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CONSIDERAÇÕES HISTÓRICAS SOBRE AS DIFERENÇAS ENTRE COMMON LAW E CIVIL LAW – REFLEXÕES INICIAIS PARA O DEBATE SOBRE A ADOÇÃO DE PRECEDENTES NO DIREITO BRASILEIRO Revista de Processo | vol. 199/2011 | p. 159 - 191 | Set / 2011 DTR\2011\2451 Igor Raatz Especialista em Direito Processual Civil pela Academia Brasileira de Direito Processual Civil. Mestrando em Direito pela Unisinos. Assessor de Desembargador no TJRS. Área do Direito: Processual; Fundamentos do Direito Resumo: O presente ensaio visa a apresentar alguns elementos históricos relativos às diferenças entre as tradições do common law e do civil law, a partir do nascimento do common law e da his-tória do direito inglês frente ao desenvolvimento do civil law. Busca-se, com isso, contribuir para o debate a respeito dos precedentes no direito brasileiro. Palavras-chave: Precedentes - Common law - Civil law Riassunto: Questo saggio si propone di presentare alcuni elementi storici relativi alle differenze tra le tradizioni del common law e del civil law, fin dalla nascita del common law e della storia del diritto inglese di fronte allo sviluppo del diritto civile. L'obiettivo è, quindi, di contribuire al dibattito sul precedenti nel diritto brasiliano. Parole chiave: Precedenti - Common law - Civil law Sumário: 1. Considerações iniciais - 2. Principais fatores históricos do nascimento do common law. A centralização da justiça na inglaterra após a conquista normanda. A Cúria Regis, os Juízes Itinerantes e o Sistema de Writs - 3. A recepção do Direito Romano no Continente e a experiência do common law (ou de como o common law ficou blindada à influência do direito romano pós-clássico) - 4. A codificação do civil law como ruptura e a lei no common law como tradição - 5. A certeza do Dlreito no common law e no civil law: duas experiências distintas - 6. Considerações finais - 7. Referências bibliográficas 1. Considerações iniciais O debate sobre a força vinculante dos precedentes não é novo no direito brasileiro. Em 1949, Emanuel de Almeida Sodré, sob o sugestivo título “jurisprudência – só obriga se constante e uniforme”, já problematizava a questão envolvendo o respeito às decisões das Cortes superiores pelos Tribunais inferiores.1 Passado mais de meio século, o tema não somente permanece instigante como vem ganhando cada vez mais força no âmbito da doutrina nacional. O fenômeno, na verdade, não se circunscreve apenas ao Brasil. Em um estudo sobre o precedente no direito italiano, Mario Bin afirma que “todos os advogados e juízes italianos trabalham, sobretudo, usando (e citando) a jurisprudência, mais do que a lei”.2 No caso brasileiro, porém, a institucionalização de um sistema de precedentes vem sendo alçada mediante a promulgação de uma série de reformas legislativas3 que, por sua vez, não têm escapado da crítica contundente de diversos juristas do país.4 O tema vem ganhando cada vez mais atualidade, tanto que o Projeto do Novo Código de Processo Civil assume claramente uma postura no sentido de prestigiar a utilização de precedentes ao prever, em seu art. 882, que “os tribunais, em princípio, velarão pela uniformização e pela estabilidade da jurisprudência”, estabelecendo, nesse sentido, uma série de diretrizes em seus incisos.5 É possível dizer, no entanto, que “um sistema jurídico que adote precedentes vinculantes não representa um mal em si”.6 Mas, para se falar em precedentes no direito brasileiro, é necessária uma reflexão crítica acerca do assunto. O diálogo a respeito do tema ainda Considerações históricas sobre as diferenças entre common law e civil law – Reflexões iniciais para o debate sobre a adoção de precedentes no direito brasileiro Página 1 é incipiente, havendo muito a ser explorado.7 Nessa senda, o presente ensaio visa a analisar, historicamente, o desenvolvimento do common law frente à tradição do civil law, a fim de prestar uma primeira contribuição para o debate a respeito da teoria dos precedentes no Brasil. 2. Principais fatores históricos do nascimento do common law. A centralização da justiça na inglaterra após a conquista normanda. A Cúria Regis, os Juízes Itinerantes e o Sistema de Writs A divergência entre common law e civil law é marcada por circunstâncias históricas precisas. Durante toda a Idade Média inicial e até meados do século XII, era possível, segundo Caenegem, reconhecer o Direito Inglês e o Direito Continental como pertencentes a uma mesma família jurídica, germânica e feudal na substância e no processo.8 A ruptura ocorreu de forma mais incisiva no reinando de Henrique II, que, a partir de reformas na organização da justiça e no processo judicial veio a blindar, ainda que não intencionalmente, o Direito Inglês da influência romana experimentada pelo restante da Europa nos séculos seguintes. A mudança alcançou tanto o ducado normando quanto o reino inglês, vindo a superar os antigos tribunais locais com a fundação de um grupo de juízes régios com competência em primeira instância, para o reino inteiro, com o fito de solucionar litígios feudais, que versavam sobre terra, além da introdução do júri em casos civis e criminais com um modelo de prova comum, abandonando-se, assim, os ordálios e o combate judicial.9 Mas a história do common law não inicia propriamente com Henrique II. Para a sua compreensão é imprescindível uma abordagem que trate do tema desde o “momento mais significativo do processo construtivo do aparato institucional anglo-americano”,10 ou seja, a reorganização e centralização da administração da justiça levada a efeito por Guilherme o Conquistador. Ao conquistar a Inglaterra em 1066, Guilherme, Duque da Normandia, se encontrava com um território dividido (ducados, condados, senhorios feudais, pequenas vilas), que tinham seus próprios costumes e suas próprias cortes ou tribunais. Isso não favorecia ao poder do novo rei. Com o objetivo de fundar um verdadeiro reino, o soberano começou unificando os costumes e também se arrogou, pouco a pouco, a jurisdição, que estava nas mãos dos senhores feudais, com natural resistência destes últimos, uma vez que a administração da justiça não deixava de ser uma fonte de recursos.11 A conquista normanda não somente introduziu o feudalismo na Inglaterra como também deixou marcas sociais diversas daquelas experimentadas no continente. Isso porque enquanto na França os vassalos do rei possuíam províncias inteiras dentro das quais se comportavam como príncipes independentes, os senhores ingleses só receberam posses dispersas em diferentes partes do reino. O rei teve na Inglaterra, como o duque já o tivera na Normandia, poder suficiente para ser obedecido por todos os seus súditos, impedindo que estes combatessem entre si e obrigando-os a comparecer perante seu tribunal.12 É importante ressaltar que, apesar de Guilherme ter, desde os primeiros anos da conquista, afirmado a sua autoridade sobre a nobreza e sobre a Igreja, lançando os fundamentos de uma grande monarquia, não pode ser considerado como um soberano absoluto. Ele jurou, no momento da sua coroação, manter as leis e os costumes anglo-saxões, respeitar os direitos feudais que concedeu aos seus companheiros, bem como temia e venerava a Igreja. Por isso não se pode confundir o seu reinado com as monarquias absolutas.13 Na verdade, “os homens da Idade Média nem mesmo imaginam o que poderia ser um Estado no sentido moderno da palavra; o equilíbrio do país parece-lhe assegurado, não por uma chave de abóbada central, mas por um travejamento de direitos locais que se completam e se sustêm uns aos outros”.14 Dessa forma, o Rei normando era fortíssimo, “mas, se ele violasse o juramento de suserano, os seus vassalos julgar-se-iam autorizados a desligar-se e a denunciar o juramento de feudalidade”.15 Considerações históricas sobre as diferenças entre common law e civil law – Reflexões iniciais para o debate sobre a adoção de precedentes no direito brasileiro Página 2 A unidade política da Grã Bretanha (com exceção da Escócia) realizada por Guilherme o Conquistador teve como consequênciadireta também a unificação do direito. Este direito unificado veio a ser chamado de “direito comum”, Common Law, porque se substituía aos direitos particulares precedentemente em vigor. A Curia regis, isto é, a Corte de Guilherme I, tornava-se o centro da vida administrativa e jurídica do novo reino e, em seu entorno, se condensou rapidamente uma classe profissional forense muito homogênea da qual saiam os juízes que, com as suas sentenças, estavam criando gradativamente o common law.16 Esse processo de centralização régia da jurisdição (que impediu a particularização local e a feudalização da justiça) se completou em menos de dois séculos e se desenvolveu progressivamente, conforme Cavanna, sobre três planos: mediante a criação em Westminster de um complexo unitário e permanente de Cortes judiciárias régias voltadas a absorver a atividade processual de todo o reino; através de instituições voltadas a, por um lado, controlar e, por outro, reportar às jurisdições régias a atividade jurisdicional desenvolvida nas Cortes feudais; e a adoção de mecanismos processuais de intervenção