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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO SUDOESTE DA BAHIA – UESB DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E LETRAS – DCHL DISCIPLINA: Linguística VI Período Letivo: 2019.2 Profa: Carla da Silva Lima Aluno (a): Jefferson Araújo Souza RESENHA DA ANÁLISE DO DISCURSO EM FERNANDA MUSSALIM Introdução à linguística : domínios e fronteiras, v. 2 / Fernanda Mussalim, Anna Christina Bentes (orgs.) - 4. ed. - São Paulo : Cortez, 2004 Fernanda Mussalim possui graduação em Letras pela Universidade Estadual de Campinas (1987), Mestrado (1996), Doutorado (2003), Pós-doutorado (2009) e Pós-doutorado Sênior (2018) em Linguística pela mesma universidade. Tem experiência na área de Linguística, com ênfase em Análise do Discurso e interface com a Neurolinguística e as Ciências Cognitivas em geral. No capítulo intitulado Análise do Discurso, da obra de Fernanda Mussalim e Anna Christina Bentes Introdução à Linguística: domínios e fronteiras, vol. 2 (2004), Mussalim faz uma explanação sobre a história, os aspectos e a importância da Análise do Discurso (AD) para o entendimento dos processos discursivos. Dividido em 4 partes, a saber: “1. A gênese da disciplina (1.1. Estruturalismo, marxismo e psicanálise: um terreno fecundo; 1.2. A especificidade da AD; 1.3. Procedimentos de análise: a contribuição de Harris e Chomsky); 2. Fases da AD: os procedimentos de análise e a definição do objeto; 3. Uma análise (3.1. O conceito de discurso; 3.2. A noção de sentido para a AD; 3.3. o conceito de sujeito na AD; 3.4. As condições de produção do discurso)”; e, 4. as considerações finais, a autora faz uso de exemplos para facilitar o entendimento da discussão sobre a AD. Para a autora, o caráter interdisciplinar da Análise do Discurso deve ser entendido e preservado, mesmo correndo o risco de desvalorizar a matéria, pois o “único perigo que poderia colocá-la em xeque seria o de não reconhecermos sua especificidade e tentarmos excluir de seu campo as contradições, as irregularidades, em vez de simplesmente tentarmos aprendê-las na materialidade discursiva” (p. 138, 139). Ou seja, a AD é um terreno fecundo: dialoga com vários outros campos, tais como o social, o histórico, o psicológico, entre outros, não existe somente no espaço em que foi criada; trata-se de uma característica essencial da AD. A primeira parte do capítulo é dedicada a falar sobre “a gênese da disciplina”, que seriam o estruturalismo, o marxismo e a psicanálise. Segundo a autora, a AD pode significar algo vago e amplo, “já que toda produção de linguagem pode ser considerada ‘discurso’” (p. 101); porém, a AD tem origem (França, 1960) e objetivos específicos. A gênese da disciplina se entende pelas motivações de sua criação. Citando Maldidier (1994), que aponta Jean Dubois e Michel Pêcheux como fundadores da AD: Dubois, linguista e lexicólogo interessado nas discussões sobre a Linguística de sua época e Pêcheux, filósofo interessado em marxismo, psicanálise e epistemologia, criariam a chamada Análise do Discurso para, pontua a autora, “um objetivo político, e a Linguística oferece meios para abordar a política” (p. 102). Para a AD, a Linguística é uma ciência piloto, pois, à época, se impunha como uma área que conferia cientificidade a seus estudos (para adentrar às instâncias socioeconômicas, antes os estudos linguísticos teriam que passar por sua própria lógica interior [de vertente estruturalista]). Alargando esta compreensão, cita Althusser (1970) que, em releitura de Marx, “distingue uma ‘teoria das ideologias particulares’, que exprimem posições de classes, de uma ‘teoria da ideologia em geral’” (p. 103); o autor visava estudar a mesma reprodução das relações de produção de Marx, porém com foco em encontrar um ponto comum a todas as ideologias particulares. Daí que o autor compreende que as ideologias não devem ser tratadas como ideias, mas sim como algo material que apenas reproduz as relações de produção e, a autora, alarga esta visão aludindo ao capitalismo (em sua forma clássica), dizendo que sua estrutura é constituída por infraestrutura e superestrutura. O ponto foco é que nesse modelo de economia os trabalhadores menos abastados (infraestrutura) sustentam os mais abastados da sociedade (superestrutura); é nesta visão que, para Athusser, as ideologias não são ideias, mas, sim, fato material entendido como reprodutor de um discurso em que o enunciador não tem o controle. Há uma inversão de papéis entre as relações de produção no capitalismo clássico e as ideologias: naquele, o trabalhador produz para o ganho do chefe; no discurso, quem produz não é o mais baixo na escala social, mas o mais elevado. Compreendido que deve ser estudada como algo material, a linguística seria o campo de estudo em que a ideologia se faria de modo mais coerente, não seria no campo social, histórico ou psíquico. Porém, manter o estudo da ideologia somente no campo da língua não basta, é a partir daí que se fala em migrações para outros campos, em busca de entender o fenômeno discursivo político social. Para a autora, compreende Pêcheux, diferente de Dubois, que a linguística de Saussure, baseada principalmente na dicotomia língua/fala, permitiu a constituição da Fonologia, da Morfologia e da Sintaxe, mas não a Semântica, pois esta escapa à metalinguagem; permitiu também tratar a língua como refém de uma lógica sistêmica em que o valor de um item nega o valor de outro, este negado que por sua vez tem seu valor, negando assim o valor do outro, significando com isso que um signo tem sua existência única, mas não pode existir mais que um outro signo. O sujeito, peça chave na análise do discurso, não é sistêmico, muda de ideia, lugar de fala, compreensão etc., por isso, se manter no campo da língua é insuficiente. A AD precisa então de visões da história do indivíduo, de componentes linguísticos e socioideológicos, entre outras. Neste contexto que nasce a AD, com Pêcheux propondo uma “análise automática do discurso” (p. 106) a partir das condições de produção, termo que daria ao estudioso ver o que estaria por trás do discurso de um dado sujeito enunciador. “Para Pêcheux, é como se houvesse uma ‘máquina discursiva’, um dispositivo capaz de determinar, sempre numa relação com a história, as possibilidades discursivas dos sujeitos inseridos em determinadas formações sociais (MUSSALIM;BENTES, 2004, p. 106). Encerrando as abordagens das gêneses (até aqui) da AD: Linguística estrutural e Marxismo: materialismo, a autora parte para a outra gênese, a psicanálise lacaniana. Tal como Althusser, Lacan faz uma releitura de um importante teórico, desta vez a referência passa a ser Freud. Lacan relê Freud apoiado na linguística de Saussure e Jakobson: “Lacan assume que o inconsciente se estrutura como uma linguagem, como uma cadeia de significantes latente que se repete e interfere no discurso efetivo, como se houvesse sempre, sob as palavras, outras palavras, como se o discurso fosse sempre atravessado pelo discurso do Outro, do inconsciente” (MUSSALIM;BENTES, 2004, p. 107); continua a autora: “o sujeito é visto como uma representação — (...) se representa a partir do discurso do pai, da família etc. — [...]. Apoiado (...) no estruturalismo lingüístico, Lacan aborda esse inconsciente, demonstrando que existe uma estrutura discursiva que é regida por leis” (p. 107). Lacan se baseia em Saussure e sua relação binária dos elementos (um elemento, a depender do ponto, pode ter um valor terminal ou inicial, como bo [fonema inicial] ca e cabo [fonema terminal]) para dizer que ao sujeito “não se pode atribuir nada de substancial, pois ele só se define em relação ao Outro (critérios diferencial e relacional)” (MUSSALIM;BENTES, 2004, p. 108). Porém, concernente à discussão anterior, Lacan discorda da visão de Jakobson de que não há a supremaciade um interlocutor sobre o outro, expressa a autora que, para Lacan, o Outro ocupa a posição de domínio sobre o sujeito, trata-se de uma ordem anterior e exterior a ele. Tendo que Pêcheux compreende a ideologia como material, em que o sujeito reproduz um discurso hegemônico dominante, e Lacan, que diz sobre o sujeito que um tal (O)utro ocupa posição de dominância sobre o sujeito, tem-se que a AD compreende o discurso como algo que a pessoa que profere não é dona de seu dizer realmente, mas reprodutora de outros discursos ou de um dominante. No subtópico 1.2. a autora analisa uma tira em