Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Rogério Sanches Cunha - Manual de direito penal: parte geral (arts. 1º ao 120). 10ª ed. 2021 PARTE 1 - INTRODUÇÃO AO DIREITO PENAL CAPÍTULO 1 - NOÇÕES GERAIS DE DIREITO PENAL 1 DEFINIÇÃO Deve-se preferir a expressão Direito Penal (outros preferem Direito Criminal). Sua definição pode ser vista sob três aspectos: 1) Aspecto Formal ou Estático: conjunto de normas que qualifica certos comportamentos humanos como infrações penais (crime ou contravenção), define os seus agentes e fixa as sanções (pena ou medida de segurança) a serem-lhes aplicadas. 2) Aspecto Material: comportamentos considerados altamente reprováveis ou danosos ao organismo social, afetando bens jurídicos indispensáveis à sua própria conservação e progresso. 3) Aspecto Sociológico ou Dinâmico: instrumento de controle social de comportamentos desviados, visando assegurar a necessária disciplina social, bem como a convivência harmônica dos membros do grupo. Aspecto Formal Aspecto Material Aspecto Sociológico O DP é um conjunto de normas. O DP refere-se a comportamentos considerados altamente reprováveis ou danosos. O DP é mais um instrumento de controle social de comportamentos desviados. Promove a manutenção da paz social por meio de normativas que impõem ou proíbem determinados comportamentos. Quando violadas as regras de conduta, surge para o Estado o poder (dever) de aplicar sanções, civis e/ou penais. Diferença da norma penal para as demais = consequência jurídica (cominação das penas e medidas de segurança). O DP aplica-se de forma subsidiária e racional à preservação daqueles bens de maior significação e relevo. ● Vigora o princípio da intervenção mínima, o qual orienta e limita o poder incriminador do Estado, preconizando que a criminalização de uma conduta só se legitima se constituir meio necessário para proteção de determinado bem jurídico. 2 DIREITO PENAL, CIÊNCIA DO DIREITO PENAL, CRIMINOLOGIA E POLÍTICA CRIMINAL A Ciência do Direito Penal não se limita a abstrair da norma o seu significado. Ela se atém, também, às manifestações sociais da conduta criminosa a às condições pessoais daquele que a pratica. Ciências Penais: preocupam-se com a delinquência como fato natural, procurando apontar-lhe as causas, com o emprego do método positivo, de observação e experimentação. Integram esse grupo: criminologia, política criminal, antropologia criminal, psicologia e psiquiatria criminal, estatística criminal e penalogia. É a ciência empírica que estuda o crime, a pessoa do criminoso, da vítima e o comportamento da 1 Rogério Sanches Cunha - Manual de direito penal: parte geral (arts. 1º ao 120). 10ª ed. 2021 Ciências Penais Criminologia sociedade. É uma ciência causal-explicativa. Abarca a Biologia Criminal e a Sociologia Criminal. Não se preocupa com o conteúdo normativo a ser aplicado ao delinquente. Política Criminal Específica finalidade de trabalhar as estratégias e meios de controle social da criminalidade (caráter teleológico). Sugere e orienta reformas à legislação positivada. 3 FUNCIONALISMO Funcionalismo: corrente doutrinária que visa analisar a real função do Direito Penal. Subdivide-se em funcionalismo teleológico e funcionalismo sistêmico. Funcionalismo Teleológico ou Moderado Claus Roxin. A função do DP é assegurar bens jurídicos, assim considerados aqueles valores indispensáveis à convivência harmônica em sociedade, valendo-se de medidas de política criminal. Funcionalismo Sistêmico ou Radical Gunther Jakobs. A função do DP é a de assegurar o império da norma, ou seja, resguardar o sistema, mostrando que o direito posto existe e não pode ser violado. Função primordial do DP é a garantia de validade do sistema (já que só é chamado quando o bem já foi violado). Direito Penal do Inimigo: ● É a partir da linha de raciocínio de Jakobs (funcionalismo sistêmico) que surge