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See discussions, stats, and author profiles for this publication at: https://www.researchgate.net/publication/286456616 Águas Subterrâneas: conceitos e aplicações sob uma visão multidisciplinar Book · March 2015 CITATIONS 18 READS 441 1 author: Some of the authors of this publication are also working on these related projects: Remote Sensing for Groundwater Sustainability in Varied Landuses Under Climate Changes View project Hydrogeoethics for Water Resources Management: Groundwater - Geoethics - Sustainable Society Nexus View project R. L. Manzione São Paulo State University 179 PUBLICATIONS 396 CITATIONS SEE PROFILE All content following this page was uploaded by R. L. Manzione on 31 March 2021. The user has requested enhancement of the downloaded file. https://www.researchgate.net/publication/286456616_Aguas_Subterraneas_conceitos_e_aplicacoes_sob_uma_visao_multidisciplinar?enrichId=rgreq-420fa73864818c2f07c02015ae00eb89-XXX&enrichSource=Y292ZXJQYWdlOzI4NjQ1NjYxNjtBUzoxMDA3NTY3NTIyMjU4OTQ0QDE2MTcyMzQyMjU0NzM%3D&el=1_x_2&_esc=publicationCoverPdf https://www.researchgate.net/publication/286456616_Aguas_Subterraneas_conceitos_e_aplicacoes_sob_uma_visao_multidisciplinar?enrichId=rgreq-420fa73864818c2f07c02015ae00eb89-XXX&enrichSource=Y292ZXJQYWdlOzI4NjQ1NjYxNjtBUzoxMDA3NTY3NTIyMjU4OTQ0QDE2MTcyMzQyMjU0NzM%3D&el=1_x_3&_esc=publicationCoverPdf https://www.researchgate.net/project/Remote-Sensing-for-Groundwater-Sustainability-in-Varied-Landuses-Under-Climate-Changes?enrichId=rgreq-420fa73864818c2f07c02015ae00eb89-XXX&enrichSource=Y292ZXJQYWdlOzI4NjQ1NjYxNjtBUzoxMDA3NTY3NTIyMjU4OTQ0QDE2MTcyMzQyMjU0NzM%3D&el=1_x_9&_esc=publicationCoverPdf https://www.researchgate.net/project/Hydrogeoethics-for-Water-Resources-Management-Groundwater-Geoethics-Sustainable-Society-Nexus?enrichId=rgreq-420fa73864818c2f07c02015ae00eb89-XXX&enrichSource=Y292ZXJQYWdlOzI4NjQ1NjYxNjtBUzoxMDA3NTY3NTIyMjU4OTQ0QDE2MTcyMzQyMjU0NzM%3D&el=1_x_9&_esc=publicationCoverPdf https://www.researchgate.net/?enrichId=rgreq-420fa73864818c2f07c02015ae00eb89-XXX&enrichSource=Y292ZXJQYWdlOzI4NjQ1NjYxNjtBUzoxMDA3NTY3NTIyMjU4OTQ0QDE2MTcyMzQyMjU0NzM%3D&el=1_x_1&_esc=publicationCoverPdf https://www.researchgate.net/profile/R-Manzione?enrichId=rgreq-420fa73864818c2f07c02015ae00eb89-XXX&enrichSource=Y292ZXJQYWdlOzI4NjQ1NjYxNjtBUzoxMDA3NTY3NTIyMjU4OTQ0QDE2MTcyMzQyMjU0NzM%3D&el=1_x_4&_esc=publicationCoverPdf https://www.researchgate.net/profile/R-Manzione?enrichId=rgreq-420fa73864818c2f07c02015ae00eb89-XXX&enrichSource=Y292ZXJQYWdlOzI4NjQ1NjYxNjtBUzoxMDA3NTY3NTIyMjU4OTQ0QDE2MTcyMzQyMjU0NzM%3D&el=1_x_5&_esc=publicationCoverPdf https://www.researchgate.net/institution/Sao_Paulo_State_University?enrichId=rgreq-420fa73864818c2f07c02015ae00eb89-XXX&enrichSource=Y292ZXJQYWdlOzI4NjQ1NjYxNjtBUzoxMDA3NTY3NTIyMjU4OTQ0QDE2MTcyMzQyMjU0NzM%3D&el=1_x_6&_esc=publicationCoverPdf https://www.researchgate.net/profile/R-Manzione?enrichId=rgreq-420fa73864818c2f07c02015ae00eb89-XXX&enrichSource=Y292ZXJQYWdlOzI4NjQ1NjYxNjtBUzoxMDA3NTY3NTIyMjU4OTQ0QDE2MTcyMzQyMjU0NzM%3D&el=1_x_7&_esc=publicationCoverPdf https://www.researchgate.net/profile/R-Manzione?enrichId=rgreq-420fa73864818c2f07c02015ae00eb89-XXX&enrichSource=Y292ZXJQYWdlOzI4NjQ1NjYxNjtBUzoxMDA3NTY3NTIyMjU4OTQ0QDE2MTcyMzQyMjU0NzM%3D&el=1_x_10&_esc=publicationCoverPdf Águas Subterrâneas Conceitos e Aplicações sob uma Visão Multidisciplinar Águas subterrâneas conceitos e Aplicações sob uma Visão multidisciplinar rodrigo Lilla manzione ©2015 Rodrigo Lilla Manzione Direitos desta edição adquiridos pela Paco Editorial. Nenhuma parte desta obra pode ser apropriada e estocada em sistema de banco de dados ou processo similar, em qualquer forma ou meio, seja eletrônico, de fotocópia, gravação, etc., sem a permissão da editora e/ou autor. M2963 Manzione, Rodrigo Lilla. Águas Subterrâneas: Conceitos e Aplicações sob uma Visão Multidisciplinar/ Rodrigo Lilla Manzione. Jundiaí, Paco Editorial: 2015. 388 p. Inclui bibliografia. ISBN: 978-85-8148-786-1 1. Hidrologia 2. Águas Subterrâneas 3. Geologia 4. Engenharia I. Manzione, Rodrigo Lilla CDD: 620 IMPRESSO NO BRASIL PRINTED IN BRAZIL Foi feito Depósito Legal Índices para catálogo sistemático: Engenharia 620 Geologia 550 Conselho Editorial Profa. Dra. Andrea Domingues Prof. Dr. Antonio Cesar Galhardi Profa. Dra. Benedita Cássia Sant’anna Prof. Dr. Carlos Bauer Profa. Dra. Cristianne Famer Rocha Prof. Dr. Fábio Régio Bento Prof. Dr. José Ricardo Caetano Costa Prof. Dr. Luiz Fernando Gomes Profa. Dra. Milena Fernandes Oliveira Prof. Dr. Ricardo André Ferreira Martins Prof. Dr. Romualdo Dias Profa. Dra. Thelma Lessa Prof. Dr. Victor Hugo Veppo Burgardt Av. Carlos Salles Block, 658 Ed. Altos do Anhangabaú, 2º Andar, Sala 21 Anhangabaú - Jundiaí-SP - 13208-100 11 4521-6315 | 2449-0740 contato@editorialpaco.com.br Dedico à minha filha Bruna e à minha esposa Monica, inspirações de todos os dias. AgrAdecimentos Agradeço à minha família e amigos pelo apoio incondicional em todos os momentos. A todos os mestres que tive em minha vida, cada um com sua contribuição na minha formação. Aos meus orientados pelo convívio saudável e crescimento conjunto. Aos alunos da turma da disciplina Água Subterrânea de 2012 do curso de pós- graduação em Agronomia – Irrigação e Drena- gem, que me ajudaram a desenvolver este material. Aos alunos da UNESP/Ourinhos que, em 2013, me propor- cionaram tempo suficiente para elaboração desta obra. Aos colegas da UNESP/Ourinhos pelo bom ambiente de trabalho. Ao Prof. Dr. João C. C. Saad e ao Departamento de Engenha- ria Rural da UNESP/FCA-Botucatu pela oportunidade de desen- volver esse curso de Água Subterrânea junto aos pós-graduandos em Agronomia do curso de Irrigação e Drenagem. Ao Curso de Pós-graduação em Agronomia – Área de con- centração em Irrigação e Drenagem pela confiança em não só oferecer a disciplina, mas também desenvolver pesquisas nesta área junto aos alunos do curso. Ao Prof. Dr. Edson Wendland e demais colegas do LHC/ EESC/USP pelo suporte nesses anos de pesquisas e investiga- ção em colaboração sobre águas subterrâneas. Aos patrocinadores desta obra, os colegas Mauro Banderali, da Ag- Solve, e Marcelo Cocco Urtado, da Legal Tree, o meu muito obrigado. Aos colegas do CEDIAPGEO (Centro de Estudo e Divul- gação de Informações sobre Áreas Protegidas, Bacias Hidro- gráficas e Geoprocessamento), GEPAG (Grupo de Estudos e Pesquisas Agrícolas Georreferenciadas) e LabH2O (Laboratório de Hidrologia e Hidrogeologia Operacional) pelo apoio institu- cional e acadêmico. Aos demais envolvidos, minha gratidão. sumÁrio Agradecimentos 7 Apresentação 13 Prefácio 15 Introdução 19 capítulo 1 Histórico das águas subterrâneas 25 1. Pré-história e idade antiga 25 2. Idade média 36 3. Idade moderna e renascença 38 4. Idade contemporânea 40 5. Histórico no Brasil 44 capítulo 2 Geologia das águas subterrâneas 49 1. Tipos de rochas 53 2. Origem das águas subterrâneas 57 3. Formações aquíferas 59 capítulo 3 Sistemas aquíferos 73 1. Distribuição e ocorrência dos principais sistemas aquíferos 73 2. Domínios e subdomínios hidrogeológicos do Brasil 79 3. Principais aquíferos brasileiros 87 4. Sistemas aquíferos do Estado de São Paulo 102 capítulo 4 Dinâmica da água em aquíferos 115 1. Elementos de hidrologia subterrânea 115 2. Quantificando fluxo subterrâneo usando redes de fluxo 133 3. Fluxo e produção natural da bacia 140 4. Fluxo local, intermediário e regional 146 5. Fluxo em regime permanente em poços 152 capítulo 5 Interação entre águas superficiais e águas subterrâneas 163 1. Nascentes 164 2. Interação rio-aquífero 164 3. Interação áreas úmidas-aquífero 172 4. Interação lago-aquífero 177 5. Interação entre as águas subterrâneas e superficiais em diferentes relevos 179 capítulo 6 Recarga das águas subterrâneas 185 1. Estimativa da recarga das águas subterrâneas189 2. Métodos baseados em balanço hídrico 194 3. Métodos físicos de estimativa da recarga 205 4. Outros métodos de estimativa da recarga 211 capítulo 7 Qualidade das águas subterrâneas 213 1. Noções de hidrogeoquímica 214 2. Padrões de qualidade 219 3. Técnicas gráficas de classificação das águas 235 capítulo 8 Gestão das águas subterrâneas 245 1. Pedras filosofais da gestão das águas subterrâneas 245 2. Ameaças às águas subterrâneas 250 3. Abordagens metodológicas para proteção das águas subterrâneas 258 4. Indicadores de gestão em águas subterrâneas 284 5. Legislação específica sobre águas subterrâneas 286 6. Projetos e propostas de proteção das águas subterrâneas 290 capítulo 9 Monitoramento das águas subterrâneas 301 1. Medição de níveis em águas subterrâneas para fins de monitoramento 304 2. Amostragem das águas subterrâneas para fins de monitoramento 306 3. Redes de monitoramento de águas subterrâneas 321 capítulo 10 Modelagem de séries temporais em águas subterrâneas 323 1. Bases teóricas da modelagem de séries temporais para processos hidrológicos 325 2. Modelos de séries temporais 330 3. Casualidade – modelos com múltiplas entradas e uma única saída 338 4. Modelagem de séries temporais 341 5. Modelagem de níveis freáticos utilizando o modelo PIRFICT 348 6. Modelagem de níveis freáticos utilizando o modelo HARTT 359 Referências 363 Sobre o autor 385 13 APresentAÇÃo A água subterrânea é um dos maiores tesouros da natureza. É a parcela da água que permanece no subsolo, onde flui len- tamente até descarregar em corpos de água de superfície, ser interceptada por raízes de plantas ou ser extraída em poços. Sua dinâmica e interação com a superfície fascina a humanidade des- de sempre. A água subterrânea tem papel essencial na manuten- ção da umidade do solo, lagos e brejos, é responsável pelo fluxo de base dos rios, sendo responsável pela sua perenização durante os períodos de estiagem. Cada vez mais surgem interessados em conhecer este importante recurso