quadrinhos para demonstrar a “especificidade da AD”. A análise da tira leva a ao menos dois entendimentos, um é relativo à ambiguidade, o outro mostra que há um entendimento específico para cada espaço, tal compreensão adviria do fato de que para cada contexto, até mesmo no reino animal, há um senso comum, uma lenda, uma convicção moral, etc. compartilhado por todos os indivíduos que fazem parte do grupo, da nação , do lugar; as condições de produção engendram tais sensos e convicções, etc. É importante ressaltar que entendemos o primeiro entendimento da tira analisada, mas não o segundo. É exatamente essa a especificidade da AD: compreender por que dada ideologia compartilha de uma visão que outra não concorda, e além disto entender como tal visão se forma em seu interior. Dentro da especificidade, traz à discussão duas compreensões sobre a análise do discurso: a AD de origem francesa (interessada na história) e a anglo-saxã (interessada na sociologia). A francesa considera a intenção do sujeito na interação verbal, a anglo-saxã não, têm-vos como condicionados a alguma ideologia que predetermina o que enunciarão. Não obstante às diferenças entre as vertentes citadas, há também diferenças no interior de cada uma. Na francesa, citando Fiorin (1990), diz que se encontrava nesta vertente uma visão que não se ocupava dos aspectos internos do texto, com receios de se parecer por demais com o objeto analisado, tal como de “direita” ou “esquerda”; a segunda visão é uma noção contrária; e há uma terceira visão que discorda das duas anteriores, visando estudar o discurso de forma complexa, englobando os campos linguístico e o cultural. No subtópico 1.3. a autora traz as contribuições de Harris (1969) e Chomsky (1957) para a AD. Harris se focava numa concepção sintática do discurso; segundo ele, há uma determinada linearidade presente na enunciação. Embora mostrasse insuficiente – por focar apenas na sintaxe do discurso, a AD, afigurada em Pêcheux, absorveu Harris quanto a seus estudos, vindo assim a distinguir enunciação e enunciado, em que a enunciação correspondia às condições de produção e o enunciado remetia à superfície discursiva que resultava das condições de produção. É em Chomsky que a AD vai criar o conceito de condições de produção. Este autor acreditava na “existência de um sistema de regras internalizadas responsáveis pela geração das sentenças” (p. 116). Continua a autora: “É este último procedimento de análise que será produtivo para a AD, pois será a partir dele que ela formulará e reformulará seus procedimentos de análise e seu objeto de estudo, que definirão, por sua vez, o que chamamos as fases da AD” (p. 117). O tópico 2 traz as fases da AD, já finalizada sua criação. As fases são AD-1, 2 e 3. Resumindo, a AD-1 analisa o discurso proferido, ou seja, ele se gera em si para si, fala-se em ideologias gerais como o comunismo, o liberalismo e etc.; a AD-2 analisa o debate: o discurso se vale pelo que é desenhado enquanto se há uma discussão, abandona-se o estudo das ideologias mais gerais; com a AD-3 (atual) se introduz o conceito de interdiscurso (o discurso não vale por si nem depende do debate, interação para se desenhar, é válido pela coerência interna de quem o profere). No subtópico do tópico 3, “uma análise”, traz “O conceito de discurso” analisando uma crônica “Um só seu filho” de Bráulio Tavares. Há nessa crônica o discurso do personagem Papa; a autora mostra que a fala do pontífice contém dois discursos distintos, um remete ao cientifico e outro ao religioso. Trata-se de um “confronto entre forças ideológicas”, como diz a autora, ocorrendo na fala de uma mesma pessoa. O Papa, apesar de uma figura que representa o ponto máximo da religião católica, tem em sua fala algo de cientifico. Estes discursos distintos presentes numa mesma pessoa se chamam, para a AD: formação ideológica. O lugar de onde o Papa se comunica (o lugar cristão) é chamado de formação discursiva. A autora ainda aborda, citando Bakhtin, sobre o conceito de heterogeneidade. Diz que o discurso sempre será heterogêneo, pois na formação discursiva sempre haverá a presença do Outro: “Calvin, ao ironizar o discurso cristão negando-o através de uma paródia, recupera-o como parte