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CAMARGO, Aspasia 1964, o golpe e a luta pela democracia

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Política Democrática 
Revista de Política e Cultura 
Fundação Astrojildo Pereira 
Março /2014 
1 9 6 4 
O GOLPE E A LUTA 
PELA DEMOCRACIA 
 
Ailton Benedito 
Alberto Passos G. Filho 
Amilcar Baiardi 
Ana Amélia de Melo 
Antonio Carlos Máximo 
Antonio José Barbosa 
Arlindo Fernandes de Oliveira 
Armênio Guedes 
Arthur José Poerner 
Aspásia Camargo 
Augusto de Franco 
Bernardo Ricupero 
Celso Frederico 
César Benjamin 
Cícero Péricles de Carvalho 
Cleia Schiavo 
Délio Mendes 
Dimas Macedo 
Diogo Tourino de Sousa 
Edgar Leite Ferreira Neto 
Fabrício Maciel 
Fernando de la Cuadra 
Fernando Perlatto 
Flávio Kothe 
Francisco Fausto Mato Grosso 
Gilvan Cavalcanti de Melo 
Hamilton Garcia 
José Antonio Segatto 
José Carlos Capinam 
José Cláudio Barriguelli 
José Monserrat Filho 
Lucília Garcez 
Luiz Carlos Azedo 
Luiz Carlos Bresser-Pereira 
Luiz Eduardo Soares 
Luiz Gonzaga Beluzzo 
Luiz Werneck Vianna 
Marco Aurélio Nogueira 
Marco Mondaini 
Maria Alice Rezende 
Martin Cézar Feijó 
Mércio Pereira Gomes 
Michel Zaidan 
Milton Lahuerta 
Oscar D’Alva e Souza Filho 
Othon Jambeiro 
Paulo Afonso Francisco de Carvalho 
Paulo Alves de Lima 
Paulo Bonavides 
Paulo César Nascimento 
Paulo Fábio Dantas Neto 
Pierre Lucena 
Ricardo Cravo Albin 
Ricardo Maranhão 
Rubem Barboza Filho 
Rudá Ricci 
Sérgio Augusto de Moraes 
Sérgio Besserman 
Sinclair Mallet-Guy Guerra 
Socorro Ferraz 
Telma Lobo 
Ulrich Hoffmann 
Washington Bonfim 
Willame Jansen 
William (Billy) Mello 
Zander Navarro 
Fundação Astrojildo Pereira 
SEPN 509, Bloco D, Lojas 27/28, Edifício Isis – 70750-504 
Fone: (61) 3224-2269 Fax: (61) 3226-9756 – contato@fundacaoastrojildo.org.br 
www.fundacaoastrojildo.org.br 
Presidente de Honra: Armênio Guedes 
Presidente: Caetano Pereira de Araújo 
Política Democrática 
Revista de Política e Cultura 
www.políticademocratica.com.br 
Conselho de Redação 
Editor 
Marco Antonio T. Coelho 
Editor Executivo 
Francisco Inácio de Almeida 
Alberto Aggio 
Anivaldo Miranda 
Caetano E. P. Araújo 
Davi Emerich 
Dina Lida Kinoshita 
Ferreira Gullar 
George Gurgel de Oliveira 
Giovanni Menegoz 
Ivan Alves Filho 
Luiz Sérgio Henriques 
Raimundo Santos 
Copyright © 2014 by Fundação Astrojildo Pereira 
ISSN 1518-7446 
Obra da capa: Nilda Soares. Abstrato em acrílico / Linhas e Cores – Rosa-preto, 50X90cm. 
Os artigos publicados em Política Democrática são de responsabilidade dos respectivos autores. 
Podem ser livremente veiculados desde que identificada a fonte. 
Conselho Editorial 
Política Democrática – Revista de Política e Cultura – Brasília/DF: 
Fundação Astrojildo Pereira, 2014. 
N o 38, mar./2014. 
200p. 
CDU 32.008 (05) 
Ficha catalográfica 
 
Sumário 
APRESENTAÇÃO 
Os Editores . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 07 
I. TEMA DE CAPA 
Cinquenta anos de dispersão 
Mércio Pereira Gomes. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13 
1964 – As ilusões do autoritarismo 
José Serra . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17 
Resistência à ditadura 
Ferreira Gullar . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 20 
Economia e guerra fria abriram caminho ao golpe 
Jarbas de Holanda . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 22 
Os paradoxos de um golpe militar 
Paulo César Nascimento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25 
Um guia para 1964: doutor Alceu 
Elio Gaspari . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29 
A eterna transição 
Vladimir Safatle . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31 
As manifestações de hoje e a ditadura militar de 1964 
Wellington Mangueira . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 33 
Do instrumental ao intrínseco: a trajetória da democracia 
no pensamento dos comunistas brasileiros (1958-1988) 
Victor Augusto Ramos Missiato . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 38 
II. CONJUNTURA 
Democracia política e valores democráticos 
Raimundo Santos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 47 
Jovens inquietações 
Luiz Carlos Azedo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 52 
O crime inexplicável 
Renato Janine Ribeiro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 60 
III. OBSERVATÓRIO 
O singelo cumprimento da Lei da Transparência 
Márcia Pacheco; Pollyana Gama; Loreny Roberto . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 67 
MST 30 anos Vida, Paixão e Delírio 
Raul Jungmann . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 73 
IV. QUESTÕES DA CIDADANIA E DO ESTADO DE DIREITO 
O domínio dos fatos como prova 
Sacha Calmon . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 79 
Transparência meia-boca 
Gil Castelo Branco . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 82 
FAT: crônica de falência anunciada 
Danilo Pieri Pereira . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 87 
 
V. BATALHA DAS IDEIAS 
Muito além de uma questão moral 
Valéria Lima Guimarães . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 93 
Cripto-punks, a internet e o mundo invisível 
João Lanari . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 107 
VI. O SOCIAL E O POLÍTICO 
Bolsa família: debate impostergável 
Denise Paiva . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 113 
A corrupção e a sociedade brasileira: reconhecer e enfrentar 
Soninha Francine; Rafael Cláudio Simões . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 116 
Inclusão institucional – um desafio 
Athayde Nery de Freitas Jr. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 119 
VII. ECONOMIA E DESENVOLVIMENTO 
O fim do caminho 
Antonio Machado . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 125 
Por uma matriz energética sustentável 
Fernando Mousinho . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 128 
As causas da redistribuição inversa da riqueza social no Brasil 
Maurin Almeida Falcão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 131 
VIII. ENSAIO 
Um marxólogo brasileiro 
João da Penha . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 139 
IX. MUNDO 
Robin Hood na América Latina 
Víctor Lapuente Giné; Johan Sandberg . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 151 
A guinada da China e o recuo do Brasil 
José Flávio Sombra Saraiva . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 155 
Como enfrentar o chavismo? 
Joaquín Villalobos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 158 
A grande ilusão 
Paulo Delgado . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 161 
X. A CULTURA EM FOCO 
Museus: o tempo livre, a formação cultural e a 
disponibilidade de recursos econômicos 
Luiz Carlos Prestes Filho . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 167 
XI. HOMENAGEM 
O centenário de Noé Gertel 
Martin CezarFeijó . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 179 
Américo Barreira: 100 anos de humanismo 
Gervásio de Paula . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 184 
XII. RESENHA 
O que é ser de esquerda, hoje? 
Marcus Vinícius de Oliveira . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 189 
As serenas utopias de Armênio Guedes 
Marco Antônio Franklin de Matos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 193 
 
7 
Apresentação 
D 
urante a maior parte deste 2014 – em que haverá uma renhi- 
da disputa eleitoral, num contexto político, social, econômico 
e financeiro no qual o lulopetismo, depois de quase 12 anos 
de presença no Poder Central, já revela um evidente “desgaste de 
material” – um tema estará na pauta de grande parte dos brasilei- 
ros, quase que de forma obrigatória: os 50 anos do golpe desfechado 
contra o presidente João Goulart. Assim é que, nesta primeira edição 
das três que lançaremos nos próximos meses, estamos abrindo nos- 
sas páginas de política e cultura para intervenções em torno deste 
acontecimento, cujas origens e consequências começam a ser reexa- 
minadas como devem. 
Um aspecto preocupante para democratas de todos os setores, a 
respeito dessa rememoração, é uma tentativa de organizações e lide- 
ranças, de acadêmicos e intelectuais, das anteriores e novas gera- 
ções, no sentido de identificar que o caminho de resistir ao regime 
autoritário, utilizando a via armada e as formas de guerrilhas urba- 
nas e rurais, teria sido o vitorioso. Tanto nas matérias e entrevistas 
de alguns jornais e revistas, como em livros e exposições de fotos e 
documentos daquele período, e até mesmo em seminários vincula- 
dos, direta ou indiretamente às Comissões da Verdade, o destaque 
maior é dado a quantos se envolveram na resistência à ditadura, com 
armas na mão, apresentados como “os maiores heróis deste país”, 
nos últimos tempos. 
Evidentemente que, numa revisão crítica sobre os meses que ante- 
cederam o golpe assim como sobre os 21 anos de existência do regime 
 