natural tão disponível no Bra- sil e, ao mesmo tempo, tão esquecido por se esconder onde não o vemos, no subterrâneo. A ciência que envolve as águas subterrâneas é cada vez mais uma ciência multidisciplinar, deixando de ser um campo exclu- sivo de geólogos e engenheiros. Este material traz uma aborda- gem sobre o tema voltado ao público geral e estudantes de pós- -graduação que busquem informações gerais e específicas sobre águas subterrâneas. O Capítulo 1 apresenta um resgate histórico sobre os primórdios da exploração das águas subterrâneas até os dias atuais. No Capítulo 2 são apresentados conceitos gerais sobre a geologia das formações aquíferas e, no Capítulo 3, são apresentados os principais sistemas aquíferos em escala global, regional e local. As características e propriedades de sistemas aquíferos e princípios de hidráulica subterrânea são discutidas no Capítulo 4. O Capítulo 5 elenca uma série de processos que envolvem iterações entre as águas superficiais e as águas subter- râneas. O Capítulo 6 se dedica a métodos de estimativa da recar- ga das águas subterrâneas. A qualidade das águas subterrâneas é abordada no Capítulo 7, enquanto o Capítulo 8 trata da gestão das águas subterrâneas. O Capítulo 9 apresenta técnicas e estra- tégias de monitoramento e amostragem das águas subterrâneas Rodrigo Lilla Manzione 14 e, o Capítulo 10, trata do uso de modelos de séries temporais em águas subterrâneas. O presente texto pode ser utilizado como material de apoio para químicos, biólogos, geógrafos, físicos, matemáticos, esta- tísticos, meteorologistas, engenheiros agrônomos, florestais, ambientais, cartógrafos e outros profissionais ligados ao meio ambiente subterrâneo que não tiveram cursos formais de hidro- geologia em suas grades curriculares e que precisem se especiali- zar na ciência das águas subterrâneas. 15 PreFÁcio A água subterrânea continua a ser, mesmo para muitos espe- cialistas em hidrologia, a parte mais desconhecida e misteriosa do ciclo hidrológico. Porque não se vê, porque se desconhece muitas vezes de onde vem e para onde vai, porque não é fácil perceber os seus percursos, porque é muito difícil compreender a quantidade imensa de água que pode estar sob os nossos pés, torna-se um desafio entender a sua importância real no globo terrestre. De fato, a componente subterrânea do ciclo da água tem uma importância enorme em todos os aspetos da vida na Ter- ra. Muitos rios e lagos do Mundo só têm água durante todo o ano hidrológico devido à descarga permanente dos aquíferos que drenam para essas bacias hidrográficas. Deste modo, muitos dos ecossistemas aquáticos terrestres e alguns dos ecossistemas terrestres estão direta ou indiretamente relacionados com a pre- sença e escoamento das águas subterrâneas e qualquer alteração nas caraterísticas das águas nestes aquíferos, como uma redução da infiltração, uma exploração exagerada ou a alteração da sua qualidade química podem ter consequências sérias sobre toda ou parte da fauna e flora dependentes da existência dessa água. O Homem, como parte essencial destes ecossistemas, acaba por ser um dos intervenientes mais importantes no equilíbrio que se pretende manter entre o “desenvolvimento civilizacio- nal” e o “meio natural”, por um lado ao explorar ou poluir as águas subterrâneas, por outro lado ao sofrer igualmente com as alterações causadas ao meio hídrico subterrâneo e, finalmente, com a capacidade que possui para estudar, entender, interpretar e remediar as situações que se possam encontrar em vias de des- controlo ambiental. Encontrando-se os hidrogeólogos conscientes de toda a problemática das águas subterrâneas e do seu recipiente natural, as rochas da crosta terrestre, e também da permanente interação entre o meio litológico e líquido, bem como de todas as outras Rodrigo Lilla Manzione 16 relações que se estabelecem com a ocupação e uso do solo, liga- ção com as águas de precipitação e superficiais, e com os usos da água, há a necessidade de passar esses conhecimentos a todos os profissionais que, de um modo ou de outro, trabalham com o meio hídrico, para que estes entendam melhor toda a dimensão e problemática do circuito subterrâneo e da sua real valência den- tro do ciclo global da água. É nesta perspetiva que surge este livro do Prof. Dr. Rodrigo Lilla Manzione, docente da UNESP. Não se trata de um livro de inovação científica na ciência da hidrogeologia, mas sim de um excelente exemplo de uma súmula dos conhecimentos hidroge- ológicos atuais, com uma caraterística muito própria: uma escrita acessível mesmo a não especialistas, que se pretende de divulga- ção da nossa ciência para todos aqueles que tiverem dúvidas so- bre este componente do ciclo hidrológico. As caraterísticas deste livro são igualmente adaptadas a todos aqueles que estiverem a se iniciar nas artes da hidrogeologia em termos de estudos uni- versitários e a todos os estudantes que, de algum modo, devam entender o que representam as águas subterrâneas como recurso geológico com uma caraterística muito própria, a sua mobilidade e o não respeito por fronteiras de propriedades privadas, admi- nistrativas ou mesmo de estados. Por isso deve ser entendida, es- tudada e gerida de modo sustentável entre todos os utilizadores, entre proprietários das terras, estados e países. Para além dos aspectos gerais da hidrogeologia, este livro apresenta ainda uma súmula do conhecimento dos aquíferos no Brasil, muito útil para todos os que necessitem saber onde se encontram as principais massas de águas subterrâneas no país. Quanto ao autor, o Dr. Rodrigo Lilla Manzione não foi des- de o início da sua carreira profissional um especialista em águas subterrâneas, acumulando nessa altura um grande conhecimen- to noutros domínios científicos, técnicos e práticos (engenharia agronômica, agronomia e deteção remota). Em 2004, iniciao seu percurso na área científica da hidrogeologia, na qual a sua inves- Águas Subterrâneas: Conceitos e Aplicações sob uma Visão Multidisciplinar 17 tigação assume uma preponderância crescente que leva à compo- sição deste livro. Pressente-se neste documento que a sua origem científica não está diretamente ligada às águas subterrâneas, o que lhe confere a vantagem de saber “escrever” para não especialistas, algo que, muitas vezes, os autores com base mais geológica e hi- drogeológica não conseguem fazer com tanta facilidade. Conhecer é a base de toda a gestão e este livro contribui em muito para esse objetivo, pela divulgação que se espera vir a ter entre especialistas e não especialistas na temática da água subterrânea. Prof. Dr. António Chambel Centro de Geofísica de Évora Departamento de Geociências da Universidade de Évora – Evora, Portugal Vice-Presidente da Associação Internacional de Hidrogeólogos (AIH) para a Programação e Coordenação Científica 19 introdUÇÃo A água doce desempenha diversas funções no sistema hídri- co global como, por exemplo, a transferência de energia, ligações com o sistema climático e transporte de constituintes de diversos materiais, fornecendo suporte aos ecossistemas, biodiversidade e ao ser humano, seja na indústria, na agricultura ou para o próprio consumo (Vörösmarty et al., 2004). A hidrologia é a ciência que estuda a água, o ciclo hidrológico e todos os seus componentes e interações. O papel fundamental que a água tem para a presença e manutenção da vida torna naturalmente a hidrologia uma ciên- cia multidisciplinar, com diversos pontos de contato com outros ramos do conhecimento. Seus estudos contribuem para o plane- jamento, previsão e entendimento dos processos que envolvem recursos hídricos. Um bom conhecimento dessas questões con- tribui para tomadas de decisões eficientes e duradouras. Nesse sentido, o estudo das águas subterrâneas passa obri- gatoriamente pelo estudo das relações entre a água e as rochas, a forma como ela penetra, é armazenada, transmitida e extraída destas. Este ramo da hidrologia é conhecido como Hidrogeolo- gia, a ciência que estuda a ocorrência, movimento e química das águas subterrâneas e seu ambiente geológico (Nonner, 2010). A hidrologia possui diversas ramificações além da hidrogeologia, como a limnologia que estuda lagos e reservatórios, hidrometeo- rologia que estuda a água na atmosfera, hidrogeografia que estu- da a descrição de processos hidrológicos, glaciologia no estudo de geleiras, hidrologia de superfície nos estudos de rios e canais, hidrologia estatística na análise de dados, entre outras. Especifi- camente, a hidrogeologia possui pontos de contato com ciências básicas, como a geologia, química, meteorologia, e é claro com a hidrologia de superfície. Usa aplicações mais tradicionais que estão nos campos da engenharia hídrica com o suprimento de água para indústria, agricultura e consumo humano, engenha- ria hidráulica na construção de obras hidráulicas, engenharia de Rodrigo Lilla Manzione 20 drenagem para manejo de áreas úmidas como brejos, banhados, minas, controle de nível freático e engenharia ambiental na con- servação dos recursos naturais e do meio ambiente. A hidrogeologia é uma ciência antiga, mas em contínuo de- senvolvimento. Seus primórdios datam do início da civilização, como será tratado no capítulo seguinte. Segundo Moore (2012), a hidrogeologia vem passando por transformações importantes, estando hoje voltada não somente à exploração de reservas hí- dricas, mas também a questões ambientais, ecossistêmicas e le- gais. Sua evolução caminhou junto com a humanidade até como a conhecemos atualmente. A hidrogeologia é, acima de tudo, o estudo e investigação de todos os aspectos do mineral água: Hidrogeologia trata da história da água da chuva desde quando essa deixa o domínio meteorológico, e investiga as condições nas quais ela existe passando por várias rochas nas quais percola após deixar a superfície. (Lucas, 1877) Apesar do termo já ser utilizado