou um controle não fumante. Esse delineamento não requer que uma enumeração de controles potenciais esteja disponível antecipadamente, e, assim, os controles podem ser recrutados simultaneamente, à medida que os casos são acrescidos. Vantagens adicionais são que a distribuição do fator de pareamento na população geral não precisa ser conhecida com antecedência, e o efeito do “pareamento”, ou fatores de rastreamento do primeiro estágio, pode ser avaliado.
Delineamento de casoscruzados
Os delineamentos de casoscruzados foram introduzidos no início da década de 1990 (Maclure, 1991) para estimar um efeito transitório, de curta duração, de exposições intermitentes sobre doenças de início agudo. Para cada ocorrência do evento, o status de exposição no período imediatamente precedente (período de caso) é comparado com exposições da mesma pessoa em um ou mais períodos controle ou de referência. O confundimento por características tempoinvariáveis individuais é completamente controlado, pois o indivíduo fornece seus próprios períodos de referência. Esse delineamento pode ser usado tanto para eventos de ocorrência singular (morte) como para eventos recorrentes (episódios de asma, doenças respiratórias). A análise pode ser feita usandose métodos pessoatempo, se a exposição é registrada continuamente, ou por regressão logística condicional, se a exposição só é conhecida em tempos amostrados, dado o pareamento de casos a seus próprios “controles” (i.e., períodos de tempo controle autopareados); ver Capítulos 8 e 16 para discussão adicional do delineamento e sua análise. Na última década, esse delineamento tem sido aplicado comumente a estudos de efeitos sobre a saúde da poluição do ar. Várias estratégias de amostragem para períodos de referência têm sido propostas e avaliadas. Algumas são mostradas na Figura 30.1. A escolha de um período “de referência” apropriado dependerá das fontes principais de viés em um estudo. Os desafios incluem tendências temporais da exposição, variação sazonal, efeitos do dia da semana, autocorrelação com períodos de referência próximos e viés devido ao uso (incorreto) de máxima verossimilhança condicional, quando se usa amostragem bidirecional simétrica. Levy et al. (2001) demonstraram que a amostragem unidirecional, isto é, selecionando somente períodos de referência antes do evento, produzia estimativas viesadas de efeitos de exposição, primariamente por causa da tendência de longo prazo de exposições declinantes. Eles também mostraram que a seleção de um conjunto simétrico de períodos de referência, por exemplo, 2 dias, um ocorrendo 7 dias antes e o outro 7 dias depois do eventodia do caso, tornava a função de verossimilhança condicional, usada para estimação de coeficientes em uma regressão logística, incorreta (pois a função de verossimilhança verdadeira é constante e igual a 1). Portanto, esse delineamento gera resultados viesados. Um par de soluções tem sido proposto. Navidi e Weinhandl (2002) propuseram
Epidemiologia Moderna 709
um “delineamento bidirecional semissimétrico”, usando dias tanto antes como depois, e selecionando aleatoriamente apenas um deles, a partir da teoria de amostragem da população em risco (riskset sampling). Janes e colaboradores (2005) se referem ao “viés de superposição” quando períodos de referência não são escolhidos a priori e são funções dos tempos de evento observados; eles demonstram para quais estratégias de seleção de tempos de referência a regressão logística condicional produzirá resultados não viesados. Esses autores recomendam períodos de referência “tempoestratificados”, a solução proposta por Levy et al. (2001), na qual o período de tempo é dividido em estratos fixos (p. ex., meses de calendário), e os dias de referência são selecionados dentro de cada estrato. Com esse delineamento, os casos que ocorrem no começo do mês terão a maioria dos dias de referências mais tarde, e os casos perto do fim do mês terão a maioria dos dias de referência mais cedo (Fig. 30.1C). Os delineamentos de casoscruzados podem ser muito úteis em epidemiologia ambiental de exposições transitórias, mas devem ser aplicados com cautela.
Estudos ecológicos
Os estudos ecológicos aparecem, com destaque na epidemiologia ambiental, porque as exposições frequentemente já estão mensuradas em termos de grupo ou porque recursos limitados para realização do estudo impedem a coleta de dados em nível individual. Os estudos ecológicos podem ser o melhor, ou o único, modo de abordar muitas questões de política, que estão, às vezes, no âmago das investigações epidemiológicas ambientais. Isto é, uma política afeta o grupo como um todo: se a tecnologia reduz as emissões dos canos de descarga de veículos a motor, a mistura do ar leva a mudanças em níveis de poluentes respirados em todo o estado ou condado, e quaisquer efeitos de saúde serão observados em toda a população. Se a política é implementada em pontos no tempo diferentes em localizações distintas, o efeito do confundimento de outras alterações será reduzido, contanto que as variáveis de confundimento não mudem em paralelo (p. ex., por causa de política similar ou por outras modificações). Note que se apenas uma variável está sendo mensurada no nível do grupo, tipicamente a exposição, a análise pode ser considerada uma análise de nível individual com erro de mensuração naquela variável. Uma discussão detalhada de estudos ecológicos e vieses associados é fornecida no Capítulo 25.
A Caso B Caso 310 C Caso 17 24 31 310 17 24 31 310 17 24 31
FIGURA 30.1 • Estratégias de amostragem para tempos de referência em delineamento casoscruzados. A: Dois dias de referência são selecionados para comparação com exposições casodia, um antes e um depois da data do caso, usando o mesmo dia da semana (bidirecional simétrico). B: O dia de referência para exposição é 1 semana precedendo a data do caso (unidirecional restrito). C: Os dias de referência são todos os dias no mês do calendário que caiam no mesmo dia da semana (tempoestratificado). Esse delineamento é recomendado por Janes e colaboradores (2005).
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Susser (1994) apresenta uma hierarquia de quatro níveis para estudos ecológicos e ilustra circunstâncias em que o delineamento é (a) “obrigatório e apto”, (b) “opcional e apto”, (c) “opcional, inapto, mas conveniente” e (d) desastrado. No topo dessa hierarquia estão estudos para os quais a meta é determinar a efetividade de programas, políticas ou regulamentos que são implantados no nível ecológico, de tal forma que a exposição seja homogênea entre os indivíduos, e os desfechos sejam significativos primariamente para o grupo. Na segunda categoria, poderiam ser colocados estudos em que a própria exposição é definida no nível do grupo e não pode ser mensurada no nível individual, tais como densidade de lojas de bebidas alcoólicas, ou renda mediana, ou percentual de emprego no censo do quarteirão, ou tipo de hospital (de ensino, de referência, etc.). Os estudos ecológicos também podem ser úteis quando um campo é novo, e a meta é buscar hipóteses sem alto custo (tendência temporal, coorte de nascimentos e estudos de mapeamento podem se aplicar) ou quando a variação entre indivíduos é sobrepujada por diferenças intergrupais (ver, por exemplo, a discussão precedente de trihalometanos na água de beber). Tais exemplos poderiam cair no terceiro grupo de Susser, pois seria conveniente fazer tais estudos em nível ecológico, muito embora um estudo em nível individual fosse mais convincente.