régia no desenvolvimento da atividade processual popular ou feudal (os writs).17 Cumpre verificar como tudo isso ocorreu. Após o reinado conturbado de Guilherme Rufus, O Ruivo, segundo filho de Guilherme o Conquistador, morto por uma flecha no coração, a Coroa inglesa foi assumida por Henrique I, terceiro filho do Conquistador. O reinado de Henrique I marca um especial interesse pela organização da justiça. Fortificou-se a atividade dos juízes itinerantes, que percorriam o reino para julgar em nome do rei e, com isso, restringia-se o poder dos grandes senhores feudais a partir do desenvolvimento das cortes reais em prejuízo das cortes senhoris.18 Foi com Reinado de Henrique II, no entanto, que se consolidou o common law, cujo desenvolvimento, como já foi referido, remonta à conquista normanda. Henrique II era neto de Matilde, filha de Henrique I, e de Godofredo, Conde de Anjou. Além de ter sido considerado um dos maiores reis da Inglaterra, interessa, no que diz respeito ao aspecto jurídico, a importância que ele teve para o desenvolvimento do direito inglês. Cercando de excelentes auxiliares, Henrique II conseguiu pôr em execução uma série de reformas judiciárias, financeiras e administrativas.19 Anualmente, os juízes itinerantes partiam da Corte com o fim de distribuir justiça em nome do rei por toda a Inglaterra tomando conhecimento de recursos interpostos contra sentenças dos tribunais senhoris.20 O alvo de Henrique II era chegar a ter, em todas as províncias do reino, a sua Corte de justiça, ou seja, uma imagem local da Curia Regis.21 Em pouco tempo, o sistema dos juízes itinerantes gerou o Common Law, a lei comum que é a mesma em toda a parte. As cortes feudais e populares julgavam em virtude dos usos locais, mas um juiz que se transportava de condado para outro tinha a tendência de fazer com que todos adotassem os melhores usos do direito. Pode-se dizer, assim, que usos locais não foram totalmente destruídos, “mas como que fundidos no cadinho da Lei Comum”.22 A Corte central registrava os precedentes e assim formou prontamente, na Inglaterra, uma legislação nacional, que abrangeu a maior parte dos casos.23 A Curia Regis, gradativamente, foi dividindo-se em seções especializadas destinadas a tratar de certas matérias: o Tribunal do Tesouro (Scaccarium, Court of Exchequer) criado desde a primeira metade do século XII para as finanças e os litígios fiscais; o Tribunal das Queixas Comuns (Court of Common Pleas) que ganhou sede em Westminster com a Carta Magna de 1215, abrangendo a competência para julgar a generalidade das controvérsias entre os particulares, especialmente os conflitos relativos à posse da terra; e o Tribunal do Banco do Rei (King’s Bench) para julgar o vasto campo dos danos e dos atos ilícitos, pressupondo uma violência e, portanto, uma turbação à paz do reino. O Scaccarium e a Court of Common Pleas tinham assento em Westminster, perto de Londres, enquanto o King’s Bench era um tribunal itinerante que seguia o rei nos seus deslocamentos. A denominação desta Corte se deve, inclusive, à presunção que os seus membros deliberariam com a presença do rei. Foi somente no século XV que a Considerações históricas sobre as diferenças entre common law e civil law – Reflexões iniciais para o debate sobre a adoção de precedentes no direito brasileiro Página 3 Court of King’s Bench passou a ter sede em Westminster.24 A Curia Regis não se confundia com o conselho supremo que auxiliava o rei desde o no período anglo-saxão: o Witan.25 Ela estava muito mais próxima à francesa Curia Ducis, com a qual Guilherme estava muito mais familiarizado. Os seus componentes não eram somente os wise men (notáveis do rei), mas também os barões, viscondes, cavaleiros, abades, que fossem antes vassalos (tenants-in-chief) do rei. Há uma mudança no título para participação na assembleia: se antes valia o mérito pessoal, agora importava a posição feudal.26 Mais do que uma corte judiciária, a Curia foi um órgão de administração geral, coadjuvante ao soberano no exercício dos poderes legislativos, executivos e judiciários. Ao lado do Grande Conselho (Concilium Magnun)27 foi um órgão central, no sentido de que suas competências eram emanações diretas do rei, ou seja, do centro do Estado.28 Mas o fator talvez mais decisivo para a centralização da justiça na Inglaterra foi o nascimento do sistema de writs,29 que eram espécies de ações judiciais sob a forma de ordens do rei.30 O writ podia ser requerido e obtido para iniciar qualquer tipo de ação, sendo que os mais antigos foram os relativos ao exercício das “ações reais” (real actions ) concernentes à titularidade dos imóveis e dos terrenos.31 Desenvolvidos especialmente no reinado de Henrique II, eram, no início, adaptados a cada caso.32 Vale dizer, o rei era livre para configurar os writs como melhore entendesse. Isso fez com que diversos litígios que, antes, eram direcionados às cortes feudais, passassem a ser formulados perante as cortes reais,33 pois estas eram muito mais efetivas. O abuso na concessão dos writs juntamente com o crescimento do poder político do rei fez com que os senhores feudais se revoltassem34 e, num momento de predomínio sobre a Corte central, constrangessem Henrique III a emanar as Provisões de Oxford ( Provisions of Oxford).35 Com isso, os writs ficavam restritos àqueles existentes antes de 1258, de modo a fazer prevalecer a exigência de certeza sobre o ideal de flexibilidade.36 A solução para que o sistema continuasse a funcionar foi dada pelo Statue of Westminster II (1258), “documento capital na história do common law, que visava a conciliar os interesses dos reis com os dos barões”.37 O Chanceler somente poderia valer-se dos writs of course que já estavam reportados no Registrum Brevium. A emissão de novos writs “atípicos” não era possível sem a prévia e explícita aprovação do rei e de seu Grande Conselho (Magnum Concilium). Com isso, tornava-se essencial encontrar o writ aplicável ao caso concreto,38 pois deveria haver uma correspondência entre o tipo de writs e o pedido, em estrita analogia com as formas de ações típicas do direito romano formulário.39 Caso não fosse previsto certo writ para reparar determinada situação, impossível seria a propositura da ação, o que vinha estampado no brocardo no writ, no remedy.40 O processo, dessa forma, era mais importante que as regras do direito positivo material (remedies precede rights), prevalecendo uma estrutura fundamentalmente diferente daquela dos direitos dos países do continente europeu.41 Pode-se dizer, com isso, que depois de 1100, com Henrique I e Henrique II, a aplicação do direito foi uniforme por toda a Grã Bretanha (a exceção da Escócia que, não incluída na Coroa inglesa, continuava a fazer uso do direito romano) e teve lugar por meio dos juízes itinerantes, que em nome do rei faziam justiça, primeiro civil e depois ainda penal. 42 O costume que é considerado fonte desse direito não nasceudo comportamento popular, mas, sim, dos juízes.43 Daí que a expressão common law tem origem na ideia da “law common to the whole of England ” ou seja, o direito “comum” ou “geral” da Inglaterra em contraposição ao direito consuetudinário local.44 3. A recepção do Direito Romano no Continente e a experiência do common law (ou de como o common law ficou blindada à influência do direito romano pós-clássico) O Direito Inglês, nessa senda, acabou infenso à avassaladora influência da ciência jurídica formada em Bolonha, escola fincada em um movimento cultural geral que, no Considerações históricas sobre as diferenças entre common law e civil law – Reflexões iniciais para o debate sobre a adoção de precedentes no direito brasileiro Página 4 decurso do século XI, “avança em busca das camadas mais profundas da cultura antiga”. 45 Foi provavelmente em Bolonha que começou a recensão crítica do Digesto justinianeu, nas últimas décadas do século XI, texto que veio a ser conhecido como a “Vulgata do Digesto” e que se tornaria o texto escolar básico do ius civile europeu.46 É necessário contextualizar essa mudança no pensamento jurídico medieval. Há uma relevante mutação social na passagem de século XI ao século XII. A estrutura simples da velha sociedade proto-medieval torna-se complexa e vai demandar esquemas gerais capazes de ordená-la.47 No entanto, o quadro político mostrava um príncipe inerte, incapaz de assumir a frente das questões jurídicas,48 tarefa que, desse modo, coube à ciência.49 A “redescoberta” do direito romano e o estudo do Digesto apareciam como solução à exigência de edificação de um direito que, sem traduzir os fatos, fosse ordenado aos fatos e os ordenassem em esquemas universais.50 Além disso, “o direito Justiniano poderia ser o momento de validade, que ao discurso da ciência jurídica faltava; um momento forte de validade”.51 O direito romano, com efeito, passa a ser visto como “um fundamento mais seguro para uma ética político-social da época”, constituindo-se no “direito da comunidade jurídica humana”.52 Logo, Bolonha e as demais universidades do norte da Itália tornaram-se o centro legal do mundo ocidental, recebendo pessoas de todos os cantos da Europa, que vinham estudar