no século XIX, somente no começo do século XX é que Mead (1919) deu ao termo um significado mais amplo: "Hidrogeologia é o estudo da ocorrência e movimento das águas subterrâneas". Meinzer (1923) utilizou o termo “geohidro- logia” para, em princípio, descrever a mesma ciência física. No seu início como ciência, a hidrogeologia teve como principal in- teresse a investigação geológica e descrição a campo de forma- ções aquíferas. Isso perdurou nos Estados Unidos de meados de 1900 aos anos 1930 (Moore, 2012). A partir dos anos 1930, a necessidade de água para irrigação tornou-se importante para conjuntura econômica da época, criando uma demanda por es- tudos quantitativos e predições. Essa mudança de um enfoque naturalista tradicional para hidráulico quantitativo tomou força na década de 1940, perdurando até a década de 1960. A década de 1960 viu uma mudança da hidráulica do poço para os sis- Águas Subterrâneas: Conceitos e Aplicações sob uma Visão Multidisciplinar 21 temas aquíferos regionais, abrindo o campo de estudo dos hi- drogeólogos. Entretanto, as análises da época eram em formato analógico, sendo substituídas por modelos computacionais digi- tais na década de 1970. Foi também nesse período que se co- meçou uma nova mudança de paradigma, com as abordagens da hidrogeologia passando de recursos hídricos a contaminações. A partir daí, desenvolveu- se a hidroquímica ou hidrogeoquímica, em razão da utilização intensa de insumos químicos nas áreas urbanas, indústrias e nas atividades agrícolas. Nos anos 1980 sur- giu a necessidade de uma abordagem multidisciplinar envolven- do águas subterrâneas, principalmente pela questão ambiental e pelos inúmeros casos de contaminação subterrâneos ambiental e doenças advindas da poluição de aquíferos confirmados na época. Questões como entendimento do transporte de solutos, fluxo multifásico e transporte de moléculas químicas levaram à avanços no conhecimento sobre os fenômenos subterrâneos. A partir dos anos 1990, as águas subterrâneas passaram a fazer parte das agendas de discussões de políticas públicas e a fazer parte do dia a dia dos órgãos gestores responsáveis por recursos hídricos. A gestão das águas subterrâneas começa a ser discutida com mais fundamentos sobre a dinâmica de sistemas aquíferos, entendimento dos processos poluidores, cartografias de vulne- rabilidade e leis específicas. Hoje, nos anos 2000, com a era da informação em plena expansão e com a consolidação de tecno- logias e sensores mais robustos e baratos, as redes de monitora- mento integrado são discutidas no Brasil para se ter um melhor conhecimento sobre as condições de um dos nossos recursos mais valiosos. Investimentos estão e estarão sendo feitos e as informações estarão cada vez mais disponíveis para usuários, gestores, pesquisadores e o público em geral. Segundo Robins (2013), essas significativas mudanças que a hidrogeologia vem passando se deve às necessidades das análises feitas atualmente. Modelos globais, regionais ou mesmo na esca- la da bacia hidrográfica contam com a água subterrânea apenas Rodrigo Lilla Manzione 22 como um dos componentes do estudo integrado do que aconte- ce no espaço geográfico em termos de balanço hídrico. As solu- ções de outrora fornecidas sem a necessidade de conversar com outras disciplinas não bastam. Problemas em locais específicos, como fontes de poluição pontuais e difusas, precisam ser vistos no contexto da bacia para seu entendimento. A hidrogeologia contemporânea resolvia problemas de apenas um componente do ciclo hidrológico, enquanto que atualmente buscam-se abor- dagens mais holísticas que se refiram harmoniosamente a for- necimento de água, ecossistemas e questões de manejo, e gestão de recursos hídricos como disponibilidade e qualidade. Com os avanços computacionais é possível passar de modelos discretos de fluxo calculados para um determinado instante do tempo para modelosdistribuídos espacialmente acoplados a modelos de águas superficiais por exemplo. Outro desafio é realizar predi- ções seguras e sensíveis às variações climáticas eminentes, simu- lando cenários e analisando as incertezas associadas às variáveis dos modelos (Manzione; Wendland, 2012). O interesse pelas águas subterrâneas vai além dos estudos acadêmicos ou dos trabalhos de campo dos inúmeros agentes hídricos espalhados mundo afora. Vai da curiosidade de quem olha para dentro de um poço, da desconfiança ao ver uma lagoa onde não passa rio no meio do nada, do fascínio ao ver um poço jorrar água, da insegurança ao se consumir a água de uma nascente sem saber sua origem. Fatos cotidianos, cada vez mais raros na vida das pessoas, mas que ainda encantam a quem se de- para com esses, assim como demais componentes do magnífico ciclo hidrológico (Figura 1). Águas Subterrâneas: Conceitos e Aplicações sob uma Visão Multidisciplinar 23 Fi gu ra 1 . C ic lo h id ro ló gi co e se us p ro ce ss os c on st itu in te s Fo nt e: U SG S (2 01 4) 25 Capítulo 1 Histórico dAs ÁgUAs sUbterrâneAs A história das águas subterrâneas acompanha a história da humanidade. À medida que evoluímos como sociedade, evoluí- ram também o entendimento dos processos que regem as águas subterrâneas e as técnicas de exploração, aumentando também a dependência por esse recurso. Essa história percorre os tempos antigos, onde nas áridas terras do Oriente Médio foram desen- volvidas técnicas inovadoras de exploração de águas subterrâne- as, dos romanos criando centros recreacionais com os famosos banhos de águas termais, da adoração da água pelos celtas de um lado do oceano e pelos índios nas Américas do outro, até as modernas técnicas de investigação, perfuração e exploração de águas profundas utilizadas hoje, advento do desenvolvimento da indústria do petróleo. Mas, para que chegássemos a esse ponto, houve toda uma construção de pensamentos, fundamentada por descobertas e pela criatividade de inúmeras mentes que contri- buíram para o domínio das águas subterrâneas. 1. Pré-história e idade antiga O desenvolvimento das civilizações se deu inicialmente em regiões áridas e semiáridas, criando uma forte dependência de recursos hídricos subterrâneos por parte de seus habitantes. O estabelecimento do homem no período Neolítico se deu nos vales dos rios Tigre e Eufrates, Nilo, Indo e Amarelo. A perfu- ração de poços pode preceder o Homo Sapiens, com a escavação em leitos secos de rios para obtenção de água em épocas de estiagem. Desenhos de 8.000 a.C mostram captação subterrânea nos Montes Atlas, entre Argélia e Marrocos. Na Idade Antiga há indícios de perfuração de poços na China entre 5.000 – 3.000 Rodrigo Lilla Manzione 26 a.C, e túneis e poços escavados na Pérsia e Egito que datam de 800 a.C. Evidências arqueológicas da escavação de poços no Oriente Médio e na costa do Mar Mediterrâneo são anteriores à época de Abraão. Diversas cidades gregas, etruscas e romanas nessa região eram abastecidas com águas subterrâneas. A cidade de Tiro, na Fenícia, era totalmente abastecida por águas subter- râneas. Ao visitar essas regiões é que se tem uma dimensão da importância da água subterrânea para abastecimento dos povos antigos. A água significava a possibilidade de cultivar alimento, transporte, navegação e, consequentemente, desenvolvimento. A água foi considerada um dos quatro elementos por Empédo- cles e o elemento único por Thales de Mileto, famosos filósofos gregos. As escavações de poços não se restringiam a obtenção de água. Muitas vezes, o objetivo era outro, como obtenção de betume, minerais ou mesmo a construção de túneis. Os poços comunitários eram a base para organização social em diversos povos, como ainda são em diversas regiões da África e do Mun- do Árabe (Bouguerra, 2003). Conforme aumentavam as necessidades por água iam sendo desenvolvidas ferramentas e os poços ficando mais profundos. Muitas vezes, a escavação manual era feita com pás e picaretas e a retirada do material por suspensão. A construção se dava com alvenaria, pedra e cal, contendo uma escada para baixar e uma tampa de pedra. Ao lado havia um reservatório para gado e camelos. A coleta de água era feita com ânforas e cântaros para poços mais rasos, pouco profundos, e cordas com baldes de cou- ro e polias para poços mais profundos. No Oriente Médio, esses poços tinham entre 50 – 100 metros de profundidade. Na Bíblia Sagrada existem diversas referências à procura por água por meio de escavação manual de poços. No livro dos Gênesis, o profeta Abraão é descrito como um homem com a sabedoria de escavar poços nas colinas de Canaã. Moisés é con- siderado por muitos como o primeiro hidrogeólogo, pois com sua habilidade de encontrar fontes de água permitiu-lhe guiar Águas Subterrâneas: Conceitos e Aplicações sob uma Visão Multidisciplinar 27 seu povo pelo deserto por quarenta anos. No livro Eclesiásticos há uma descrição do ciclo hidrológico. Entre as escrituras sa- gradas mais famosas, também, encontram-se menções às águas subterrâneas no Código de Manu, na Índia, no Código de Ha- murabi, na Babilônia, no Talmude, dos hebreus e no Alcorão, dos muçulmanos (Machado, 2008). O livro dos ritos chinês não fica atrás, havendo inclusive penalidades descritas para quem alterasse o ciclo hidrológico (Campos; Studart, 2003). Diversos poços tornaram-se famosos devido à sua importância, conten- do referências bíblicas, como nos casos do Poço de Siquém, Efraim, Tanque Shiloah, Poço dos Magos, Poço de José, Poço de Jacó, na sua maioria distribuídos nos atuais Estado de Israel, Palestina, Líbano, Jordânia. 