Abordagens ecológicas comuns incluem exploração de variações regionais por meio de mapeamento, alterações por meio de análises de tendência temporal ou de séries temporais, e também diferenças em tendências temporais ao longo de regiões ou mudanças em padrões espaciais com o correr do tempo. Em cada uma dessas abordagens, as análises descritivas podem prosseguir, então, para o ajuste de modelos que usem atributos regionais, ou de períodos de tempo, para predizertaxas de doenças. As ferramentas que ligam variação de espaço e tempo em exposição com variação de espaço e tempo em desfechos de saúde têm passado por um desenvolvimento tremendo; sofisticados sistemas de informação geográfica (SIG) permitem a superposição de bases de dados diversas, numerosas, com variáveis ligadas espacialmente.
Padrões temporais
Há três tipos principais de padrões de doença relacionados com o tempo: aglomeração no tempo, padrões cíclicos e tendências longitudinais. Aglomeração no tempo normalmente ocorre quando um agente novo é introduzido no ambiente humano, ou quando um comportamento humano, subitamente, traz a população ao contato com uma exposição ou com um agente patogênico que não são encontrados comumente em escala tão grande. Os exemplos incluem a ocorrência de vários casos de uma síndrome de malformações extremamente rara em um hospital da Austrália, dentro de um período de tempo curto, o que levou à identificação da talidomida como um agente teratogênico humano (Taussig, 1962); um surto de milhares de casos de paralisia em Meknes, Marrocos, que levou à identificação de um lote de azeite de oliva que havia sido contaminado com fosfatos de cresila, usados em óleos lubrificantes (Smith e Spalding, 1959); e intoxicações alimentares comuns, que resultam frequentemente de manipulação imprópria de alimentos, a qual introduz contaminantes bacterianos, tais como salmonelas, e que envolvem aglomeração no tempo quando um grande número de pessoas se congrega para comer, ou quando o alimento é disseminado amplamente. Acidentes tais como naufrágios, quedas de aviões e incêndios; desastres naturais, tais como terremotos, ondas de calor, inundações ou tsunamis; e convulsões políticas e sociais, tais como guerras e migrações forçadas, também podem produzir aglomerados no tempo (e espaço) de lesões e mortes. Quando a causa é conhecida, o foco dos estudos epidemiológicos pode estar na documentação da fração atribuível ou na identificação de cofatores associados com risco típico mais alto ou mais baixo. Uma análise dos óbitos pelo terremoto de 1999 em Taiwan demonstrou, por exemplo, que aqueles com doença mental, deficiência física ou baixo status socioeconômico estavam em risco maior (Chou et al., 2004). A aglomeração também pode ocorrer quando uma nova ferramenta diagnóstica ingressa na prática médica, resultando em uma onda de diagnósticos, muitas vezes em um estágio mais precoce do que era possível anteriormente. Depois da introdução de um teste diagnóstico, o antígeno prostático
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específico (PSA), a incidência de câncer de próstata mostrou uma aglomeração clara (Fig. 30.2): uma elevação e queda agudas entre 1989 e 1995, com um pico em 1992, superpostos sobre uma elevação constante (SEER Cancer Statistics Review, 19752001). O pico pode ser compreendido como o “iceberg” de casos préclínicos não diagnosticados, detectados pelo PSA; a inclinação linear antes de 1988 é semelhante àquela depois de 1995, mas a última é mais alta (ela tem uma intercepto maior). Essa diferença (a distância vertical entre aquelas duas linhas) representa a incidência de casos que ficavam sem diagnóstico no período inicial. Padrões cíclicos caracterizam numerosas doenças. Tais padrões não são surpreendentes, dados os ciclos bem conhecidos no tamanho e nas atividades da populaçãoalvo, de mudanças no ambiente físico que influenciam a exposição e de muitas funções fisiológicas e comportamentos humanos. Os óbitos por doenças cardiovasculares, vasculares cerebrais e respiratórias elevamse no inverno e declinam no verão (Anderson e Le Riche, 1970; Bull e Morton, 1975), mas ondas extremas de calor
Taxa por 100.000 250 200
Incidência em pulmão Incidência na próstata
150 100 50 0 1975 1988 Ano do diagnóstico
FIGURA 30.2 • Incidência de câncer de próstata versus câncer de pulmão, todas as raças, sexo masculino, 19752001. Fonte: SEER 9 áreas. As taxas são ajustadas por idade para a população padrão por milhão dos Estados Unidos em 2000 por grupos etários de 5 anos. As linhas de regressão estão calculadas usandose o Joinpoint Regression Program Versão 2.7, setembro de 2003, National Cancer Institute.
2001
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também causam acréscimos nessas mortes, geralmente acarretando um pico de somente poucos dias (Gover, 1938; Poumadere et al., 2005). Encontrar um ciclo em incidência implica uma causa cíclica, e é visto frequentemente como evidência para uma possível etiologia infecciosa, embora muitas causas potenciais, tais como temperatura, luz solar, comportamentos, fertilidade, fatores ambientais sazonais (p. ex., uso de certos pesticidas) e até mesmo campos magnéticos, também são cíclicos. Um exemplo de caso interessante é o de sazonalidade e esquizofrenia. Nascimentos no fim do inverno (fevereiro e março), na Suécia, foram relatados como os mais comuns entre mais de 16.000 esquizofrênicos do que na população geral (Dalen, 1968). Tentativas de repetir esse achado, ou de avaliar nascimentos expostos a epidemias de influenza, geraram resultados mistos (p. ex., Hare et al., 1974 versus Krupinski et al., 1976), e, nos anos 1980, os pesquisadores estavam concluindo que a sazonalidade provavelmente era um artefato gerado por erros de delineamento e interpretação (Fananas et al., 1989). Mais recentemente, entretanto, evidências sorológicas de amostras maternas coletadas durante a gravidez indicaram uma incidência sete vezes mais alta de infecção por influenza no primeiro trimestre em esquizofrênicos do que em outros sujeitos (Brown et al., 2004). A maioria dos métodos para avaliar ocorrência cíclica envolve adequar uma curva senoidal às frequências, ou taxas, durante um ciclo único. Se o ciclo é anual, a análise do padrão cíclico frequentemente é designada como uma “análise sazonal”. A modelagem de regressão que incorpora termos trigonométricos para descrever padrões cíclicos é descrita como “regressão periódica”. Muitos fatores que podem confundir outros tipos de análise epidemiológica, tais como idade, status socioeconômico, hábito de fumar, e assim por diante, não confundem a análise sazonal, porque esses fatores tendem a variar pouco por estação. Esse fenômeno, e a estabilidade de denominadores durante um ciclo, simplificam a análise de padrões sazonais. A partir de frequências mensais (ou outras periódicas), podese estimar a razão pico/vale da ocorrência durante um ciclo, o que mede a intensidade do padrão cíclico e o momento do tempo no pico (Edwards, 1961). Tais resultados são facilmente obtidos de um simples programa de planilha eletrônica (http://members.aol.com/krothman/episheet..xls). O exame de padrões de morbidade e mortalidade durante períodos de tempo mais longos (i.e., anos ou décadas) é comumente usado para gerar hipóteses sobre fatores causais não genéticos: em cardiopatia (Marmot, 1992), câncer de mama (Tarone e Chu, 1992) e asma (Arrighi, 1995). O aumento da incidência de autismo tem sido citado como uma evidência de uma contribuição ambiental, embora a melhora no diagnóstico e uma mudança de atitude dos pais, no sentido de levar seus filhos à atenção da comunidade médica, indubitavelmente tivessem uma participação nessas estatísticas (California Department of Developmental Services, 2003).