constitutiva do discurso. É nesse sentido (...) que uma formação discursiva não pode ser compreendida como um bloco compacto e fechado, mas que ela é definida a partir de uma incessante relação com o Outro” (MUSSALIM;BENTES, 2004, p. 129). Continuando o raciocínio, mostra que “a unidade de análise pertinente não é o discurso, mas um espaço de trocas entre vários discursos. Os diversos discursos que atravessam uma FD não passam de componentes, (...) tais discursos não se constituem independentemente uns dos outros” (p. 129). No item 3.2., “A noção de sentido para a AD”, traz a autora que “o caráter dialógico do discurso é constitutivo de seu sentido, isto é, que o sentido de uma formação discursiva depende da relação que ela estabelece com as formações discursivas no interior do espaço interdiscursivo” (p. 131). Viu-se que o discurso é heterogêneo, contudo, o sentido, para a AD, é demarcado pela formação discursiva de cada sujeito. Todavia, este sentido não é dado a priori, não há sentido até que o discurso seja proferido e, ademais, irá depender das relações entre formações discursivas. Um sujeito pode formar certo sentido com relação ao sujeito A e outro ao B. O subtópico 3.3., “O conceito de sujeito na AD”, trata desses diferentes sujeitos. Ele é assujeitado à maquinaria, termo próprio de Pêcheux, como ressalta a autora, “já que está submetido às regras específicas que delimitam o discurso que enuncia. Assim, segundo essa concepção de sujeito, ‘quem de fato fala é uma instituição, ou uma teoria, ou uma ideologia’ (p.138). Sendo assim, quem constrói um sentido para cada sujeito que interage não é o próprio indivíduo, segundo a AD, mas as teorias por trás de suas formações discursivas. Este é o sujeito da concepção da AD-1. A AD-2 tem o sujeito como sendo o indivíduo que tem uma função: o lugar o professor, do doutor, do pedreiro, padeiro, eletricista, etc.: quem determina o sentido é o lugar social. A AD-3 tem o sujeito como essencialmente heterogêneo: “Compatível com uma noção de discurso marcado radicalmente pela heterogeneidade — afirma-se na AD-3 o primado do interdiscurso —, tem-se um sujeito essencialmente heterogêneo, clivado, dividido” (MUSSALIM;BENTES, 2004, p. 134), continua a autora: “o centro do sujeito não é mais o estágio consciente, mas que ele é dividido, clivado entre o consciente e o inconsciente” (p. 134). A autora ainda traz à discussão o conceito de esquecimento. Como algo que afeta os sujeitos não donos de si, do discurso: por um lado se tem que 1) o indivíduo esquece que é assujeitado pela formação discursiva, e 2) tem plena consciência de que pode controlar o seu discurso, quando deveria lembrar que não pode. Tal visão será acalorada no subtópico 3.2., “As condições de produção do discurso”, onde a dupla ilusão completa o esquecimento citado anteriormente: é “uma evidência dessa relação imaginária que o sujeito tem com o próprio discurso, como uma manifestação da tentativa (ilusória) de controlar o próprio discurso” (MUSSALIM;BENTES,2004, p. 136). O sujeito, por não saber das verdadeiras condições de produção de seus discursos, devido ao esquecimento, age de modo ilusório ao fazer a enunciação, a representa de maneira imaginária. “É nesse sentido que o jogo de imagens faz parte das condições de produção de um discurso, na medida em que as imagens que o sujeito vai construindo ao enunciar vão definindo e redefinindo o processo discursivo” (MUSSALIM;BENTES, 2004, p. 138). Nas considerações finais, expressa a autora que a questão não se esgota no que expos, “concluir este texto significa apenas concluir a reflexão que fizemos nestas poucas páginas” (p. 138). Sendo assim, a autora vê como importante focar na especificidade da AD, primeiramente a sua constitutividade: dada pelo discurso, o sentido, o sujeito e as condições de produção. Segundo, retoma que a AD não deve ser tratada como apenas pertencente ao campo da Linguística, mas que sua interdisciplinaridade deve ser valorizada e praticada, pois “a Análise do Discurso se apresenta como uma disciplina em constante processo de constituição, de onde decorre a constitutividade dos próprios conceitos que a fundamentam” (p. 138).
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