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47 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a CULTURA BRASILEIRA CONTEMPORÂNEA Unidade II MÓDULO 5 Texto I - O novo povo O povo brasileiro, segundo Ribeiro (1995), é novo, porque há uma etnia nacional, mestiça, diferente de nossas matrizes formadoras. Formando uma nova cultura a partir de várias. É um povo novo, porque se vê e é visto pelos outros como gente nova, diferente dos que existiam. Novo, porque é uma nova forma de organização da estrutura da sociedade, já que inaugura uma forma particular de organização, tanto social como econômica, a partir da restauração do escravismo e da prática de servidão contínua ao mercado mundial. Novo, até mesmo, pela incrível alegria e inacreditável vontade de ser feliz. Mesmo passando por tantas necessidades e sofrimentos, tem coragem e capacidade de se emocionar. E, ao mesmo tempo, velho, porque continua a ser o proletariado das nações estrangeiras, gerando lucro na produção de bens para o mercado mundial, a partir da deterioração e do sacrifício dos habitantes do nosso país. Dessa forma, inegavelmente encontramos na formação do povo brasileiro um intenso processo de aculturação. Os portugueses que aqui vieram se esforçaram para trazer e implantar no território brasileiro o modo de funcionamento tradicional da Europa, negligenciando em muito a cultura dos povos indígenas e dos negros africanos neste processo. A formação da sociedade se deu a partir da formação e estruturação de uma colônia de exploração, com uma economia voltada para o mercado externo e com base ampla na propriedade de mão de obra escrava. O nosso povo, segundo Ribeiro (1995), é conformista e isso é resultado do comportamento aprendido da tradição civilizatória europeia ocidental. Porém, ao mesmo tempo, é diferente, devido aos traços herdados dos negros africanos e índios americanos. É assim que nasce o Brasil, um mutante, com características próprias, porém, ligado geneticamente à nossa origem portuguesa. A força da identidade étnica dos povos que formaram o Brasil fez com que sobrevivessem muitas tradições, valores, princípios e cultos. Destes nasceram muitas das manifestações culturais que conhecemos, amplamente marcadas pela fusão cultural e pela riqueza de tradições das matrizes culturais que formaram o nosso povo e foram sendo adaptadas às regiões e suas estruturas econômicas. Quando pensamos nesta grande diversidade de culturas e etnias que está na base da formação do povo brasileiro, algo que pode espantar em um primeiro momento é o fato de que, em toda vastidão deste território e da própria constituição do povo ao longo dos séculos, pouquíssimos conflitos interétnicos aconteceram no Brasil. Não vemos, por exemplo, grandes levantes de grupos e minorias étnicas isoladas na tentativa de estabelecer ou manter fronteiras étnicas claras e intransponíveis ao processo de intercâmbio e miscigenação cultural. Em vez de vermos uma sociedade e uma cultura dilaceradas por esse conflito, vemos nascer um povo que procura viver em paz, com sua origem multiétnica, sem que nenhum destes grupos étnicos menores se sobressaia em busca do controle sociopolítico do país. 48 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a Unidade II A diferença do povo brasileiro em relação aos portugueses está nas nossas qualidades recebidas dos indígenas e dos africanos, da sua unificação, das condições geográficas que enfrentaram em nossa terra e da condição de produção que foi colocada. Porém, Ribeiro (1995) sugere que não devemos pensar que essa unidade étnica significa uniformidade, pois não somos iguais. Isso porque tivemos a influência de três forças diferentes: a ecológica, a econômica e a imigração. A ecológica levou a paisagens de pessoas distintas, segundo as condições ambientais em que viviam. A econômica acabou por criar formas diferenciadas de produção, bem como a mão de obra especializada, o processo de industrialização e urbanização do Brasil que foi longo e se realizou mais tardiamente do que em outras nações. É nesse momento que veremos a chegada dos imigrantes em nosso país – especialmente europeus, árabes e japoneses. Porém, pelo fato do Brasil já estar formado, estes foram abrasileirados e absorvidos, muito mais do que eles conseguiram “estrangeirar” os brasileiros que aqui existiam. Texto II - Identidade Na maioria das vezes, as pessoas, ao falarem de nossa história, não se lembram da nossas origens indígena e africana, porque acabam assumindo a identidade veiculada à ideologia dominante, isto é, a matriz portuguesa, da qual herdamos a língua, que marcou de sobremaneira a nossa cultura, e da qual nos orgulhamos. Porém, temos de conhecer e reconhecer a contribuição dos povos indígenas e das diferentes culturas africanas, que também formaram nossa forma de ser, e aprendermos a ter orgulho dessa herança. A compreensão da alteridade é dependente do olhar que daremos ao “outro”, pois depende da forma como cada um analisa as relações sociais, como percebem a estrutura de classe, a relação da etnia com as demais dimensões das relações de trabalho tanto no período colonial como no modo de produção capitalista. Identidade é um conceito muito utilizado em Antropologia. Porém, não estamos falando daquele documento chamado RG, nem dos traços marcantes da personalidade de uma pessoa. Identidade, aqui, significa um conceito que é interligado a outros, como grupo social e cultura. A identidade dos sujeitos se forma a partir das condições históricas e culturais em que vivem – condições que não escolheram, pois, ao nascer, tudo já estava pronto, então se deparam com um grupo familiar e social, com uma língua usada por todos e com um conjunto de regras, hábitos e tradições utilizadas. A sociedade e a cultura delimitam a nossa vida. Porém, chega um momento da vida em que a pessoa tem a possibilidade de negociar e alterar essas limitações, já que a cultura é dinâmica. Assim, a constituição das identidades é vista como processos de identificação: no cotidiano, há situações em que precisamos tomar decisões e escolhas quanto à conduta que vamos ter e os valores que nos cercam, tanto no plano pessoal quanto no social. “Nós e os outros, os semelhantes e os diferentes: as noções que construímos socialmente de igualdade e diferença são a moeda do jogo de construção das identidades” (KEMP, 2003, p. 66). É a cultura que nos dá o referencial para desenvolver os papéis sociais. A Antropologia Cultural busca conhecer “o incessante movimento de diálogo entre os símbolos que fazem parte da cultura dos diferentes sujeitos” (KEMP, 2003, p. 66). Assim sendo, podemos pensar sobre as várias identidades que utilizamos para cada situação social, levando em consideração os fatores 49 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a CULTURA BRASILEIRA CONTEMPORÂNEA que interferem nesse processo: a idade, a participação nos grupos, a atuação de papéis socialmente reconhecidos. Por exemplo: hippie, rapper, homossexual, careca, compatriota, estrangeiro, negro, oriental, índio. A rotulação social faz parte da forma de categorizar as identidades culturais na nossa sociedade. São esses os fatores que fundamentam a identidade que cada sujeito se atribui e a que os outros reconhecem nas pessoas. Por isso, podemos possuir várias identidades como: nacional, regional, de classe, de grupo, de profissional, de gênero (feminino/masculino), etc. O brasileiro tem um fanatismo por sua identidade e por seu país, como podemos notar nas palavras de Ribeiro (1995, p. 243-244): Pude sentir, no exílio, como é difícil para um brasileiro viver fora do Brasil. Nosso país tem tanta seiva de singularidade que torna extremamente difícil aceitar e desfrutar do convívio com outros povos. O prefeito de Natal morreu em Montevidéu de pura tristeza. Nunca quis aprender espanhol, nemo suficiente para comprar uma caixa de fósforos. Alguns se suicidaram e todos sofreram demais. Basta ver uma reunião de brasileiros, do meio milhão que estamos exportando como trabalhadores, para sentir o fanatismo com que se apegam à sua identidade de brasileiro e o rechaço a qualquer ideia de deixar-se ficar lá fora. Segundo Alves e Barros (2007), no caso do Brasil, já que houve um período referente a um