Inferências sobre as causas de tendências longitudinais podem ser problemáticas. Fatores de confundimento incluem mudanças em procedimentos diagnósticos e sua acurácia em tempo de sobrevida devido a tratamentos mais eficazes (daí afetando estudos de prevalência e mortalidade) e no comportamento de busca de assistência à saúde para condições menos ameaçadoras para a vida (Devesa et al., 1984). Entretanto, as tendências no tempo representam uma fonte de pistas etiológicas. Quando são vistas diferenças em gênero em tendências no tempo, fatores nos quais homens e mulheres tendem a diferir (p. ex., ocupações, fumo, álcool, etc.) são mais suspeitos. Inversamente, quando nenhuma diferença de gênero é observada, exposições em comum são mais plausíveis Alterações comportamentais,ou outras mudanças de exposição que ocorrem em toda população durante o tempo de calendário, dão origem a um efeito periódico; mudanças que ocorrem entre gerações (pessoas nascidas mais tarde comportandose diferentemente ou sendo expostas a novos fatores ambientais) resultam em um efeito de coorte de nascimento. Como idade, período e coorte são dependentes linearmente, um modelo completo que incorpore todos os três fatores é não identificável, significando que não há meio de se estimar isoladamente todos os três efeitos de maneira simultânea sem fazer pressupostos adicionais. A análise de coorte de nascimento é particularmente útil quando as exposições são de curta duração ou quando mudam ao longo do tempo de forma não monótona (p. ex., Frost, 1939).
O mapeamento de taxas de doença cumpre uma função semelhante à análise de tendência temporal ou de coorte de nascimento. Por volta de 1790, mapas de pontos de casos de febre amarela ao longo da costa leste dos Estados Unidos desempenharam papel importante no debate entre contagionistas e anticontagionistas (Howe, 1989). O mapa de Snow dos casos de cólera que envolveram a bomba da Rua Broad esclareceu a causa imediata (1855). O mapeamento da doença endêmica veio mais tarde. Para uma história do mapeamento da doença e seu uso no estudo da epidemia dos séculos XIX e XX, ver Howe (1989). Três características importantes de um mapa são (a) se os locais são pontos ou regiões, (b) se
regiões, se elas são regulares ou irregulares e (c) se a variável que está sendo mapeada é contínua ou discreta. Construir mapas para dados contínuos, tais como taxas de doenças ou expectativas de vida média em estados ou municípios, tipicamente envolve (a) dividir a região geográfica relevante em áreas discretas (muitas vezes predefinidas pelas unidades que coletam os dados), (b) calcular taxas padronizadas ou médias em cada área, (c) categorizar as taxas ou médias e (d) associar uma cor, ou esquema de sombreamento, para representar as categorias ordenadas. O resultado é um mapa com cores das taxas ou médias. Decisões devem ser tomadas com relação às escolhas de limites, método de padronização,
número de categorias para as taxas, onde fazer os pontos de corte e se estes pontos de corte devem variar entre mapas similares (Smans e Esteve, 1992). Ver Capítulos 3, 4 e 15 para métodos de padronização. O número de categorias deve ser escolhido para maximizar a informação a ser transmitida ao leitor. Ver Capítulos 13, 15 e 17 para discussões sobre a escolha de categorias. Cromley e McLafferty (2002) discutem essas e várias outras decisões que podem obscurecer, ou destacar, informações em mapas de saúde ambiental. Um problema bem mais difícil é aquele das doenças raras. Como o tamanho da população subjacente quase sempre será diferente entre as áreas, muitas das áreas de alta taxa terão poucos casos. Quanto maior é a instabilidade das taxas, mais forte é a verossimilhança de uma taxa extremamente elevada. Portanto, mapas de taxas brutas ou padronizadas de doença chamarão atenção, predominantemente, para riscos elevados, mas instáveis, em áreas povoadas esparsamente. Uma alternativa é mapear os valores P, porém, como estes refletem tanto a força da associação como a precisão, essa abordagem tende a destacar grandes regiões que têm elevações de risco relativamente pequenas, focando a atenção no tamanho da população, em vez de na magnitude do risco. As soluções mais viáveis para esse problema se encontram sob a rubrica de “contração (shrinkage)” ou métodos de Bayes, que combinam informação “a priori” com os dados empíricos para derivar uma estimativa a posteriori aprimorada. Na aplicação do mapeamento, a taxa subjacente no mapa total serve como a informação a priori. Como a taxa subjacente também é desconhecida e é substituída por uma estimativa a partir dos dados, o método é designado como “bayesiano empírico”. O termo “contração” referese à substituição de cada taxa por uma taxa ajustada, que é mais próxima da taxa média para todas as localizações – uma contração (ou aumento) em direção à média geral. Para mapeamento da doença, a variação em tamanhos de população é uma fonte incômoda de heterogeneidade, e os métodos bayesianos empíricos são técnicas de suavização baseadas em três suposições: (a) a taxa geral não tem viés e não deve ser alterada; (b) a contração de uma taxa individual deve aumentar à medida que a variância cresce; e (c) a distribuição de taxas de incidência segue uma distribuição de probabilidades (Cromley e McLafferty, 2002). Elliott e colaboradores (1992, ver gravura colorida 4) mostram como o mapeamento de taxas que foram estabilizadas por meio de técnicas empíricas de Bayes pode filtrar a interferência visual e destacar padrões geográficos de doença dignos de nota. Embora nem todos os artefatos de mapeamento possam ser removidos (Gelman e Price, 1999), tais métodos oferecem maiores vantagens sobre os mapas de taxas brutas (Moulton et al., 1994). Os mapas podem estimular a pesquisa etiológica, inclusive estudos focados de casocontrole ou de coorte. Os mapas dos Estados Unidos específicos por condados, publicados pelo National Cancer Institute na década de 1970 (Mason et al., 1976), foram utilizados para vigilância e levaram a estudos de casocontrole direcionados, que terminaram por identificar altas taxas de mortalidade por câncer
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nasal em áreas com indústrias de móveis (Brinton et al., 1977), câncer de pulmão em condados com manufatura de produtos petroquímicos (Blot e Fraumeni, 1976), câncer de bexiga onde indústrias químicas estavam localizadas (Hoover et al., 1975) e câncer oral em regiões onde o uso de rapé era comum (Blot e Fraumeni, 1977).