o direito ensinado, ou seja, o Corpus Juris Civilis, o que fez com que o direito civil romano e a obra dos Glosadores e dos comentadores se tornassem a base de um direito comum Europeu.53 Especificamente no que concerne aos comentadores, tratava-se de uma geração de letrados que se seguiu aos glosadores: os denominados comentadores, práticos ou conciliadores.54 Eles tiveram papel decisivo em converter o direito justinianeu em direito comum para a Europa continental, ao mesmo tempo em que reduziram a multidão dos direitos não romanos da Europa à forma mental da sua ciência.55 Vale dizer, os comentadores não se imiscuíram de levar a cabo uma clarificação precisa das relações do jus commune romano com o jus speciale local e feudal longobardo, explorando disciplinas e instituições faltantes no direito romano.56 Fugindo um pouco da análise de questões como as tensões entre os glosadores e conciliadores com os clérigos e a recepção prática do direito romano na Alemanha,57 cumpre voltar os olhos à experiência do common law, a fim de aquilatar as razões pelas quais o direito inglês permaneceu alheio à influência do Direito Romano. Inúmeras foram as ocasiões para a penetração da influência civilista na Inglaterra. Os tribunais da Igreja viam-se fortemente influenciados pelo direito romano e pelo processo romano-canônico, enquanto os tribunais de Chancelaria (equity) contavam com um processo que estava muito mais próximo da Igreja do que do common law, justamente porque o chanceler quase sempre era um bispo.58 Além disso, durante o período renascentista dos Tudor (1485-1603), Henrique VIII introduziu o ensino do Direito Romano em Oxford e Cambridge.59 Todavia, nada disso foi suficiente para que o common law viesse a sofrer os reflexos do Direito Romano. O common law vinha alicerçado na defesa da propriedade, razão pela qual modifica-lo importaria em estremecer as estruturas sociais e políticas inglesas.60 Não fosse isso, a partir do século XIII o direito inglês já contava com uma jurisprudência desenvolvida e metodicamente similar à jurisprudência romana clássica que era fundada na prática dos tribunais, a partir de uma filosofia do concreto.61 A estrutura do common law, baseada no sistema de writs, não se adaptava aos conceitos do direito privado romano, pois era alicerçada em um caráter de direito público fundado em ordens do rei.62 Tudo isso fazia com que a notável estima pelo common law e a fidelidade a ele como algo imemoravelmente ajustado ao gênio da nação63 impedisse a recepção do direito romano em terras inglesas.64 Por outro lado, o diálogo do direito inglês com o direito do restante da Europa era dificultado pelo fato que o júri inglês não era visto com bons olhos pelos juristas do Continente, sendo que os eclesiásticos consideravam como ridícula e absurda a ideia de deixar o veredito decisivo em um caso de Direito “nas mãos de uma dúzia de rústicos e Considerações históricas sobre as diferenças entre common law e civil law – Reflexões iniciais para o debate sobre a adoção de precedentes no direito brasileiro Página 5 analfabetos”.65 No entanto, é impossível negar que o direito inglês não tenha sofrido alguma influência do direito romano. No século XIII, por exemplo, obra de Bracton66 recepcionava largamente a Summa do jurista romanista italiano Azo.67 Alguns autores preferem referir que o direito romano influenciou o direito inglês por via indireta, através do direito canônico introduzido pelos missionários cristãos para regular suas atividades religiosas e dos costumes mercantis de Veneza e Genebra, de inspiração romana, que teriam influenciado a lei marítima e mercantil inglesa.68 Mas talvez o ponto que mais chame atenção quanto à presença de elementos romanistas na tradição do common law, seja a sua estrutura como um direito de ações em que prevalece uma perspectiva casuística e judicial, ao ponto de confundir-se o direito material e o processo, justificando um paralelo com o sistema romano da legis actiones, alicerçado na lógica de que tem direito quem tem uma ação.69 Nessa linha, Ovídio Baptista da Silva sempre afirmou que, de certa forma, tanto o sistema jurídico da Europa continental quanto o common law seriam descendentes do direito romano: no entanto, o primeiro teria conservado a estrutura elementar do procedimento da actio, diretamente ligada aos juízes privados, enquanto o direito inglês teria preservado a porção mais nobre da função judicial romana, reservada apenas ao pretor, não ao juiz privado”.70 4. A codificação do civil law como ruptura e a lei no common law como tradição Retornando ao direito do civil law, cumpre lembrar que os glosadores de Bolonha, ao apostar na autoridade do Direito Romano, centraram-se em uma pretensão dogmática, calcada em um “processo cognitivo, cujas condições e princípios fundamentais estão predeterminados através de uma autoridade”.71 Essa legitimação pela autoridade vai sofrer mudanças ao longo do tempo: enquanto na Alta Idade Média era fundada na “ideia de Roma”, posteriormente, com a derrocada dos poderes universais, veio a basear-se na convicção do humanismo jurídico de que os padrões do civilização moderna tinham sido estabelecidos pela antiguidade.72 O ponto comum, no entanto, é que a autoridade ainda estava centrada no direito romano, o que vem a ser superado com a visão jusracionalista de que a autoridade do direito positivo deriva do comando soberano do monarca e da vontade política geral da nação.73 A teoria do direito que vem a ser elaborada nos séculos XVII e XVIII, sob o nome de direito natural,74 tem como contexto histórico o desenvolvimento capitalista do mercado, o fim da cristandade, a conquista da América e a firmação do Estado nacional.75 Esse período é marcado, segundo Tarello, por três endereços doutrinários que vão influenciar,diretamente, o movimento de codificação: o primeiro, de origem germânica, mas de difusão na Europa, é o jusnaturalismo de Pufendorf, que encontrou interpretes seiscentistas em Samuel Cocceius, Thmasius e se difundiu em toda a Europa penetrando ainda na cultura iluminista francesa através dos divulgadores Barbeyrac e Burlamaqui, além de ter exercitado uma influência notável sobre a primeira tentativa de codificação prussiana, sobre a codificação austríaca e sobre algumas cartas constitucionais francesas; o segundo, prevalentemente germânico, tem origem na obra jurídica de Leibniz e circulou através da obra de Wolff, influenciando, de forma particular, a codificação prussiana e, de forma geral e sob um perfil técnico, através da teoria da formulação das normas jurídicas como proposições coligadas, muitas codificações; o terceiro, francês, se exprime através dos grandes juristas, Domat e Pothier, cuja obra é caracterizada pela tendência de elaborar um sistema coerente de conceitos capaz de descrever os institutos do direito privado, passando sobre as diferenças e procedendo a uma espécie de unificação descritiva dos diversos regimes jurídicos particulares.76 Importa ressaltar um fator marcante a este período, que é o nascimento do Estado Moderno. Isso porque o absolutismo monárquico vai desenvolver uma política que pode ser chamada de centralização jurídica, fincada em uma ruptura do equilíbrio jurídico em favor de um poder central e supremo do Estado e em desfavor de todas as outras instituições do universo jurídico medieval e renascentista, como a igreja, a cidade e as corporações.77 A racionalização e centralização do sistema jurídico, nessa senda, deveria Considerações históricas sobre as diferenças entre common law e civil law – Reflexões iniciais para o debate sobre a adoção de precedentes no direito brasileiro Página 6 combater o pluralismo jurídico, nota de um direito complexo complicado e contraditório78 que se considerava prevalente na época. Como afirma Paolo Grossi, o príncipe encontrava-se sobre “uma tendência de batalha contra toda e qualquer forma de pluralismo social e político”.79 Todo esse contexto tinha como pano de fundo ainda o compromisso da modernidade com o valor segurança, que acabou transferindo o Direito para o campo das ciências experimentais, basicamente para o domínio das ciências lógicas.80 Sobre esse propósito, Castanheiras Neves adverte que a Idade Moderna foi insuficiente para superar a dualização objetiva do universo jurídico; ao contrário, radicalizou tal perspectiva. A humana autonomia racional passou a ser afirmada como o fundamento decisivo, abandonando-se o que por séculos oferecera a transcendência teológica, mas, porém, fixando-se no racionalismo cartesiano com resultados em todos os campos: o realismo conceitual do idealismo metafísico, o transcendentalismo formal kantiano, o intelectualismo técnico da ciência, o individualismo contratualista e abstrato etc. Nessa senda, no que tange à concepção de direito, esse mesmo racionalismo implicou um jusnaturalismo more geométrico, de modo que os princípios do justum, os princípios que deviam constituir uma fundada ordem jurídico-social, ofereciam-se num sistema lógico-racionalmente deduzido de uma postulada natureza do homem, e, portanto, com todas as notas caracterizadoras de um sistema teorético, ou