1.1 Mesopotâmia Entre 10.000 e 5.000 a.C, estabeleceram-se grandes colônias na Mesopotâmia, na área aluvial plana entre o Tigre e o Eufrates, onde hoje se situa o Iraque. Haviam charcos férteis nos deltas dos rios, com enchentes imprevisíveis e irregulares. As necessi- dades de sobrevivência induziram desenvolvimentos no conhe- cimento como o desenvolvimento de técnicas agrícolas, criação da cerâmica, seja para drenar os pântanos do sul, irrigar suas terras, construir casas de tijolos de barro, seja para mitigar os efeitos da escassez de água e alimentos, na parte norte. Dominar a água foi uma questão crucial. Os canais de irrigação desenvol- vidos pelos babilônicos permaneceram em atividade por 4.000 anos, sendo usados como arma de guerra pelos Assírios e, pos- teriormente, destruídos nas invasões mongóis. Havia menções no código do Rei Hamurabi (1.792-1.750 a.C) sobre penalida- des e sanções a quem causasse prejuízo aos canais. No ápice da civilização encontrava-se em operação o Canal de Narvã, uma extensa rota com 320 Km extensão e 120 m de largura que ligava as cidades de Tickrit, Samarra e Cute. Rodrigo Lilla Manzione 28 1.2 Egito A civilização egípcia cresceu ao redor do matagal pantano- so do Delta do Rio Nilo. A regularidade das cheias ajudou não só no desenvolvimento da população, ajudou também a definir o atual calendário de 365 dias. A necessidade de controle das partes altas do rio pela riqueza do delta e suas planícies férteis também contribuiu para a formação do império. Por volta de 3.100 a.C, diversas obras hidráulicas foram executadas a mando do Faraó Menés, em Mênfis, como canais de irrigação e drena- gem de pântanos. Esses canais eram utilizados como meio de transporte e comércio e foram alvos de disputas ao longo dos anos. Imagina-se que o Shaduf, uma ferramenta para retirada de água de poços foi desenvolvida no Egito (Machado, 2008). Esta estrutura que consiste em uma longa vara apoiada em um pilar com um recipiente na extremidade é utilizada há 3250 anos na região do Nilo (Figura 2). Figura 2. Ilustração antiga de um Shaduf em operação Fonte: <http://www.fascinioegito.sh06.com/shaduf.htm>. Águas Subterrâneas: Conceitos e Aplicações sob uma Visão Multidisciplinar 29 1.3 Extremo oriente Já existiam cultivos nas colinasà oeste do Rio Indo a cerca de 6.500 a.C. As míticas cidades de Harappa e Mohenjo Daro es- tiveram presentes onde atualmente fica o Paquistão a 2.500 AC, sendo os principais centros dessa civilização. O povo Harapan era mais desenvolvido que seus contemporâneos, diferenciando diferentes águas para consumo, alimentos e tendo casas com sa- neamento. Entretanto, desapareceram pelas secas das monções, já que sua agricultura pouco baseada em irrigação, mesmo co- nhecendo técnicas de perfuração conhecidas desde 1.500 a.C, como apontam alguns textos em sânscrito (Machado, 2008). 1.4 China antiga Por volta de 6.000 a.C começam a surgir aldeias ao longo do Rio Huang Ho (Rio Amarelo). Em 5.000 a.C, havia plantio de arroz na Baía de Hangzhou. Com climas mais rigorosos, os chineses conviviam com rios que alternavam períodos mais cal- mos e fúrias incontroláveis. A importância do controle das águas era tão grande que o mesmo símbolo usado para representar as águas (Figura 3) também representa controle na cultura chine- sa (Barlow; Clarke, 2003). O Grande Canal foi uma das obras hidráulicas mais importantes da China antiga, com números impressionantes de 1795 Km extensão, 24 comportas, 60 pon- tes, 30 metros de largura (parte mais estreita), 0,6 a 4 metros de profundidade, sendo utilizado até hoje. O canal já transportou 2 milhões de toneladas de cereais no seu ápice. Rodrigo Lilla Manzione 30 Figura 3. Água = Controle 1.5 Mundo greco-romano Os pensadores gregos foram os primeiros a questionar a ori- gem das águas subterrâneas, sendo atribuídas a eles as primeiras teorias registradas sobre o funcionamento do ciclo hidrológico. Intrigados pela origem de nascentes e pela descarga dos rios em períodos secos, os filósofos se perguntavam, de onde vem essa água? Os gregos eram bastante avançados na questão hídrica, possuindo inclusive poços escavados em residências. Tales de Mileto, há cerca de 2.500 anos, fiel às mitologias ancestrais e à observação, já ressaltava as propriedades purificadoras da água subterrânea. Anaxágoras (500-428 a.C) questionava sobre a ori- gem das águas subterrâneas, afirmando que os rios dependiam das chuvas e das reservas subterrâneas para se manter. Já Platão (427-347 a.C) acreditava na existência do Tartarus, um mar sub- terrâneo no qual os continentes flutuavam e de onde as águas subiam às montanhas, sendo purificadas pela terra. Na sua visão, as cavernas faziam a conexão e as ondas o transporte dessa água. A proposta de Platão foi seguida por seus discípulos, entre eles Aristóteles (384-322 a.C). Aristóteles formulou teorias para ten- tar responder as questões sobre a origem dos rios, ampliando o conceito de Platão, pois passa a considerar o papel da chuva e da atmosfera, já uma noção do ciclo hidrológico como conhece- mos hoje. Devido ao tipo de revelo e terreno calcário da Grécia e região, seria natural que os gregos associassem a presença de Águas Subterrâneas: Conceitos e Aplicações sob uma Visão Multidisciplinar 31 caverna à água. Eles falham ao não considerar o papel da chuva por não acreditar que a quantidade precipitada fosse suficiente para gerar tais volumes armazenados durante anos e anos. Essas noções erradas permaneceram até os tempos Roma- nos, onde houve pequenos avanços. Lucretius (99-55 a.C) per- cebeu o papel da evaporação da água do mar na precipitação, enquanto Marcus Vitruvius (80-15 a.C) acreditava na evaporação pelo Sol e condensação pelo frio. Vitruvius reconheceu que as águas do degelo das montanhas penetravam o solo e originavam as nascentes abaixo delas. Em um tratado de arquitetura escrito por ele são descritas técnicas de obtenção de água subterrânea, separadas por tipo de solo. Lucius Seneca (3-65 d.C) verificou, em seus relatos, volume dos rios maior que o das chuvas, atri- buindo a origem das águas subterrâneas a três possibilidades: a Terra continha água no seu interior, esta era continuamente colocada para fora dela, o ar dentro da Terra era convertido em água pelas forças das trevas e do frio ou a Terra estava sim- plesmente se convertendo em água (Fetter Jr., 2004a). Plínio, o velho (23-79 DC), relatou plantas e procedimentos para busca de águas subterrâneas. Os Romanos eram exímios na procura por fontes seguras de água para abastecer suas cidades. Além de serem famosos como uma civilização hidráulica pelos seus com- plexos sistemas de saneamento e aquedutos, os Romanos se pre- ocupavam com a qualidade das águas. Julis Frontinus (40-103 d.C), antigo comissário de águas de Roma escreveu uma obra conhecida por De acquis turbis Romae na qual reporta as caracte- rísticas desse sistema e o conhecimento da época. 1.6 Evolução das técnicas As técnicas e métodos de perfuração e exploração das águas subterrâneas eram bem diferentes entre si na Idade Antiga. Isso variava conforme o grau tecnológico dos povos e das condições hidrogeológicas locais. Rodrigo Lilla Manzione 32 No Egito, as perfurações se davam através de sondagens no subsolo para procura de pedreiras. A experiência com a constru- ção de pirâmides contribuiu para esse desenvolvimento, já que os egípcios dominavam a prospecção de jazidas minerais e pe- dreiras. Arcos eram utilizados para girar uma haste de madeira com broca de cobre na ponta e pó abrasivo de coríndon (quart- zo) para perfurar materiais pouco resistentes. A perfuração de poços profundos com varas de bambu teve início em cerca de 5.000 a.C na China (Figura 4). Eram perfura- dos por percussão, com profundidades chegando a 600 - 1000 m. Estes poços eram também conhecidos como poços de fogo, devido à procura conjunta por salmoura e gás pela indústria do sal na época. Segundo Machado (2008), existem registros desde 1.100 a.C. (Dinastia Shang para Chou). Figura 4. Perfuração de poços com bambu na china antiga Fonte: <http://www.cd3wd.com/cd3wd_40/cd3wd/APPRTECH/G10TOE/ EN/B1125_18.HTM>. Águas Subterrâneas: Conceitos e Aplicações sob uma Visão Multidisciplinar 33 Em 1999 foi descoberto um poço da Dinastia Yuan (1271- 1368), em Shilou, norte da China, com 187 m de profundidade. Por vezes, as escavações duravam décadas, sendo iniciadas pelos avós e completadas pelos netos, como uma espécie de legado familiar. Todo esse processo se dá pelas propriedades únicas do bambu, como sua elasticidade e resistência. O método do tram- polim era utilizado para auxiliar na perfuração, com pessoas sal- tando de alturas consideráveis como contrapeso na entrada de varas de doze metros entalhadas e amarradas juntas com cordas de couro e cânhamo. Esses métodos são utilizados até hoje no Laos, Camboja, Tailândia e áreas remotas da China. Os Persas construíam redes de poços e túneis conhecidos por “Qanats”. Os quantas são estruturas compostas por galerias e túneis horizontais (Figura 5), que possuíam até centenas de quilômetros de comprimento para captação de água subterrânea. Figura 5. Estrutura básica de um qanat escavado Fonte: <http://www.waterhistory.org/histories/qanats/>. Modificado pelo autor Um qanats, como o esquematizado na figura anterior, é com- posto por (1) túnel de infiltração, (2) túnel de transporte de água, Rodrigo Lilla Manzione 34 (3) canal aberto, (4) poços verticais, (5) pequena lagoa de arma- zenamento, (6) área irrigada, (7) areia e cascalho, (8) camadas do solo e (9) lençol freático. Ao atingir e superar o nível freático com a escavação de túneis verticais, a água era transportada por quilômetros através de túneis horizontais. Com origem perdida na antiguidade, os registros arqueoló- gicos indicam que, em 800 a.C a cidade de Nínive, na antiga Assíria, era abastecida de água captada por um sistema de gale- rias. Na Armênia há registros de qanats de 721-705 a.C (Fetter Jr., 2004a). A escavação dessas galerias se dava em calcários ou tufos vulcânicos presentes em leques aluviais, com material gra- nular, com centenas de metros de extensão e altamente friáveis (sujeita a desmoronamentos). Os quantas foram difundidos pelaÁsia e África