processo de colonização, a questão da etnia se tornou um adjetivo que acaba por dar significado a nossa identidade, como por exemplo: “trabalhadores negros”, “índios”, “operários italianos”, “alemães”, “imigrantes brancos”. Essas etnias se tornam adjetivo e acaba dando à identidade de trabalhador uma singularidade, de forma que passam a ser reproduzidas nas relações sociais de trabalho. Nesse sentido, o discurso aqui tem o intuito de levá-lo a perceber que as desigualdades sociais são históricas e que a naturalização da pobreza passa por uma falta de postura crítica quanto à vida desses pobres, dos seus direitos como cidadão brasileiro. Já que a constituição de identidades é decorrente do jogo simbólico, como a forma de apreensão do mundo, preste atenção na explicação de Kênia Kemp (2003, p. 83): Manipulamos socialmente nossa identidade, e também a dos outros, para demarcar lugares. Numa sociedade com uma hierarquia complexa como a nossa, as categorias sociais movem-se o tempo todo – em certos contextos, nossa identidade nos faz ser respeitados e, em outros, sofremos preconceito. A partir disso, elegemos os que consideramos diferentes simbolicamente, porém iguais em direitos e posição social e aqueles que consideramos iguais simbolicamente, porém desiguais na posição que ocupam em relação à nossa. 50 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a Unidade II Exercício resolvido: Um dos conceitos estudados foi o de aculturação (apresentado no capítulo 1). Inegavelmente, encontramos na formação do povo brasileiro um intenso processo de aculturação. Isso é possível de ser afirmado por quê? Escolha a alternativa correta: a) Porque o povo brasileiro foi formado por várias etnias. b) Porque o povo brasileiro foi formado por meio da junção de três etnias: a indígena, a africana e a espanhola. c) Porque o povo brasileiro foi formado por meio da junção de três etnias: a indígena, a africana e a portuguesa. d) Porque o povo brasileiro foi formado por meio da junção de quatro etnias: a indígena, a africana, a portuguesa e a espanhola. e) Não ocorreu o processo de aculturação com o povo brasileiro. Resposta correta: C Justificativa: O povo brasileiro, segundo Ribeiro (1995) é novo porque há uma etnia nacional, mestiça, diferente de nossas matrizes formadoras: indígena, africana e portuguesa. Formando uma nova cultura a partir destas três. É um povo novo porque se vê e é visto pelos outros como gente nova, diferente dos que existiam. Novo, porque é uma nova forma de organização da estrutura da sociedade, já que inaugura uma forma particular de organização, tanto social como econômica, a partir da restauração do escravismo e da prática de servidão contínua ao mercado mundial. Novo, até mesmo, pela incrível alegria e inacreditável vontade de ser feliz. Mesmo passando por tantas necessidades e sofrimentos, tem coragem e capacidade de se emocionar. E ao mesmo tempo, velho, porque continua a ser o proletariado das nações estrangeiras, gerando lucro na produção de bens para o mercado mundial, a partir da deterioração e do sacrifício dos habitantes do nosso país. MÓDULO 6 Texto I - Diversidade cultural Quando se fala da origem do povo brasileiro, só se lembra da matriz portuguesa, desprezando nossa origem indígena e africana. Atualmente há variadas visões quanto ao ser índio na contemporaneidade. A primeira, uma visão antiga e romântica, desde a colonização, na qual veem o índio como aquele ligado à natureza, como o protetor da natureza, ingênuo e o incapaz de perceber a realidade de nossa sociedade. Sendo necessário existir uma relação tutelar entre o índio e o Estado, fundamentada pelas 51 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a CULTURA BRASILEIRA CONTEMPORÂNEA políticas indigenistas, por meio do Serviço de Proteção ao Índio (SPI) e, hoje, pela Fundação Nacional do Índio (FUNAI). Sendo observado como vítima e coitado que precisa de alguém para protegê-lo. A segunda, a visão do índio enquanto cruel, bárbaro, canibal, selvagem, denominando enquanto negativo. Utilizada também desde a chegada dos colonizadores até hoje, enquanto perspectiva dos grupos de interesse econômico, que busca a sua extinção desses para utilizar suas terras e retirar os recursos naturais existentes, sendo vistos como empecilhos ao desenvolvimento econômico do país. Resultando em perseguição e violência contra os povos indígenas. A terceira visão, a da cidadania, que passou a ter maior desenvolvimento nos últimos vinte anos, nos anos 80, com a com a Constituição de 1988. Nesta visão, os índios são sujeitos de direitos, são cidadãos (LUCIANO, 2006). Veja o significado de ser cidadão na citação abaixo: Não se trata de cidadania comum, única e genérica, mas daquela que se baseia em direitos específicos, resultando em uma cidadania diferenciada, ou melhor, plural. Aqui os povos indígenas ganharam o direito de continuar perpetuando seus modos próprios de vida, suas culturas, suas civilizações, seus valores, garantindo igualmente o direito de acesso a outras culturas, às tecnologias e aos valores do mundo como um todo. Direitos específicos e cidadania plural indicam teoricamente que os povos indígenas têm um tratamento jurídico diferenciado. Por exemplo, é concedido a eles o direito de terra coletiva suficiente para a sua reprodução física, cultural e espiritual, e de educação escolar diferenciada baseada nos seus próprios processos de ensino-aprendizagem e produção, reprodução e distribuição de conhecimentos (LUCIANO, 2006, p. 36). Historicamente, podemos ver a valorização da origem portuguesa e desprezo pela indígena e africana sendo construídas por meio de nossas produções artísticas. Por exemplo, na visão de José de Alencar, o qual defendia que a liberdade dos escravos deveria ser aos poucos, pois precisavam aprender a ser civilizados, alertava sobre os prejuízos que isso traria à economia, intimidando o Imperador, e partilhando das ideias conservadoras da elite. Em sua literatura, utilizava o mito do bom selvagem. Essa atitude era comum, pois acreditavam na inferioridade dos escravos, por meio das teorias do determinismo biológico, como do evolucionismo social, em voga no século XIX, descartando o africano na formação do povo brasileiro. Segundo essa visão, somente os brancos e índios formaria nosso povo. Encarando o português como o desbravador, o destemido, o conquistador e o índio como pacífico, passivo para receber a civilização do europeu (REIS, 2012). No pensar de Yago Euzébio Bueno de Paiva Junho (2012), o Romantismo – do qual José de Alencar fez parte –, foi um movimento literário que veio marcado com a dependência política e econômica de Portugal. Os escritores colocavam o índio como o principal personagem de nossa história, sendo esses nossos verdadeiros antepassados. Por exemplo, a obra Iracema, de José de Alencar. Mudando as letras de Iracema, temos América. Ou seja, os índios representavam a verdadeira América. Muitas pessoas de posses contratavam 52 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a Unidade II serviços de pesquisadores para fazer as suas árvores genealógicas para descobrir algum antepassado indígena. Quando descobriam, mudavam o seu sobrenome. O Romantismo, então, pode ser considerado o segundo movimento nacionalista brasileiro. O primeiro foi a Guerra de Guararapes, onde negros, índios e portugueseslutaram juntos para a expulsão dos holandeses do Brasil. O Romantismo instaurou a ideia de nação entre nós (PAIVA JUNHO, 2012). Contrariamente ao Romantismo, tivemos a Semana da Arte Moderna, em 1922, chamado de movimento modernista, com o objetivo de propor renovação cultural no Brasil, propondo uma nova maneira de ver a realidade social brasileira, buscando incorporar a cultura indígena e africana, deixando de nos envergonhar de nossa miscigenação; também mostrando que em nossas matas há curupira e não duendes; incorporando o verso livre, com seus erros; buscando em todo território elementos de nossa cultura para suas criações. Em nossas matas não existe duendes e, sim, o curupira. Instaurou o verso livre, a incorporação milionária de todos os erros. Como Manuel Bandeira vai dizer, a língua errada do povo, a língua certa do povo. Os modernistas viajaram pelo Brasil em busca