8 8 
militar, impõe-se, antes de tudo, tentar se identificar os acertos e os 
erros cometidos nessa complexa e delicada batalha e, sobretudo, se 
assumir corajosamente atitudes autocríticas quanto a descaminhos 
traçados, que, ao invés de colaborarem para se isolar e derrotar a di- 
tadura, serviram, objetivamente, para dar-lhe maior fôlego. 
Nos nove artigos, que abordam o Tema de Capa, abre-se um pri - 
meiro leque de ricos e instigantes relatos e opiniões para nossa refle- 
xão e debate. Trata-se de inicial leva de intelectuais e de lideranças 
políticas e sociais, da qualidade de Elio Gaspari, Ferreira Gullar, Jar- 
bas de Holanda, José Serra, Mércio Pereira Gomes, Paulo César Nas- 
cimento, Victor Augusto Ramos Missiato, Vladimir Safatle e Welling- 
ton Mangueira, e outros virão, nas edições seguintes, para as quais 
você é também nosso convidado, desde agora. 
Nas seções Conjuntura e Observatório, o jornalista Luiz Carlos 
Azedo e o filósofo Renato Janine Ribeiro nos chamam a atenção para 
a insegurança e o medo em que vive o brasileiro e também nos aler - 
tam para a banalidade dos crimes hoje praticados por jovens, assim 
como sobre os rolezinhos e as ações dos black blocs; as pedagogas e 
gestoras públicas Loreny Roberto, Márcia Pacheco e Pollyana Gama, 
em trabalho conjunto, examinam aspectos novos da era digital em 
que vivemos e a necessidade de melhor utilização das novas tecnolo- 
gias na gestão pública; o professor Raimundo Santos faz uma curio- 
sa análise sobre aspectos históricos da convivência democrática no 
país e alerta para a disputa presidencial de outubro próximo; já o 
ex-ministro do Desenvolvimento Agrário, Raul Jungmann, contextu- 
aliza o MST, nos seus trinta anos de polêmica existência. 
O advogado Danilo Pieri Pereira, na seção Questões da Cidadania 
e do Estado de Direito, chama a atenção para a necessidade de uma 
profunda reforma no nosso sistema previdenciário, enquanto o causí- 
dico Sacha Calmon traz à tona o conceito jurídico do domínio do fato 
ao discorrer sobre aspectos essenciais da Ação 470, o famoso caso do 
mensalão, e o papel de alguns de seus maiores personagens (alguns 
não judicialmente envolvidos). E o economista Gil Castelo Branco de- 
nuncia as manobras dos órgãos públicos quanto ao efetivo cumpri- 
mento da Lei da Transparência. 
Na Batalha das Ideias, temos dois artigos com temas polêmicos, 
como o do professor João Lanari, que envereda pelo sempre delica - 
do tema do uso da internet, enquanto a professora Valéria Lima 
Guimarães dá uma sacudida no problema dos jogos de azar, desen- 
volvendo um relato histórico da proibição deles no Brasil e defen - 
 
9 9 Apresentação 
dendo a necessidade de sua reimplantação, com argumentos além 
de convincentes. 
Três questões complexas e delicadas são examinadas na seção 
O Social e o Político. A primeira delas é levantada pelo advogado 
Athayde Nery de Freitas Jr., que abraçou o desafio da difícil batalha 
da inclusão institucional do cidadão na vida política brasileira. 
A segunda é da assistente social Denise Paiva, que declara ser im- 
postergável a discussão em torno do programa bolsa família, cujas 
bases legais foram lançadas desde 1994 pelo presidente Itamar Fran- 
co e que teve sequência nos governos FHC, Lula e Dilma. Neste per - 
curso, o programa se tornou mais um instrumento eleitoral do que 
uma política de afirmação social. E o historiador Rafael Cláudio Si- 
mões e a militante política Soninha Francine propõem que se reco- 
nheça e se enfrente o crime da corrupção que viceja por todas as 
instâncias de nosso imenso território, e, para tanto, oferecem uma 
interessante pauta de ações a serem desenvolvidas para acabar com 
uma das mazelas endêmicas do país. 
Na seção Economia e Desenvolvimento, há textos marcantes, 
como o do comentarista econômico Antonio Machado a respeito da 
delicada situação da economia brasileira, o do sociólogo Fernando 
Mousinho em que defende uma matriz energética sustentável, e o do 
tributarista Maurin Almeida Falcão que aprofunda as causas da re- 
distribuição inversa da riqueza social entre nós e oferece ideias para 
encaminhar soluções. 
Em Ensaio, o jornalista João da Penha procura resgatar o pensa- 
dor Djacir de Menezes, intelectual de rica e variada produção, como 
um marxólogo brasileiro, escolha que é motivo de antigas e novas di- 
vergências. E na seção Mundo, o ex-guerrilheiro salvadorenho Joa- 
quin Villalobos examina a frágil realidade venezuelana e propõe saída 
política, enquanto o especialista em política internacional José Flávio 
Sombra Saraiva discorre sobre a guinada da China no aprofundamen- 
to do seu Capitalismo de Estado bem como na ampliação de suas re- 
lações comerciais com a Europa e de seus investimentos na África e na 
América do Sul, simultaneamente com o recuo e a instabilidade do 
Brasil. Por sua vez, os professores suecos Johan Sandberg e Victor 
Lapuente Giné avaliam a esquerda sul-americana (vinculada ao boli- 
varianismo) e suas perspectivas; e o sociólogo Paulo Delgado analisa a 
crítica situação da Ucrânia e seus possíveis desdobramentos. 
Há, em A Cultura em Foco, um estudo de Luiz Carlos Prestes Fi - 
lho sobre a função dos museus públicos na sua ligação com o tempo 
livre do cidadão, a formação cultural e a disponibilidade de recursos 
 
10 10 
para manter estas instituições. Em a Homenagem, o jornalista Ger- 
vásio de Paula aborda o centenário do municipalista Américo Barrei- 
ra enquanto o professor Martin César Feijó o do grande jornalista 
Noé Gertel. E na Resenha, há análises críticas de Marco Antonio 
Franklin de Matos (sobre Armênio Guedes: sereno guerreiro da liber- 
dade e O marxismo político de Armênio Guedes) e de Marcus Vinicius 
de Oliveira (sobre O que é ser de esquerda,hoje?). 
Boa leitura! 
Os Editores 
 
I. Tema de Capa: 
1964 – O golpe e a 
luta pela democracia 
 
Autores 
Elio Gaspari 
Jornalista, colunista político de uma rede nacional de jornais, autor de várias obras sobre 
o golpe de 1964 e a ditadura militar. 
Ferreira Gullar 
Poeta, ensaísta e crítico de arte. 
Jarbas de Holanda 
Jornalista, autor do blog Top Mail de análise política semanal. 
José Serra 
Economista, foi ministro do Planejamento e da Saúde, prefeito de São Paulo e governador 
do Estado de São Paulo. 
Mércio Pereira Gomes 
Antropólogo, professor da História das Ciências e das Técnicas e Epistemologia da Uni- 
versidade Federal do Rio de Janeiro (HCTE-UFRJ) 
Paulo César Nascimento 
Doutor em Ciência Política pela Columbia University, de Nova Iorque, e professor de Ciên- 
cias Políticas, do Instituto de Política da Universidade de Brasília (UnB) 
Victor Augusto Ramos Missiato 
Mestrando do curso de pós-graduação em História, pela Universidade Estadual Paulista 
Júlio de Mesquita Filho (Unesp/Franca) 
Wellington Mangueira 
Advogado, atual secretário-adjunto de Cultura do Estado de Sergipe. 
Vladimir Safatle 
Professor do Departamento de Filosofia da Universidade de São Paulo (USP), autor de 
vários livros, como A esquerda que não teme seu nome (2012) e A paixão do negativo: 
Lacan e a dialética (2006). 
 
 
13 
Cinquenta anos de dispersão 
Mércio Pereira Gomes 
N 
a rememoração dos 50 anos do golpe militar têm surgido di - 
versas novas explicações sobre esse infausto acontecimento 
que deixou uma horrível herança para o Brasil. A principal 
delas é que o golpe não foi só militar, mas também civil. Isto é, uma 
parte significante da sociedade brasileira, especialmente aquela ca- 
paz de expor suas atitudes contrárias ao que estava acontecendo no 
país, demonstrou que não queria o tipo de governo existente e pediu 
aos militares para intervir. E eles o fizeram. 
Outra nova explicação é de que os primeiros quatro anos da in- 
tervenção militar não foram propriamente uma ditadura, já que o 
Congresso Nacional não fora dissolvido, apenas uma parte dele fora 
escoimada por cassação de seus direitos políticos. Assim, a ditadura 
só teria começado mesmo a partir do Ato Institucional nº 5, de de - 
zembro de 1968, que não somente cassou mais direitos políticos, 
mas também proibiu uma série de direitos civis e jurídicos de todo e 
qualquer cidadão, dando ao governo plenos poderes para intervir em 
quaisquer instituições sociais e políticas. 
Uma terceira explicação revisionista é a de que a ditadura só teria 
valido até a chegada da anistia ampla, geral e irrestrita, perdoando 
tanto os que foram cassados, quanto os que se rebelaram em forma 
de terrorismo político, quanto os militares todos, inclusive os que 
praticaram atos de tortura. Assim, a partir de 1979, a ditadura aca- 
bara, a democracia não teria ressurgido, mas se reinstalara o regime 
de cunho autoritário, de transição à democracia, tal qual o fora nos 
primeiros quatro anos do golpe original (1964-68). 
 
14 14 Mércio Pereira Gomes 
O curioso é que essas opiniões vêm tanto da direita quanto da 
esquerda. Basta exemplificar com dois historiadores respeitados na 
academia que frequentemente escrevem em jornais importantes, 
como O Globo ou Folha de S. Paulo, e são entrevistados em progra- 
mas de televisão. 
Do lado da direita democrática ou legalista está Marco Antonio 
Villa; do lado da esquerda democrática ou legalista fica Daniel 
Aarão Reis. 
Chamo-os de democratas ou legalistas porque cada um deles não 
ventila qualquer sentimento de querer mudanças drásticas no 
regime que vivemos; ao contrário, querem o aperfeiçoamento 
da democracia. 
Os dois escreveram livros em que fazem a revisão de análises an- 
teriores sobre o caráter da ditadura militar. Uma revisão forte é de 
que, independente da ditadura de 64, o Brasil tem sido sempre um 
país de caráter autoritário. A República instalada em 1889 seguiu o 
mesmo padrão de autoritarismo impregnado na elite brasileira, desta 
vez sob a égide do positivismo, ele próprio uma visão de mundo que 
ajudou muito a instalar o “golpe” que resultou na queda da monar- 
quia e que ditou a visão republicana desde então. 
Os positivistas não eram democratas. Acreditavam que o povo, 
qualquer povo, mas em especial, o brasileiro, não era capaz de deter- 
minar seu destino. Precisava de tutores, que seriam os técnicos, os 
engenheiros, advogados, militares etc. e tal; isto é, precisamente a 
classe média brasileira, descendente de uma elite decaída. 
Com efeito, os primeiros presidentes brasileiros foram dois mare- 
chais, ambos de origem da classe média nordestina. Depois veio gen- 
te da elite paulista, mineira e fluminense, até surgir um verdadeiro 
positivista, Getúlio Vargas, da elite rural gaúcha, que liderou uma 
revolução proposta por segmentos da elite agrária e da classe média, 
e instalou, durante algum tempo, uma verdadeira ditadura de ordem 
positivista, com tinturas fascistas. 
De todo modo, independente de qualquer partido ou segmento polí- 
tico-econômico, os governos brasileiros teriam sido sempre motivados e 
levados pelo sentimento de autoritarismo, seja disfarçado em ditadura, 
seja sob a forma de democracia populista, seja de democracia esfuzian- 
te. Até Juscelino Kubitschek não escapou desse predicamento. 
Os autores mencionados (Villa e Aarão Reis) mostram que o golpe 
de 1964 contou com a participação de muita gente boa que depois se 
virou contra a ditadura. Não só os indefectíveis Carlos Lacerda, Ma- 
 