Mesmo para estudos de determinantes de doença que não sejam de natureza obviamente espacial, pode ser necessário controlar a localização geográfica, porque confundidores importantes, que são difíceis ou inviáveis de mensurar, podem aglomerarse espacialmente. Os exemplos incluem práticas diagnósticas dos médicos, ou costumes locais, que impelem as pessoas a procurarem atenção médica. Cressie (1991) demonstrou o uso de técnicas para remover tendências espaciais em dados e assim controlar confundidores relacionados espacialmente.
Comparação de análise de tendências temporais e análise de dados espaciais
Diferentemente das análises espaciais, as comparações temporais podem requerer apenas dados de eventos, se for razoável a suposição de que não há alteração temporal importante em fatores de risco basais ou no tamanho da população em risco. Em contraste, as comparações espaciais quase que invariavelmente demandam dados sobre eventos e população em risco – isto é, tamanho, distribuições de idade e sexo, etc.
A escala dos dados é crucial, tanto para dados temporais como espaciais. A escala de tempo para rastrear epidemias de sarampo é de dias a semanas, ao passo que a mortalidade por doenças cardiovasculares mostra tendências que abrangem décadas (Uemura e Pisa, 1988), assim como variação sazonal (Anderson e Le Riche, 1970). Obviamente, tanto a exposição como a doença ditarão que escala de tempo é importante. As análises de tendência temporal, não importa a escala, são mais úteis quando as exposições pertinentes são disseminadas, porque se pode agregar dados de regiões de tamanho considerável para a obtenção de taxas específicas por tempo. A estabilidade das associações com doença dependerá do tamanho da população, das taxas originais de doença e da amplitude dos períodos de tempo de interesse. Estudos de períodos de tempo mais curtos requerem tamanhos de população maiores ou taxas originais mais altas. Para dados espaciais, entretanto, o problema da escala muitas vezes levanta problemas metodológicos adicionais. Quando as exposições são localizadas, o pesquisador estará interessado em áreas pequenas, onde as taxas de doença tenderão a ser instáveis. A estabilidade poderia ser obtida se tais exposições localizadas (p. ex., produtos químicos migrando de um depósito de detritos perigosos) estivessempresentes e documentadas por períodos de tempo prolongados, e dados apropriados de desfechos pudessem ser obtidos. Assuntos envolvendo pequenas populações geograficamente definidas e variáveis são abordados pela literatura sob o tópico de análises de pequenas áreas (Elliott et al., 1992; Richardson et al., 2004).
ANÁLISE E DESAFIOS METODOLÓGICOS EM EPIDEMIOLOGIA AMBIENTAL
Ao estudarem taxas de doença em relação à geografia ou ao período de tempo, os epidemiologistas vão querer ajustar para confundimento multivariado e poderão desejar modelar as relações exposiçãoresposta quantitativamente. Em estudos longitudinais, medidas repetidas precisarão de ajuste para autocorrelação, ao passo que os estudos geográficos podem exigir métodos especiais, tais como os métodos bayesianos empíricos, ou krigagem, adjacência e técnicas baseadas em distância. Os modelos lineares generalizados fornecem um arcabouço geral que pode abranger dados, tanto em nível do grupo como individual, em estudo transversal ao longo do tempo ou através do espaço. Para dados em nível de grupo, ou seja, taxas de doenças, a regressão de Poisson (ver Cap. 21) frequentemente é o método de escolha (Checkoway et al., 2004) e pode ser aplicada a dados para os quais tempo e
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espaço são fatores centrais que definem as unidades de observação. Quando a doença é mais comum, a regressão binomial, ou a análise de sobrevida, é mais apropriada. As interrelações entre esses três métodos são discutidas por Pearce e colaboradores (1988). Na regressão de Poisson, as contagens ou taxas de eventos são descritas como uma função de variáveis de exposição, espaciais, de tempo, demográficas e outras. O método é usado comumente quando as variáveis preditivas (preditoras) são categóricas (nominais ou ordinais), mas não precisa ser limitado a tais variáveis. Dentro de caselas construídas por classificação cruzada entre variáveis preditivas, os eventos são enumerados, e, na maioria dos casos, também será necessário obter a pessoatempo ou a contagem esperada associada a cada casela. Os dados coletados de séries temporais ou regiões geográficas podem ser organizados em caselas tais como dias, semanas, anos, etc., condados, estados, regiões do mundo, etc. ou unidades espaçotempo como condadosanos, etc. Nos modelos de regressão de Poisson exponenciais típicos (loglineares), as suposições incluem que (a) o logaritmo da taxa de doença muda linearmente, com aumentos de intervalos iguais na variável de exposição; (b) as mudanças na taxa dos efeitos combinados de diferemtes exposições ou fatores de risco são multiplicativas; (c) em cada nível das covariáveis, o número de casos tem variância igual à sua média; e (d) as observações são independentes. Métodos para detectar e lidar com violações das suposições (a) e (b) são similares àqueles usados para outros modelos exponenciais (p. ex., logístico, de riscos proporcionais) (ver Greenland, 1989b; McCullagh e Nelder, 1989; e Cap. 20). Métodos para identificar violações da suposição (c), isto é, para determinar se há superdispersão (as variâncias são grandes demais) ou subdispersão (pequenas demais), incluem gráficos de resíduos versus a média em diferentes níveis da variável preditiva. Os métodos para lidar com violação das suposições de Poisson são discutidos por Breslow (1984) e por McCullagh e Nelder (1989). Em estudos espaciais ou de tendências temporais, a suposição de independência pode não ser
verdadeira. Em séries temporais, os números de eventos (p. ex., óbitos, internações hospitalares, etc.) que ocorrem em um dado dia i podem ser correlacionados com os números de eventos nos dias i – 1, i – 2, etc., não por causa da correlação em variáveis explicativas (p. ex., inverno) mas por motivos desconhecidos ou não mensurados. Falta de independência semelhante pode ocorrer com dados espaciais. A similaridade das taxas de doença em uma dada região geográfica com as taxas em regiões contíguas poderia ser devido à transmissão pessoa a pessoa, à presença dos mesmos vetores ou fontes de exposição, ou à influência das práticas diagnósticas dos médicos. Os modelos de autocorrelação podem incorporar essas observações não independentes.