de elementos culturais para servir de matéria- prima de suas composições. Por exemplo, peguemos o livro na Pancada do Ganzá, de Mário de Andrade. Essa obra é fruto de uma viagem que o escritor fez a Natal, Rio Grande do Norte, hóspede de Luís da Câmara Cascudo, o maior folclorista brasileiro, para estudar os cantadores de coco. Raul Bopp, um viajante contumaz, usou e abusou, no bom sentido, de tudo o que viu e ouviu nos vários lugares onde esteve. Cobra Norato nada mais é do que a descoberta do interior do Brasil. (PAIVA JUNHO, 2012) O movimento modernista mudou a nossa maneira de ver o nosso país. Aprendendo a valorizar a nossa origem indígena e africana. O povo brasileiro. Os mais importantes pintores, ensaístas, escritores e músicos do Brasil surgiram a partir desse movimento, como: “Anita Malfatti, Tarsila do Amaral, Di Cavalcanti, Vicente do Rego Monteiro, Graça Aranha, Raul Bopp, Oswald de Andrade, Mário de Andrade, Manuel Bandeira, Menotti Del Picchia, Cândido Mota Filho, Ronald de Carvalho Villa-Lobos, entre outros” (PAIVA JUNHO, 2012). Também influenciou os movimentos culturais, na segunda metade do século XX, como, o Cinema Novo, de Glauber Rocha e o Tropicalismo. Perceba na nossa história os interesses de classe. A nossa sociedade é dividida em classes sociais e, no alto da hierarquia, temos dois tipos que, apesar de serem conflitantes, se complementam. 53 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a CULTURA BRASILEIRA CONTEMPORÂNEA Observação Classe social tornou-se senso comum em nossa sociedade, falamos de classe social na economia, na cultura, na educação, em todas as áreas. Pesquisas de mercado classificam as classes, porém, muitas vezes, não se sabe o significado, mas podemos ver o conceito ser delineado segundo o pensamento de Karl Marx, o qual considera que as classes são determinadas na história e é produto da sociedade, pois, com a Revolução Industrial, a sociedade será dividida em aqueles que detêm os meios de produção (terra, máquinas, dinheiro, ferramentas, etc.), ou seja, os proprietários, a classe capitalista ou classe burguesa, e de outro, aqueles que só possuem a sua força de trabalho para continuar a viver (trabalhador assalariado), isto é, o proletariado, classe dos trabalhadores. Na análise de Darcy Ribeiro (1995), são estes: o poder do patronato de empresários advém da riqueza que conseguem angariar a partir da exploração econômica; e o patriciado, cujo poder se deve aos cargos que ocupam, por exemplo, os generais, deputados, bispos, líderes sindicais e outros. Consequentemente, quem é rico quer ser patrão e, sendo, quer ter o poder de mando, podendo determinar a vida dos outros. Durante as últimas décadas, outro segmento se expandiu no alto dessa hierarquia: os que gerenciam as empresas estrangeiras. Segundo Ribeiro (1995), eles são os que controlam os meios de comunicação (a mídia), deixando o povo conformado com a sua situação de miséria. Além disso, elegem políticos em todas as esferas, seja a municipal, a estadual ou a federal, tendo poder para mandar da maneira que quiser. Abaixo da cúpula, temos as classes intermediárias, os oficiais, profissionais autônomos, policiais, professores, religiosos (padres). Estes são os que prestam obediência às classes dominantes, com a intenção de receber alguma coisa em troca. É desta classe, sobretudo, entre os religiosos e os poucos intelectuais, que advém os tipos mais subversivos, que atuam contra a ordem vigente. As classes subalternas são formadas pela aristocracia operária, aqueles que possuem empregos constantes, os especialistas, e também pelos “pequenos proprietários, arrendatários, gerentes de grandes propriedades rurais etc”. (RIBEIRO, 1995, p. 209). Abaixo de todas essas classes está a grande massa dos brasileiros, classes oprimidas dos chamados marginais, especialmente os negros e mulatos, moradores das favelas e das periferias das cidades. São os enxadeiros, os boias-frias, os empregados na limpeza, as empregadas domésticas, as pequenas prostitutas, quase todos analfabetos e incapazes de organizar-se para reivindicar. Seu desígnio histórico é entrar no sistema, o que sendo impraticável, os situa na condição da classe intrinsecamente oprimida, cuja luta terá de ser a de romper com a estrutura de classes. Desfazer a sociedade para refazê-la (RIBEIRO, 1995, p. 209). 54 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a Unidade II Texto II - Estratificação social É nessa hierarquia de classes que se estrutura e organiza a sociedade brasileira, na qual, segundo Ribeiro (1995), os dominantes estão no comando natural, sendo o seu corpo dirigente as classes intermediárias; e seus executores, as classes subalternas, sendo a maioria da sociedade pertencente às classes oprimidas, resignadas em sua miséria e incapazes de organizar-se e confrontar os donos do poder. Assim, a classe dominante é formada por um pequeno número de pessoas e tem o poder sobre a sociedade devido ao apoio das outras classes. Os que estão na classe intermediária são os que mantêm a ordem social. As subalternas são formadas por aqueles que estão na vida social, já que trabalham no sistema produtivo e são os consumidores, sindicalizados, tendo como visão defender o que possuem e ganhar mais, muito mais do que lutar para transformar a sociedade. Por último, temos as classes oprimidas, os excluídos da vida social, que lutam para entrar no sistema produtivo pelo acesso ao trabalho. Segundo Ribeiro (1995, p. 211) é justamente a esses despossuídos “que cabe o papel de renovador da sociedade como combatente da causa de todos os outros explorados e oprimidos”. Já que a única forma de pertencer à vida social é acabando com essa estrutura de classes, pois antes eram os escravos e agora são os subassalariados. Veja o quadro abaixo da composição das classes sociais: Quadro 1 – Estratificação social brasileira. Classes dominantes PATRONATO: oligárquico – senhorial, parasitário; Moderno – empresarial, contratista. Estamento gerencial estrangeiro PATRICIADO: estatal – político, militar, tecnocrático; civil – eminências, lideranças, celebridades. Setores Intermediários AUTÔNOMOS: profissionais liberais, pequenos empresários. DEPENDENTES: funcionários, empregados. Classes subalternas CAMPESINATO: assalariados rurais, parceiros, minifundistas. OPERARIADO: fabril, serviços. Classes oprimidas MARGINAIS: trabalhadores estacionais, recoletores, volantes, empregados domésticos, biscateiros – delinquentes, prostitutas – mendigos. Fonte: Darcy Ribeiro (1995) No Brasil, as classes sociais estão separadas pela distância econômica, social, bem como, pela cultura. O que caracteriza o rico é o vigor físico, vida longa, beleza, conhecimento e hábitos refinados como resultados de sua riqueza. Em vez disso, o pobre, a doença, vida curta, envelhecimento, saber do senso comum, e hábitos arcaicos resultado de sua vida de miséria. Quando uma pessoa consegue a mobilidade social ingressandoem outra classe e nessa permanece, nas duas próximas gerações, pode se perceber a mudança: “(...) crescerem em estatura, se embelezarem, se refinarem, se educarem, acabando por confundir-se com o patriciado tradicional”. (RIBEIRO, 1995, p. 211) 55 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a CULTURA BRASILEIRA CONTEMPORÂNEA Segundo Ribeiro (1995), a estratificação social (divisão da sociedade em camadas sociais), criada historicamente se caracteriza pela racionalidade que resulta da sua montagem, já que os privilegiados são os donos da vida e os demais são utilizados para o seu enriquecimento, sendo subjugados, tendo apenas o direito de comer para trabalhar e o de fazer filhos para repor a mão de obra. Isso, para o autor, ocorre devido ao fato de o patrão brasileiro ter sido formado a partir de relações sociais da escravatura, do qual tirava do escravo o maior proveito possível. Assim, quando o escravo é substituído pelo parceiro, depois pelo assalariado agrícola, os valores que irão persistir nas relações com seus empregados são as mesmas que tinha com o escravo, valores desumanos. Consequentemente, nas vilas em volta das fazendas, haverá uma população de velhos desgastados no trabalho, com crianças para cuidarem. Aqueles com idade ativa ficam fora, são os