do Norte e são conhecidos por diversos nomes, como Karez (China/Paquistão), Fogarra (Argélia/Líbia), Falaj (Omã, Iêmen, Emirados Árabes), Khettara (Marrocos), com pe- quenas diferenças entre si. Estão presentes em Sinkiang e Oeste da China (Oásis de Turpan), sudeste do Afeganistão e do Turco- menistão, por todo Mundo Árabe e na África do Norte na Líbia (Zella), Tunísia, Argélia (Germa), e Marrocos (Figura 6). Foram ainda introduzidos pelos Romanos no Egito e na Síria, e no sul da Espanha pelos Mouros. As expansões árabes, romanas e a rota da seda contribuíram para essa difusão. A construção dos qanats foi introduzida no Egito em 500 a.C, no período de deca- dência das dinastias egípcias e domínio estrangeiro, possibilitan- do a irrigação de cerca de 300 mil hectares de terras férteis. Para celebrar o grande sucesso dessa realização, os egípcios constru- íram o templo de Ámon, em Tebas, e Dario I foi oficialmente reconhecido faraó do Egito. Águas Subterrâneas: Conceitos e Aplicações sob uma Visão Multidisciplinar 35 Figura 6. Expansão dos qanats pelo mundo Espanha (gálerias) Jordânia e Síria (qanat, romani) Oeste da China (kanerjing) Persia (qanat) Afeganistão e Paquistão (kerez) Novo Mundo Marrocos (khittara) Norte da África (foggara) Arábia (falaj) Rota d a seda Expansão romana Expansão árabe ? Fonte: <http://www.waterhistory.org/histories/qanats/>. Modificado pelo autor Esses sistemas eram tão engenhosos que serviam também para refrigerar residências locadas sobre os túneis pelo contato do ar quente que entrava por um túnel de acesso com a água fresca que passava pela galeria abaixo da residência, funcionan- do como um ar condicionado natural. Ainda pode-se visitar qa- nats, como em Dezful, na província do Khuzistão, Iran. A cida- de de Terrã possuía alguns bairros abastecidos por qanatas até meados dos anos 1980. Em províncias como Fars e Kerman, no Iran, os qanats representam parte da paisagem local irrigando maravilhosos jardins como o Bagh e Shahzadeh em Mahan. Em Turpan, China, funciona também o Museu do Qanat, aberto ao público em geral. O Oásis de Turpan é considerado um dos três grandes projetos chineses da antiguidade, junto com a Gran- de Muralha e o Grande Canal, e compreende uma grande área verde no meio de uma região desértica graças à engenhosidade desse sistema de túneis e galerias transportando água por cente- nas de quilômetros (Figura 7). Rodrigo Lilla Manzione 36 Figura 7. Oásis de Turpan, China Fonte: <http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Turpan-jiaohe-ruinas-d29.jpg>. 2. idade média Com o declínio do Império Romano, houve poucos avanços no pensamento da Europa até os anos 1500. Houve pouca evo- lução nas técnicas de perfuração no Ocidente até o final da Ida- de Média, com uma desaceleração do conhecimento. O período das trevas e as perseguições a cientistas, sob alegações religiosas, levou a falta de documentação, gerando uma enorme lacuna nas publicações. Ainda se acreditava na ideia da atração divina das águas ao cume das montanhas, gerando as nascentes com águas puras associadas a Deus. Diversos textos gregos e romanos que foram preservados eram considerados ainda verdades absolutas. Os poucos registros dessa época são atribuídos a clérigos e re- ligiosos. Em sua obra, São Jerônimo (347-420 d.C) relata sua crença de que as fontes de água foram originadas pelo mar. Na Águas Subterrâneas: Conceitos e Aplicações sob uma Visão Multidisciplinar 37 mitologia nórdica existia o “Maelstrom”, um redemoinho mortal no centro do oceano que levava ao centro da Terra, dragando viajantes para um mundo subterrâneo de medo e trevas. A diferença de tecnologia e o isolamento dos povos fez com que o desenvolvimento das técnicas de perfuração evoluísse de maneira distinta ao redor do mundo. Na Europa, as escavações atingiam poucas dezenas de metros, enquanto que na China atingiam mais de 1.000 metros. Um fato marcante determinou uma mudança nas técnicas da época. Em 1.126 d.C foi perfurado um poço na cidade de Artois, na França, considerado o primeiro poço artesiano jorrante da história. Esse poço foi perfurado por monges da Ordem dos Cartuxos, desenvolvedores de uma tecnologia que colocaria a perfuração no lugar da escavação de poços. Somente após esse período é que se tem avanços no oci- dente, havendo uma rápida difusão na Bélgica, Alemanha e Itá- lia. A palavra artesiano deriva do nome dessa localidade. Outras estruturas de captação de águas subterrâneas, en- contradas na Europa, tiveram seu início no período medieval. Os Mayrás, espécie de qanat, começaram a ser construídos na Espanha na Idade Média e abasteceram cidades como Madrid até meados do século XIX. As invasões de piratas mulçumanos tunisianos na Sicília, nos séculos VI a VIII, contribuíram para di- fundir as técnicas árabes de exploração de águas subterrâneas na Itália. Uma extensa rede hídrica subterrânea foi descoberta em Palermo, conhecidos por Ngruttati, que acredita-se ser do século XII. Da mesma época datam os Bottini, aquedutos subterrâneos encontrados em Siena. 2.1 Novo mundo Os registros de utilização de águas subterrâneas no Novo Mundo são escassos. Sabe-se que o povo Anasazi, nativo da América do Norte, nas atuais regiões do Novo México, Arizona, Utah, Colorado, dependiam das águas subterrâneas para sua so- Rodrigo Lilla Manzione 38 brevivência. Os Mais e os Astecas eram civilizações que possu- íam uma grande engenhosidade hidráulica. Há dúvidas até hoje se os Maias realmente desapareceram por falta de resiliência a mudanças climáticas, como afirmam alguns historiadores, justa- mente por conhecerem o ciclo hidrológico. Os Incas tinham na cidade de Machu Picchu uma fonte pe- rene de água que sustentava suas atividades como agricultura e dessedentação. O povo Nazca tinha um sofisticado sistema de poços e aquedutos chamados puquios, semelhantes aos qanats (Proulx, 1999). Historiadores acreditam que alguns desses siste- mas datam da era pré-colombiana, por volta de 540 a.C. Esses sistemas possibilitaram aos Nazca, não só sobreviver no deserto, como desenvolver agricultura. Muitos estão em funcionamento no atual Peru até hoje. 3. idade moderna e renascença Leonardo da Vinci (1452-1519) acompanhava as ideias dos filósofos da antiguidade. Em seus cadernos de anotações constam tanto esboços de perfuratrizes como reflexões sobre o movimento das águas subterrâneas e do ciclo hidrológico, fazendo analogias às veias de um corpo ou as nervuras de uma folha. Uma amostra da obra de Da Vinci e suas teorias sobre a origem e fé na água está reunida em Pfister et al. (2009). O período da Idade Moderna e Renascença foi marcado por publicações importantes para o desenvolvimento de técnicas de escavação e mineração como De Re Metallica escrito por Georgius Agricola (1494-1555). Foi na Renascença que começaram a ser construídos, de maneira aleatória, os chamados poços arquitetônicos (Machado, 2008). Dentre essas verdadeiras obras de arte, por seus detalhes ar- quitetônicos e dimensões, destacam-se as cidades italianas de Or- vieto (Pozzo di S. Patrizzio), Modena, Turim e Roma (Figura 8). Águas Subterrâneas: Conceitos e Aplicações sob uma Visão Multidisciplinar 39 Figura 8. Pozzo di S. Patrizio, Ovieto, Italia Fonte: <http://en.wikipedia.org/wiki/Pozzo_di_S._Patrizio>. As ideias estabelecidas por gregos e romanos só começaram a ser contestadas no final dos anos de 1500. A primeira pessoa a conceber uma explicação escrita correta do ciclo hidrológico foi Bernard Palissy (1510-1589), que escreveu em 1580 uma im- portante obra conhecida como Discursos admiráveis (Discours admi- rables de la nature des Eaux et Fontaines, tant naturelles qu´artificielles, des métaux, des sels et salines, des pierres, des terres, du feu et des émaux; aux plusieurs autres excellents secrets des choses naturelles, plus en traité de la Marne, fort utile et nécessaire à ceux qui se mellent de l´agriculture) (Palissy,1580). O livro era apresentado na forma de um diálogo entre dois personagens: “Teoria” e “Prática”. Palissy concebeu uma teoria sobre a infiltração da água no solo, como hoje é aceita, pela qual as águas das fontes e nascentes eram infiltradas, tendo como origem as precipitações sobre a superfície. “Teoria” argu- mentava em favor da ideia dos gregos sobre a origem das águas. Rodrigo Lilla Manzione 40 A “Prática” argumentava com base na observação, dizendo que a água dos rios vinha da chuva e do derretimento da neve. Palissy também deduziu corretamente as razões da pressão artesiana. Pelo fato das obras de Palissy terem sido escritas em francês, e não em latim, a língua oficial da ciência na época, suas teorias passaram despercebidas por boa parte da comunidade científica (Fetter Jr., 2004a). Suas ideias revolucionárias somente foram confirmadas e consagradas pelos estudos posteriores de Pierre Perrault (1608-1680), Edmé Mariotte (1620-1684) e Edmond Halley (1656-1742). Cientistas ilustres do século XVII como Johannes Kepler (1571-1630) e René Descartes (1596-1650), contemporâneos de Palissy, contribuíram para a perpetuação das ideias dos gregos. Kepler acreditava no processo fisiológi- co de digestão da água pela terra, enquanto Descartes afirmava que canais subterrâneos levavam a água do mar a vaporização e logo condensação. 