seja, axiomático, fechado, estático, a-histórico e meramente dedutivo-abstrato. O direito natural, então, era bem uma duplicidade perante o direito positivo e histórico, sendo este, o direito histórico, apenas outro direito vigente num outro mundo.81 Tudo isso vai confluir para o movimento de codificação ocorrido no civil law,82 que, frise-se, iniciou-se como um projeto levado a efeito pelo despotismo esclarecido.83 Ao contrário de todas as outras redações de direitos que, na verdade, visavam a completar o direito vigente, as codificações dirigiam-se a uma “planificação global da sociedade através de uma reordenação sistemática e inovadora da matéria jurídica”.84 A codificação apresentava-se, por essa via, no escopo de romper com o passado e também conferir certeza jurídica aos cidadãos.85 Retomando-se ao contexto histórico da época, é possível dizer que o Estado Absolutista, apesar de ter sido, em um primeiro momento, fundamental para os propósitos da burguesia nascente, mormente na área econômica, afastou-a do poder político,86 que permanecia ilimitado nas mãos do soberano.87 A ausência de limites ao Estado, no entanto, deu margem a uma reação da burguesia, a qual buscava erguer uma barreira às arbitrariedades do Poder, ou, pelo menos, domesticar uma administração cujas providências concretas, individuais e potencialmente discriminatórias, não se coadunavam com a calculabilidade, a liberdade e a igualdade de oportunidades dos agentes econômicos, essenciais para o desenvolvimento das bases econômicas burguesas.88 O Estado era visto como um inimigo que chancelava desigualdades de direitos em favor do clero e da nobreza, os quais não pagavam qualquer tipo de impostos,89 ao mesmo tempo em que tinha total ingerência sobre a economia e a autonomia dos cidadãos. Fazia-se necessário, portanto, contrapor à onipotência do rei um sistema infalível de garantias.90 Pode-se dizer que o Estado Liberal Clássico começou a ser idealizado nesse contexto histórico, no qual, à justificação patrimonial ou religiosa do poder, traduzida no governo da vontade discricionária do Príncipe, era oposto o governo da razão, da soberania da vontade geral expressa no Parlamento através de normas gerais e abstratas e de direitos fundamentais.91 Dentre as ideias políticas que norteavam a noção de Estado tinha destaque a afirmação de que o governo deveria ser limitado no sentido de que a única forma em que as instituições políticas de uma sociedade poderiam ser justificadas é se fossem suficientemente permissivas para que todos pudessem viver suas vidas por si mesmos.92 A outra face dessa concepção política era a ideia dos direitos fundamentais como barreira à interferência estatal, limitando, assim, o Estado.93 Daí ser possível dizer que a ideia de lei surgida com a revolução francesa é uma Considerações históricas sobre as diferenças entre common law e civil law – Reflexões iniciais para o debate sobre a adoção de precedentes no direito brasileiro Página 7 tentativa de colocar fim ao modelo de estado jurisdicional que existia ao tempo do ancien regime.94 O moderno conceito de lei, portanto, rompe que essa estrutura e institui um novo espaço institucional no qual as decisões públicas passa a ser tomadas em um ambiente parlamentar que expressa o conteúdo da vontade geral: “não mais uma única pessoa representaria a personificação do poder, mas um corpo legislativo de representantes de um novo ator político chamado povo (que, no contexto da revolução francesa, serão os burgueses)”.95 Acreditava-se assim que o direito desempenharia a sua intenção de justiça: a justiça racional da universalidade e igualdade.96 Deve-se ter presente que, na França, a aristocracia judicial foi um dos alvos da revolução. Como os tribunais se recusavam a aplicar as novas leis, interpretando-as conforme seus interesses, Montesquieu propôs-se um modelo de separação de poderes capaz de impedir os abusos do judiciário, o qual ficaria restrito a aplicar a lei criada pelo legislador.97 Nascia então a figura do juiz bouche de la loi.98 Havia, pois, um forte controle estatal sobre o juiz no momento de decidir, uniformizando rigorosamente o comportamento dos juízes às orientações políticas do governo, usando todos os instrumentos lícitos ou ainda ilícitos, como pressões de arrecadações e sanções burocráticas ou disciplinares sobre aqueles que ousassem se comportar de modo independente.99 Obtinha-se, dessa forma, uma ampla ingerência sobre as decisões tomadas pelos juízes, de modo a garantir a supremacia da legislação.100 Se isso era assim no âmbito do civil law, o mesmo não pode ser dito quanto ao common law. E aqui reside o ponto fulcral: no common law não haviapretensão alguma de abolir o passado, nem os juízes eram vistos como inimigos. Na Inglaterra, assim como nos Estados Unidos, os juízes se constituíram em uma força progressiva ao lado dos indivíduos contra o abuso de poder do governante, exercendo importante papel na centralização do poder governamental e na destruição do feudalismo.101 Na verdade, desde Edward Coke (1552-1634) já era possível entrever a disputa entre o Poder Judiciário e o Rei.102 Além disso, a revolução inglesa, ocorrida cerca de cinquenta anos antes da francesa, redundou no fortalecimento do common law produzido por juízes, uma vez que estes estiveram ao lado no Parlamento nas disputas com o poder real.103 O clima mental da Revolução inglesa ainda equiparava Direito bom ao Direito velho, enquanto a fé do século XVIII no progresso produziu uma crença de que Direito velho significa Direito ruim e que apenas Direito novo era Direito bom.104 O fato é que, conforme Caenegem, o direito inglês pode ser visto como uma “trama inconsútil”, de natureza contínua, sem rupturas. As legislações inglesas jamais isolaram o presente do passado ou tiveram essa intenção. No direito inglês, o presente nunca está completamente separado do passado.105 As legislações no common law não são vistas como “um combate ao passado nem tratam de abolir todo direito anterior sobre o mesmo tema; ao contrário, tratam de aperfeiçoá-lo e de suplementá-lo, exceto quando se contrapõe a seus fins específicos atuais”.106 Isso não significa que o common law seja um sistema avesso à legislação. Cabe, assim, desmistificar a diferenciação, considerada ingênua e exagerada por Jerome Frank, de que civil law e common law se distinguiriam pelo fato de os continentais manejarem leis e os países da tradição do common law valerem-se das decisões dos Tribunais como precedentes.107 Não se pode esquecer que os reis da Inglaterra legislaram tanto como os reis de França nos séculos XIII e XIV e, em certas épocas, bastante mais que eles. O rei Eduardo I (1272-1307) foi chamado por alguns historiadores de direito inglês, de “Justiniano inglês” por causa do grande desenvolvimento da legislação no seu reinado. Henrique VIII, no século XVI, fez sozinho tantas leis como todos os seus predecessores durante três séculos.108 Atualmente, tem-se assistido uma fortíssima expansão da atividade legislativa do Parlamento Inglês, inclusive em setores de interesse eminentemente privado, sendo possível duvidar que a lei desenvolva ainda um papel secundário frente à jurisprudência.109 Ademais, a certeza jurídica, além de não ser encarada como um dogma tal qual ocorreu na codificação do civil law, acabou sendo alcançada, no common law, pela regra do stare Considerações históricas sobre as diferenças entre common law e civil law – Reflexões iniciais para o debate sobre a adoção de precedentes no direito brasileiro Página 8 decisis.110 Isso não significa que inexistiram tentativas de codificação do direito inglês; porém, nenhuma obteve sucesso.111 5. A certeza do Dlreito no common law e no civil law: duas experiências distintas Já foi dito que o problema da certeza do direito pretendia ser resolvido na tradição do civil law através da codificação. Isso é, em parte, verdadeiro. No direito germânico, no qual a codificação ocorreu posteriormente, também o positivismo científico cumpria essa missão. Essa necessidade já vinha estampada na obra de Savingy, para quem, “o direito, por sua íntima condição, deve antes de tudo alcançar o mais alto grau de certeza, e a esta deve acompanhar uma uniforme aplicação”.112 Porém, ainda aqui, não há um distanciamento significativo entra a teoria jurídica reinante França e na Alemanha, tendo em vistas as semelhanças entre o positivismo exegético e o positivismo científico.113 Segundo Merryman e Pérez-Perdomo, existem três diferenças importantes acerca da certeza jurídica nas duas tradições jurídicas. A primeira é a de que a certeza, no civil law , era vista como um dogma, enquanto, no common law, assumia um caráter muito mais funcional, reconhecendo-se, limites ao alcance da certeza. A segunda reside na forma como a certeza era obtida no direito anglo-saxão, pois, ao contrário do que ocorria no continente, era reconhecida a força da lei e das sentenças judiciais, as quais, juntamente com os enunciados da norma, proporcionariam mais certeza acerca da lei que os amplos enunciados jurídicos das leis. A terceira situa-se no fato de que a certeza era um dogma no civil law, ao passo que no common law a certeza e a flexibilidade se consideram valores em concorrência, pois uma tem que limitar a outra.114 Daí que, ao analisar as diferenças entre o direito inglês e o francês, Rupert Cross vai dizer que a certeza do direito, na Inglaterra, foi encontrada na doutrina dos precedentes, enquanto na França podia ser no direito romano e no direito comum e, depois, nos Códigos, na era napoleônica.115 Não é por acaso que a doutrina dos precedentes na Inglaterra começou a tomar forma somente no século XVIII,116 sendo equivocada a associação necessária entre common law e doutrina dos precedentes. Neil Duxbury chega a afirmar que, para alguns juristas, a doutrina do stare decisis começou a se formar com o advento do positivismo clássico.117 Independente das controvérsias a esse respeito, é possível afirmar, sem dúvida, que a certeza também era uma necessidade perseguida no common law no século XVIII; e a forma como que os juristas ingleses responderam a esse anseio foi mediante a doutrina dos precedentes, nascida nesse mesmo período. 