boias-frias, as empregadas domésticas, as prostitutas, etc. Nas cidades, a situação é pior, algumas pessoas tentam sair da pobreza e outras se integram cada vez mais nela. Ou, então, o caminho é a marginalidade. Ribeiro (1995) fez uma pesquisa sobre as condições de vida das camadas urbanas e rurais do Brasil e chegou à seguinte conclusão: as classes sociais brasileiras não podem ser representadas por um triângulo, com um nível superior, um núcleo e uma base. Elas configuram um losango, com um ápice finíssimo, de pouquíssimas pessoas, e um pescoço, que vai alargando daqueles que se integram no sistema econômico como trabalhadores regulares e como consumidores. Tudo isso como um funil invertido, onde está a maior parte da população, marginalizada da economia e da sociedade, que não consegue empregos regulares nem ganhar o salário mínimo. Para Ribeiro (1995), é possível uma pessoa melhorar de situação economicamente simplesmente mudando de região, devido à nossa diversidade regional. A classe dominante tem um papel de explorador sobre as demais classes sociais, sua conduta é fundamentada em dois estilos contrários. Um, pela cordialidade com os que fazem parte da mesma classe que eles; outro, com descaso por aqueles que são de outras classes, os que são inferiores. A mesma pessoa representa dois papéis, gentil com seus convidados e senhor com seus subordinados. A dignidade pessoal, para Darcy Ribeiro (1995), na condição de exploração, é preservada por atitudes cautelosas para não cair em desentendimento, pois se isso ocorrer, a pessoa de uma classe que não é a dominante pode perder o trabalho e acabar no banditismo. Porém, o contexto social os leva à acomodação e não à rebeldia. Isso vai caracterizar a base econômica brasileira até os dias de hoje, tendo suas marcar bem claras, já que a economia tem ainda seu foco na produção voltada para exportação, com a exploração da mão de obra de seu povo. Uma das mais importantes influências do contexto econômico acima descrito ocorreu com o descompromisso em relação à educação. 56 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a Unidade II Primeiro, causando uma ruptura, pois trouxeram o padrão de educação da Europa, sendo que os indígenas possuíam seu próprio método. Segundo, que desde o início da colonização portuguesa, as principais atividades voltadas para a educação ficaram principalmente sob a responsabilidade dos padres jesuítas, que além de moral, costumes e religiosidade europeia também trouxeram os seus métodos pedagógicos. Método utilizado durante 210 anos, de 1549 a 1759, quando uma outra ruptura ocorreu com a expulsão dos jesuítas por Marquês de Pombal, ministro do rei português. Destruindo a estrutura existente e implantando caos. Tentou as Escolas Régias, mas o caos continuou até a vinda da Família Real ao nosso país, fugidos de Napoleão que invadiu suas terras. Os jesuítas foram expulsos porque se preocupavam com o proselitismo (converter o povo ao catolicismo) e o noviciado (preparação religiosa antes do voto). Enquanto que Pombal queria reerguer Portugal da decadência que se encontrava perante as outras potências europeias. Assim, os ensinamentos dos jesuítas não respondiam aos interesses comerciais de Portugal. Dessa forma, “Pombal pensou em organizar a escola para servir aos interesses do Estado” (BELLO, 2001). Pombal criou as Escolas Régias com latim, retórica e grego, sendo que cada escola era autônoma e isolada, com um único professor. Logo, a metrópole percebeu que a educação aqui não estava desenvolvendo-se. A solução encontrada foi o “subsídio literário”, um imposto para manutenção do ensino primário e médio. Além de ser escasso, esse não era cobrado com regularidade e os professores ficavam sem receber seu salário e esperavam uma solução de Portugal. Tudo resultou que no início do século XIX, a educação estava reduzida a nada. No período colonial os que queriam concluir seus estudos iam para fora do país “como, por exemplo, estudar Direito na Universidade de Coimbra ou Medicina na Montpellier na França, tais cursos eram destinados unicamente às elites. Assim, quem estudava fora do país durante esse período era o filho do Barão, dos grandes proprietários de terras da colônia; o índio e o negro não tinham privilégios” (CABRAL; PENA, 2010). Como eram os escravos quem fazia o trabalho pesado, não havia, segundo os colonizadores, motivo para que esses fossem qualificados, “posto que, estes nasceram sem alma, por isso sua função era simplesmente trabalhar e nada mais” (CABRAL; PENA, 2010). A consequência dessa forma de pensar, etnocêntrica, preconceituosa, foi econômica, política e social para as futuras gerações desses escravizados, que formaram os proletários explorados de nosso país. O primogênito do colonizador era aquele que com conhecimento tomava conta dos negócios da família, enquanto os demais descendentes acabavam na vida sacerdotal ou intelectual. Essa cultura só para os privilegiados causará danos à cultura brasileira, pois somente os homens faziam parte desse processo educacional, preparando a mulher apenas para o casamento, para cuidar do lar, fomentando uma cultura machista para nossa sociedade. 57 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a CULTURA BRASILEIRA CONTEMPORÂNEA A Família Real veio para o Brasil em 1808, e com ela uma nova ruptura. D. João VI abriu academias militares, escolas de direito e medicina, criou a biblioteca real, o jardim botânico e a imprensa régia. A imprensa permitiu a divulgação de informações ao meio letrado, porém, a educação ainda continuou em plano secundário. D. Pedro I, em 1822, proclama a Independência do Brasil e, em 1824, temos a primeira Constituição que diz que a instrução primária seria garantida a todos os cidadãos (BELLO, 2001). Quadro 2 – Mudanças realizadas na educação no período imperial (1822-1888) 1823 Para suprir a falta de professores, instaura-se o método Lancaster, no qual um aluno é treinado e esse ensina a um grupo de 10 alunos, com a vigilância de um inspetor. 1824 A instrução primária é garantida a todos pela constituição. 1826 Criação dos quatro graus de instrução: Pedagogias, Liceus, Ginásios e Academias. 1827 Criação de pedagogias em todas as cidades e vilas, com exame de seleção aos professores. 1834 A Constituição passa para as províncias a responsabilidade de administrar o ensino primário e secundário. 1835 Surge a primeira Escola Normal, em Niterói. 1837 É criado o Colégio Pedro II, no Rio de Janeiro, com o objetivode se tornar um modelo pedagógico para o curso secundário. Fonte: Bello (2001) Segundo Cristina Costa (2005), é a partir do século XVIII, por causa da mineração, que houve transformações sociais. Minas Gerais passa pela urbanização, contando com atividades comerciais e para exportação, mudando a organização social colonial, passando a ser dividida por dois grupos: os donos de terra e administradores, e os escravos. Novas profissões começam a surgir: comerciantes, criadores de animais, artífices, funcionários administrativos para controlar a mineração e a exportação. Nesse momento, a população livre é maior do que a escrava e essa camada intermediária precisa de uma cultura que seja diferente da do escravo inculto e dedicado ao trabalho braçal. Será essa camada, as dos homens livres e sem propriedade, que irá consumir a erudição e a cultura europeia, o conhecimento como forma de ostentação. Quanto à produção intelectual, Cristina Costa (2005) conta que se destinavam a descrever a colônia a partir de estudos naturalistas, com o nome de História Natural, e passaram a recrutar da classe intermediária intelectuais que estivessem dispostos a servir ao rei e às classes dominantes. Continuava a ser uma produção alienada, ditada pelos europeus, com o objetivo de organizar o saber descritivo, funcional e de ostentação. Havia um grupo que possuía conhecimento jurídico e descritivo, mas sem pensamento crítico. Era uma formação filosófica e humanística desempenhada por professores, jornalistas e funcionários públicos que eram dependentes da corte e dos donos de terras. Como consequência, quase que direta da forma de exploração econômica, ocorreu a formação de uma sociedade rural, patriarcal e fortemente estratificada. 