15 15 Cinquenta anos de dispersão 
galhães Pinto e Ademar de Barros, mas até mesmo dom Paulo Eva- 
risto Arns e Ulysses Guimarães, para ficar em poucas citações. 
Outros autores estão pesquisando agora a fase parlamentarista e 
presidencialista do governo João Goulart. Querem saber como o povo 
em geral e a classe média em particular se comportavam em relação 
à balbúrdia política e cultural que tomara conta do país. 
Muita insegurança, talvez. Medo de que a coisa degringolasse 
para uma ditadura sindicalista, ou simplesmente para uma anar- 
quia sem pé nem cabeça. Alguma coisa de incompetência adminis - 
trativa, de confusão com muitas esperanças ilusórias. Daí o protes - 
to da classe média. 
Eis, portanto, para onde encaminha-se a revisão do que se sabe 
sobre o golpe de 64. Não se pode esquecer, de nenhuma maneira, que 
esse golpe, pelo que sabemos dos estudos do cientista político, já 
falecido, René Dreyfuss, foi precedido em dez anos pela tentativa de 
golpe sobre Getúlio Vargas, em 1954, com o escândalo construído 
pela mídia e por partidos até de esquerda, como o velho PCB, de que 
Getúlio vivia num “mar de lama”, e em especial pela extensa prepa- 
ração de um golpe contra João Goulart pelo conluio entre empresá- 
rios, militares e o governo norte-americano. 
A revisão é necessária, sem dúvida. Mas não pode ser pelo apaga- 
mento dos outros acontecimentos. Nem tampouco pela análise das 
suas consequências para a sociedade brasileira como um todo. 
Com efeito, o Brasil vinha crescendo em ritmo acelerado não só 
economicamente, mas também social e culturalmente. A participa- 
ção de camponeses no Nordeste, a luta pela educação realizada pelo 
governo Miguel Arraes, sob a orientação de Paulo Freire, e pela cria- 
ção da Universidade de Brasília, por Darcy Ribeiro e Anísio Teixeira, 
a ampliação de direitos trabalhistas, inclusive o 13º salário, a tenta- 
tiva de fazer uma reforma agrária e de controlar um tanto a remessa 
de lucros das empresas estrangeiras pela necessidade de investir no 
Brasil – foram conquistas fundamentais que continuam a pressionar 
os governos brasileiros para a nossa democracia. 
O golpe de 64 foi uma drástica interrupção de um processo social 
de crescimento da democracia brasileira, bem como de ampliação da 
sociedade como um todo. O que veio depois pode ter trazido desen- 
volvimento econômico e ampliação daeducação universitária, como 
se reconhece. Mas, quem há de dizer que essas conquistas não te- 
riam vindo de todo modo e sem as agruras da instalação do autorita- 
rismo como forma de governar o país? 
 
16 16 Mércio Pereira Gomes 
Mutatis mutandi, e longe de comparar 1964 com o que vivemos 
agora em 2014, não podemos negar que a democracia cresceu e se 
estabeleceu com segurança, especialmente depois da Constituição 
de 1988. Entretanto, não se pode relaxar com o que temos, nem dei- 
xar de nos mantermos alertas para chamar a atenção de novos dis- 
cursos antidemocratizantes, alguns de caráter raivoso, que clamam 
por uma volta ao autoritarismo institucional. 
Se somos autoritários em nossa cultura política, é hora de nos 
conscientizarmos disso e continuarmos lutando para sobrepujar 
esse defeito social. Nada é congênito na vida de um povo. A socieda- 
de, como já disse Roberto Mangabeira Unger, é um artefato humano 
que pode ser transformado pela consciência dos homens. 
 
17 
1964 – As ilusões 
do autoritarismo 
José Serra 
N 
este ano, o golpe de Estado de 1964 completa meio século. 
Trata-se de um evento que ainda marca a vida do país e de 
muita gente. Continua a ser um grande mal-entendido do 
Brasil com a sua História – do ponto de vista político, o maior deles. 
Do nascimento à decadência, o regime durou 21 anos. O país que 
voltou às mãos dos civis exibia economia 3,5 vezes maior, inflação de 
dois dígitos mensais, insolvência externa, imensas demandas so- 
ciais, Constituição ilegítima e atraso político renitente. Os prejuízos 
dessa herança durariam décadas. 
Tanto pessoas que sofreram diretamente os efeitos do golpe como 
outras, que o promoveram ou apoiaram, apostavam que suas conse- 
quências não seriam de longa duração. Lembro-me de uma conversa 
em 1º de abril daquele ano, numa casa na cidade de Duque de Ca- 
xias, onde tínhamos marcado uma reunião, àquela altura, clandesti- 
na. Sentados em torno de uma pequena mesa, sala pouco iluminada, 
trocamos figurinhas pessimistas sobre a situação, todos duvidando 
da possibilidade de, aliado a Leonel Brizola, João Goulart resistir no 
Rio Grande do Sul, para onde fora ao deixar Brasília. 
Demístocles Batista, líder do Comando-Geral dos Trabalhadores, 
dirigente ferroviário e membro do PCB, avaliava: “Existe a possibili- 
dade de o golpe se pessedizar. Juscelino aderiu nos últimos dias, os 
caciques do PSD conspiraram. A moeda de troca será a garantia das 
eleições presidenciais no ano que vem. A repressão vai cair em cima 
da gente, mas o processo pode acabar virando briga de branco, UDN 
contra PSD, Lacerda contra Juscelino. A gente precisa permanecer 
agrupada, se proteger, não fazer loucuras e acumular forças enquan- 
to isso acontece”. Sobre “a gente” a repressão foi imediata e galopan- 
te, incluindo a cassação de mandatos e direitos políticos por dez 
anos. Nesse aspecto, prevalecera a doutrina dos seguidores do gover- 
nador da Guanabara, Carlos Lacerda, o pior dos golpistas de antes e 
desde primeira hora: queria enfraquecer os adversários para ganhar 
a eleição de 1965. 
 
18 18 José Serra 
Mesmo assim, a análise do Batistinha pareceu fazer algum senti- 
do quando o novo presidente militar, marechal Castelo Branco, pro- 
curou legitimar-se mediante eleição no Congresso. Por cima, recebeu 
o voto de Juscelino, que era senador, e escolheu como vice nada 
mais, nada menos que José Maria Alkmin, antológico político pesse- 
dista mineiro, ex-ministro da Fazenda de JK. 
Na verdade, a ideia de que viria um golpe transitório fizera parte 
da estratégia implícita no comportamento de Goulart, que nos últi- 
mos meses de seu mandato parecia preparar-se para deixar a Presi- 
dência e recolher-se, como Getúlio, em sua fazenda em São Borja, 
para ser convocado anos depois, em regresso triunfal, como o mártir 
do trabalhismo e das reformas de base. Mas os golpistas também 
perceberam a natureza do jogo. Apesar das promessas iniciais de 
Castelo de que concluiria o período presidencial de Jango e garanti- 
ria a eleição de 1965, seu mandato acabou sendo prorrogado por 
mais um ano e Juscelino, cassado. Lacerda lutara bravamente por 
essa cassação, mas recebeu o troco de não ter mais eleição direta 
para disputar. 
A força da repressão e os sinais de que o governo de transição de 
Castelo não garantiria eleições livres e poderia abrir caminho para 
a ditadura declarada despertaram a primeira reação contra o regi- 
me, vinda justamente de jornalistas que haviam apoiado a queda de 
Jango, até se regozijado com ela. Foi o caso, por exemplo, do Correio 
da Manhã, cujos editoriais incitando o golpe haviam sido implacá - 
veis. Os principais articulistas do Jornal do Brasil lançaram até um 
livro-reportagem cujo tom, em sua maior parte, era de comemora - 
ção do golpe, chamado Idos de Março. Mas não tardou para que os 
autores se tornassem críticos do regime militar, como se fossem 
protagonistas de uma “revolução traída”. Esse tipo de oposição re - 
velava a decepção dos que tinham dado boas-vindas à remoção de 
Goulart por acreditarem que ela fora preventiva, pondo fim ao des - 
governo e a um golpe que o próprio presidente estaria preparando. 
Subestimaram, é evidente, o peso da quebra da legalidade para o 
futuro da democracia. 
Para as classes médias que deram suporte ao golpe nas marchas 
de São Paulo e do Rio e nas ruas de Belo Horizonte, havia uma moti - 
vação adicional para apoiar o novo regime: o medo da cubanização 
do Brasil e da guerra revolucionária que a implantaria, objeto de 
denúncia delirante do deputado Bilac Pinto, prócer udenista mineiro. 
Esse é um mito que ficou. Nada mais fantasioso do que supor que a 
esquerda, em 1963-64, se estivesse armando. Os famosos “grupos 
dos 11” que Brizola começara a cadastrar, com vistas a criar um mo- 
 
19 19 1964 – As ilusões do autoritarismo 
vimento nacionalista revolucionário, já eram insignificantes como 
instrumento político. Imaginem, então, para possíveis enfrentamen- 
tos armados. 
Na União Nacional dos Estudantes da época, uma entidade forte 
e independente, nem se cogitava do tema. Eu era seu presidente e 
nunca ouvi nada a esse respeito. Ao contrário. Éramos vítimas de 
agressões de grupos paramilitares desde 1962. As Ligas Campone- 
sas, de Francisco Julião, que haviam tentado, com apoio logístico e 
financeiro cubano, montar guerrilhas dois anos antes, tinham fra- 
cassado. E o seu braço político, pequeno e desorganizado, era isolado 
de todos os setores mais importantes da esquerda. 
Havia, sim, o famoso dispositivo militar de Jango, capaz, em tese, 
de deter um golpe ou de promovê-lo, como foi ensaiado em outubro 
de 1963, na tentativa de implementar o Estado de Sítio e a interven- 
ção em São Paulo e na Guanabara, a que tanto nos opusemos. Mas 
tudo só em tese, como se viu nesses casos e no golpe de 1º de abril, 
quando aquele dispositivo se desfez como bolha de sabão. A retórica 
tinha servido para assustar a classe média e conferir verossimilhan- 
ça à farsa golpista. 
No fim das contas, o país pagou um preço alto por uma lição, 
convenhamos, até bastante banal: não se golpeia a democracia em 
nome da democracia. A máxima valia para a direita brasileira dos 
anos 60 e vale hoje para muitos partidos que se dizem de esquerda 
na América Latina. 
 