o Direito Penal do Inimigo, pois, para ele: “aquele que se desvia da norma por princípio não oferece qualquer garantia de que se comportará como pessoa; por isso, não pode ser tratado como cidadão, mas deve ser combatido como inimigo”. ● Sob a ótica do Direito Penal do Inimigo, ao delinquente não é aplicado o Direito (este considerado como o vínculo entre pessoas que, por sua vez, são titulares de direitos e deveres), mas sim a coação (repressão necessária àqueles que perderam o seu status de cidadão. Na doutrina brasileira prevalece o entendimento de que o DP serve, de forma imediata, para assegurar bens jurídicos e, de forma mediata, atua no controle social e limitação do poder punitivo estatal. 4 CATEGORIAS DO DIREITO PENAL DP Substantivo e DP Adjetivo Substantivo: Corresponde ao direito material, que cria as figuras criminosas e contravencionais. Adjetivo: Corresponde ao direito processual, que trata das normas destinadas a instrumentalizar a atuação do Estado diante da ocorrência de um crime. DP Objetivo e DP Subjetivo Objetivo: conjunto de leis penais em vigor. Subjetivo: refere-se ao direito de punir do Estado, ou seja, a capacidade que o Estado tem de produzir e fazer cumprir suas normas. Subdivide-se em: 2 Rogério Sanches Cunha - Manual de direito penal: parte geral (arts. 1º ao 120). 10ª ed. 2021 ● Positivo: capacidade conferida ao Estado de criar e executar normas penais. ● Negativo: caracterizado pela faculdade de abolir/alterar preceitos penais ou restringir a alcance das figuras delitivas (atividade exercida preponderantemente pelo STF) DP de Emergência, DP Promocional e DP Simbólico Emergência: cria normas de repressão. Promocional: surge quando o Estado, visando concretizar seus objetivos políticos, emprega as leis penais como instrumento, promovendo seus interesses. Simbólico: consiste na utilização do Direito Penal como instrumento demagógico, por meio do qual são aprovadas leis mais severas, mas que, na prática, acabam sendo inócuas porque o sistema penal como um todo é incapaz de lidar de forma eficaz com a crescente criminalidade. Direito de Intervenção Winfried Hassemer. O DP não deve ser alargado, mas utilizado apenas na proteção de bens jurídicos individuais e daqueles que causem perigo concreto. As infrações de índole difusa (ou coletiva) e causadoras de perigo abstrato seriam tuteladas pela Administração Pública. Assim, o Direito de Intervenção estaria entre o Direito Penal e o Direito Administrativo. DP como Proteção de contextos da vida em sociedade Gunther Stratenwerth. Deve-se relegar ao segundo plano a proteção dos interesses estritamente individuais, dando-se enfoque máximo à proteção dos interesses difusos, da coletividade, protegendo-se as futuras gerações. Noção de bem jurídico é substituída pela tutela direta de relações ou contextos de vida. O DP vira um direito de gestão punitiva de riscos gerais. DP Garantista As garantias dividem-se em: - Primárias: limites e vínculos normativos impostos, na tutela do direito, ao exercício de qualquer poder. - Secundárias: diversas formas de reparação subsequentes às violações das garantias primárias. Incentiva o direito penal mínimo. Criminalização primária: refere-se ao poder de criar a lei penal e introduzir no ordenamento jurídico a tipificação criminal de determinada conduta. Criminalização secundária: atrela-se ao poder estatal para aplicar a lei penal introduzida no ordenamento com a finalidade de coibir determinados comportamentos antissociais. Limites do poder punitivo do Estado: ● Quanto ao modo: deve respeitar os direitos e garantias fundamentais; ● Quanto ao espaço: em regra, aplica-se a lei penal ao fatos praticados em território brasileiro; ● Quanto ao tempo: o direito de punir não é eterno, sendo limitado pelo instituto da prescrição. O jus puniendi é de titularidade exclusiva do Estado, ficando proibida a justiça privada. Exceção: art. 57 da Lei nº 6.001/731 (Estatuto do Índio). 