58 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a Unidade II Ao longo de uma parte considerável da formação da nossa sociedade predominou uma estratificação “piramidal e bipolarizada”. Isto é, de um lado, os senhores brancos, que constituíram uma aristocracia agrária, bem característica do Brasil, até a época da economia cafeeira. De outro lado, até o final do século XIX, a grande quantidade de escravos. No meio, poucos homens livres (brancos e mestiços), altamente subordinados aos senhores rurais, como os “lavradores” das denominadas “fazendas obrigadas” e os pequenos comerciantes e poucos profissionais liberais. É interessante destacar o problemático papel dos mestiços, principalmente mulatos e cafuzos, que conforme é destacado pelo Prof. Darcy Ribeiro (1995), estavam numa situação de “homens de segunda categoria” e em constante conflito, na medida em que ocupavam uma situação problemática entre os brancos e os negros escravos. Em função dessas características, houve uma significativa dependência em relação aos senhores e a formação de uma verdadeira “clientela” do senhor, incluindo os denominados agregados da família patriarcal, muitos relacionados a uma relação de compadre, com os senhores rurais. Nesse tipo de sociedade, houve o desprezo pelo trabalho manual, relacionado à inferioridade, à pobreza e outros valores negativos. Em relação à formação da família patriarcal, na qual o poder básico estava com o denominado pater família e o destaque do filho primogênito (inicialmente o único herdeiro), a família era organizada segundo as normas do direito romano canônico, isto é, o pátrio poder é ilimitado, tendo poucos freios para sua tirania. É clara a referência do autor à uma constante prática da violência, em diversos sentidos e não somente em relação aos escravos, mas tornando-se algo que, infelizmente, ficou marcante da construção de características da nossa cultura cotidiana, a cultura da violência. A ostentação senhorial, durante a fase colonial e imperial, no sentido de posse material, a escravaria doméstica e nas festas, contrata com uma pobreza de parte da maioria da população, com o baixo nível sanitário e uma certa promiscuidade, propiciando a propagação de doenças venéreas, como a sífilis. Segundo Bello (2001), até a Proclamação da República, em 1889, nada se fez de concreto pela educação. Com a república, tentou-se muitas reformas para melhorar a educação, porém não houve um processo de desenvolvimento significativo. Até hoje, muito tem se alterado no planejamento educacional, mas a educação continua a ter as mesmas características, a manutenção de “status quo” para aqueles que frequentam a escola. O analfabetismo sempre foi usado como apelo político e ideológico. Por meio de um tema educacional e social retorna à agenda pública, mesmo não oscilando na escala de prioridades governamentais. É usado como índice de desenvolvimento, aliado aos problemas econômicos, políticos e sociais, como: crime, desemprego, mortalidade infantil, aumento da natalidade, a pobreza, etc. O debate para erradicar o analfabetismo assume conotações políticas. Nas décadas de 50, 60, e 70, o pensador Paulo Freire foi criticado nos meios acadêmicos, pelo seu “entusiasmo em relação ao poder da alfabetização na promoção do desenvolvimento humano” (LUCIANA, 2007). 59 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a CULTURA BRASILEIRA CONTEMPORÂNEA Porém, precisamos pensar que um homem que vive em uma sociedade com o modo de produção capitalista, em uma sociedade letrada, urbana, industrial, escolarizada, fundamentada pelo conhecimento científico tecnológico, necessita conhecer a escrita, como os demais. Pois, ser analfabeto em sociedade letrada, demonstra ao indivíduo a falta de um requisito presente e valorizado em nossa sociedade. Assim sendo, o grupo cultural do analfabeto, tem um lugar definido, tendo como característica da sua identidade a negação: a de que não sabe ler e nem escrever, por isso não tem acesso à forma de funcionamento da sociedade. Isso cria um estigma do analfabeto, simbolizado pela marca do “dedão”, repercutindo em sua vida pessoal e social (SANTOS, 2005). A apropriação das competências de leitura e escrita traz consequências sociais, culturais para o cidadão, já que muda sua condição social, sua forma de ver e viver na sociedade, pois passa a ter acesso a bens culturais produzidos por sua sociedade, que antes não podia ter. Porém, não basta aprender a ler e escrever, isto é, precisar haver a preocupação com a elaboração desses conhecimentos, pois se tem claro que, na maioria das vezes, a educação destinada aos menos favorecidos economicamente é de baixa qualidade, feita de qualquer jeito, apenas para dizer que está sendo feita, para contar como índice de alfabetização, nos quadros políticos. Assim, a educação é realizada com menor custo e com maior número de pessoas possíveis, resultando no analfabeto funcional. Sabe ler e escrever, porém não sabe interpretar, analisar, utilizar esse conhecimento. Veja a mudança do conceito de alfabetismo realizado pela UNESCO (TOLEDO, 2012): A definição de alfabetismo vem sofrendo significativas mudanças nas últimas décadas. Se em 1958 uma pessoa era considerada alfabetizada quando conseguia ler ou escrever uma frase simples, hoje, com o avanço das tecnologias de comunicação, a modernização das sociedades e o aumento da participação social e política, essas habilidades não são mais suficientes. A Unesco define que uma pessoa alfabetizada é aquela capaz de ler e escrever em diferentes contextos e demandas sociais e de utilizar essas habilidades para continuar aprendendo e se desenvolvendo ao longo da vida, dentro e fora da instituição escolar. Para essa nova maneira de conceber a alfabetização, a Unesco sugere a adoção do conceito de Alfabetismo Funcional, (7) o qual indica que, além de possuir as habilidades de leitura e escrita, a pessoa deve saber utilizá-las, processando diferentes textos em diferentes contextos e situações comunicativas. Segundo Toledo (2012), analfabetismo funcional está ligado ao pouco tempo de escolaridadee contamos com mais de 30 milhões de pessoas em nosso país com essa categorização. Quando analisamos a educação brasileira, chegamos a dados alarmantes, por exemplo, uma pessoa com 25 anos ou mais precisa ter no mínimo 11 anos de estudo (concluindo o ensino médio), porém muitos brasileiros não concluíram o ensino fundamental, pois a média é de 6,7 anos de estudo. Quando os dados se referem às pessoas pardas e negras, o número é mais baixo, já que em média estudam 2,1 anos a menos do que os brancos. Isso é resultado da desigualdade racial, econômica, educacional e social presente historicamente em nosso país, acaba resultando em violência. O povo continua a ser tratado de maneira desinteressada pela esfera política. 60 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a Unidade II Assim, percebe-se que, nesse contexto, não há instituições democráticas, mas o autogoverno, pois o governo político, desde a Colônia, no Império e na República sempre foi exercido pela classe dominante. A sociedade resultante deste contexto tem problemas impossíveis de serem resolvidos como a impossibilidade de garantir um padrão de vida satisfatório para a maioria da população brasileira, a incapacidade de ter uma cidadania livre e, por isso, a impossibilidade de fundar uma sociedade democrática. Segundo Ribeiro (1995, p. 219), “a eleição é uma grande farsa em que massas de eleitores vendem seus votos àqueles que seriam seus adversários naturais”. A única forma de mudar essa estrutura de opressão é a partir do surgimento e expansão do movimento operário. O operário sindicalizado, nas cidades, reivindica, apresentando-se como um lutador enfrentando seu patrão. Além da distância econômica entre pobres e ricos, também há discriminação dos negros, mulatos e índios, sendo os negros os que mais sofrem. Entretanto, a rebeldia desses é menor do que deveria ser. No passado, as lutas mais longas que aconteceram no Brasil foram a “resistência indígena secular e a luta dos negros contra a escravidão, que duraram os séculos do escravismo. Tendo início quando começou o tráfico, só se encerrou com a abolição”. (RIBEIRO, 1995, p. 219-220). A fuga era sua forma