20 20 
Resistência à ditadura 
 
Ferreira Gullar 
F 
ui ao Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), aqui no Rio, 
para ver a exposição “Resistir É Preciso...”, organizada pelo Mi- 
nistério da Cultura e Instituto Vladimir Herzog, uma das diver- 
sas manifestações que assinalam os 50 anos do golpe militar que, em 
1964, depôs o presidente João Goulart. Tais manifestações parecem 
demonstrar o repúdio da sociedade brasileira àquele regime e a todo 
e qualquer regime que pretenda cercear a liberdade dos cidadãos. 
A exposição é bem montada com fotos, desenhos, pintura e pensa- 
mentos que expressaram a resistênciaà ditadura militar. Mas se sente 
falta de referência a personalidades e atividades que desempenharam 
importante papel na luta de resistência ao regime autoritário. 
Lembrei-me, por exemplo do show “Opinião”, escrito por Oduval- 
do Vianna Filho, Armando Costa e Paulo Pontes, dirigido por Augus- 
to Boal e interpretado por Nara Leão, Zé Kéti e João do Vale. 
Esse show foi a primeira manifestação de resistência ao regime 
militar, pois estreou no dia 11 de dezembro de 1964, isto é, oito meses 
após o golpe. O público se sentiu expressado naquele espetáculo, sem 
nenhuma dúvida, tanto assim que o teatro lotava com um mês de an- 
tecedência. Por que não há qualquer menção a ele na exposição? 
Após esse show, o mesmo grupo teatral montou “Liberdade, Li - 
berdade”, escrito por Millôr Fernandes e Flávio Rangel, que também 
o dirigiu. De novo, casa cheia. Os militares, sentindo-se criticados, 
tentaram tirar a peça de cartaz, provocando um conflito, com ho - 
mens armados (como se viu depois) a vaiar o espetáculo e acusá-lo 
de comunista. Era, sem dúvida, uma denúncia do autoritarismo do 
regime. No entanto, não há qualquer referência a ele na exposição 
do CCBB. 
Como também não há referência à peça “Se Correr o Bicho Pega, 
Se Ficar o Bicho Come”, outro sucesso de bilheteria que criticava a 
ditadura. A ideia de escrevê-la foi do Vianninha, temeroso da censu- 
ra que acabara de proibir o “O Berço do Herói”, de Dias Gomes, diri - 
gido por Antonio Abujamra. Para burlar os censores, devíamos escre- 
 
21 21 Resistência à ditadura 
ver uma obra-prima, do ponto de vista teatral e literário. Foi o que se 
tentou fazer. 
A peça passou na censura e ganhou todos os prêmios do teatro 
brasileiro naquele ano de 1966. Há alguma referência a ela na mos- 
tra do CCBB? Não, nenhuma. Como também não há referência a 
“Arena Canta Zumbi”, de Gianfrancesco Guarnieri, nem aos demais 
espetáculos montados por outros grupos de São Paulo, do Rio e de 
outras capitais brasileiras. 
Os organizadores dessa exposição parecem ignorar o papel de- 
sempenhado pelo teatro brasileiro na luta contra a ditadura. E a 
Passeata dos Cem Mil? Há dela apenas uma foto ali. Nenhuma alu- 
são ao fato de que foi realizada graças à atuação da classe teatral, 
com o apoio logístico do Partido Comunista Brasileiro. 
Mas não é só isso. Ênio Silveira, desde 1965, editou uma revista 
chamada Civilização Brasileira (que depois se chamou Encontros 
com a Civilização Brasileira), que publicava ensaios, artigos, poe- 
mas, entrevistas, reportagens, denunciando os abusos do governo 
militar e analisando os fatores que o determinaram. Essa revista foi 
editada durante 15 anos, resultando na prisão de seu editor. Não há 
menção a ela na exposição “Resistir É Preciso...”. 
Sem dúvida alguma, ao se falar do regime autoritário, não se pode 
esquecer aqueles militantes que escolheram a luta armada como o 
caminho correto para combatê-lo. Nem todos concordavam com isso, 
e pode-se dizer que essa era opinião da maioria das pessoas engaja- 
das na luta, e com razão, pois era um equívoco. Não obstante, quem 
se dispôs a essa aventura demonstrou coragem e desprendimento. 
A exposição faz referência a eles e particularmente aos que foram 
mortos pela repressão. Está certo. O que não está certo é não fazer 
qualquer referência àqueles que, optando pela luta pacífica, foram 
igualmente presos, torturados e mortos. Basta dizer que, de 1972 a 
1974, um terço do Comitê Central do PCB foi assassinado, mas a 
exposição, se não me engano, não alude a eles. 
Lula, porém, aparece ali como um exemplo de resistente. Está 
certo, mas por que não aparecem outros líderes como Fernando Hen- 
rique, José Serra, Miguel Arraes e tantos outros? Deve ter havido 
alguma razão para isso, mas não sei qual seria. 
 
22 22 
Economia e guerra fria abriram 
caminho ao golpe 
Jarbas de Holanda 
A 
las das Forças Armadas e dos partidos com representação no 
Congresso, sobretudo da UDN, bem como segmentos do em- 
presariado, apostavam num impasse político-institucional que 
levasse à deposição do presidente João Goulart e à instauração de 
um regime autoritário. Mas uns e outros não tinham peso suficien- 
te – militar, social e econômico – para lograrem por si próprios tais 
objetivos. Como se evidenciara em 1961 com a solução democrática 
negociada após a renúncia de Jânio Quadros. 
O que, na verdade, os viabilizou foram o descontrole inflacioná- 
rio, a descontinuidade e inconsistência da equipe governamental e 
seus projetos de manter-se no poder por meio da reeleição de Jango, 
ou ainda mais desafiador, da ascensão de Leonel Brizola, em ambos 
os casos por meio de mudanças casuísticas na Constituição. 
Tudo isso processando-se e sendo buscado num cenário de radi- 
calização, balizada pelos parâmetros ideológicos e políticos da guerra 
fria. Do “perigo vermelho”, exacerbado nos planos internacional e 
doméstico, do “anti-imperialismo leninista” do Partidão, do anticapi- 
talismo dos grupos mais à esquerda dele, da sedução guerrilheira 
renovada pela revolução cubana. 
Nesse contexto, a combinação da crise econômica (disparada da 
inflação, escalada do grevismo nos portos, ferrovias, bancos; e do 
ambiente hostil aos investimentos privados) com os planos de conti- 
nuísmo governamental – centrados em “reformas de base” a serem 
desencadeadas pelo Executivo “popular”, que as imporia ao Congres- 
so “reacionário” ou as implementaria ao arrepio dele – essa combina- 
ção deixou pequeno espaço, à esquerda e à direita, a uma alternativa 
democrática ao impasse à vista: a proposta da Frente Ampla, apre- 
sentada no final de 1963 pelo ex-ministro e deputado do PTB, San 
Tiago Dantas. Que tinha em vista, implicitamente, um entendimento 
suprapartidário em torno da candidatura presidencial de Juscelino 
Kubitschek, em 1965. 
 
23 23 Economia e guerra fria abriram caminho ao golpe 
O bloqueio à proposta, servindo à preparação do impasse pela di- 
reita, mas contraposto rápida e explicitamente pelo núcleo dirigente 
do governo, acentuou seu isolamento nas duas Casas do Congresso 
(mesmo na Câmara onde o PTB era a legenda com maior bancada). 
Quanto à economia, ademais da piora dos indicadores de desem- 
penho, em novembro de 63 esvaziavam-se, ainda mais, as relações 
entre Jango e o empresariado pela renúncia do paulista Carvalho 
Pinto ao Ministério da Fazenda e sua troca pelo brizolista Ney Gal- 
vão. Tal fato era avaliado pelo conjunto do mercado e pela imprensa 
como forte indicador de maior radicalização do governo federal. 
E quanto às Forças Armadas, a articulação, minoritária, para uma 
deposição do presidente, passou a ganhar apoio nas esferas da ofi- 
cialidade com as ameaças e os atos de quebra da hierarquia militar 
(em grande escala na Marinha, na segunda quinzena de abril). 
No final do primeiro trimestre de 1964 – estimulados pelo governo 
dos EUA mas sem necessidade de envolvimento militar – os golpistas 
partiram para a ação, logrando em apenas dois dias, com o respaldo 
do Congresso, a deposição do presidente, sua troca pelo chefe do 
Estado Maior das Forças Armadas, general Humberto Castelo Bran- 
co, e a instituição de duro regime autoritário. Que, de pronto, desen- 
cadeou amplo processo de prisões (com torturas e várias mortes), de 
cassações (de alguns governadores e prefeitos, de muitos parlamen- 
tares e de lideranças sindicais e populares) de restrições aos direitos 
de reunião e manifestação. 
Crescentes protestos sociais contra tais violências geraram (e fo- 
ram reforçados) por rápida postura assumida pela mídia, a partir dos 
veículos do Rio e de São Paulo, de denúncia delas. Desdobrada, ano 
a ano, num posicionamento crítico ao governo e de rejeição de sua 
ilegitimidade institucional. Posicionamento que ganhou profundida- 
de e amplitude quando, no final de 1968 e sob o controle da Junta 
Militar, o regime autoritário assumiu a dimensão substantiva e for- 
malde uma ditadura, cujos primeiros passos incluíram a suspensão 
dos trabalhos do Congresso, a mutilação de prerrogativas do Supre- 
mo Tribunal Federal e censura à imprensa. 
Retornando ao cenário da fase final do governo Jango, é preciso 
reconhecer que uma derrota militar do golpe de direita seria seguida 
também, certamente, por muitas violências e restrições à democra- 
cia. Como reflexos do clima de radicalização ideológica e política da 
época e do caráter populista, estatizante e autoritário das respostas 
e ações que seus principais apoiadores propunham para a aguda 
crise econômica e social. Com a possibilidade de anteciparem em 
 
24 24 Jarbas de Holanda 
quase três décadas a aplicação aqui das violentas e desastrosas re- 
ceitas do chavismo. 
Destaque-se que, no Brasil, no entanto, o chamado bolivarianis- 
mo não resistiria muito às reações contrárias do conjunto da socie- 
dade (em defesa do pluralismo político-institucional, da economia de 
mercado, da liberdade de imprensa). Como as que derrotaram o regi- 
me militar, tirando-o de cena por meio de legítima e eficiente nego- 
ciação política. 
 