4. idade contemporânea A partir do século XVII, as ciências em geral começam a evoluir em ritmo acelerado. O ciclo hidrológico começou a ficar mais claro durante os séculos XVII e XVIII, com o advento da ciência experimental e das medições. Pierre Perrault publicou De l’Origine des Fontaines, em 1674, apresentando os conceitos de in- filtração e recarga na forma de balanço hídrico estudando a bacia do Rio Sena entre 1668 e 1670. Ao medir a precipitação no Alto Sena e a vazão anual da bacia, Perrault (1674) provou que o vo- lume precipitado era seis vezes maior do que o volume que pas- sava pelo rio, atribuindo o excedente à alimentação de plantas, armazenamento no solo e evaporação. Edmé Mariotte tratou da questão do escoamento superficial em Traité de movement des aux, publicado em 1696. Mariotte (1696) confirmou os experimentos de Perrault (1674), inclusive aumentando a área de estudo na bacia do Sena. Ele também afirmou que a precipitação se infil- Águas Subterrâneas: Conceitos e Aplicações sob uma Visão Multidisciplinar 41 trava no solo, armazenando-se nos poros e acumulando-se em poços. Edmond Halley ficou famoso por suas contribuições nos ramos da astrologia, mas, como os grandes cientistas da época, era estudioso das ciências naturais como um todo, deixando im- portantes contribuições também para a hidrologia. Halley (1693) constatou que o volume de água evaporado dos oceanos sofria precipitação, recarregando os cursos superficiais e os mananciais subterrâneos. Até então, todos os estudos tinham teor empírico, baseados nas observações, mas sem uma explicação matemática formal. Mesmo assim, esse é considerado o início da hidrologia quantitativa (Fetter Jr., 2004a). A partir da Revolução Industrial, a importância das águas subterrâneas passou a ser, também, reconhecida na Europa, à medida que as demandas de água cresciam de forma rápida para abastecimento das novas atividades industriais que surgiam e crescimento acelerado dos centros urbanos. Os estudos até então realizados já possibilitavam aumentar o suprimento de água em nascentes simplesmente aumentando sua profundidade (Smith, 1827). Nos Estados Unidos, até o início do século XIX, só se fazia escavação manual de poços, quando era introduzida a dinamite (Shaw, 1807). O aperfeiçoamento das máquinas a vapor possibilitou avanços no século XIX, tanto na captação, abaste- cimento como na mineração. Avanços significativos ocorreram com o desenvolvimento da indústria do petróleo, permitindo a captação de águas profundas. Enquanto a hidrologia se desenvolvia como ciência quanti- tativa no século XIX, o engenheiro francês Henry Darcy (1803- 1858) foi a primeira pessoa a determinar a formulação da lei matemática que governa o fluxo da água subterrânea, conhecida como Lei de Darcy (Darcy, 1856). Esta lei, que explica o fluxo em meios porosos, foi desenvolvida baseada nos experimentos de Darcy com filtros de areia projetados para o novo sistema de abastecimento de águas da cidade de Dijon, do qual era res- ponsável. Ele determinou que o fluxo através do filtro era fun- Rodrigo Lilla Manzione 42 ção da carga hidráulica que passa pelo filtro, a área da seção e o tipo de areia. Assim, os modelos matemáticos para escoamentos permanentes começaram a ser desenvolvidos com uma série de derivações da Lei de Darcy. Dupuit (1863) derivou a equação de Darcy para fluxo de água para um poço. Thiem (1877) modifi- cou a premissa de Dupuit para poder calcular as propriedades hidráulicas de um aquífero bombeando a água de um poço e observando o rebaixamento resultante em outro poço próximo. Outros avanços da época sob a questão do fluxo são encontra- dos em Forchheimer (1886) e Slichter (1899). No final do século também houve avanços no entendimento detalhado da relação entre a água subterrânea e as formações aquí- feras nas quais elas ocorriam, muito em função da divulgação de relatórios do Serviço Geológico Americano (USGS), reportando os estudos da sua equipe de hidrogeólogos. Chamberlin (1885) ofereceu bases teóricas para estudos de investigações de ocorrên- cia de águas subterrâneas, reconhecendo a presença delas tanto em meios porosos como fraturados. Esses estudos se espalharam rapidamente pelos Estados Unidos, alavancando a avaliação das reservas hídricas subterrâneas no país. King (1899) introduziu im- portantes conceitos quanto ao movimento da água subterrânea por gravidade, mostrando a configuração do lençol freático usan- do linhas de contorno e indicando linhas preferenciais de fluxo em um mapa, considerado talvez o primeiro mapa de fluxo de águas subterrâneas (Fetter Jr., 2004b). Este também foi o primeiro tra- balho em que observou-se que em áreas húmidas o lençol freático é um reflexo moderado da topografia do terreno. O século XX marca o que Fetter Jr. (2004b) chamou de a Era Moderna da Hidrogeologia. Fundamentados pelas bases de- senvolvidas no século XIX, os estudos buscavam desenvolver o entendimento das bases matemáticas do movimento das águas subterrâneas. Theis (1935) desenvolveu uma equação para des- crever a queda da superfície piezométrica em um aquífero total- mente confinado, decorrente do bombeamento em um poço. A Águas Subterrâneas: Conceitos e Aplicações sob uma Visão Multidisciplinar 43 partir desse estudo, este autor descreveu a formação dos chama- dos cones de depressão e seu impacto no equilíbrio dinâmico de um aquífero a partir de bombeamentos. Jacob (1940) criou um método gráfico de interpretação de testes de bombeamento em aquíferos totalmente confinados com base nas equações de Theis. Hantush e Jacob (1955) resolveram o problema de quan- tificação de fluxo em regime permanente para um poço em aquí- feros drenantes ou semi-confinados e Hantush (1956) analisou testes de bombeamento em aquíferos drenantes, considerando o fluxo permanente. A partir dos anos de 1960 e 1970, inúme- ros trabalhos foram publicados nessas áreas, podendo destacar trabalhos como os de Hantush (1960), Boulton (1963) e Prickett (1965), que apresentaram soluções analíticas não lineares, para aquíferos livres e semi-confinados, e Neuman (1972) que formu- lou teorias sobre escoamento em direção. Nos anos de 1980 e 1990, a questão ambiental e os inúmeros casos de contaminação registrados ao redor do Mundo abriram o campo das águas subterrâneas para profissionais ligados a quí- mica, biologia, meio ambiente, tornando a hidrogeologia uma ci- ência multidisciplinar. O avanço na computação pessoal possibi- litou que softwares específicos como MODFLOW, que resolve equações complexas de fluxo fossem popularizados (Mcdonald;Harbaugh, 2003). Com a chegada da globalização, o conheci- mento sobre águas subterrâneas se difundiu por completo. A International Association of Hydrogeologists (IAH) é uma asso- ciação fundada em 1956 que representa os profissionais ligados às águas subterrâneas a nível mundial. A IAH possui diversos capítulos nacionais e regionais, representando países ou regiões e organiza anualmente conferências mundo afora para divulgação científica. A IAH é responsável pela publicação do Hydrogeology Journal, um dos periódicos específicos do setor, e edita séries de livros com contribuições científicas e artigos selecionados sobre determinadas temáticas. Rodrigo Lilla Manzione 44 Inúmeros arranjos institucionais, projetos conjuntos e co- operações internacionais fortaleceram esse processo até che- garmos à era da informação no século XXI. Dados espaciais, produtos de satélites e sensores sofisticados, terrabytes de infor- mações, são a tônica do momento. Cada vez mais, profissionais treinados e capacitados serão requisitados a possuir ou adquirir algum conhecimento sobre águas subterrâneas para resolver os problemas com que se deparam. Apesar de um longo caminho já ter sido percorrido, o cenário que se apresenta é de um desen- volvimento e evolução ainda mais rápidos do que no passado. 5. Histórico no brasil No Brasil, a captação da água subterrânea para abastecimen- to das populações vem sendo realizada desde os primórdios dos tempos coloniais, conforme atestam os “cacimbões” existentes nos fortes militares, conventos, igrejas e outras construções des- sa época (Manoel Filho, 2008a). As iniciativas de se acabar com o problema das secas no semiárido brasileiro são da época do imperador D. Pedro II. Entretanto, pelo fato das regiões econo- micamente mais desenvolvidas do Brasil terem abundantes re- cursos de água fluindo na superfície, desenvolveu-se uma cultura tecnológica que tem dado preferência às obras de captação nos rios, mesmo no Nordeste semiárido, onde os cursos de água têm regime de fluxo temporário. A visibilidade de obras hidráulicas, geradora de prestígio po- lítico, engendrou o conceito ou preconceito ainda dominante, de que a água subterrânea é um recurso apenas satisfatório para abastecimento dos rebanhos e, eventualmente, das populações nas áreas assoladas pelas secas, dos habitantes das periferias urbanas ou como solução de emergência ou complementar de abastecimento de atividades econômicas dos setores mais prós- peros da economia. Águas Subterrâneas: Conceitos e Aplicações sob uma Visão Multidisciplinar 45 Primeiros passos dados no Nordeste para uma efetiva explo- ração das águas subterrâneas são da primeira metade do século XX. Na época, contava-se com pouco conhecimento técnico, poucos estudos exploratórios e trabalhos sem planejamento, a médio e longo prazo. A SUDENE (Superintendência do Desen- volvimento do Nordeste) perfurou, entre 1960 e 1980, milhares de poços na Região Nordeste do Brasil, resultando no Inventário Hidrogeológico Básico do Nordeste, em escala 1:5000.000. Mes- mo assim, continuam-se perfurando poços em Domínio Crista- lino, resultando em poços com baixa produtividade quando não com águas salobras ou salinas. Nas regiões Sul e Sudeste do Brasil, a PAULIPETRO, em- presa fundada nos anos 1970 para explorar gás e petróleo na Ba- cia Sedimentar do Paraná, realizou os primeiros estudos de água subterrânea. Não foram encontrados reservatórios que justifi- cassem a exploração, mas, em compensação, encontrou-se muita água. Esses estudos foram resgatados mais tarde e sustentaram o surgimento do Sistema Aquífero Guarani (SAG) nos anos 2000. O potencial aquífero das formações areníticas Botucatu e Pi- ramboia, que formam o SAG já era conhecido, mas um arranjo institucional entre Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai, países que contém partes da Bacia Sedimentar do Paraná, resolveu