de resistência, e sua intenção era recomeçar uma vida com liberdade nos quilombos, comunidades de negros fugidos que se multiplicavam em milhares. O quilombo era um negro aculturado, pois usava uma cultura brasileira e não tinha como voltar a ter uma vida como na África. Ribeiro (1995) diz que isso demonstrava seu drama de vida, pois não podia voltar mais a ser o que era. Ribeiro (1995) diz que a maior luta do negro africano e de seus filhos brasileiros foi e é a busca por um lugar e por um papel como participante legítimo da sociedade brasileira. Ele, a partir de sua força, ajudou a construir esta sociedade, e, com isto, ocorreu a sua desafricanização, começando pelos fatos de ter aprendido a falar o português e de tê-lo difundido por todo o território. No fim do período colonial, os negros tinham a maior quantidade de gente aqui no Brasil. Sua abolição levou à queda do Império e à proclamação da República. Porém, a classe dominante reorganizou a estrutura de força de trabalho com mão de obra do imigrante no lugar da dos escravos, já que esses estavam adaptados ao processo salarial e com vontade de trabalhar para conquistar um pouco de terra. Os negros, por sua vez libertos, abandonavam as fazendas, ganhavam a estrada e procuravam um terreno baldio para plantar milho e mandioca para comerem e viverem livres. Isso os levou a miserabilidade, pois toda vez que acampavam, os fazendeiros, por meio da polícia, os expulsava, já que toda terra tinha dono. Mas os negros se mantiveram por meio da sua resistência cultural, como por exemplo, a sua música, a sua dança e com a sua religião, o candomblé e a umbanda. Quando ouvimos alguém falar que é candomblecista ou umbandista, muitos pensam, isso é coisa do diabo. Porém, perceba que essa é uma posição etnocentrista, pois coloca a religião do outro como menor, sem valor, se autovalorizando. 61 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a CULTURA BRASILEIRA CONTEMPORÂNEA Perceba o processo de aculturação a partir do sincretismo, isto é, a junção de várias religiões em uma só, como, por exemplo, o candomblé a e a umbanda. O candomblé é a religião de origem africana, que se formou na Bahia no século XIX, tendo outras modalidades, segundo a região, como (PRANDI, 2004): xangô (Pernambuco), tambor de mina (Maranhão), batuque (Rio Grande do Sul), que se constituíram no século XX. A religião se tornou uma forma de resistência cultural e luta contra a dominação dos brancos e a religião católica. Essas religiões citadas acima representam a preservação do patrimônio étnico dos descendentes africanos, os antigos escravos. Hoje, contam com a presença de brancos dentro dessas religiões. Enquanto o candomblé e as demais denominações dos cultos africanos tradicionais mantinham-se e preservavam-se, uma nova religião foi criada no Brasil, no Rio de Janeiro, a Umbanda. Na verdade, poderíamos dizer que essa é uma religião genuinamente brasileira. Ela nasce aqui, por meio do processo de aculturação, por meio do sincretismo, isto é, unindo várias religiões em uma só. Vou te explicar melhor! A Umbanda nasce da junção com o “catolicismo branco, a tradição dos orixás da vertente negra, e símbolos, espíritos e rituais de referência indígena, inspirando-se, assim, nas três fontes básicas do Brasil mestiço” (PRANDI, 2004). Ela, rapidamente, se espalhou pelo Brasil, pelos países do Cone Sul, chegando até ao velho mundo. Porém, nos anos de 1960, o candomblé, com sua raiz instigante de interpretação do mundo, espalha-se pela Bahia e para todo o Brasil, seguindo a mesma trilha da Umbanda. O que essas religiões têm em comum? Tanto uma como a outra oferecem uma magia para resolver problemsa do não devoto, sem que esse tenha de se envolver com a religião (PRANDI, 2004). Como a consulta pelo jogo de búzios e ebós (ritual para limpeza ou oferenda) do candomblé, ou pela conversa e passe com os caboclos e pretos velhos, da umbanda. Desta forma, as pessoas que vão se consultar, em sua maioria, são das mais variadas religiões. Observação Magia não é mágica. Magia significa um conhecimento que, a partir de práticas, rituais, entram em contato com aquilo que está oculto, na natureza, no universo e na divindade, buscando desenvolver integralmente o homem. Nos anos de 1960 e 1970, a classe média intelectualizada, do Rio e de São Paulo, legitimam socialmente a cultura negra do candomblé, valorizando a cultura baiana, os intelectuais e os artistas. 62 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a Unidade II Segundo Prandi (2004), começa aí a africanização do candomblé, isto é, a busca pela tradição, a volta ao original, em busca do aprendizado da língua, dos ritos e mitos, voltando à África para recuperar o patrimônio perdido na adversidade entre as etnias no Brasil. A partir de então, é “motivo de orgulho, sabedoria e reconhecimento público e, assim, ser o detentor de uma cultura que já é, ao mesmo tempo, negra e brasileira, porque o Brasil já se reconhece no orixá, o Brasil com axé” (PRANDI, 2004, p.224). Acredito que você não entendeu o que eles foram recuperar, não é? Pois, então, vamos à história. Desde a colonização, o discurso e a legislação impunham a cultura do branco, do português, a religião católica. A religião do branco era a verdadeira, a única, absoluta. Assim, como a sua forma de celebrar e crer era a única forma de se encontrar com Deus. Desprezando e desvalorizando as demais religiões. O Candomblé, desde a colonização foi um instrumento de luta e resistência da cultura negra africana. No período de escravidão, a luta dos povos negros pela liberdade se travará em diferentes contextos,até por meio de guerras, como, por exemplo, os vários quilombos espalhados pelo país. Além disso, a classe dominante é quem organiza o Estado e, desta forma, as leis são instituídas por ela, proibindo os cultos africanos e fazendo destes caso de polícia, mas, apesar da opressão com invasão policial em domicílios e prisões, espancamentos e destruição dos objetos sagrados, os religiosos não deixaram sua crença. Apesar de essa religião estar no Brasil desde a colonização, não há documentos que o comprovem sua origem, a única data de 1830 é a da fundação da Casa de Candomblé. Porém, apesar de não haver documentos, o Candomblé era praticado, pois havia em nosso país várias nações de África desde os primeiros colonos portugueses. Candomblé, na verdade, significa o termo escolhido para definir os vários cultos africanos no Brasil, a palavra designa: a interação e adaptação das diversas formas de culto dos africanos para aqui trazidos, predominando entre essas, às influências, Congo/Angola (contribuição dos africanos da África Bantu), Nagô/Ketu (contribuição das etnias iorubás, sobressaindo-se os sistemas Ketu e Oyo), e Jeje/ Nagô (contribuição dos povos Fon/Ewe). A palavra Candomblé, simultaneamente, é associada à prática de tais cultos, ao mesmo tempo em que é entendida como sinônimo dos locais onde tais cultos são realizados (SANTOS, 2011, p.5). Por mais que o colonizador tivesse deixado existir o Candomblé, isso não significou a sua aceitação pela elite e pelo Estado. Sempre ocorreu a tentativa de acabar com a crença e também com a forma de resistência. Mesmo com a Lei Áurea, em 1888, não há a liberdade. O povo negro africano terá de resistir para se inserir na sociedade, sofrendo preconceito, exclusão, insultos, agressões e perda de sua liberdade para ter direito de celebrar sua crença, que era diferente da elite branca e da profetizada pelo Estado (SANTOS, 2011). Por mais que o Estado tivesse se separado da Igreja em janeiro de 1890 63 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a CULTURA BRASILEIRA CONTEMPORÂNEA e efetivado a liberdade de culto, nas reformas constitucionais de 1891, 1926 e 1934, a lei estabelecia que, todos tinham a liberdade para a prática de cultos religiosos, contanto que não transgrida a ordem e os bons costumes. Porém, isso não vale para os negros e sua religião, pois eram declarados como bárbaros, e tratados como marginais. Por outro lado, a lei e a elite, não considerava a religião dos africanos como religião, mas como seita. Tudo isso revela o preconceito que sempre existiu com a religião do povo negro e existe até dos dias de hoje. Em 1997, foi