1 Art. 57. Será tolerada a aplicação, pelos grupos tribais, de acordo com as instituições próprias, de sanções penais ou disciplinares contra os seus membros, desde que não revistam caráter cruel ou infamante, proibida em qualquercaso a pena de morte. 3 Rogério Sanches Cunha - Manual de direito penal: parte geral (arts. 1º ao 120). 10ª ed. 2021 Tribunal Penal Internacional: instituição permanente, com jurisdição sobre as pessoas responsáveis pelos crimes de maior gravidade com alcance internacional, com caráter complementar às jurisdições penais nacionais. Competência subsidiária com relação às jurisdições nacionais dos países signatários. Não é exceção à exclusividade do direito de punir do Estado. O TPI será chamado a intervir somente se e quando a justiça repressiva interna falhe, seja omissa ou insuficiente. Direito Penal Mínimo: propõe a diminuição do âmbito da intervenção estatal. Abolicionismo: propõe a total exclusão de tal instrumento de controle. 5 PRIVATIZAÇÃO DO DIREITO PENAL Justiça penal consensual - Modalidades Transação Penal Suspensão Condicional do Processo Colaboração Premiada Acordo de Não-Persecução Penal (ANPP) Lei 9.099/95 - art. 76 Lei 9.099/95 - art. 89 Lei 12.850/13 - art. 4º CPP (art. 28-A) MP oferece para o autor dos fatos (devidamente assistido) medida despenalizadora que, se aceita e cumprida, evita o oferecimento de denúncia ou queixa-crime. MP oferece para o réu (devidamente assistido) condições que, se aceitas e cumpridas, evitam sentença, extinguindo o direito de punir do Estado. *Não pode estar sendo processado ou ter sido condenado por outro crime,. MP ou Delegado negociam com o integrante de organização criminosa (devidamente assistido) sua colaboração em troca de um prêmio, que pode ser o perdão judicial, redução de penas ou, excepcionalmente, arquivamento da investigação pelo MP. MP propõe ao investigado (devidamente assistido) medidas (condições) que, se aceitas e cumpridas, evitam o oferecimento de denúncia, extinguindo a punibilidade. Envolve crimes de menor potencial ofensivo (pena máxima não superior a 2 anos). Envolve crimes de médio potencial ofensivo (pena mínima não superior a 1 ano). Abrange crimes envolvendo organizações criminosas. Evolve crimes sem VGA, com pena mínima inferior a 4 anos. São excluídos os crimes praticados no âmbito de violência doméstica/familiar, ou praticados contra a mulher. Instituto pré-processual, concedido antes do processo ser iniciado. Instituto processual, concedido após o processo ser iniciado. Pode ser concedida de forma pré-processual, processual ou na fase de execução penal. Instituto pré-processual. Não pressupõe confissão ou reconhecimento de culpa por parte do autor dos fatos. Não pressupõe confissão ou reconhecimento de culpa por parte do acusado. Pressupõe confissão e reconhecimento de culpa por parte do colaborador. Pressupõe confissão do investigado. 4 Rogério Sanches Cunha - Manual de direito penal: parte geral (arts. 1º ao 120). 10ª ed. 2021 6 AS VELOCIDADES DO DIREITO PENAL Velocidade do DP = tempo que o Estado leva para punir o autor de uma infração penal, mais ou menos grave. ● 1ª velocidade: infrações penais mais graves; punição com penas privativas de liberdade; procedimento mais demorado; atenção às garantias penais e processuais penais. ● 2ª velocidade: flexibiliza direitos e garantias fundamentais; punição mais célere/ligeira; punição com penas alternativas. ● 3ª velocidade: punição com pena privativa de liberdade; permite a flexibilização ou eliminação de direitos e garantias constitucionais; rápida punição; presente no DP do Inimigo. Velocidades Espécies de sanção penal Procedimento 1ª Penas privativas de liberdade Garantista 2ª Penas alternativas Flexibilizado 3ª Penas privativas de liberdade Flexibilizado 5
Compartilhar