25 25 
Os paradoxos de um golpe militar 
 
Paulo César Nascimento 
A 
distância temporal de um evento histórico é muito importan - 
te para reavaliá-lo de forma mais madura. Passadas as pai - 
xões e emoções que animaram os atores políticos envolvidos 
no drama da época, a reflexão torna-se mais sóbria, facilitando a 
análise de aspectos do passado que foram anteriormente negligen- 
ciados ou minimizados. 
Este parece ser o caso do golpe de 1964 no Brasil, como atestam 
as inúmeras publicações, entrevistas e depoimentos que têm surgi - 
do na esteira dos 50 anos daquele fatídico 1º de abril de 1964, 
quando o governo de João Goulart foi deposto pelos militares. Nes - 
tes apontamentos, gostaria de realçar três temas polêmicos sobre o 
período do regime militar, alguns dos quais já abordados em publi- 
cações recentes. 
O primeiro deles refere-se ao enfoque mais adequado, do ponto de 
vista das ciências sociais, para abordar tanto o advento como o fim 
da ditadura militar. O recém-falecido politólogo argentino Guillermo 
O‟Donnel, um dos mais influentes estudiosos dos regimes militares 
na América Latina, desenvolveu o argumento – endossado por vários 
estudiosos –, de que os golpes que derrubaram governos democráti- 
cos em países como Brasil, Argentina, Uruguai e Chile nas décadas 
de 60 e 70 do século passado atendiam às exigências de uma nova 
etapa de desenvolvimento capitalista no continente. 
Nesta perspectiva, aqueles golpes militares, ao restringir as liber- 
dades democráticas e a influência sindical, fortalecer a burocracia 
estatal e impor arrochos salariais, favoreciam um novo ciclo de acu- 
mulação e desenvolvimento capitalistas. Essa estratégia, aliás, foi 
popularizada pelo slogan “segurança e desenvolvimento” durante o 
regime militar brasileiro. Então, segundo essa corrente de pesquisa- 
dores, só é possível entender as razões do golpe de 1964 se estudar - 
mos os macroprocessos que o geraram. 
Este enfoque estruturalista, contudo, foi criticado por sugerir a 
inevitabilidade do fracasso das democracias latino-americanas e por 
 
26 26 Paulo César Nascimento 
negligenciar a ação dos atores políticos. Outros estudiosos da Améri- 
ca Latina, como Juan Linz e Alfred Stepan, preferiram explicar a 
queda da democracia pelas falhas de suas lideranças. Esta também 
parece ser a opção da literatura mais recente sobre 1964, como os 
quatro livros do jornalista Elio Gaspari, lançados em 2002-2004 e 
reeditados este ano, e as obras dos historiadores Marcos Napolitano 
e Marco Antonio Villa. Não que estes autores omitam fatores estrutu- 
rais tais como a crise econômica e o surto inflacionário à época de 
João Goulart, ou o impacto dos choques de petróleo na estabilidade 
do regime militar; mas visivelmente privilegiam, em suas análises, o 
jogo da política – a atuação dos líderes do governo e da oposição, a 
trama dos bastidores e a movimentação da sociedade, tanto a favor 
do golpe em 1964 como pela democratização do país a partir de 1974. 
A dicotomia estrutura-agente, ou mais simplesmente “fatores ob- 
jetivos-fatores subjetivos”, é algo comum nas ciências sociais e de 
difícil resolução. Em todos os casos onde ela aparece – e o Brasil não 
é exceção –, não é fácil medir a importância de um e outro, já que 
eles aparecem em uma conexão dialética. Por exemplo, é sabido que 
o choque do petróleo, o endividamento financeiro e a crise econômica 
que ocorreram na segunda metade da década de 70 do século passa- 
do certamente enfraqueceram o regime militar e incentivaram a aber- 
tura política. Mas daí a estabelecer uma relação causal entre estes 
fatores vai uma grande distância, pois essa mesma crise econômica 
poderia resultar em um fechamento maior do regime militar, objetivo 
que foi até tentado pelo grupo de militares ligados ao general Sylvio 
Frota, naquele então ministro do Exército. Em suma, fatores estru- 
turais informam a ação dos atores políticos, mas muito depende de 
como estes atores irão interpretá-los. 
O segundo tema polêmico e instigante relacionado com o golpe 
militar é o papel nele desempenhado pelos civis. Na historiografia do 
regime surgido em 1964, é quase unânime sua caracterização como 
uma ditadura militar. O historiador Daniel Aarão Reis, em livro re- 
cente – Ditadura e democracia no Brasil (Zahar), alega que tal defini- 
ção, embora compreensível, oblitera a importante participação de lí- 
deres civis no golpe de 1964. Ele cita até o próprio deputado Ulysses 
Guimarães, que se tornou símbolo da oposição ao regime militar mas 
que foi um dos líderes da Marcha da Família com Deus, em 1964, e 
membro da comissão que elaborou o primeiro Ato Institucional. 
A importância dessa revisão histórica é imensa: cai por terra a 
visão predominante de um golpe militar de “cima para baixo”, contra 
uma sociedade civil desmotivada e desmobilizada. E o apoio inicial 
ao golpe – vindo não somente das elites empresariais, mas da Igreja, 
 
27 27 Os paradoxos de um golpe militar 
sindicatos, partidos políticos e outras lideranças civis –, sugere um 
enraizamento social do regime militar muito maior do que até agora 
se supunha, e até ajuda a explicar, pelo menos parcialmente, a du- 
rabilidade do regime e a transição lenta e gradual até à democracia. 
Além disso, como viu bem Daniel Aarão Reis, se relevarmos a parti- 
cipação civil no regime militar, a periodização do mesmo tem que ser 
relativizada, já que o marco consensual do fim da ditadura – a posse 
de um presidente civil, José Sarney – não teria sentido devido à sua 
estreita ligação com o regime militar. 
E finalmente, cabe frisar um terceiro paradoxo, menos estudado, 
mas igualmente importante, na história da oposição à ditadura mili- 
tar: o papel desempenhado pelo Partido Comunista Brasileiro (PCB) 
na resistência ao autoritarismo, e seu paulatino definhamento políti- 
co durante a democratização do país. Creio não ser exagero afirmar 
que entre toda a esquerda brasileira, o PCB foi o único a apresentar 
uma proposta política sensata e realista para combater o regime mi- 
litar – a formação de uma ampla frente de forças políticas, cuja união 
estaria calcada não em pressupostos ideológicos ou de classe, mas 
na disposição de lutar pelo estabelecimento de um Estado Democrá- 
tico de Direito. Mais que isso, o PCB até apontou a força política que 
poderia materializar essa frente ampla: o Movimento Democrático 
Brasileiro (MDB). 
A realidade brasileira encarregou-se de confirmar a aposta polí - 
tica do PCB, e o MDB foi o grande veículo que levou o Brasil à de - 
mocracia. As outras forças de esquerda, incluindo o PCdoB, apos - 
taram no fracassado voluntarismo da luta armada. E o PT, surgido 
já com o processo de democratização em andamento, manteve du - 
rante muito tempo uma postura sectária e moralista,discriminan- 
do facções da oposição e recusando-se a fazer quaisquer alianças 
políticas. Durante todo o processo de democratização, o PT foi a 
pedra no sapato das oposições. 
Contudo, foi justamente o PCB que definhou políticamente na 
medida em que o processo de democratização ia se aprofundando, 
perdendo a oportunidade de capitalizar em cima do sucesso de sua 
política contra a ditadura militar. As explicações para o enfraqueci- 
mento dos comunistas giram em torno de alguns fatos concretos – a 
repressão durante o regime militar, a dificuldade, mesmo durante a 
democratização, de obter a legalidade política, a divisão das esquer- 
das ou então a contradição de o PCB lutar pela democracia no Brasil 
e continuar defendendo o regime autoritário da União Soviética. Não 
há como negar a importância desses fatos, mas minha hipótese é que 
o remédio que o PCB prescreveu para superar o regime militar – a 
 
28 28 Paulo César Nascimento 
unidade das forças oposicionistas – foi aplicado em dose tão alta que 
acabou envenenando os próprios comunistas. 
Se a luta pela redemocratização exige a unidade da oposição em 
torno do objetivo comum de derrotar a ditadura, não é menos certo 
que na medida em que a democracia vai sendo alcançada, nada mais 
natural que as forças políticas se reagrupem em um processo de auto- 
definição. Afinal de contas, uma democracia plena não existe sem plu- 
ralidade política. Claro que a frágil democracia brasileira necessitava 
de certa convergência das forças democráticas para assegurar sua so- 
brevivência e estabilidade, mas essa convergência teria que obedecer 
aos novos tempos e constituir-se em uma unidade na diversidade. 
Contudo, o PCB continuou insistindo na mesma unidade dos tempos 
da ditadura, em torno de um MDB que rapidamente perdia seu élan 
oposicionista. Perdeu o proverbial trem da história, e esse fato prova- 
velmente é parte da explicação para seu enfraquecimento político. 
Estes e outros paradoxos sobre o regime militar brasileiro e o 
processo de redemocratização certamente exigem mais estudos. Pas- 
sados cinquenta anos daquele evento que mudou o rumo do país, 
somos ainda confrontados, em nossa luta por consolidar a democra- 
cia brasileira, com a herança de 1964, seja na área econômica, so- 
cial, política ou cultural. E somente continuando a refletir sobre 
aquele trágico período da história do Brasil conseguiremos exorcizar 
os fantasmas de 64. 
 