aprovada a lei sobre o ensino religioso, que deve atender à diversidade, desta forma não cabe mais posturas radicais, preconceituosas, porém nas instituições escolares, pois o educador precisa ter uma postura relativista, respeitando a diversidade cultural e religiosa da identidade brasileira. Percebemos o sincretismo, nas religiões, quando encontramos os vínculos dos Orixás, do Candomblé e da Umbanda, com os santos da Igreja Católica, pois São Jorge é Ogum, Santa Bárbara é Iansã. Segundo Mota (2011, p.198), o sincretismo nada mais representa do que a contradição, a dialética existente na sociedade brasileira: O Candomblé e com ele o sincretismo, representam, por assim dizer, um momento dialético, um mundo de contradições, entre igualitarismo e escravismo, entre pertencer à sociedade fundada e organizada pelos senhores e não pertencer, entre assimilação ao caráter predominantemente europeu, ocidental, de nossa cultura e a altiva manutenção de nossa identidade do Brasil, mulata, morena. Enunciei alguns aspectos do mundo de contradições de que o sincretismo representa não a conciliação precária, mas a síntese vivida. Entre todos os ângulos da contradição, o menos importante me parece justamente aquele com que se tem mais preocupado etnólogos e leigos, desde o tempo do nosso patriarca Nina Rodrigues: o sincretismo puramente lógico, que funde (no Recife) Xangô e São João, lansã e Santa Bárbara, lemanjá e a Virgem da Conceição. Ribeiro (1995) afirma que, pelo fato de os membros das classes dominantes no Brasil serem descendentes dos antigos senhores de escravos, persistiu nesses o comportamento de desprezo para com os negros e com sua cultura. A classe dominante apreendeu, com seus antepassados, que o negro servia apenas como força para o trabalho. Por isso, quando se encontrava sem força, este negro poderia ser substituído por outro como um objeto qualquer. Da mesma forma são tratados os pobres, considerados ordinários pela falta de conhecimento, pela preguiça, pelos delitos que são inatos, sem a possibilidade de mudança. 64 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a Unidade II Desta forma, todos os pobres são considerados culpados pela sua desgraça, já que isso é característico da raça e não da escravatura. O pior é que essa forma de pensar também vai ser utilizada pelos mulatos e negros que passam a uma posição melhor na sociedade, acabando por discriminar a massa miserável de negros. Como podemos ver na fala de Ribeiro (1995, p. 222): A nação brasileira, comandada por gente dessa mentalidade, nunca fez nada pela massa negra que a construíra. Negou-lhe a posse de qualquer pedaço de terra para viver e cultivar, de escolas em que pudesse educar seus filhos, e de qualquer ordem de assistência. Só lhes deu, sobejamente, discriminação e repressão. Grande parte desses negros dirigiu-se às cidades, onde encontrava um ambiente de convivência social menos hostil. Constituíram, originalmente, os chamados bairros africanos, que deram lugar às favelas. Desde então, elas vêm se multiplicando, como a solução que o pobre encontra para morar e conviver. Devido ao contingente de homens brancos vindos para o Brasil e às poucas brancas que para cá vieram, a matriz fundamental foi a mulher indígena, na maioria das vezes fecundada pelo branco. Isso explica a branquização do brasileiro, já que o mestiço de europeu e índio tem a pele de tom moreno claro, o que, no pensamento racista, passa facilmente como o “puro branco”. Darcy Ribeiro (1995) demonstra isso por meio do censo, no qual apresenta uma diminuição progressiva da população negra brasileira. Quadro 3 – Distribuição da população brasileira segundo a cor de 1872 a 2010[1] Cor 1872 % 1890 % 1940 % 1950 % 1990 % 2010 % Brancos 3.854 38 6.302 44 26.206 63 32.027 62 81.407 55 91.051 48 Pretos 1.976 20 2.098 15 6.644 15 5.692 11 7.264 5 14.517 8 Pardos 4.262 42 5.934 41 8.760 21 13.786 26 57.822 39 82.277 43 Total 9.930 14.333 41.236 51922 147306 190.749 Fonte: RIBEIRO (1995, p. 229). Fonte de 2010, Censo do IBGE. Foram considerados pardos os chamados de amarelos, nipobrasileiros e índios, que não são nem 5% dos totais. Ribeiro (1995) chama a atenção para o crescimento do grupo branco, que vai de 38% para 55% da população. Isso não ocorre devido à vinda dos imigrantes, mas é claro que esta porcentagem pode ter aumentado devido à melhor condição econômica, porque, enfim, isto resulta em uma parcela da população que vive em melhores condições – os bem-sucedidos –, que se classificam como brancos. Você pode perceber que, com o passar das décadas, a porcentagem de negros diminui de 20% da população, para 15%, depois para 11% e, na década de 1990, para apenas 5%. Porém, em 2010 volta a crescer para 8%. Podemos presumir que a porcentagem de preto e pardo tem aumentado e o branco diminuído, porque está havendo maior identificação do brasileiro com essas raças. Essa mudança cultural é percebida pela professora Paula Miranda Ribeiro, professora de demografia da UFMG e, segundo ela, essa mudança cultural de identificação de raça é chamada desejabilidade social. Antes, pretos e pardos eram desvalorizados socialmente, agora sendo mais valorizados do que antes, passama se identificar file:///C:\\Users\\Marie%20Almeida\\Documents\\Cultura%20Brasileira%20Contempor%C3%A2nea%20-%20material%20para%20dp%20online%20INTERNET.docx 65 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a CULTURA BRASILEIRA CONTEMPORÂNEA como pretos e pardos, reafirmando sua identidade. O coordenador do Laboratório de Análises das Relações Raciais da UFRJ, Marcelo Paixão, esse aumento reflete a valorização étnica, que por meio da maior visibilidade étnica e valorização por meio de atores, personalidades públicas negras quanto devido a políticas públicas, como as cotas (OGLOBO, 2011). Percebe-se a mudança na valorização de ser pardo também, na palavra do povo brasileiro: Moradora de Campo Grande, Zona Oeste do Rio, a vendedora Gisela Zerlotine fez questão de se declarar parda no Censo de 2010: - Apesar de não ter pele tão escura, eu me sinto mais próxima de pardos e negros, minha família tem muitos negros - diz Gisela, casada há sete anos com Luiz Carlos de Oliveira, negro. - A gente tem dois filhos. Um é meu de uma relação anterior, Pedro, de 8 anos, branco mesmo, o pai era bem branco. E a outra é a Milena, de 2, filha minha com o Luiz Carlos. Ela já é caramelo. É bem misturada. (OBLOBO, 2011). Os indígenas foram quase exterminados devido às doenças, às condições de miséria e opressão em que foram colocados. Hoje, a população cresce; em 2000 eram 734.127 e em 2010 totalizavam 817.963 (IBGE, 2010). Todas as nações indígenas lutam pelas suas terras até hoje. Para eles, a terra significa mãe, aquela que cuida de seus filhos, que dá a eles tudo que precisa para viver. E é nela que se conserva a história de seu povo, dando sentido à sua cultura. Por exemplo, “quando os Himbra do norte da Namíbia fizeram notar que o projeto de construção de uma usina hidrelétrica destruiria uma série de cemitérios sagrados, sua mensagem era, na realidade, que toda sua estrutura social estava ameaçada” (FUNAI, 2012), pois, toda sua história, seus valores e cultura se perderiam. A terra significa a sua identidade. Na nossa cultura, a terra significa propriedade privada. E, por mais que esse conceito não faça parte da cultura deles, eles precisaram aprender para conseguir lutar pelo direito deles perante as leis brasileiras, principalmente, perante a política e o capital, interesses comerciais sobre suas terras. A terra, na cultura indígena, é necessária para garantir sua sobrevivência e a sua formação da sua identidade cultural. A demarcação é necessária para sua proteção, além da preservação de um gigantesco patrimônio biológico e do conhecimento milenar desses povos sobre sua utilização. As sociedades indígenas da Amazônia conhecem mais de 1.300 plantas portadoras de princípios ativos medicinais e pelo menos 90 delas já são estilizadas comercialmente. Cerca de 25% dos medicamentos utilizados nos Estados Unidos possuem substâncias ativas derivadas de plantas nativas das florestas tropicais. Por isso, a preservação dos territórios indígenas é tão importante, tanto do ponto de vista de sua riqueza