ho- menagear os índios que habitavam a região no passado e batiza- ram o aquífero de Guarani. Isso deu origem a uma proposta de cinco, a serem desenvolvidas como projetos pilotos nas cidades de Ribeirão Preto (Brasil), Rivera/Santana do Livramento (Uru- guai/Brasil), Itapúa (Paraguai), Pedro-Juan Caballero/Ponta Porã (Paraguai/Brasil) e Concórdia/Salto (Argentina/Uruguai). O projeto foi um marco de cooperação, criando instrumentos legais e avançando no conhecimento sobre o SAG. Muito foi desmistificado e já não se vê mais o SAG como um imenso mar de águas subterrâneas, e sim como um aquífero com grandes áreas de recarga, transmissividade baixa, movimento de águas lento e compartimentado em diversas regiões (Gastmans et al., Rodrigo Lilla Manzione 46 2012), chegando a não haver recarga de certas águas armazena- das há milhares de anos. Espera-se uma retomada do projeto internacional a partir dos anos 2010, já havendo entendimentos para tal. Em termos locais, discute-se o mapeamento em detalhe das zonas de afloramento do SAG no Estado do Mato Grosso do Sul e a criação de zonas de proteção ambiental nas áreas de afloramento em no Estado de São Paulo na forma de Área de Proteção e Recuperação de Manancial (APRM), conforme pre- conizado na Lei Estadual de São Paulo nº 9.866/97 (Albuquer- que Filho et al., 2012). Ações como essa vêm fortalecendo a gestão de recursos hídricos subterrâneos. Atualmente a ANA (Agencia Nacional de Águas), criada em 2000, tem uma agenda específica sobre águas subterrâneas, contando com a parceria do Serviço Geoló- gico Brasileiro (CPRM) para expandir a rede de monitoramento de aquíferos no Brasil. Apesar disso, a gestão legal das águas subterrâneas é de responsabilidade dos estados da União, e não do Governo Federal (Souza, 2009). No Estado de São Paulo, as ações sobre águas subterrâneas contam com a participação principalmente do Departamento de Águas e Energia Elétrica (DAEE), da Secretaria de Meio Ambiente (SMA), da Agência Ambiental (CETESB), do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), do Instituto Geológico (IG/SP), dos comitês de bacias hidrográficas e de suas principais universidades (USP, UNESP e UNICAMP). A Associação Brasileira de Águas Subterrâneas (ABAS) representa o setor, tanto acadêmico quanto empresas e perfuradores de poços, organizando anualmente encontros, con- gressos e cursos para fomentar boas práticas de gestão das águas subterrâneas. A ABAS distribui um boletim mensal a seus asso- ciados na forma de revista, além de ser responsável pela revista Águas Subterrâneas, que publica artigos científicos sobre recursos hídricos subterrâneos. Uma questão que permanece em aberto no cenário brasileiro é a disponibilidade de dados geológicos. Os levantamentos são Águas Subterrâneas: Conceitos e Aplicações sob uma Visão Multidisciplinar 47 antigos, escassos e em escalas de detalhes que não respondem às questões que se apresentam atualmente. Modelos complexos, trabalhando em multi-escalas, ainda esbarram na qualidade dos dados geológicos para realizar predições mais acuradas a nível local e até mesmo regional. Segundo Rebouças (2006), os ní- veis de conhecimento refletem as densidades demográficas e os graus de escassez de águas de superfície, em relação às demandas que são impostas pela população e pelas atividades econômicas. Há duas correntes de pensamento neste caso. Uma que acredita que seja necessário um novo levantamento a nível nacional para melhorar os levantamentos existentes, com ajuda até mesmo das forças armadas, o que é praticamente inviável para um país das dimensões do Brasil e com tantos outros problemas que deman- dam esforços. Outros acreditam em uma questão de demanda, conforme os problemas forem surgindo os levantamentos em detalhes vão sendo feitos para suprir necessidades específicas. Do ponto de vista puramente econômico, a segunda alternativa é a mais indicada, entretanto não permite que trabalhos ligados ao planejamento na exploração de reservas sejam feitos antes de um eminente uso do manancial subterrâneo. Há de se balancearos interesses econômicos e sociais para que as águas subterrâneas estejam permanentemente nas pautas de discussões dos fóruns e plenários sobre desenvolvimento, recursos naturais, biodiversi- dade e tantas outras questões que tangem essa ciência. 49 Capítulo 2 geoLogiA dAs ÁgUAs sUbterrâneAs A Geologia é a ciência que trata da origem, estrutura e evolu- ção da Terra, através do estudo das rochas. Estuda a história da Terra, composição, estrutura interna e suas feições superficiais. Os ramos da Geologia são inúmeros, entre os mais conhecidos temos: Geologia de Engenharia, Estratigrafia, Geodesia, Geo- física, Geologia Ambiental, Geologia Estrutural, Geologia do Petróleo, Gemologia, Geomorfologia, Geoquímica, Geotectóni- ca, Geotecnia, Mineralogia, Paleontologia, Pedologia, Petrologia, Sedimentologia, Geologia Econômica, Geologia Médica, Sismo- logia, Vulcanologia, e Hidrogeologia como não poderia faltar. A Terra se formou há 4,5 bilhões de anos atrás. Rochas de até 4 bilhões de anos foram preservadas na sua crosta para permitir esses registros. As evidências mais antigas de vida datam de 3,5 bilhões de anos atrás. O surgimento dos vegetais primitivos fez com que a composição da atmosfera mudasse, aumentando a con- centração de oxigênio a partir de 2,5 bilhões de anos atrás. Há 600 milhões de anos surgiram os animais, iniciando todo um processo evolutivo, seguido por períodos de extinções em massa e explo- sões populacionais. Nossa espécie surgiu a aproximadamente 40 mil anos atrás (Press et al., 2006). Os seres humanos têm uma pre- sença muito recente na Terra comparado com sua idade geológica. A idade da Terra é dividida em éons, eras, períodos e épocas. Atu- almente, vivemos no Éon Fanerozoico, Era Cenozóica, Período Quaternário e Época do Holoceno (Figura 9). Apesar disso, já há quem defenda a inclusão de mais uma época, o Antropoceno, que seria o período em que a atividade humana impactou significativa- mente os ecossistemas do planeta Terra. Esse termo foi cunhado nos anos 80 pelo Prof. Dr. Eugene F. Stoermer, ecólogo e docente do curso de biologia da Escola de Recursos Naturais e Meio Am- biente da Universidade de Michigan, e tornou-se popular pelos estudos em química atmosférica do ganhador do prêmio Nobel de química de 1995, Dr. Paul J. Crutzen. Rodrigo Lilla Manzione 50 Fi gu ra 9 . R ep re se nt aç ão e m fo rm at o de re ló gi o m os tr an do al gu m as u ni da de s g eo ló gi ca s e al gu ns e ve nt os d a h ist ór ia da Te rr a Ha de an o Pal eo zoi co Pr ot er oz oic o Arq uea no Mesoz oico 1 Ga 2 G a 3 G a 4 Ga ca . 2 30 0 M a: A tm os fe ra s e to rn a ric a em o xi gê ni o: Pr im ei ra Te rr a bo la d e ne ve ca . 3 50 0 M a: In íc io d a fo to ss ín te se ca . 4 00 0 M a: F im d o in te ns o bo m ba rd ei o ta rd io ; pr im ei ra fo rm a de v id a 45 27 M a: Fo rm aç ão d a Lu a 45 50 M a: Fo rm aç ão d a Te rr a H um an os M am ífe ro s Pl an ta s te rr es tr es A ni m ai s Vi da m ul tic el ul ar Eu ka ry ot as Pr ok ar yo ta s 2 M a: Pr im ei ro s hu m an os 23 0- 65 M a: D in os sa ur os ca . 3 80 M a: P rim ei ro s ve rt eb ra do s te rr es tr es ca . 5 30 M a: Ex pl os ão c am br ia na 75 0- 63 5 M a: D ua s T er ra s bo la d e ne ve 2. 5G a 3.8 Ga 54 2 M a 25 1 M a 65 M a 4. 6 G a Cenozoico Fo nt e: < ht tp :/ /p t.w ik ip ed ia .o rg /w ik i/ Fi ch ei ro :G eo lo gi c_ C lo ck _w ith _e ve nt s_ an d_ p er io ds _p t.s vg > . Águas Subterrâneas: Conceitos e Aplicações sob uma Visão Multidisciplinar 51 A Terra possui um núcleo interno sólido de ferro e níquel de diâmetro aproximado de 2.400 km, circundado por um núcleo externo líquido de ferro e níquel de aproximadamente 2.300 km. Estas duas camadas formam o sistema do geodínamo, responsá- vel pelo campo magnético terrestre. Ao redor do núcleo existe um manto líquido de silicatos de aproximadamente 2.800 km. A zona mais externa do núcleo, menos rígida, é conhecida por astenosfera, onde ocorre a propagação de ondas sísmicas devido ao seu estado plástico. A zona mais interna do manto, a mesos- fera é mais rígida devido à alta pressão. Acima do manto temos a crosta terrestre, ou litosfera, formada por silicatos rígidos com espessura variando de 5 a 40 km. A crosta terrestre é formada 95% por rochas magmáticas e metamórficas, sendo mais espessa nos continentes e mais fina nos oceanos (Figura 10). Figura 10. Camadas geológicas da Terra (Corte do interior da Terra, do núcleo para a exosfera - não está à escala) Crosta Exosfera Termosfera Mesosfera Estratosfera Troposfera em escala fora de escala Manto superior Manto Núcleo externo Núcleo interno Fonte: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Crosta-terrestre-corte-portugues.svg>. Rodrigo Lilla Manzione 52 A litosfera não é uma casca contínua. Ela é fragmentada em grandes doze placas (Figura 11). A partir dos movimentos de convecção, que ocorrem no manto líquido da Terra, as placas movem-se muito lentamente ao longo da superfície, por volta de alguns centímetros por ano. Esse fenômeno é também conheci- do por deriva continental. A tectônica de placas explica que cada placa atua uma unidade rígida distinta, arrastando-se sobre a as- tenosfera, que também está em movimento. O material quente que ascende do manto solidifica-se onde as placas da litosfera se separam, esfriando e tornando-se mais rígido à medida que se afasta desse limite divergente (Press et al., 2006). Com isso, a placa afunda na astenosfera, arrastando material de volta ao manto, nas bordas onde as placas convergem. Onde as placas se separam chamam-se zonas de rifte e onde elas se chocam zonas de subducção. Essas forças impondo compressão, tensão e cisa- lhamento às rochas moldam a superfície terrestre. Esse sistema de placas tectônicas tem na litosfera a interface com o sistema do clima terrestre, composto pela biosfera, hidrosfera e atmos- fera. O sistema do clima envolve grande troca de massas (como a água) e energia (como calor) entre a atmosfera e a hidrosfera, bem como interações com a litosfera, com a exalação de gases pelos vulcões e erosão (Press et al., 2006). Águas Subterrâneas: Conceitos e Aplicações sob uma Visão Multidisciplinar 53 Figura 11. Mapa mostrando a distribuição da atividade tectónica (tectonismo e vulcanismo) Fonte: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Plate_tectonics_map.gif>. 