Análises de séries temporais: confundimento e autorregressão
Análises de séries temporais seguem uma dada comunidade ou região ao longo do tempo, geralmente sem dados de covariáveis sobre os indivíduos. Embora os desfechos possam incluir médias de mensurações contínuas feitas em indivíduos, tais como função pulmonar, muitas vezes são taxas de eventos binários (morte, internação hospitalar, sintoma presente, etc.) e são bem adequados para regressão de Poisson.
Conforme dito anteriormente, comparações dentro de comunidades, em contraste com comparações espaciais, eliminam a necessidade dos dados do denominador, quando a composição e o tamanho da população não mudam durante o período de tempo de interesse. Essa abordagem é particularmente vantajosa quando a área de recrutamento não é clara; digamos, para estudos de bases hospitalares localizadas em áreas densamente povoadas, onde nem todos os hospitais podem ser incluídos, contagens de internações ou de pacientes ambulatoriais poderiam ser comparáveis para dias de poluição alta versus baixa. Assim, comparações temporais dentro de uma população são convenientes para avaliar efeitos agudos de exposições em toda a comunidade e podem fornecer estimativas mais válidas do que as comparações entre comunidades. Embora confundidores em nível individual não sejam um problema em tais estudos, o confundimento pode acontecer em consequência de agentes infecciosos, poluentes correlatos, tendências tem
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porais em mortalidade e fatores meteorológicos. Temperatura, umidade e flutuações sazonais podem se correlacionar tanto com poluição como com desfechos de saúde. Correlações altas entre poluentes individuais (particulados, aerossóis ácidos, ozônio, etc.) não são um problema se a mistura for de interesse, mas representam um desafio se a meta for identificar o fator preciso responsável por efeitos adversos à saúde ou distinguir os papéis relativos dos diferentes componentes da mistura. Em teoria, tais dificuldades podem ser superadas pelo estudo de áreas ou períodos de tempo em que as correlações sejam baixas ou variem entre regiões. BorjaAburto e colaboradores (1997) focaram a Cidade do México, onde níveis de ozônio não são tão altamente correlacionados com dióxido de enxofre, temperatura, partículas totais em suspensão como são na maioria das cidades nos Estados Unidos. Tendências de mortalidade a longo prazo também podem ser um problema em uma série temporal longa. O ajuste para tais tendências, contudo, deve ser adotado com cautela. Se houve uma tendência de longa duração na exposição (aumentos ou declínios dos níveis de poluição), então o ajuste poderia introduzir viés na direção da nulidade em medidas de efeito da poluição. Contudo, quando períodos de tempo mais longos estão sendo abordados, padrões de migração, mudanças de práticas diagnósticas, modificações de comportamento e outras fontes importantes de mudanças ou de viés ganham importância.
Classe social como um confundidor em comparações intercomunitárias
Um delineamento comum compara taxas de doença em comunidades que têm alta exposição com taxas de comunidades de exposição baixa. Esse delineamento é apropriado quando as exposições são espalhadas ao longo de uma comunidade, mas não onde fontes pontuais poluem áreas muito pequenas dentro de uma comunidade. Embora muitos estudos de comparação intercomunitária sejam ecológicos, um delineamento mais válido (não sujeito a vieses ecológicos) envolve a mensuração de covariáveis e desfecho em nível individual, mesmo que a exposição só possa ser mensurada de modo factível em nível de grupo. Comparações intercomunitárias são particularmente úteis para avaliar o efeito de exposições crônicas continuadas, que variam primariamente entre comunidades, e não dentro delas. Entretanto, fatores sociais, culturais eeconômicos podem variar entre comunidades de modo semelhante, introduzindo uma dificuldade séria para obtenção de controle completo para confundimento. A classe social está fortemente associada com uma gama ampla de doenças (Krieger e Fee, 1994), e desigualdades sistemáticas em poluição ambiental com relação à pobreza ou raça estão bem documentadas (United Church of Christ Comission on Racial Justice, 1987; United States Environmental Protection Agency, 1992; Evans e Kantrowitz, 2002). Essas disparidades não são recentes, mesmo que a pesquisa tenha diminuindo. As concentrações de DDT, seus metabólitos e PCB em residentes da Baía de San Francisco foram substancialmente mais altas entre afroamericanos do que entre brancos durante os anos de 1960 (James et al., 2002). Similarmente, dados coletados em 19761980 para o Second National Health and Nutrition Examination Survey* (NHANES) demonstraram níveis de chumbo no sangue muito mais altos entre afroamericanos e entre aqueles de baixa escolaridade em comparação com brancos e aqueles com grau de escolaridade mais elevado (Mahaffey et al., 1982). Dadas as fortes associações do status socioeconômico, tanto com exposições ambientais como com desfechos de saúde, o potencial para confundimento é grande. Tipicamente, como a renda é difícil de se obter, os epidemiologistas usam escolaridade para captar a classe social e, ocasionalmente, a ocupação. O ajuste para esses fatores pode ser inadequado, devido ao confundimento residual que surge de muitas maneiras, inclusive a utilização de categorias amplas para escolaridade ou status socioeconômico (Kaufman et al., 1997) e a falta de dados sobre recursos ou capital social, fatores que operam em nível individual, domiciliar/familiar ou de vizinhança e que influenciam a suscetibilidade do hospedeiro e o acesso à assistência médica ou preventiva; ver Capítulo 26. Características de vizinhança parecem predizer a saúde, mesmo após controle para fatores em nível individual. Fatores de vizinhança derivados do censo, potencialmente relevantes, incluem percentagem de desempregados,
* Segundo Inquérito Nacional de Exame da Saúde e Nutrição.
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percentagem de moradias ocupadas pelo proprietário e renda mediana; outros são a disponibilidade de supermercados com produtos frescos (Fitzgibbon e Stolley, 2004), densidade de lojas de bebidas alcoólicas (LaVeist e Wallace, 2000) e taxas de criminalidade (Cinat et al., 2004). Confundidores mensurados inadequadamente podem resultar em estimativas viesadas de associações entre a exposição principal e o desfecho, mesmo depois de ajuste para esses confundidores (ver Cap. 9). Tais erros podem ser substanciais, mas não seriam detectáveis em uma análise comum sem dados sobre o grau de erro de mensuração do confundidor (classe social). Ainda mais, mesmo se o erro de classificação dos confundidores é não diferencial, a medida ajustada poderia ser mais viesada do que a medida bruta (Greenland, 1980; Brenner, 1993). Por isso, podemos precisar ir além dos substitutos usuais para esse determinante importante do estado de saúde. Embora o status socioeconômico seja um preditor importante de saúde, tratálo como um confundidor poderia ser incorreto se algumas das disparidades em desfechos de saúde atribuídas à situação socioeconômica forem, na verdade, uma consequência de exposições ambientais (Bellinger, 2004). Os pesquisadores precisam abordar a classe social no planejamento, na coleta de dados e nas fases de análise de um estudo. O uso de gráficos acíclicos direcionados (Hernan et al., 2002; Greenland et al., 1999a; Pearl, 2000) em conjunto com a literatura existente pode ajudar a esclarecer os fatores envolvidos e como eles se encaixam em um modelo causal conceitual; ver Capítulo 12 para maiores detalhes.