6. Considerações finais É inegável que, em razão da formação histórica e jurídica experimentada pelo common law e pelo civil law, cada qual apostou, ao seu modo, em formas distintas para garantir a certeza do direito, ideal perseguido por ambas as tradições.118 No entanto, o mecanismo escolhido pelo civil law – a codificação – não obteve o sucesso esperado. E, apesar das diferenças119 e aproximações entre as duas tradições, ninguém dúvida que também no civil law a integridade e a coerência do direito são imprescindíveis, sendo inadmissível que as decisões dos Tribunais modifiquem-se ao sabor do vento. Portanto, uma vez que a segurança jurídica um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito, não há nenhum problema em se buscar no respeito aos precedentes uma maneira (apenas uma de tantas) de promovê-la. Não há, pois, uma incompatibilidade necessária entre civil law e precedentes. Todavia, ainda é imprescindível muita reflexão, além das tentativas legislativas de vinculação obrigatória e de estandardização do direito, para que se possa trabalhar adequadamente com precedentes no Brasil sem comprometer o direito e a democracia.120 Trata-se de temática da mais alta importância, sobre a qual a doutrina ainda deverá se debruçar com muita atenção, para que seja possível obter melhoras significativas para o futuro do direito brasileiro. 7. Referências bibliográficas Considerações históricas sobre as diferenças entre common law e civil law – Reflexões iniciais para o debate sobre a adoção de precedentes no direito brasileiro Página 9 ADEODATO, João Maurício. Ética e retórica: para uma teoria da dogmática jurídica. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa. Recursos como uma forma de fazer “render” o processo no PL 166/2010. Revista de Processo. vol. 189. p. 275. São Paulo: Ed. RT, nov. 2010. ______. Estabilidade e adaptabilidade como objetivos do direito: civil law e common law. Revista de Processo. vol. 172. p. 121. São Paulo: Ed. RT, jun. 2009. BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Súmulas, jurisprudência, precedente: Uma escalada e seus riscos. Temas de direito processual –Nona série. São Paulo: Saraiva, 2007. ______. Algumas inovações da Lei n. 9.756 em matéria de recursos civis. Temas de direito processual – Sétima série. São Paulo: Saraiva, 2001. BENTHAM, De Jérémie. DUMONT, Par. 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Padova: Cedam, 1995. p. 61. 3 Em 1999, ao comentar a Lei 9.756/1998, que introduziu a possibilidade de julgamento monocrático pelo relator no agravo de instrumento, Barbosa Moreira já advertia que os mecanismos de vinculação no direito brasileiro ir muito além da discussão acerca da súmulas vinculantes, que mais tarde vieram a se tornar realidade: “a vinculação, para fins práticos em boa medida vai-se insinuando, pé ante pé, sorrateiramente, como quem não quer nada, e não apenas em benefício de teses sumuladas, senão até das simples bafejadas pela preferência da maioria dos acórdão. Emenda constitucional, para estabelecer que as Súmulas, sob certas condições, passarão a vincular osoutros órgãos judiciais? Ora, mas se já vamos além, e ao custo – muito mais baixo – de meras leis ordinárias (será que somente na acepção técnica da palavra?). O mingau está sendo comido pelas beiradas, e é duvidoso que a projetada emenda constitucional ainda encontre no prato o bastante para satisfazer seu apetite”. (BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Algumas inovações da Lei n. 9.756 em matéria de recursos civis. Temas de direito processual – Sétima série. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 85-86) Pode-se, dentre esses mecanismos, a possibilidade de o relator, nos juízos colegiados, monocraticamente negar seguimento a recurso em confronto com súmula ou jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do STF, ou de Tribunal Superior (art. 557, caput, do CPC), ou, se a decisão recorrida estiver em manifesto confronto com súmula ou jurisprudência dominante do STF, ou de Tribunal Superior, dar provimento ao respectivo recurso (art. 557, § 1.º-A, do CPC); a possibilidade de o juiz não receber o recurso de apelação quando a sentença estiver em conformidade com súmula do STJ ou do STF (art. 518, § 1.º, do CPC); o julgamento liminar de improcedência em processos com casos idênticos, desde que no juízo já se tenha decidido a mesma controvérsia observando-se a forma ordinária (art. 285-A do CPC); a repercussão geral no recurso extraordinário (art. 543-A do CPC) e o instituto criado pela Lei 11.672/2008, que visa filtrar os recursos especiais em matérias repetitivas (art. 543-C do CPC). Isso sem contar com as súmulas vinculantes. 4 Essa perspectiva é bem representada pela doutrina de José Carlos Barbosa Moreira: “Em nosso país, quem examinar os acórdãos proferidos, inclusive pelos tribunais superiores, verificará que, na grande maioria, a fundamentação dá singular realce à existência de decisões anteriores que hajam resolvido as questões de direito atinentes à espécie sub iudice. Não raro, a motivação reduz-se à enumeração de precedentes: o tribunal dispensa-se de analisar as regras legais e os princípios jurídicos pertinentes – operação que estaria obrigado, a bem da verdade, nos termos do art. 458, II, do CPC, aplicável aos acórdãos nos termos do art. 158 – e substitui o seu próprio raciocínio pela mera invocação de julgados anteriores” (BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Súmulas, jurisprudência, precedente: Uma escalada e seus riscos. Temas de direito processual – Nona série. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 300). 5 No Projeto do Novo Código de Processo Civil foi dada relevância excepcional a normas de orientação das decisões dos tribunais, afirmando-se, por exemplo, “que a função dos tribunais é a zelar pela uniformização e pela estabilidade da jurisprudência” (ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa. Recursos como uma forma de fazer “render” o processo no PL 166/2010. RePro 189/275. 6 STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise: uma exploração hermenêutica da construção do direito. 10. ed. rev., atual. e ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011. p. 390. Nesse sentido, Lenio Streck afirma que “a integridade do direito também se constrói a partir do respeito às decisões judiciais. A integridade está umbilicalmente ligada à democracia, exigindo que os juízes construam seus argumentos de forma integrada ao conjunto do direito. Trata-se, pois, de ‘consistência articulada’. Com isso, afasta-se, de pronto, tanto o ponto de vista objetivista, pelo qual ‘o texto carrega consigo a sua própria norma’ (lei é lei em si), como o ponto de vista Considerações históricas sobre as diferenças entre common law e civil law – Reflexões iniciais para o debate sobre a adoção de precedentes no direito brasileiro Página 13 subjetivista-pragmatista, para o qual – aproveitando a relação ‘texto-norma’ – a norma pode fazer soçobrar o texto, ou, ainda, o que é pior, em determinadas situações, quando o juiz ou o Tribunal decidir contra legem, a ‘norma’ criada é outra que não aquela ‘acusada’ de estar (ou ter estado) no texto” (STRECK, Lenio Luiz. Op. cit., p. 390). 7 No Direito brasileiro, podem ser mencionadas duas obras recentes que, por perspectivas distintas e, em alguns pontos, inclusive divergentes, trabalham com bastante profundidade o tema. São elas: RAMIRES, Maurício. Crítica à aplicação dos precedentes no direito brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010 e MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios. São Paulo: Ed. RT, 2010. Ainda, cabe referir a obra Precedente judicial como fonte do direito (CRUZ E TUCCI, José Rogério. Precedente judicial como fonte do direito. São Paulo: Ed. RT, 2004) e o excelente artigo Estabilidade e adaptabilidade como objetivos do direito (ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa. Estabilidade e adaptabilidade como objetivos do direito: civil law e common law. RePro 172/121). 