1. tipos de rochas As rochas são aglomerados de um ou mais minerais, que po- dem ser classificados quanto a sua gênese. As rochas podem ser magmáticas ou ígneas, sedimentares ou metamórficas. O tipo de rocha encontrado designa todo material geológico, que constitui o quadro físico de uma área ou região, daí seu estudo para enten- der os processos de formação da Terra e sua evolução. Entende-se por sedimento todo depósito não consolidado formado por partículas de minerais ou rochas, tais como cas- calho, areia, silte, argila ou misturas de porções variadas. Estes depósitos refletem a rocha de origem, a maneira como as par- tículas foram depositadas, a sua distância e os ambientes nos quais foram gerados e depositados e ocorrem formando dunas, aluviões, tilitos e outros depósitos superficiais. A rocha sedimen- tar designa o depósito sedimentar consolidado, como arenitos, Rodrigo Lilla Manzione 54 siltitos e folhelhos. Já a rocha cristalina é uma rocha compacta de origem magmáticas e vulcânicas, tais como granitos, basaltos, diabásios, e metamórficas como gnaisses, quartzitos, micaxistos, mármores calcários e dolomitos, filitos. 1.1 Rochas magmáticas São rochas formadas pelo resfriamento e consolidação do magma oriundo do manto. O magma que atinge a superfície é denominado lava. As rochas magmáticas também são denomi- nadas rochas ígneas, efusivas,vulcânicas ou plutônicas, sendo rochas primárias. Este tipo de rocha pode ainda ser dividido em magmáticas extrusiva e magmáticas intrusivas. As rochas magmáticas extrusivas são formadas a partir do derrame e consolidação do magma na superfície da Terra, va- riando de alguns metros a quilômetros de extensão e de alguns centímetros a dezenas de metros de espessura. Um bom exem- plo são os basaltos da Formação Serra Geral. Os derrames de basalto possuem três zonas distintas: os derrames de topo que tem estrutura vesículo-amigdaloidal, os derrames de núcleo que apresentam fraturamentos sub horizontais e os derrames de base com fraturamentos sub verticais ou colunares. As rochas magmáticas intrusivas são rochas magmáticas con- solidadas na subsuperfície da crosta que podem penetrar camadas de rochas pré-existentes ou fraturas devido à pressão na ascen- são do magma. São denominadas rochas de encaixe. O magma alcalino que se consolida internamente em forma de diques, sills, necks, batólitos, entre outras estruturas, possuindo granula- ção macroscópica denominados diabásios ou gabros. As rochas graníticas são um exemplo, formadas pela fusão total de rochas pré-existentes no interior da crosta. Os principais exemplos de rochas magmáticas são os basaltos (extrusiva alcalina), diabásios (intrusiva alcalina), gabros (intrusiva alcalina), granitos (intrusiva ácida), granodiorito (intrusiva ácida) e aplito (intrusiva ácida). Águas Subterrâneas: Conceitos e Aplicações sob uma Visão Multidisciplinar 55 1.2 Rochas sedimentares As rochas sedimentares são rochas formadas a partir do in- temperismo, transporte, deposição, consolidação e cimentação (diagênese) de rochas pré-existentes. Os sedimentos podem ser clásticos ou detríticos (fragmentos de outras rochas), químicos ou orgânicos. Os processos aqui envolvidos podem ser o in- temperismo (físicos e químicos), erosão (desagregação e des- prendimento), transporte (água, ar, gravidade, gelo), deposição (gravidade ou precipitação), compactação (tensões de camadas superiores) e cimentação (ligação por um cimento natural). Um fator importante na estrutura de um sedimento é o transporte e a deposição, classificando-se como sedimentos eólicos (trans- portados pelo vento), sedimentos fluviais (transporte por rios), sedimentos lacustres (fundos de lagos) e sedimentos coluviona- res (depositados em baixadas). 1.3 Rochas metamórficas As rochas metamórficas são rochas pré-existentes que so- freram transformações devido à pressão e/ou temperaturas ele- vadas no interior da crosta. Entre os tipos de metamorfismo, temos o metamorfismo de contato (termal), metamorfismo de pressão (cataclástico) e metamorfismo de temperatura e pressão (dinamotermal). As principais feições metamórficas envolvem foliação ou xistosidade. Estas estruturas são caracterizadas pelo achatamento e orientação dos minerais. O metamosrfismo ocor- re sem a fusão total dos minerais, provocando somente a mo- dificação da estrutura cristalina da rocha. As formações ígneas ou sedimentares podem ser alteradas em virtude de processos de compactação, pressão ou aquecimento, resultando em rochas metamórficas. O ciclo de formação das rochas e respectivos pro- cessos podem ser vistos na Figura 12. Rodrigo Lilla Manzione 56 Figura 12. Ciclo das rochas Rochas magmáticas Sedimentos Rochas metamór�cas Rochas sedimentares Magma Diagênese Cimentação Compactação Erosão e transporte Sedimentação Temperatura e pressão Fusão Arrefecimento Solidi�cação Cristalização Fonte: <http://www.geografiasocial.com/?p=970>. As origens de algumas formações metamórficas são, por exemplo: - Arenito Quartzo - Folhelhos Argilosos Filitos e Micaxistos - Granito Gnaisse - Rochas Calcárias Mármore A transformação de rochas ígneas em sedimentares envolve os processos de intemperismo, erosão, transporte, sedimentação e diagênese, assim como a transformação de rochas metamórfi- cas em sedimentares. As rochas metamórficas podem ainda se fundir a rochas ígneas. Esses fenômenos são conhecidos por ci- clo das rochas. Águas Subterrâneas: Conceitos e Aplicações sob uma Visão Multidisciplinar 57 2. origem das águas subterrâneas A distribuição dos recursos hídricos no mundo se dá de for- ma muito peculiar. As enormes massas de águas presentes na superfície e atmosfera do planeta correspondem a apenas 0,4% da água doce do mundo. As calotas polares e geleiras corres- pondem a 68,7%, as águas subterrâneas a 30,1% e a permafrost (água congelada no solo) a 0,8% (Shiklomanov; Rodda, 2003). Nesse cálculo não estão presentes a água presente na atmosfera e na biosfera. Vale lembrar que essa é apenas a relativização das águas doce do planeta (Shiklomanov, 1998), que corresponde a 2,5% (3,5 x 107 km3) do total da água do planeta, sendo os 97,5% restantes, águas salgadas (1,4 x109 km3). Do total desses 0,4% do volume da água no planeta, que corresponde à água superficial e atmosférica, Shiklomanov e Rodda (2003) apresentam os se- guintes números: 67,4% seriam lagos de água doce, 8,5% seriam áreas húmidas como pântanos, brejos e banhados, 12,2% corres- ponderiam à umidade do solo, 1,6% rios, 9,5% atmosfera e 0,8% referente à água contida em plantas e animais. Na verdade, a mesma quantidade de água está presente na Terra atualmente, como no tempo em que os dinossauros habi- tavam o planeta, há milhões de anos atrás. O ciclo hidrológico é um fenômeno fechado de recirculação de toda a água do planeta. Justamente pela Terra ter atmosfera, não ocorrem perdas de água para o espaço sideral e as entradas de água atualmente são insig- nificantes. O clima é moderado pelos oceanos, que apresentam mais evaporação do que precipitação e pelas massas continen- tais, onde ocorre precipitação do que evaporação. Entretanto, esse é o ciclo hidrológico em termos globais. Regionalmente, o ciclo hidrológico não é fechado. As quantidades de chuva princi- palmente são variáveis no tempo e no espaço, tornando o ciclo aberto, em que parte da água retorna e parte da água é trazida de fora pela atmosfera, estando sujeita ao balanço hídrico, podendo Rodrigo Lilla Manzione 58 haver déficits ou excedentes hídricos mensais, sazonais, anuais ou mesmo perdurando mais tempo. A origem das águas na Terra é controversa. Alguns acredi- tam somente em processos que ocorreram durante a formação da Terra e seus minerais constituintes, outros em origem extra- terrestre com água vindo do espaço sideral na forma de cometas, enquanto outros acreditam em uma mistura de ambos os casos. Segundo Rebouças et al. (2006), as águas subterrâneas podem seguir as seguintes origens: 2.1 Meteórica Água da chuva que, em seu ciclo, evapora em parte, é absor- vida pelas plantas, escoa como água superficial em riachos e rios e infiltra-se na terra abastecendo o lençol de água subterrânea. 2.2 Conata ou fóssil Água retida nos poros e fissuras da rocha desde a sua forma- ção sedimentar ou vulcano-sedimentar. A caracterização como água fóssil e o seu estudo químico e isotópico são muito impor- tantes para definir aspectos geoquímicos primordiais do ambien- te de transporte e de deposição dos sedimentos que contém a água. Estas águas são mais comuns em rochas sedimentares que formam aquíferos confinados. 2.3 Juvenil (ou água deutérica ou água magmática) Água oriunda do magma e que se acredita esteja atingindo a superfície do planeta pela primeira vez, oriunda de regiões pro- fundas, como o Manto médio e inferior. Na verdade, é muito di- fícil afirmar categoricamente que esta água não tenha participado do ciclo hidrológico no passado. Sabemos hoje que, através do processo de tectônica de placas, muita água da litosfera é carre- Águas Subterrâneas: Conceitos e Aplicações sob uma Visão Multidisciplinar 59 gada para regiões profundas nas zonas de subducção. Esta água é levada na forma de água que preenche poros das rochas e sedi- mentos ou na forma de água cristalina, isto é, água que faz parte do retículo
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