Análise de aglomerados Um aglomerado (cluster) de doença é definido como uma agregação incomum de ocorrências de uma enfermidade no tempo, no espaço ou em ambos. Para compreender o que é incomum, é preciso primeiramente que se olhe além do período de tempo, do espaço ou de espaço e tempo de interesse para determinar o que é comum. As taxas “comuns” virão da distribuição de ocorrências na mesma localização em outros períodos de tempo, em uma ou mais localizações semelhantes nos mesmos períodos de tempo ou em áreas maiores que o local de interesse. Para aglomeração espacial, as distribuições de não casos (ou a população em risco) pelo mesmo tempo e espaço são necessárias. Obter denominadores pode ser uma imensa tarefa quando as regiões de exposições homogêneas não corresponderem às regiões para as quais a população ou os dados de saúde não estiverem disponíveis (HertzPicciotto, 1996). Investigações de aglomerados isolados normalmente são infrutíferas, enquanto a pesquisa sobre aglomeração generalizada em grandes áreas (Esta doença tende a ocorrer em aglomerados? Onde estão os pontos de concentração para esta doença?) pode servir como vigilância para oferecer informações sobre o que é “usual” e gerar hipóteses quando áreas de incidência alta e/ou baixa são observadas. Alguns métodos de investigação de aglomerados baseiamse em dados somente de casos. Outros requerem denominadores da população ou um grupo controle amostrado aleatoriamente da população. Em geral, a escala na qual os dados são coletados será, frequentemente, um determinante importante de qual tipo de análise pode ser usado e da capacidade de se descobrir padrões significantes. Três classes de abordagens analíticas para estudo de variação geográfica são contagem de caselas, adjacência e métodos de distância ou de vizinho mais próximo. Os métodos de contagem de caselas comparam as frequências observadas de eventos nas unidades ou caselas, normalmente definidas por áreas geográficas, com frequências esperadas de eventos, geralmente definidas sob a suposição de uma distribuição de Poisson. Há métodos desenvolvidos recentemente que não sofrem dos problemas de limites arbitrários (mas fixos) e regiões ou intervalos ou tempo que são pequenos ou grandes demais em relação à escala na qual os eventos se aglomeram. Uma classe de tais métodos é a estatística de “varredura”. Zonas de unidades geográficas ou caselas para as quais os centroides caem dentro de regiões préespecificadas são examinadas e estatísticas de razões de verossimilhança são calculadas para identificar os aglomerados mais prováveis (Kulldorff, 1997). Uma extensão das abordagens de contagem de caselas corresponde aos métodos de adjacência,
que examinam se é provável de que áreas com taxas altas de doença sejam adjacentes a outras áreas com taxas elevadas. Se as localizações exatas dos casos não são conhecidas e/ou a escala de aglo
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meração é desconhecida, ou abrange múltiplas caselas, os métodos de adjacência são apropriados. Tais técnicas examinam o grau no qual áreas com contagens mais altas que o esperado tendem a se aglomerar, por meio de ferramentas da geografia conhecidas como estatísticas espaciais de autocorrelação, que medem a extensão em que o valor de uma variável em uma localização depende de valores da mesma variável em localizações próximas. “Próxima” pode ser definida de várias maneiras, por exemplo, o número de residentes de uma região que trabalham em uma região vizinha, etc. Os métodos de distância, ou de vizinho mais próximo, comparam as distâncias físicas entre os casos a distâncias esperadas. Essas análises evitam, intrinsecamente, a imposição de limites regionais arbitrários, não exigem préespecificação de quão próximos os casos precisam estar para constituir um aglomerado e, geralmente, não requerem dados de denominador. As distâncias entre casos e as mais próximas de outros casos podem ser utilizadas em numerosos tipos de análises (Besag, 1989; Besag e Newell, 1991). As análises de vizinho mais próximo são úteis para estudos de casocontrole; aglomeração relativa pode ser definida usandose distâncias entre casos versus distâncias entre controles, com numerosas elaborações (Rogerson, 2006).
Análisede aglomeração em torno de fontes pontuais
Uma abordagem convencional dirigida à aglomeração em torno de fontes poluentes conhecidas é uma variante do método de contagem de caselas, que envolve traçar limites em torno do local para incluir uma população exposta nas proximidades, calcular a taxa de doença e fazer comparação com taxas estaduais ou nacionais. Os problemas com essa abordagem incluem (a) tamanhos de populações indeterminados, (b) arbitrariedade das fronteiras e (c) dificuldades se a área escolhida for grande demais (o efeito é amortecido) ou demasiado pequena (baixo poder) (Bithell e Stone, 1989). Outro problema é a falta de comparabilidade sociodemográfica entre as populações expostas e de referência. Alguns dos problemas são superados por métodos de medida de distância que evitam definições arbitrárias da área afetada e não requerem tamanhos iguais de população. O método de Besag e Newell (1991) envolve a criação de zonas ordenadas por distância a partir de uma fonte de exposição. A fonte não precisa ser um ponto; pode ser um rio ou um litoral com distância definida apropriadamente.