8 CAENEGEM, R. C. van. Juízes, legisladores e professores: capítulos da história jurídica europeia: palestras Goodhart 1984-1985. Trad. Luiz Carlos Borges. Revisão Técnica Carla Henriete Bevilacqua. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010. p. 80. Conforme Losano, “antes de 1000 d.C. sobre o território britânico coexistiam normas de origem germânica (ligadas ainda à dominação dinamarquesa sobre parte oriental da ilha), e normas de direito romano e canônico, introduzidas no momento do cristianismo (664 d.C.) e destinadas a permanecer em vigor até os nossos dias para as matérias matrimoniais e sucessórias. A estes direitos e aos heterogêneos usos locais em vigor nos vários Estados das duas maiores ilhas britânicas se sobrepôs, em 1066, o direito introduzido pela conquista normanda” (LOSANO, Mario G. I grandi sistemi giuridici. Introduzione ai diritti europei ed extraeuropei. Roma-Bari: Laterza, 2000. p. 262). Roscoe Pound afirma que “os primeiros juízes do common law aplicaram materiais germânicos. Ideias procedentes do Direito germânico serviram para construir as bases do sistema jurídico anglo-americano. Tão decididamente o fizeram e tanta vantagem encontrou o Direito na existência de vigorosos tribunais de justiça centralizados que administravam o Direito para todo o reino como Direito comum, que na atualidade resulta que nosso Direito é mais germânico que o próprio Direito da Alemanha. A conquista normanda introduziu em nossa linguagem um elemento românico, porém, ao contrário, aportou a nosso Direito muito pouca coisa que fora romano” (POUND, Roscoe. El espíritu del “common law”. Trad. José Puig Brutau. Barcelona: Bosch, 1954. p. 30-31). 9 CAENEGEM, R. C. van. Op. cit., p. 80. 10 CAVANNA, Adriano. Storia del diritto moderno in Europa: le fonti e il pensiero giuridico. Milano: Giuffrè, 1979. vol. 1, p. 493. 11 JÁUREGUI, Carlos. Generalidades y peculiaridades del sistema legal inglês. Buenos Aires: Depalma, 1990. p. 36. 12 SEIGNOBOS, Charles. História da civilização europeia. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1939. p. 125. Ocorre que “o Rei da França ‘pobre de domínios”, cercado de vassalos poderosíssimos, terá de conquistar penosamente os eu reino, e, tendo-o conquistado, deverá impor-lhe uma disciplina severa; o Rei da Inglaterra, que repartiu pessoalmente as terras, zelou os seus interesses e impediu desde o começo a formação de grandes domínios rivais ao seu. Porque a realeza inglesa nasceu de uma conquista, será imediatamente vigorosa. A força indiscutível do poder central fará a sua relativa tolerância. Na França, a burocracia real terá de impor-se pela fora; não será sempre, nem por toda parte, bem sucedida, e só a Revolução acabará por estabelecer a unidade das leis. Na Inglaterra, a segurança da Coroa deixará que ela organize as liberdades locais, legadas pelos Saxões, e obriga os barões a respeitá-las” (MAUROIS, André. História da Inglaterra. Trad. Carlos Domingues. Rio de Janeiro: Irmãos Pongetti, 1959. p. 6364). Um ponto importante é que “Guilherme I e seus descendentes, mercê de como Considerações históricas sobre as diferenças entre common law e civil law – Reflexões iniciais para o debate sobre a adoção de precedentes no direito brasileiro Página 14 que ‘instauração’ de vassalagem de cima para baixo, terão à partidagarantida uma condição que os seus congêneres franceses só obterão bem mais tarde: a suserania” (CARVALHO HOMEM, Armando Luís de. Conselho real ou conselheiros do rei? A propósito dos “privados” de D. João I. Revista da Faculdade de Letras. História, vol. IV, p. 16) Seguindo-se nessa conjuntura história, “os reis da Inglaterra conseguem desde o século XII, ou seja, sensivelmente mais cedo que os reis de França, impor a sua autoridade sobre o conjunto do território do seu reino. Conseguem desenvolver a competência das suas próprias jurisdições com prejuízo das jurisdições senhorais e locais que perdem progressivamente, nos séculos XII e XIII, a maior parte das suas atribuições” (GILISSEN, John. Introdução histórica ao direito. 4. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2003. p. 209-210). No mesmo sentido, DAVID, René. Os grandes sistemas do direito contemporâneo. 2. ed. Trad. Hermínio A. Carvalho. São Paulo: Martins Fontes, 1993. p. 285. 13 MAUROIS, André. Op. cit., p. 67. 14 Idem, ibidem. 15 Idem, ibidem. 16 LOSANO, Mario G. Op. cit., p. 263. 17 CAVANNA, Adriano. Op. cit., p. 494. 18 GIORDANI, Mário Curtis. História do mundo feudal: acontecimentos políticos. Petrópolis: Vozes, 1974. p. 206. 19 Idem, ibidem. 20 Idem, p. 211. 21 MAUROIS, André. Op. cit., p. 89. 22 Idem, p. 90. 23 Idem, ibidem. 24 GILISSEN, John. Op. cit., p. 210. CAVANNA, Adriano. Op. cit., p. 496-498. 25 Aponta a história que o witan após a conquista normanda veio a transformar-se no denominado Conselho Supremo (Concilium). O witan, que remetia ao título dos seus membros, deriva da palavra do inglês antigo witenagemot, que significa reunião de sábios. Ainda que o witan apenas aconselhasse o rei, que tinha autonomia para acatar ou não as suas deliberações, o fato é que logo o Rei percebeu que não poderia governar seus territórios sem o apoio local, o que estabeleceu um delicado equilíbrio entre o poder do rei e o poder daqueles que ele governou. Após a conquista normanda, os reis da Inglaterra passaram a governar através de um conselho menor, mas permanente, composto por assessores e funcionários do rei e, ocasionalmente, por nobres nacionais (condes e barões) e religiosos (bispos e abades) que aprovaria as decisões reais especialmente em matéria de tributos. Esse conselho, conhecido como o grande conselho (Magnum Concilium), formou a base para a moderna Câmara dos Lordes (Informações obtidas no site do parlamento inglês. Disponível em: [www.parliament.uk/about/living-heritage/evolutionofparliament/originsofparliament/birthofparliament/overview/origins/]. Acesso em: 14.05.2011). 26 CRISCUOLI, Giovanni. Introduzione allo sutdio del diritto inglese: le fonti. 3. ed. Milano: Giuffrè, 2000. p. 97. Considerações históricas sobre as diferenças entre common law e civil law – Reflexões iniciais para o debate sobre a adoção de precedentes no direito brasileiro Página 15 27 Idem, p. 141. As relações entre o Concilium e a Cúria são bem explicadas por Carvalho Homem na seguinte passagem: Não deixando de governar com o conselho dos seus fiéis, os primeiros monarcas anglo-normandos possuem já um ‘Consilium’ dotado de certa permanência e onde, para além de clérigos normandos, têm assento ‘políticos’, ‘juristas’ e ‘financeiros’ que os assistem nas tarefas quotidianas; possuem igualmente uma ‘Cúria’ alargada, de composição flutuante, aberta a familiares, oficiais, eclesiásticos e senhores laicos; a fronteira entre os dois órgãos está longe de ser rígida, e os próprios termos chegam a ser usados em sinonímia. As múltiplas reformas administrativas e judiciais ocorridas no século XII, e nomeadamente durante a governação de Henrique II (1154-89), não trarão modificações estruturais. Henrique II e Ricardo Coração de Leão terão continuado a dispor de uma ‘Cúria’ de caráter feudal, que pode reunir sob a forma estrita – que abrange familiares, privados e oficiais do Rei – ou sob a forma de ‘Corte geral’, com a presença dos grandes vassalos, em número que pode alcançar os milhares 12” (CARVALHO HOMEM, Armando Luís de. Op. cit., p. 16). 28 CRISCUOLI, Giovanni. Op. cit., p. 98. 29 JÁUREGUI, Carlos. Op. cit., p. 36-37. Tanto é assim, que segundo Giovanni Criscuoli, “o índice seguro do forte incremento quantitativo do emergente ‘direito comum’ é fornecido pelo sensível multiplicar-se do número dos writs, elaborados e concedidos pela Secretaria de Estado ou Chancelaria, para permitir o exercício de outras tantas ações”. Segundo esse autor, entre o reinado de Henrique III (1216-1272), do número aproximado de 56 writs registrados, passou-se para cerca de quinhentos já no reinado do seu sucessor Eduardo I (1272-1307)” (CRISCUOLI, Giovanni. Op. cit., p. 101). 30 GILISSEN, John. Op. cit., p. 211. Em linhas bastante gerais, o writ, na sua forma mais antiga, era uma ordem com a qual o rei se dirigia a um funcionário local, o xerife, afim de que este agisse para a satisfação do direito daquele que tivesse procurado o writ (MATTEI, Ugo. Common law: il diritto anglo-americano. Torino: Utet, 2001, p. 26). 31 CRISCUOLI, Giovanni. Op. cit., p. 101. 32 GILISSEN, John. Op. cit., p. 210. 33 Idem, ibidem. JÁUREGUI, Carlos. Op. cit., p. 36-37. LOSANO, Mario G. Op. cit., p. 267. 34 CRISCUOLI, Giovanni. Op. cit., p. 141. 35 LOSANO, Mario G. Op. cit., p. 267. 36 Idem, ibidem. 37 GILISSEN, John. Op. cit., p. 210. 38 Idem, p. 211. 39 LOSANO, Mario G. Op. cit., p. 267. CAVANNA, Adriano. Op. cit., p. 498. 40 LOSANO, Mario G. Op. cit., p. 267. 41 GILISSEN, John. Op. cit., p. 211. Conforme Adolfo di Majo, enquanto no civil law o sistema de tutela de direitos é coordenado pela soma de direito subjetivo mais ação, o common law predispõe adequados instrumentos de reação à lesão de direitos, privilegiando o ângulo visual dos remédios ao contrário daquele dos direitos subjetivos (DI MAJO, Adolfo. La tutela civile dei diritti. 