29 29 
Um guia para 1964: 
doutor Alceu 
Elio Gaspari 
C 
omeçam a ser expostas as reminiscências em torno da depo- 
sição do presidente João Goulart, quando o país entrou numa 
ditadura em nome da democracia. Ela começou no Dia da 
Mentira e só acabou 21 anos depois. Estranha efeméride, passaram- 
-se 50 anos e ainda divide opiniões. Em 1949, ninguém discutia o 
golpe militar que destronou o imperador. Em 1980, ninguém discutia 
a deposição do presidente Washington Luís. Essa peculiaridade de 
1964 fala mais do presente do que do passado. 
Há um tesouro à disposição de quem queira conhecer o Brasil da- 
queles dias. É o livro Cartas do pai – de Alceu Amoroso Lima para sua 
filha madre Maria Teresa. Durante 18 anos, o pensador católico escre- 
veu milhares de cartas à filha, monja enclausurada num mosteiro 
beneditino. Em 2003, o Instituto Moreira Salles publicou um magnifi- 
co volume de 672 páginas com uma seleta das cartas de 1958 a 1968. 
É difícil de achar e clama aos céus por uma versão eletrônica. 
As cartas do “doutor Alceu” são um painel de amor e fé. Entre 
1963 e abril de 1964, ele mandou 118 cartas à filha, expondo a alma 
de um liberal perplexo diante da radicalização política. 
Alguns exemplos: 
11 de julho de 1963: “Este, o ambiente sombrio em que estamos, 
com o [Carlos] Lacerda [governador do Estado da Guanabara] provo- 
cando agitação e insuflando o golpismo legal (deposição do Jango 
pelo Congresso) e com isso estimulando o golpismo extralegal (mili- 
tares e esquerda negativa).” 
18 de setembro: “Se tudo não acabar em ditadura militar, só mes- 
mo porque Deus não quis.” 
26 de setembro: “A „amarga‟ máxima é que a tensão política chega 
hoje ao auge, no choque entre militares e líderes sindicais, entre os 
quais o Jango parece que optou (definiu-se, como vivem querendo 
que o faça, tanto os esquerdistas como os direitistas) e o resultado é 
 
30 30 Elio Gaspari 
que podemos, amanhã ou hoje mesmo, ter um golpe à vista e no 
duro: ou dos generais ou dos sargentos.” 
27 de março: “De repente, bumba! Marinheiros (uns 3.000, di- 
zem) reunidos em um sindicato de metalúrgicos, pedem demissão do 
ministro da Marinha e do comandante dos Fuzileiros Navais (que 
dizem ser os homens do Brizola).” 
31 de março: “Estou sentindo o cheiro de... pólvora e a semelhan- 
ça com 1937, quando Getúlio, mestre do Jango, deu o golpe do Esta- 
do Novo. (...) O mais grave é que, no momento, introduziu uma cunha 
entre oficialidade e tropa (soldados ou marinheiros), e isso pode real- 
mente redundar numa revolução de tipo comunista. (...) O momento 
é de perfeita perplexidade e de vigília de golpe. Mas, de onde virá o 
golpe é que são elas.” 
1º de abril: “Desgraçadamente rompeu-se de novo a continuidade 
civil do nosso governo e a solução foi transferida para a área militar. 
(...) O San Tiago [San Tiago Dantas, ex-ministro das Relações Exte- 
riores] que está muito bem informado, e esteve no Palácio das Laran- 
jeiras com o Jango até de madrugada, me diz que as forças que estão 
com o governo legal parece que são fortes. (...) Mas o próprio San 
Tiago confessa que há muitas probabilidades de triunfo do golpe. 
E será então um triunfo direitista „que atrasará por vinte anos o pro- 
gresso do Brasil‟.” 
Alceu Amoroso Lima morreu em 1983, sem ter visto o fim de uma 
ditadura que combateu desde seus primeiros dias. 
 
31 31 
A eterna transição 
 
Vladimir Safatle 
A 
reflexão a respeito dos 50 anos do golpe de 1964 começou. 
E estão demonstrados com clareza os malefícios da transição 
à brasileira. Sua maior característica é o fato de ela nunca 
acabar. Vende-se a falsa versão de que o Brasil seria um país de 
reconciliação fácil, capaz de mobilizar todos os setores da sociedade 
para uma superação de traumas passados. Na verdade, somos uma 
nação onde os traumas nunca são superados, pois eles sequer são 
nomeados. Dessa forma, somos obrigados a conviver com fantasmas 
que parecem sair do nada, mas são, na verdade, a expressão de vi - 
sões que nunca morreram de fato. 
Há pouco, o jornal O Estado de S. Paulo decidiu publicar um ar- 
tigo do general Rômulo Bini Pereira a respeito da grandeza do que 
esse senhor chama de “Revolução de 64”. Não consigo imaginar ne- 
nhuma nação do mundo na qual cidadãos sofreriam o insulto de ver 
um militar criticar governos democráticos e elogiar ditaduras, sem 
passar por nada minimamente parecido a um mea culpa a respeito 
de seus crimes e do fato de a ditadura ter instalado no Brasil um 
Estado ilegal comandado por bandidos. Na Argentina, no Chile, no 
Uruguai ou Espanha, seria inimaginável. Um senhor como este, mes- 
mo na reserva, seria destituído de suas patentes e processado por 
apologia do crime contra o Estado democrático. O Exército emitiria 
nota para deixar claro seu repúdio a tal opinião. Mas estamos no 
Brasil e aqui elogiar nosso período ditatorial, com seus assassinos e 
torturadores, é tratado como um “direito de opinião”. 
É de se admirar ainda que uma empresa de comunicação que 
participou ativamente do golpe e que o defendeu até a última hora, 
principalmente por meio de editoriais nos quais criticava movimen- 
tos democráticos como a Diretas Já, não tenha sensibilidade para 
evitar esse constrangimento. 
Ainda no quesito “o passado nunca passa”, há pouco os corren - 
tistas do Banco Itaú receberam uma agenda na qual o dia 31 de 
março estava marcado como “aniversário da revolução de 64”. Não 
custa lembrar: Olavo Setúbal, fundadorda instituição financeira, 
 
32 32 Vladimir Safatle 
por suas boas relações com o regime, foi prefeito biônico de São 
Paulo. Se o governo brasileiro tivesse exposto com clareza os víncu - 
los do empresariado nacional com a ditadura, vínculos que chega - 
ram ao incrível financiamento de casas de tortura, certamente ban - 
cos, empresas e construtoras teriam feito pedidos públicos de 
desculpas e aplicado políticas de controle para impedir que afron- 
tas como essa ocorressem. 
Tudo isso demonstra quão falsa é a história de a ditadura brasi- 
leira ser um assunto encerrado. O que poderíamos esperar de um 
país no qual nenhum torturador, absolutamente nenhum, foi preso 
ou simplesmente julgado? O Brasil não pode continuar a farsa da 
reconciliação nacional sem que as Forças Armadas mostrem mini- 
mamente terem entendido o que fizeram e ofereçam publicamente 
um pedido de perdão à população brasileira por terem destruído nos- 
sa democracia. Enquanto isso não ocorrer, elas serão vistas por vá- 
rios setores da sociedade brasileira como um corpo estranho, uma 
corporação pronta a desordenar, mais uma vez, a nação por meio da 
força e do arbítrio. 
A mesma exigência vale, e com urgência parecida, para a classe 
empresarial brasileira. Basta de o empresariado nacional fingir não 
ter sido o elemento propulsor da ditadura, com relações de simbiose 
com o governo. De não ter herdado e manter de pé até os dias atuais 
práticas de corrupção do poder público. E de não estimular precon- 
ceitos que vez por outra explodem de maneira aparentemente irracio- 
nal. O que se espera deste momento de reflexão a respeito dos 50 
anos do golpe é, ao menos, o fim dessa prática medonha de nunca 
colocar claramente como objetos de repúdio público aqueles que des- 
truíram não apenas 20 anos da história brasileira, mas contribuíram 
para um presente ainda assombrado pelos piores fantasmas. 
O Brasil merece Forças Armadas defensoras da democracia, não 
um clube dedicado a abrigar os defensores de estupradores, tortura- 
dores, assassinos e ocultadores de cadáveres. 
 
33 33 
As manifestações de hoje 
e a ditadura militar de 1964 
Wellington Mangueira 
O 
Brasil vive hoje, com essas manifestações de rua, um mo- 
mento singular de sua história política. E, se bem que salu- 
tar, pelo exercício da democracia, com suas novas formas de 
organização e mobilização, urge dizer, de plano, que não guardam, 
em sua essência, nenhuma semelhança com os movimentos sociais 
de massas que antecederam o golpe militar de 1º de abril de 1964, 
nem, tampouco, com os que lhe foram posteriores, até à redemocra- 
tização ocorrida em 1985. 
O golpe, que ensejou a ditadura civil-militar de 1964, se deu num 
contexto da guerra fria, polarizada pelos Estados Unidos da América 
e a antiga União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. Os america- 
nos, que já tinham, a poucos quilômetros de suas costas, uma Cuba 
que se declarara socialista, temiam que esse exemplo de autodeter- 
minação alcançasse o Brasil, o maior e mais populoso país da Amé- 
rica Latina. 
Por outro lado, o povo brasileiro, antes de 1964, vivia um processo 
de crescente conscientização política e de organização social, cujos 
protagonistas eram os sindicatos, as associações das categorias que 
não podiam se organizar como sindicatos, as Ligas Camponesas, as 
entidades estudantis, capitaneadas pela UNE,Ubes e Uneti e, até mes- 
mo, pelas Associações de Sargentos, Cabos e Soldados das Forças 
Armadas, além das recém-criadas Contag, CGT e PUA. 
No plano cultural, desenvolviam-se, em todos os seus segmentos, 
obras que valorizavam a miscigenação, evidenciando o que já havia 
sido dito pelos renomados sergipanos Tobias Barreto e Manoel Bon- 
fim, bem como pelo pernambucano Gilberto Freire. Tais eram as 
obras de Graciliano Ramos e Jorge Amado; as peças teatrais de Dias 
Gomes e Oduvaldo Vianna Filho; os livros, Geografia da fome e Qua- 
tro séculos de latifúndio, escritos, respectivamente, por Josué de 
Castro e Alberto Passos Guimarães; as interpretações históricas e 
econômicas sobre o desenvolvimento do Brasil, formuladas pelos in- 
telectuais marxistas Nelson Werneck Sodré e Caio Prado Junior; 
tudo isso e mais o orgulho de termos construído Brasília em apenas 
 