Considerações gerais na investigação de aglomerados Relatos de aglomerados percebidos são feitos muitas vezes a agências locais, estaduais e federais por
cidadãos preocupados, médicos ou outros profissionais de saúde, algumas vezes congestionando esses locais. As diretrizes do Centers for Disease Control and Prevention dos Estados Unidos (1990b) para investigação de aglomerados demandam uma abordagem integrada, que procura ser responsiva às preocupações da comunidade, e, ao mesmo tempo, reconhecem que a maioria de tais relatos não leva à identificação de uma exposição causal comum para os eventos de interesse. Com frequência, simplesmente não há excesso de casos. Além disso, os casos relatados podem ser diversificados demais para que sejam razoavelmente suspeitos de surgirem da mesma causa. Outro aspecto é que, mesmo que haja um excesso, o número de casos pode ser pequeno demais para análise estatística significativa. E, por fim, pode não haver exposição suspeita identificada ou a(s) exposição(ões) sugerida(s) pela comunidade pode(m) não ser uma causa plausível, ou conjunto de causas, para o desfecho relatado. Em geral, é difícil tirar uma conclusão relativa à aglomeração a partir de um só aglomerado, não importa o quanto incomum seja. As investigações de aglomerados são mais frutíferas quando (a) o desfecho é raro e ocorre primariamente por um mecanismo isolado ou (b) a taxa de doença elevase rapidamente (Rothman, 1990b). Os profissionais de saúde que se comunicam com o público leigo precisam reconhecer a lacuna cultural entre cientistas e não cientistas a respeito de como as evidências são avaliadas. Essa brecha só pode ser preenchida pela comunicação em mão dupla: escutando as preocupações e ideias daqueles de fora da profissão e explicando respeitosamente a lógica por trás das escolhas feitas. Envolver a comunidade no processo de avaliar informações de saúde e exposição já é um bom caminho na direção de superar as diferenças de perspectivas.
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VIGILÂNCIA E AVALIAÇÃO DE RISCO DE PERIGOS AMBIENTAIS Vigilância de saúde ambiental A vigilância de saúde ambiental envolve a coleta sistemática, linkagem e análise, tanto dos dados ambientais como de saúde, a fim de identificar aquelas exposições que estejam afetando adversamente o
bemestar da população, de modo que políticas públicas racionais possam ser desenvolvidas. Apesar de haver regulamentações regendo os produtos químicos introduzidos no meio ambiente, nem todas as funções ou sistemas são estudados para efeitos crônicos de longo prazo. Os testes de toxicidade para o desenvolvimento neurológico, por exemplo, não são exigidos, muito embora isso possa ocorrer com exposições mais baixas do que para outros tipos de toxicidade. Na ausência de testes adequados de préliberação, o monitoramento sistemático para efeitos adversos à saúde é racional e apropriado. A vigilância de doenças é discutida extensamente no Capítulo 22, mas a vigilância para perigos ambientais requer elementos adicionais (HertzPicciotto, 1996).
Um sistema de vigilância ideal para doença induzida ambientalmente teria os seguintes elementos: (a) dados de mortalidade e morbidade de alta qualidade, com informações de residência; (b) dados populacionais temporais para denominadores, a fim de se calcular taxas, com ajuste para migração entre os recenseamentos; (c) dados temporais de alta qualidade sobre emissões e monitoramento ambiental para ar, água, solo, alimentos e outros meios de exposição, caracterizados geográfica e temporalmente; (d) dados de monitoramento pessoal, biomonitoramento e modelagem de exposição para captar transporte e transmissão; (e) ferramentas para conectar os diversos tipos de dados; (f) padrões compatíveis entre as fontes de dados e vocabulários padronizados; (g) resolução bastante fina para ser útil na observação de efeitos de exposições localizadas sobre comunidades pequenas; e (h) sistemas para divulgação de dados (HertzPicciotto, 1996; McGeehin et al., 2004). Embora custoso, os benefícios de um sistema de vigilância incluiriam informações sobre tendências de longo prazo; capacidade de aviso precoce, isto é, a possibilidade de detectar incidência incomumente alta de doenças contempladas pelo sistema; evitar ansiedade pública e investigações onerosas de situações nas quais nenhum risco excessivo é constatado; e o potencial para aumento de confiança do público no comprometimento do governo e dos cientistas de saúde com a proteção da saúde da população. Recentemente, iniciativas nos Estados Unidos e em outros países começaram a abordar a necessidade de sistemas de vigilância integrados. Nos Estados Unidos, a Pew Environmental Health Commission (2000) propôs o estabelecimento de uma Rede de Rastreamento de Saúde Nacional, que monitoraria e estabeleceria relações entre perigos ambientais e doença. O relatório citou a ausência de informações sobre doenças autoimunes, deficiências do desenvolvimento, diabete e outros transtornos endocrinológicos, asma e defeitos congênitos. Passos iniciais parecem ter sido dados, envolvendo várias agências de saúde e ambientais (McGeehin et al., 2004). Considerando os mais recentes desafios ambientais descritos posteriormente, esses sistemas também precisarão integrar alterações globais em larga escala, tais como o ozônio estratosférico e fatores climáticos.
Avaliação de risco A avaliação de risco, uma interface entre epidemiologia ambiental e política de saúde ambiental, envolve estimações de risco para situações em que os riscos não podem ser mensurados nem observados diretamente, porque são baixos demais, a população é demasiadamente pequena, as exposições não ocorrem isoladamente de outras exposições perigosas, o cenário de exposição é projetado, mas ainda não ocorreu, ou um período de indução suficiente desde a exposição ainda não passou. A U.S. National Academy of Sciences (Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos) (1983) definiu avaliação de risco como “o uso da base factual para definir os efeitos sobre a saúde da exposição de indivíduos ou populações a materiais e situações perigosas”. Essa definição, entretanto, não chega a descrever o verdadeiro estado da arte: a base factual geralmente não é completamente adequada, e, por isso, são feitas algumas suposições que não são diretamente testáveis. Como pode ser necessário
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tomar decisões antes que as evidências estejam completas, os formuladores de políticas e o público buscam estimativas sobre quais são os custos de saúde de certas ações da sociedade, bem como de falta de ação. Sem insumos da epidemiologia (e da toxicologia), as abordagens reguladoras podem ser influenciadas apenas por pressões econômicas. Os quatro passos na avaliação do risco são (National Research Council, 1983; U.S. Environmental Protection Agency, 1986): 1. Identificação do perigo: Há evidência de que o agente seja capaz de prejudicar a saúdeda população exposta?
2. Avaliação da exposição: Quem está exposto e por qual meio (ar, água, alimentos, etc), em que dose e por quanto tempo?
3. Dose–resposta: Qual é a taxa de resposta para doses na faixa observável e qual é a resposta prevista em níveis mais baixos?
4. Caracterização do risco: Dada a população exposta, e sua exposição estimada ou real, e dada a relação dose–resposta extrapolada, qual é o impacto previsto sobre a saúde da população? A avaliação de risco tem uma longa história de ser usada informalmente como uma parte natural da prática de saúde preventiva.
Dados epidemiológicos têm sido usados para quantificar riscos para o câncer e mortalidade cardiorrespiratória induzidos ambientalmente (HertzPicciotto e Hu, 1994; HertzPicciotto, 1995; Kunzli et al., 2000, 2001) e para verificar a plausibilidade de extrapolações de risco baseadas em animais (HertzPicciotto e Hu, 1994; HertzPicciotto, 1995). Defrontados com novos desafios, tais como transporte global de poluentes aéreos, alterações climáticas, depleção da camada de ozônio, e assim por diante, pode haver muito da avaliação de risco “tradicional” que possa ser útil quando nos deparamos com riscos e cenários que só podem ser parcialmente previstos.