2. ed. Milano: Giuffrè, 1993. p. 12-13). A propósito, o direito brasileiro, ao prever o mandado de segurança, ação popular, e o habeas corpus, que já se encontrava incorporado na Constituição de 1981, acaba Considerações históricas sobre as diferenças entre common law e civil law – Reflexões iniciais para o debate sobre a adoção de precedentes no direito brasileiro Página 16 abarcado reflexos da doutrina de que as ações precedem os direitos. Sob essa perspectiva, em especial, ver ZANETI JUNIOR, Hermes. Processo constitucional – O modelo constitucional do processo civil brasileiro. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007. p. 32. 42 LOSANO, Mario G. Op. cit., p. 267. 43 Idem, p. 263. No mesmo sentido, Cavanna vai dizer que “o primeiro núcleo do common law (se excluirmos o pouco material legislativo de derivação régia que se sustentava de julgados de costumes judiciários) foi um amálgama pouco discernível de usos anglosaxões (aqueles dos lugares visitados pelos juízes centrais) e de costumes feudais normandos, com a inserção sobre esse fundamental substrato germânico de algumas formas trazidas da tradição romano-canônica, da assimilação dos quais falaremos mais adiante. Tudo isso, porém, vem como unificado, misturado e remodelado nas praxes judiciais adotadas pelas três Cortes, isto é, entre esquemas procedimentais a sua volta concebidos segundo a mentalidade centralizadora dos conquistadores normandos” (CAVANNA, Adriano. Op. cit., p. 526). 44 CRISCUOLI, Giovanni. Op. cit., p. 67. Nessa época, tem-se o primeiro livro da lei comum – Tractatus de legibus et consuetudinibus rengi Anglice – que parece ter sido concluído entre 1187 e 1189, e é tradicionalmente atribuído a Ranulf Glanvill, juiz chefe de Henrique II (FIFOOT, C. H. S. History and sources of the common law: tort and contract. London: Stevens & Sons, 1949. p. 4). 45 WIEACKER, Franz. História do direito privado moderno. 3. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1980. p. 38. 46 Idem, p. 39. Segundo Gilissen “o elemento comum aos direitos romanistas é a influência exercida sobre o seu desenvolvimento pela ciência do direito que foi elaborada nas universidades a partir do séculoXII. Aí, o ensino do direito é quase exclusivamente baseado no estudo do direito romano, mais especialmente da codificação da época de Justiniano, que então foi batizado de Corpus iuris civilis” (GILISSEN, John. Op. cit., p. 203). 47 GROSSI, Paolo. L’ordine giuridico medievale. Roma-Bari: Latereza, 2002. p. 152. Em passagem bastante esclarecedora, Padoa-Schioppa afirma que o crescimento demográfico apontado a partir do século XI destinou-se a prosseguir por cerca de três séculos, ao que se acompanhou um aumento da produção agrária, sobretudo, com a extensão das terras cultivadas e com a adoção de novas técnicas, tudo isso aliado ao desenvolvimento de um intenso comércio de longa distância entre as diversas regiões da Europa e do Oriente Mediterrâneo. Tudo isso demandou um novo direito (PADOA-SCHIOPPA, Antonio. Il diritto nella storia d’Europa: il medioevo. Padova: Cedam, 1995. Parte prima, p. 195). Não é por menos que historiadores, como é o caso de Marc Bloch, vão dizer que é um erro tratar a civilização feudal “como se constituísse, no tempo, um bloco de uma só peça”, em razão de “uma série de transformações muito profundas e muito gerais pelos meados do século XI”, ao ponto de se afirmar que “houve duas idades ‘feudais’ sucessivas, de características muito diferentes” (BLOCH, Marc. A sociedade feudal. 2. ed. Trad. Liz Silva. Lisboa: Edições 70, 1987. p. 77). Sobre o desenvolvimento econômico e social da idade média, ver PIRENNE, Henri. História economia e social da idade média. Trad. Lycurgo Gomes da Motta. 4. ed. São Paulo: Mestre Jou, 1968. 48 GROSSI, Paolo. Op. cit., p. 153. A diferença da força da monarquia francesa em relação à monarquia inglesa é notável: “La monarquía francesa fue débil hasta El reinado de Felipe Augusto (1180-1223) y solo podía ejercer La soberanía plena em sus antiguos señoríos de la Isla de Francia. La monarquía anglonormanda, em cambio, era fuerte, sobre todo em tiempos de Enrique II (1154-1189), com quien se inició El Imperio angevino, y posiblemente contaba com La administración más desarrolada de Occidente Considerações históricas sobre as diferenças entre common law e civil law – Reflexões iniciais para o debate sobre a adoção de precedentes no direito brasileiro Página 17 em aquella época, si prescindimos de La cúria pontifícia (GÓMEZ, Francisco Ruiz. Introducción a la historia medieval: epistemologia, metodología y síntesis. Madrid: Sintesis, 1998. p. 227). 49 Essa perspectiva é bem traçada por Paolo Grossi: “Se o príncipe renunciou a fazer-se intérprete, ou o fez raramente, fragmentariamente, a ciência colmatou o espaço e fez, por excelência a interpretativo: não se tratou de expropriação de poderes, se tratou acima de tudo de uma suplência. Foi uma suplência custosa, cheia de problemas, fonte de ambiguidades e ainda de antinomias. (…) ao lado do principado de quem detinha o poder político, a ciência jurídica adquiriu por todo o segundo medievo o seu principatus; certamente sem território e sem milícia, universal, por orbem terrarum, fato de prestígio e de poder, de presença ativa na sociedade e de consciência do próprio papel propulsivo. Ao início dos Duzentos o exprimia bem um dos mais grandes juristas do momento, o bolonhês Azzone, que, ao início de uma Summa, exposição sistemática do patrimônio jurídico sobre as Istituzioni de Giustiniano, contemplava com aberta satisfação o princípio espiritual e intelectual da classe dos juristas sobre o mundo: “iuris professores per orbem terrarum facit solemnieter principari” (GROSSI, Paolo. Op. cit., p. 153). 50 Idem, p. 155. 51 Idem, p. 157. O direito Justiniano poderia ser reconhecido não somente como a projeção jurídica de uma unidade imperial ainda presente e operante nos séculos XI-XII, “mas, acima de tudo, se tratava de um complexo normativo imantado de sacralidade e venerabilidade: sacralidade, porque seu promovedor e promulgador era um príncipe católico, Justiniano I, o qual tinha impregnado a compilação com seu papel de defensor da fé e tinha deixado traços vistosos da adesão plena à dogmática cristã (se pensados os títulos do Codex subre Trinidade e sobre sacrosanctae ecclesiae); venerabilidade, porque se trata de um complexo normativo relativo a uma antiguidade considerada como remota e fabulosa e por isso imantado daquela indiscutível respeitabilidade que o sedimentar do séculos conferiu-lhe aos olhos dos observadores medievais” (idem, ibidem). 52 WIEACKER, Franz. Op. cit., p. 45. 53 MERRYMAN, John Henry; PÉREZ-PERDOMO, Rogelio. The civil law tradition: an introduction to the legal system of Europe and Latin America. Standford: Standford University Press, 2007. p. 27. 54 WIEACKER, Franz. Op. cit., p. 80. 55 Idem, ibidem. 56 WIEACKER, Franz. Op. cit., p. 81-83. 57 A respeito desses pontos, ver WIEACKER, Franz. Op. cit. 58 CAENEGEM, R. C. van. Op. cit., p. 84. 59 HESPANHA, Antonio Manuel. Cultura jurídica européia: síntese de um milênio. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2005. p. 262. 60 Idem, ibidem. GILISSEN, John. Op. cit., p. 204. O complexo de ações do direito inglês (sistema de writs) era calcado em duas grandes vertentes: a das causas concernentes ao acertamento e a recuperação da propriedade fundiária e aquela das causas para o ressarcimento de danos (CAVANNA, Adriano. Op. cit., p. 522). 61 CRISCUOLI, Giovanni. Op. cit., p. 28. Note-se que o direito romano mencionado aqui é o direito romano clássico, e não o direito Justiniano recepcionado no Continente. Considerações históricas sobre as diferenças entre common law e civil law – Reflexões iniciais para o debate sobre a adoção de precedentes no direito brasileiro Página 18 62 GILISSEN, John. Op. cit., p. 211. 63 SELDEN, John. Johannis Seldeni ad feltam dissertativo. Trad. D. Ogg. Cambrigdge, 1925. p. 165 apud CAENEGEM, R. C. van. Op. cit., p. 84. 64 Conforme Losano: “a unidade jurídica, a centralização judiciária e a homogeneidade da classe forense explicam a falta da recepção na Grão Bretanha do direito romano. Enquanto na Alemanha a divisão em pequenos Estados tornava indispensável acatar o direito romano como denominador comum jurídico, a Grão Bretanha tinha já o seu direito comum. Neste sentido se costumam contrapor o Common Law ao Civil Law, entendendo com este último termo o direito europeu continental de origem romanística (LOSANO, Mario G. Op. cit., p. 266). No mesmo sentido, Roscoe Pound, para quem a recepção do direito romano na Europa frente a uma série de direitos locais e provinciais contraditórios se chocou, na Inglaterra, com um direito geral unificado e harmonioso, sendo possível dizer que “o Direito germânico se conservou graças a um sistema judicial forte e centralizado” (POUND, Roscoe. Op. cit, p. 31). 65 CAENEGEM, R. C. van. Op. cit., p. 83. 66 Sobre o papel da Bracton no desenvolvimento do common law, ver MATTEI, Ugo. Op. cit., p. 43-45. 67 GILISSEN, John. Op. cit., p. 211. 