34 34 Wellington Mangueira 
cinco anos, fruto do engenho de um Oscar Niemeyer e Lúcio Costa, e 
de milhares de operários, negros, mulatos e caboclos de todas as 
partes do Brasil, enfim, obras e ações que eram cantadas em verso e 
prosa, do cordel à alta literatura, e serviam de lastro para afirmar a 
pujança do povo brasileiro, desferindo profundos golpes nas teorias 
racistas e reacionárias, difundidas em todas as partes do mundo 
pelo nazifascismo. 
É nesse cenário histórico, de afirmação das hidroelétricas, das 
descobertas de novos poços petrolíferos, de necessidade das imedia- 
tas reformas agrária, tributária e bancária, e da conquista do Bicam- 
peonato Mundial de Futebol, que se elevou a autoestima do povo, 
além do plebiscito que devolveu ao presidente João Goulart os pode- 
res que lhe haviam sido retirados, em 1961, quando da renúncia do 
senhor Jânio Quadros, que os militares, comprometidos com a lógica 
da guerra fria, conspiravam contra a democracia e, consequente- 
mente, de forma alienada, contra os interesses do povo brasileiro. 
Com o golpe, desferido contra a legalidade democrática, sobreveio 
a ditadura, com o apoio de políticos ligados aos latifundiários e aos 
grandes empresários. Os setores do alto clero, assim como os ban- 
queiros e os donos dos órgãos de imprensa uniram-se aos golpistas, 
sob o pretexto falacioso de que estavam defendendo a democracia 
contra a chamada “ditadura sindicalista” de João Goulart. 
Instalado, o regime foi se fascistizando, até que, com a decretação 
do Ato Institucional nº 5, em 13 de dezembro de 1968, descambou de 
vez para a mais dura repressão policial ocorrida no Brasil. 
A história registra, todavia, que a ditadura sanguinária não impe- 
rou sem resistência, das mais diversas formas, por parte do povo. 
E, nesse particular, justiça seja feita, o Partido Comunista Brasileiro 
merece especial destaque. 
Quando a direção do PCB concluiu que o “dispositivo militar” 
antigolpe do presidente Jango havia falhado; que a proposta de uma 
greve geral fora sufocada; que a sede da União Nacional dos Estu- 
dantes fora incendiada; que sindicatos rurais e ligas camponesas 
estavam sem poder de mobilização, não lhe restou outra alternativa 
senão recuar de forma organizada, pois, naquela circunstância, era 
o mais prudente. 
Nenhum partido ou grupo de esquerda teve condições de, imedia- 
tamente, organizar a resistência. Não obstante, todas juntaram-se 
ao coro de que “o PCB havia caído na ilusão de classe”, responsabili- 
zando-o pela derrota. O então secretário-geral Luiz Carlos Prestes, em 
 
35 35 As manifestações de hoje e a ditadura militar de 1964 
plena clandestinidade, chamou a atenção para o prejuízo de se sofrer 
uma derrota sem luta. Declarou ainda que a hora exigia coragem para 
reorganizar nossas fileiras, denunciando a ditadura e enfrentando-a 
com sabedoria, por meio do esgotamento de todas as formas legais de 
luta, no propósito de sensibilizar o povo, buscando organizar e mobi- 
lizar todas as classes, categorias, personalidades e até aqueles que, 
nos primeiros dias de abril, apoiaram o golpe, mas que, compreenden- 
do a farsa, passaram a se antepor ao regime autoritário. 
A estratégia do PCB de isolar a ditadura a fim de derrotá-la se 
contrapunha à das demais organizações de esquerda, que propugna- 
vam pela “derrubada” armada do regime. Enquanto o PCB dizia que 
o Brasil deveria superar os dois grandes obstáculos históricos que 
impediam seu crescimento, ou seja, o latifúndio improdutivo e o im- 
perialismo, as demais afirmavam que a etapa era socialista e não 
nacional-democrática. 
Nesse embate teórico, o PCB perdeu quadrosimportantes, como 
Carlos Marighella, Mário Alves, Jacob Gorender, Apolônio Carvalho e 
tantos outros revolucionários que optaram pela luta armada como 
única forma capaz de derrubar a ditadura. 
Os democratas que seguiram a estratégia do PCB agruparam-se 
no MDB, construindo o movimento pela reconquista das liberdades 
democráticas, pela anistia e por uma Assembleia Nacional Consti- 
tuinte, visando também à pluralidade e à legalização de todos os 
partidos políticos, inclusive o PCB. 
Essa estratégia se fez vitoriosa, se bem que o PCB não foi capaz de 
capitalizá-la, ante a logística traçada pelo senhor Golbery do Couto e 
Silva, um dos ideólogos do regime, que, dentro de sua “abertura lenta 
e gradual”, facilitou o surgimento de outros partidos de esquerda 
(como o PT, PTB, PDT e PSB), antes da legalização do PCB e do PCdoB. 
Para concluir, é bom que se diga que, nos 21 anos de ditadura 
militar-civil, milhares e milhares de brasileiros foram perseguidos, 
presos, torturados e assassinados pelo regime militar ou então obri- 
gados ao exílio. Marcos significativos foram desenvolvidos por estu- 
dantes que, nas salas de aula, nos grêmios ou nas assembleias, de- 
cidiam ir às ruas em luta por liberdade e contra a censura. Os 
intelectuais e artistas também marcavam presença na resistência 
democrática, não só por meio de suas obras, manifestos públicos e 
abaixo-assinados, mas também nas passeatas, atraindo multidões 
contra o sistema opressor. Jornalistas driblavam a censura e os jor- 
nais clandestinos proliferavam; as salas de teatro eram invadidas; 
peças eram censuradas, composições musicais proibidas; cantores 
 
36 36 Wellington Mangueira 
se exilavam, mas, de longe continuavam a luta por liberdade, anistia 
e democracia. 
A ditadura começou a se esgarçar, a partir da morte do estudante 
Edson Luiz, ocorrida em 28 de março de 1968, no Restaurante Cala- 
bouço, no Rio de Janeiro. Este emocionante fato ensejou manifesta- 
ções por todo o Brasil, fazendo o povo ir às ruas em memoráveis 
ações. As forças da repressão agiam com dureza. Eram os anos de 
chumbo. Os estudantes se mobilizavam e atraiam setores cada vez 
mais amplos das camadas médias urbanas. Setores da Igreja Católi- 
ca começaram a agir contra o regime, denunciando-o. 
Houve a Marcha dos 100 mil, no Rio de Janeiro, nesse mesmo 
ano de 1968, ano do XXX Congresso da UNE, onde mais de 1.000 
líderes estudantis, de todo o Brasil, foram presos em Ibiúna/SP e 
transportados para o Presídio Tiradentes (veja-se a ironia!!!). Ainda 
nesse mesmo ano, foi decretado o AI-5, e com ele sufocado o que res - 
tava de espaços democráticos. Daí em diante, a tortura passou a ser 
generalizada, cruel como o fora nos tempos de Hitler. 
Foi nesse contexto que entraram em cena os grupos que desen- 
volveram, na prática, o que já pregavam: a luta armada, como única 
forma de derrubar a ditadura. Por outro lado, o PCB não desistiu de 
sua estratégia vitoriosa de unir, num amplo arco de forças, todos os 
que se opunham ao regime atrabiliário. As eleições de 1974 revela- 
ram o amplo descontentamento popular com o regime (a oposição 
perdera em 1970, graças à equivocada palavra de ordem de “votar 
branco ou nulo”). 
Nessa marcha, entram em cena, na segunda metade dos anos 70, 
os trabalhadores, sobretudo a classe operária do ABC paulista, e, 
com eles, a ABI, a OAB, a CNBB etc. A ditadura, vendo-se isolada e 
derrotada, decreta a anistia em 1979, ensejando novas lutas pela 
plena democracia. Agora, a batalha era pelo movimento Diretas Já, e 
pela convocação de uma Constituinte. Em 1985, no ocaso do regime, 
o general Figueiredo, último ditador, saiu pelas portas do fundo do 
Palácio do Planalto. 
Cinquenta anos são passados e o Brasil assiste a novos clamores 
populares. As massas, nos grandes centros urbanos, vão às ruas exi- 
gindo Segurança Pública, Saúde e melhor Educação. Falam da mobi- 
lidade urbana e exigem tarifas reduzidas nos transportes coletivos. 
Dizem alguns analistas políticos que são manifestações difusas, 
sem pauta clara de reivindicações e, mais, carentes de lideranças e 
sem estrutura orgânica capaz de conduzir a luta para um determi- 
 
37 37 As manifestações de hoje e a ditadura militar de 1964 
nado objetivo político, mesmo que aparentemente utópico, como a 
conquista do poder ou de parcelas dele. Mas, por outro lado, cabe, 
entre outras, uma reflexão: Não é verdade que uma teoria revolucio- 
nária se constrói a partir de movimentos sociais? E, quando se cons- 
tata que as classes subalternas e até as camadas médias urbanas já 
não se conformam com o que lhes é reservado? Que fazer diante da 
perplexidade dos nossos governantes, esses mesmos que, no decor- 
rer desse meio século, lutaram contra as injustiças sociais e econô- 
micas, vendo-se agora flagrados na incômoda situação de represen- 
tantes das classes dominantes, e como tais, instigados a usar o 
método que outrora combatiam, a repressão? 
Como romper com essa dicotomia? Karl Marx, em seu tempo as- 
severou: “Não é a consciência que determina o ser, mas o ser social 
que determina a consciência.” 
O conflito está posto. Anos atrás, apostou-se que se o Brasil se- 
diasse a Copa do Mundo e as Olimpíadas, a popularidade do bloco 
que governa o país, há mais de dez anos, seria imbatível, mesmo 
porque, além desse espetáculo, temos o Bolsa Família. Ledo engano 
e não se diga que futebol e política não se misturam. No passado, 
poderia até, em parte, ser verdade. Hoje, com a crise de credibilidade 
que atinge políticos e até instituições como a Igreja, “num palco de 
cenários variados, com seus dramas de afligir”, tudo envolto em cor- 
rupção, desmandos e descréditos, há várias alternativas para a su- 
peração do impasse. Espera-se que se opte pelo caminho da demo- 
cracia e não pelo atalho que quase sempre descamba para a violência 
e a supressão das liberdades democráticas. 
 