LIÇÕES HISTÓRICAS EM EPIDEMIOLOGIA AMBIENTAL Em seu período inicial, a epidemiologia ambiental esteve preocupada principalmente com agentes biológicos e com fatores ambientais que alteravam o contato humano com tais agentes. Esta seção fornece uns poucos exemplos históricos, começando com lições de Snow (1855) sobre contaminação da água, passando pela poluição do ar ambiente e concluindo com poluentes orgânicos persistentes.
Contaminação da água O trabalho clássico de John Snow (1855), On the Mode of Communication of Cholera*, apresentou uma série de evidências de que o material fecal de pacientes infectados continha o “veneno mórbido”, que a ingestão de quantidades muito pequenas era o modo de transmissão e que a mistura de esgoto com fontes de água de beber possibilitava tal propagação em ampla escala. O método procedeu de uma série de casos que rastrearam a introdução da epidemia em uma municipalidade ao mapeamento de casos e comparações ecológicas entre distritos de Londres para os surtos de 1832, 1849 e 1853 até um experimento natural (um delineamento de coorte em que a exposição foi alocada aleatoriamente, ver Cap. 6). As comparações ecológicas intercomunitárias de distritos de Londres foram acompanhadas de dados de valor de propriedades para mostrar a falta de correspondência entre fonte de água e riqueza, provendo, deste modo, evidência de que a associação não era causada por este confundidor potencial. O experimento natural foi decorrente de um feliz acaso, mas Snow fortaleceu os achados ao incorporar confirmações individuais de exposição. De fato, o próprio Snow (e um assistente) visitou os lares de todas as vítimas de cólera e indagou aos sobreviventes o nome de sua companhia
* Sobre o Modo de Transmissão da Cólera.
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de fornecimento de água. Se documentação escrita do fornecedor de água não pudesse ser encontrada, Snow coletava uma amostra de água da torneira. Embora ele não pudesse realizar testes para o microrganismo (porque ainda não havia sido identificado), a água contaminada a jusante do rio, que continha o esgoto de Londres, tinha 40 vezes a quantidade de cloreto de sódio. A adição de nitrato de prata podia distinguir as duas fontes de água, pela precipitação de uma quantidade muito maior de cloreto de prata na água contaminada do que na água mais limpa, que era extraída mais a montante, fora do alcance do esgoto londrino (Snow, 1855, p. 78). A exposição do domicílio de cada caso foi assim determinada com alta precisão. Os relatos de Snow examinaram em detalhes a compatibilidade de uma vasta gama de informações com o modo hipotético de transmissão. Ele observou que nos locais onde o suprimento geral de água não era contaminado, a cólera era vista primariamente em áreas de aglomeração, onde residiam as classes pobres e de operários, mas que, nos distritos próximos da bomba da Rua Broad, a doença havia acometido igualmente as casas dos mais ricos e dos mais pobres. Embora possa ser difícil para os epidemiologistas de hoje apreciar o ceticismo com o qual a teoria de transmissão epidêmica de Snow foi recebida, sua clareza e minúcia persistente, ao buscar conciliar cada detalhe da epidemia de cólera com uma teoria impopular, servem como um modelo para a epidemiologia ambiental dos dias de hoje.
Poluição do ar
A pesquisa de efeitos da poluição do ar sobre a saúde tem progredido ao longo de vários estágios, cada qual abordando o problema com o uso de delineamentos distintos. Episódios com níveis extremamente elevados de poluição aérea produzidos por inversões meteorológicas no Vale de Meuse, na Bélgica, em 1930 (Firket, 1931), em Donora, Pensilvânia, em 1948 (Schrenk et al., 1949), e em Londres, no inverno de 1952, chamaram a atenção para o efeito dramático sobre mortes relacionadas com causas respiratórias e cardiovasculares (Logan, 1953). Tais estudos se parecem com os relatos de epidemias de doenças infecciosas, que lotavam os periódicos de epidemiologia e saúde pública da época: comparações dentro de comunidades, usando um delineamento do tipo antes e depois. A comparação intracomunitária é ideal para efeitos com tempo de indução curtos, isto é, de poucas horas a poucas semanas ou meses, onde a migração não é extensa e quando uma linha clara demarca os períodos de tempo sem e com exposição.
Pesquisas subsequentes, nas décadas de 1950 e de 1960, preocuparamse com níveis de poluição menos extremos e, tipicamente, compararam comunidades com níveis de poluentes altos versus baixos (Lave e Seskin, (1970). O maior problema desses estudos entre comunidades foi a correlação forte entre nível socioeconômico e nível de poluição do ar. Contudo, apesar dos pontos fracos, os estudos de poluição aérea contribuíram para o estabelecimento de padrões de ar, incluindo a aprovação do Clean Air Act* de 1970, nos Estados Unidos, que tentou fornecer proteção abrangente da poluição do ar à população geral. (Ver Luneberg, 1995, para um relato histórico do arcabouço legal de proteção ambiental nos Estados Unidos).
O terceiro grupo de estudos da poluição aérea usou análises de séries temporais dentro de
comunidades para examinar como as flutuações em níveis de poluentes ao longo do tempo, em uma só região, influenciam mortalidade ou morbidade. Esse delineamento evitou problemas de confundidores, os quais diferem entre indivíduos, porém tendem a permanecer constantes durante os períodos de tempo de interesse. Por exemplo, a prevalência de tabagismo, ou de distribuições de classe social e idade, tendem a não mudar acentuadamente dentro de uma comunidade em períodos de tempo curtos, e mesmo que o façam (p. ex., para um estudo de 3 anos), é improvável que as mudanças espelhem contrastes de curto prazo na poluição do ar, que ocorram em um período de poucas semanas. A similaridade de achados entre os desfechos de saúde (mortes cardiorrespiratórias, internações hospitalares, sintomas autorrelatados e exacerbações de asma), tanto em delineamentos de estudo intraco* Ato do ar limpo.
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munitários como intercomunitários, reforça a evidência de causalidade. A quarta geração de estudos, principalmente coortes em que os dados obtidos em nível individual são integrados com os dados de exposição baseados na comunidade, provavelmente fornecerão compreensão adicional com relação aos mecanismos de suscetibilidade, efeitos relativos a estágios do desenvolvimento e indicações mais específicas de quais os poluentes mais prejudiciais.
Poluentes orgânicos persistentes Na década de 1990, Theo Colborn publicou Our Stolen Future* (Colborn, 1996), no qual defendeu eloquentemente que certas classes de substâncias químicas produzidas industrialmente são altamente persistentes, rompem a regulação hormonal e permeam o ambiente, prejudicando populações da vida selvagem

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