68 JÁUREGUI, Carlos. Op. cit., p. 42. Note-se que essa influência do direito romano ligada ao cristianismo já é apontada por Losano antes do período de recepção e da formação do common law, sendo remetida ao momento do cristianismo (644 d.C.) tendo aplicação até os dias atuais em matérias matrimoniais e sucessórias (LOSANO, Mario G. Op. cit., p. 262). 69 CAVANNA, Adriano. Op. cit., p. 524. 70 SILVA, Ovídio Araújo Baptista da. Jurisdição e execução na tradição romano-canônica . São Paulo: Ed. RT, 1997. p. 102. 71 WIEACKER, Franz. Op. cit., p. 48. Ainda nesse sentido, afirma Wieacker que “através da exegese, da harmonização da construção de regras, constitui-se um edifício doutrinal de princípios harmónicos, talvez a primeira dogmática jurídica autónoma da história universal” (idem, p. 53). 72 Idem, p. 49. 73 Idem, p. 49-50. 74 Acerca do jusnaturalismo, João Maurício Adeodato propõe uma classificação em diversas fases: “Fase da indiferenciação: nela não há consciência de uma separação entre o direito que efetivamente acontece na comunidade e o direito criado pela ‘natureza’, pela ‘física’, pela divindade. (…) Fase irracionalista:embora esteja claro que o direito de Deus não se confunde com o direito dos homens, não é dado a estes perceber os desígnios superiores. Assim é que, para Agostinho, todos os seres humanos estão condenados ao fogo do inferno por força do pecado original; mas Deus, em sua infinita misericórdia, escolhe alguns e os salva para si. Jusnaturalismo teológico: representado sobretudo pela Escolástica, com a visão de um direito imutável, inserido na harmonia medieval, estabelecido por Deus. A Igreja é o elo entre o direito divino e natural e o direito empírico, real, efetivo, em suma. Na prática, a hierarquia eclesiástica determinava a interpretação genuína da vontade de Deus, fonte de todo direito. (…) A passagem do direito natural teológico para o chamado racional, secular, antropológico, Considerações históricas sobre as diferenças entre common law e civil law – Reflexões iniciais para o debate sobre a adoção de precedentes no direito brasileiro Página 19 não separa ontologicamente o jurídico do religioso, pois não nega a fonte divina para o direito. Trata-se da mesma ideia advogada por Lutero e o protestantismo: Deus fala diretamente ao coração de todos e de cada um dos homens, sem que seja necessário um porta-voz oficial. Nem o jusnaturalismo antropológico nega Deus, nem o teológico, a razão. Só que, agora, a razão não é apenas o meio para conhecer o direito emanado da divindade, mas passa a ser também a fonte de todo direito. A tradição e a autoridade cedem lugar ao que é, em uma palavra, “racional” (129). A imutabilidade do direito racional começa a ser questionada por Immanuel Kant (…) A linha aqui denominada jusnaturalimo democrático parte dessa historicidade do direito e do princípio de que, por divergirem os homens sobre questões cruciais e ‘por serem todos iguais’, a maioria detém a legitimidade do direito e deve decidir sobre os conflitos. Na prática, o triunfo é do jusnaturalismo democrático, que já configura o positivismo, pois a maioria é um dado empírico, enquanto a ‘”Vontade Geral’, não. Esse jusnaturalismo democrático representa uma passagem para o positivismo porque não tem, a rigor, conteúdo: o que a maioria decide é legítimo, pois legitimidade é a igualdade de capacidade dos cidadãos. E o jusnaturalismo de conteúdo variável pretende ser empiricamente observável, mudando no tempo e no espaço, permanecendo problemáticos os critérios dessa mudança e como detectar o justo” (ADEODATO, João Maurício. Ética e retórica: para uma teoria da dogmática jurídica. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 125-130). 75 LOPES, José Reinaldo de Lima. O direito na história: lições introdutórias. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2009. p. 160. 76 TARELLO, Giovani. Storia della cultura giuridica moderna: assolutismo e codificazione del diritto. Bologna: Il Mulino, 1976. p. 97-98. 77 Idem, p. 48. 78 Conforme Giovani Tarello: “Se isolarmos, com alguma dose de arbítrio, a esfera espaço-temporal correspondente à França do século XVII e se nós perguntarmos qual era o direito então lá vigente, descobriríamos em uma primeira aproximação que no norte vigia a título de direito comum um direito consuetudinário de origem germânica, enquanto que no sul vigia a título de direito comum o direito romano constituído de um particular uso do Corpo justinianeu e do Código teodosiano; a este ponto podemos falar de uma falta de unidade jurídica e de um particularismo” (idem, p. 29-30). 79 GROSSI, Paolo. Mitologias jurídicas da modernidade. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2004. p. 48. Nesse sentido, é esclarecedora a lição de Padoa-Schioppa: “A gênese dos costumes locais é um fato que tem sinalizado um desenvolvimento na história jurídica do ocidente. O fracionamento do direito é maximizado no curso dos séculos X e XI, para os quais uma tradição historiográfica tem usado a fórmula de ‘idade do particularismo’: a ausência de poderes políticos firmes abriu aos costumes espaços larguíssimos. E se tratou, como temos dito, de costumes extremamente fragmentados, porque diferentes de lugar a lugar. Uma carta de costumes mostraria claramente esta fragmentação. Em um certo sentido, toda a história do direito do continente a partir desta idade poderia configurar-se como a construção de uma unidade progressiva, que do particularismo do século X e XI conduz aos direitos dos cidadãos da idade das comunas, à conquista do condado por parte das cidades com a consequente imposição do direito citadino nas campanhas, à formação de um primeiro núcleo do direito do estado racional no tardo medievo, em fim à formação dos direitos dos estados nacionais, até a gênese em curso de um direito uniforme europeu” (PADOA-SCHIOPPA, Antonio. Op. cit., p. 158-159). Enquanto, na Inglaterra, o feudalismo não importou na fragmentação do Direito, pois o rei conseguiu manter uma unidade política centralizada, no continente o Estado feudal estava em íntima relação com os costumes, em uma nítida imbricação entre particularismo político-econômico com o particularismo jurídico. Sobre essa perspectiva do direito continental Europeu, ver CALASSO, Francesco. Medio evo del diritto: I – Le fonti. Milano: Giuffrè, 1954. p. 181-197. Considerações históricas sobre as diferenças entre common law e civil law – Reflexões iniciais para o debate sobre a adoção de precedentes no direito brasileiro Página 20 80 SILVA, Ovídio A. Baptista da. Epistemologia das ciências culturais. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2009. p. 7. 81 CASTANHEIRA NEVES, António. Curso de introdução ao estudo do direito. Coimbra: J. Abrantes, 1971-72. p. 58-59. 82 Nesse sentido, Wieacker afirma que “foi a ligação do jusracionalismo com o iluminismo que produziu nos primeiros estados absolutos do centro e do sul da Europa e depois na Europa ocidental após o processo revolucipnário francês, uma primeira grande onda das codificações modernas” (WIEACKER, Franz. Op. cit., p. 366). 83 Conforme Wieacker “apenas em França e nas áreas do seu domínio de influência foram levados à prática pelos portadores da revolução política, enquanto que no resto da Europa o foram pelo despotismo esclarecido” (WIEACKER, Franz. Op. cit., p. 367). Nesse sentido, são sintomáticos os exemplos da Prussia e da Áustria, encabeçados, respectivamente, por Federico II e Maria Teresa, bem como o posterior sucesso das codificações iluministas do último terço do século XVIII, também na Prussia e na Áustria. A respeito, ver, TARELLO, Giovani. Op. cit., p. 223-258; 485-535. 84 WIEACKER, Franz. Op. cit., p. 366. 85 A isso contribui o paradigma racionalista presente à época. Merryman esclarece que “somente um exagerado racionalismo poderia explicar a convicção de que a história poderia ser abolida por um estatuto que a rechaçava” (MERRYMAN, John Henry; PÉREZ-PERDOMO, Rogelio. Op. cit., p. 47). 86 STRECK, Lenio Luiz; MORAIS, José Luis Bolzan. Ciência política e teoria geral do Estado. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010. p. 44-45. 87 Segundo Carlos S. Fayt, no Estado Absolutista, “os valores vinculados a ordem e a segurança eram considerados mais importantes que a liberdade. A burguesia reclamava estabilidade de proteção para realizar suas atividades. A ordem somente poderia lograr-se mediante a concentração do poder nas mãos do rei ou do parlamento, porém esses poderes deveriam ser, por natureza, ilimitados. Sem autoridade ilimitada o governante estava impedido de impor a paz e assegurar a ordem. Os valores supremos são, assim, a paz, a segurança, a ordem. Os desvalores, por conseguinte, a guerra, a anarquia, a desordem” (FAYT, Carlos S. El absolutismo. Buenos Aires: Bibliografica Omeba, 1967. p. 21). 88 NOVAIS, Jorge Reis. Contributo para uma teoria do Estado de Direito. Coimbra: Almedina, 2006. p. 40. 89 STRECK, Lenio Luiz; MORAIS, José Luis Bolzan. Op. cit., p. 45. Este foi um dos fatores determinantes para se ter na igualdade um dos pilares da Revolução Francesa, a qual, no entanto, visou apensa estabelecer uma igualdade formal, uma igualdade de direitos, sem preocupar-se com as desigualdades reais entre as pessoas. Nesse sentido,
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