38 38 
Do instrumental ao intrínseco: 
a trajetória da democracia no pensamento 
dos comunistas brasileiros (1958-1988) 
Victor Augusto Ramos Missiato 
N 
a biografia política que Giuseppe Vacca escreveu sobre Anto- 
nio Gramsci, lançada recentemente entre nós, há um desta- 
que especial para uma mudança importante no pensamento 
do dirigente político italiano na luta contra o fascismo. A partir de 
1929, como estratégia de combate antifascista, Gramsci passou a de- 
fender a proposta de uma Constituinte para a Itália, “concebida como 
a certidão de nascimento da nação democrática” (VACCA, 2013, p. 
246). Destoante das orientações que vigorariam na Internacional Co- 
munista (IC), Gramsci retomaria com esse tema algo que ele já havia 
intuído como uma grande orientação desde 1917 e que se expressava 
na ideia de que, “a Constituinte correspondia ao objetivo de refundar 
as bases da vida nacional de modo reformista”, sem passar pelo ca- 
minho revolucionário (Ibidem, p. 244). 
Diferentemente da IC, o discurso gramsciano não atendia ao 
chamado pela “ditadura do proletariado”. Porém, tal orientação veio 
ganhar relevância somente a posteriori, precisamente, a partir do 
pós-2ª Guerra Mundial com o processo da Constituinte italiana de 
1948. Ao longo do tempo, essa proposta gramsciana viria ganhar 
novas interpretações: 
Hoje, já se poderia dizer que a proposição da Constituinte feita por 
Gramsci tinha um sentido muito mais profundo: ela anularia a ideia 
de uma “fase intermediária” ou de “transição” na qual a democracia 
era pensada de maneira instrumental ou nem isso; a Constituinte 
em Gramsci seria uma proposta concreta que evidenciaria toda a 
sua complexa reflexão a respeito da “política como luta pela hegemo- 
nia”, ultrapassando integralmente os limites do modelo bolchevique 
de revolução e adotando efetivamente um programa reformista de 
combate ao fascismo (AGGIO apud VACCA, 2012, p. 149). 
De modo comparativo, levando-se em consideração as distintas 
conjunturase as questões político-culturais em cada país, algo simi- 
lar ocorreu com os comunistas brasileiros, enquanto atores que in- 
fluenciaram na formação de uma nova cultura política democrática, 
 
39 39 Do instrumental ao intrínseco 
também reinterpretada ao longo da trajetória do partido, a partir de 
seus dirigentes e intelectuais. 
Essa transformação materializa-se, inicialmente, a partir da De- 
claração de Março de 1958 e sua ratificação no V Congresso de 1960, 
conjunturalmente alinhadas ao clima democrático que se afirmara 
no país após a posse de JK e aos intensos debates ocorridos após o 
XX Congresso do PCUS, em 1956. Não obstante, tal documento foi 
tratado como uma “nova política” no interior do partido. De acordo 
com Raimundo Santos, “ao modo da argumentação lenineana sobre 
a revolução na periferia capitalista”, o PCB, ao visualizar o desenvol- 
vimento capitalista nacional, reconhece seu elemento progressista 
por excelência na economia brasileira: 
Em 1958, a Declaração de Março havia rompido com o viés estag- 
nacionista que até ali marcara a “imagem de Brasil” dos comunis- 
tas, passando a associar ao crescimento econômico um processo 
de complexificação social e a tendência do país rumo à democrati- 
zação política (SANTOS, 2009, p. 30). 
No entanto, a novidade pecebista não significou uma total ruptu- 
ra com a estratégia revolucionária e o pensamento político do parti- 
do, então artífice da Intentona de 1935 e dos Manifestos de Agosto 
em 1948 e 1950. A “questão nacional” estaria, mais uma vez, no 
centro das lutas e controvérsias do PCB. No Brasil da década de 
1950, a associação entre a tese do capitalismo de Estado progressis- 
ta ancorada a uma fração burguesa “objetivamente anti-imperialis- 
ta”, instalou uma “insanável ambiguidade na práxis comunista”, 
haja vista que a estratégia revolucionária manteve a fórmula nacio- 
nal-libertadora, embora sua prática procurasse reforçar os elemen- 
tos que fundamentavam as instituições da democracia representati- 
va (WERNECK VIANNA, 1988, p. 137). Essas contradições, presentes 
também em outros setores da sociedade brasileira, alimentadas pe- 
los radicalismos do início da década de 1960, serviram de alimento 
para o desfecho de sua frágil democracia em 1964. 
Com o advento do AI-5 e o aumento da repressão por parte do 
governo militar, além da influência do guevarismo e maoísmo nas 
concepções estratégicas das novas agremiações de esquerda insur- 
gentes, muitos desses militantes optaram pela via insurrecional no 
combate à ditadura. 
Diferentemente dessas estratégias, que viriam a ser derrotadas 
na década seguinte, com o desmantelamento dos grupos guerrilhei- 
ros, parte do grupo pecebista influenciou na abertura de espaços 
rumo à transição democrática por meio de rupturas moleculares 
 
40 40 Victor Augusto Ramos Missiato 
“tendo como inspiração principal os temas da democracia política, os 
quais, sobretudo a partir de meados dos anos 70, foram crescente- 
mente vinculados aos da agenda da democratização social” (WERNE- 
CK VIANNA, 1997, p. 22). Um dos textos mais ilustrativos desse pe- 
ríodo marcaria um ponto de inflexão na relação da esquerda e sua 
estratégia para destituir o regime autoritário vigente. Em A democra- 
cia como valor universal (considerado um “texto-evento”, nas pala- 
vras de José A. Segatto e Raimundo Santos), Carlos Nelson Coutinho 
– influenciado pelas discussões provenientes do eurocomunismo – 
“na contracorrente da cultura política da esquerda brasileira, [...] 
apresentava em seu artigo os fundamentos do que seria uma estra- 
tégia de sociedade socialista „fundada na democracia política‟” (SAN- 
TOS; SEGATTO, 2007, p. 38). Trata-se de uma concepção estratégica 
associada aos novos rumos da frente democrática, reforçada pela Lei 
de Anistia de 1979, que possibilitou a volta de vários políticos e inte- 
lectuais defensores da redemocratização do país: 
Não creio que nenhuma formação popular responsável ponha hoje 
em dúvida a importância dessa unidade em torno da luta pelas li - 
berdades democráticas tais como essas são definidas, entre outros, 
no atual programa do MDB. Todavia, há correntes e personalida- 
des que revelam ter da democracia uma visão estreita, instrumen- 
tal, puramente tática; segundo tal visão, a democracia política – 
embora útil a luta das massas populares por sua organização e em 
defesa dos interesses econômico-corporativos – não seria mais, em 
última instância e por sua própria natureza, do que uma nova for- 
ma de dominação da burguesia, ou, mais concretamente, no caso 
brasileiro, dos monopólios nacionais e internacionais (COUTINHO, 
1979, p. 34). 
O texto de 1979, inserido em uma conjuntura de “reflexão demo- 
crática”, ao contrário do viés tático e instrumental aplicado na Decla- 
ração de 1958, procurou, de fato, compartir democracia e socialismo 
em um mesmo plano. Porém, em contraposição à via armada bem 
como à rigidez teórica que advinha do marxismo-leninismo, a pro- 
posta pecebista de Coutinho não angariou o apoio de toda a cúpula 
dirigente do Partidão. Prova disso, foi a manutenção dos embates 
político-ideológicos entre os chamados “revisionistas” e “esquerdis- 
tas”, que ocorreram ao longo da década de 1980, enfraquecendo a 
participação no plano social do Partido no processo de transição 
rumo à democracia (SANTOS; SEGATTO, 2007, p. 45-46). O que evi- 
denciava um momento de crise aberta no interior do PCB (NOGUEI- 
RA, 1983, p. 92). 
 
41 41 Do instrumental ao intrínseco 
Ademais, juntamente com a crise do paradigma socialista no ce- 
nário internacional, a questão democrática para a esquerda brasilei- 
ra também passaria por transformações ao longo da década de 1980. 
Um novo grupo de intelectuais comunistas, inseridos em um amplo 
movimento de adesão à democracia política no Brasil, viria renovar 
essa relação entre esquerda e democracia. No início da década de 
1980, essas vozes já procuravam antecipar tal processo: 
Um partido democrático em seu relacionamento com a sociedade e 
em sua organização, no qual a indispensável unidade de ação seja 
não um a priori abstrato mas o resultado de um processo político 
baseado na liberdade de pensamento e discussão e na efetiva con- 
sideração da vontade das bases. São assertivas, portanto, destina- 
das a permitir que os comunistas brasileiros superem sua própria 
história, atualizem sua tradição, sintonizem-se com a modernidade 
(NOGUEIRA, 1983, p. 96). 
Não obstante, por se tratar de um partido que, historicamente, 
agregou pensamentos diversos, e até mesmo conflitantes, as respostas 
à crise política da época também foram plurais no PCB. Diante disso, 
mesmo enfraquecido com as cisões de quadros defensores da luta ar- 
mada (casos como Carlos Marighella, Jacob Gorender, Mário Alves), o 
PCB serviu de “linha auxiliar do MDB”, apostando na residual legali- 
dade presente na “competição eleitoral e no movimento associativo”, a 
fim de fundamentar uma constituição democrática (HENRIQUES, 
2013). À medida que novas reflexões e reinterpretações foram surgin- 
do no cenário teórico-político nacional como, por exemplo, a recepção 
às ideias de Gramsci no Brasil desde o final da década de 1970, alia- 
das às transformações conjunturais e estruturais da sociedade brasi- 
leira, uma nova estratégia abria-se naquele momento: 
Estas dimensões são traços da sociedade brasileira complexificada 
a serem considerados devidamente no labor “formulativo” dos am- 
bientes de raiz pecebista (adquirindo, assim, valor permanente), 
sendo exemplos o largo e variado associativismo, cada vez mais 
transclassista e a extensa opinião pública e os meios de comunica- 
ção livres. O sistema político com democracia representativa (par- 
tidos, eleições, liberdades, três níveis de parlamento, governos po- 
líticos) passou a ser reconhecido nessas áreas como valor 
irrenunciável; o pluralismo cultural igualmente ali visto como po- 
tencial civilizatório

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