biológica quanto da riqueza cultural. (FUNAI, 2012) As classes que detêm o poder econômico e político valorizaram e desvalorizaram nossa descendência indígena, segundo seus interesses. Tanto é que até os dias de hoje as nações lutam para garantir a posse 66 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a Unidade II de suas terras (SANTOS, 2006). O pior é que as ideias produzidas por esses é massificada para o povo brasileiro, resultando em visões deturpadas da realidade. Segundo a cineasta Ana Carvalho Ziller de Araujo (2010), há alguns equívocos que os brasileiros cometem hoje, como: A do índio genérico, de que os índios constituem um único bloco, com a mesma forma de pensar, sentir e agir, isto é, com a mesma cultura. Pelo contrário, hoje possuímos no Brasil mais de 220 etnias, falando 188 línguas diferentes, sendo que cada uma possui a sua forma de ser, sua religião, sua arte, sua história. A de que eles são de cultura atrasada e primitiva. Como pensaram os colonizadores e ainda hoje muita gente pensa a sim. Porém, a verdade é que possuem culturas complexas, produzem conhecimento, arte, música, religião. Como, por exemplo, as suas línguas, que pelo colonizador foram consideradas, erroneamente, como “inferiores” e “atrasadas”. Pois, como explicam os linguistas, se uma língua é capaz de expressar pensamento, sentimento, não existe a melhor ou a pior, mas, sim, diversidade. Outro exemplo, são as religiões indígenas, que foram consideradas pelo catolicismo, no passado, como superstições (visão etnocêntrica e preconceituosa). Na realidade, por exemplo, os Mbyá-Guarani foram considerados por pensadores como os “teólogos da América”, já que possuem profunda religiosidade, manifestada em seu cotidiano em todos os momentos de sua vida, sendo uma das características de sua identidade. Em qualquer aldeia Guarani, a maior construção é sempre a Opy – a Casa de Orações. (...). Nas três aldeias do Rio de Janeiro, a reza ou porahêi é realizada diariamente, todas as noites, durante os 365 dias do ano, de forma comunitária, contando com a participação de quase toda a aldeia. Começa por volta das 19h e vai até a meia-noite, podendo algumas vezes estender-se até a manhã. O cacique toca mbaracá e dirige as rezas, acompanhadas de cantos e danças. Não existe nenhum grupo dentro da população brasileira que reze mais do que os Guarani. Os Guarani Mbyá mantêm fidelidade à religião tradicional, resistindo às investidas de grupos evangélicos, católicos, e de outras religiões. (...) A importância da religião Guarani pode ser avaliada através das palavras do vice-cacique, Luis Eusébio: “Se o Mbyá deixar a religião dele, a língua, vai começar a beber, faz baile, tem briga com parente, casa com branco e desaparece a nação, morre o índio.” (ARAUJO, 2010, p. 20-21) Os conhecimentos dos indígenas também foram vistos de maneira preconceituosa, desprezados e ridicularizados pela nossa sociedade. Como se esses estivessem negando a nossa ciência. Mas, em 1992, o Museu Goeldi fez uma exposição sobre a ciência dos Kayapó, expressando a importância desse saber para a humanidade. Demonstrando o conhecimento sofisticado que produziram sobre “plantas medicinais, agricultura, classificação e uso do solo, sistema de reciclagem de nutrientes, métodos de reflorestamento, pesticidas e fertilizantes naturais, comportamento animal, melhoramento genético de plantas cultivadas e semidomesticadas, manejo da pesca e da vida selvagem e astronomia” (ARAUJO, 2010, p.21). 67 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a CULTURA BRASILEIRA CONTEMPORÂNEA O terceiro equívoco é quanto à cultura indígena ter de manter-se estagnada, não podem mudar. Já que a grande maioria dos brasileiros pensa que o índio deve continuar usando tanga, vivendo na floresta, com arco e flecha, tal como os portugueses os encontraram aqui em 1500. Desta forma, qualquer mudança é vista como algo estranho, fora de lugar. Se fosse assim, nós também não poderíamos mudar, teríamos de viver sempre da mesma forma. Lembre-se: a cultura não é estática. Nem a nossa e nem a deles. Quando o índio não se enquadra na imagem feita em 1500, logo dizem (ARAUJO, 2010, p.24): “Ah! Este aí não é mais índio, já está civilizado”. Ele usa calça e camisa, óculos e relógios, fala português, ele sé ex-índio. Mas esquecem de que em todas culturas tomamos emprestados elementos de outras, mas nem por isso deixamos de ser brasileiros. É impossível que cada povo mantenha-se fechado, sem contato com outros povos. Por mais que, muitas vezes, o contato seja conflituoso, violento, há também momentos em que ocorre a cooperação, o diálogo e a troca de conhecimento, estabelecendo o processo de interculturalidade. Isto é, a partir do contato, cadapovo usufrui da cultura do outro, aquilo que lhe fizer bem. Veja a citação abaixo: Uma excelente matéria sobre a escola Waimiri Atroari foi publicada no jornal A Crítica, de Manaus, com belíssimas imagens do fotógrafo Euzivaldo Queiroz, mostrando índios, seminus, usando um computador em uma escola – uma construção coberta de palha – combinando o novo com o tradicional. Quando a reportagem passou lá, os alunos estavam em sala de aula, numa atividade escolar. Os índios Waimiri Atroari, há 40 anos atrás, não falavam português e nem sabiam o que era escola. Eles tinham outras instituições encarregadas de transmitir saber, ciências, artes e literatura, que era a tradição oral. No contato com a sociedade brasileira, eles decidiram criar uma escola, para aprender português como segunda língua, da mesma forma que a gente aprende o inglês, para poder sobreviver e entrar em contato com o mundo. O brasileiro aprende o inglês, não para substituir o português, mas para desempenhar outras funções. Assim também os índios aprendem o português, não com o objetivo de eliminar suas próprias línguas, que continuam com a função de comunicação interna, mas para se comunicar para fora. (ARAUJO, 2010, p.26). A quarta visão equivocada, está em achar que os índios fazem parte apenas do nosso passado. Perceba, por mais que eles façam parte do nosso passado histórico, fazem parte também do nosso presente e de nosso futuro, a cultura indígena faz parte da cultura brasileira. Veja o exemplo abaixo: Para ilustrar este tópico, pode ser interessante contar para vocês o que aconteceu com o bairro Amarelo, um grande conjunto habitacional localizado em Hellesdorf, no norte da ex-Berlim Oriental, na Alemanha. Em 1985, organismos governamentais construíram um conjunto habitacional tipo BNH, em Berlim. Eram blocos pré-moldados de cinco a seis andares, uns caixotões de concreto pré-fabricados, com uma fachada pintada de um amarelo duvidoso. Cerca de dez mil pessoas de baixa classe média moravam lá, em 3.200 apartamentos. Os moradores reclamavam muito, 68 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a Unidade II depois do trabalho não tinham vontade de voltar para casa, porque achavam o bairro feio, o lugar horrível, pesado e triste. Quando caiu o muro de Berlim, em 1989, a cidade passou por um processo de reforma urbana sem precedentes. O Instituto de Urbanismo de Berlim colocou 50 milhões de dólares para dar uma melhorada no bairro. Chegaram com os moradores e disseram: “a gente quer mudar o bairro de vocês, mas a gente quer saber com que cara vocês querem que ele fique”. Os moradores se reuniram, discutiram e concluíram: “nós queremos que nosso bairro tenha a cara da América Latina, que é bonita e alegre”. Foi feita a licitação e se apresentaram mais de 50 escritórios de arquitetura da América Latina. Ganhou um escritório brasileiro de São Paulo – Brasil Arquitetura. Aí os arquitetos foram lá, conversar com o pessoal do bairro. (...) A primeira proposta deles foi construir jardins e colocar algumas esculturas de artistas plásticos brasileiros nessas entradas de acesso. Depois discutiram sobre a reforma nas fachadas dos edifícios, com a qual os moradores implicavam. Os moradores pediram: “nós queremos que sejam colocados azulejos com arte indígena, com desenhos dos índios”. Bom, se os arquitetos andassem 5 km, iam chegar no Museu Etnográfico de Berlim, onde existem milhares de obras de arte indígena, com desenhos em todo tipo de suporte: em cerâmica, tecido, palha e até em papel. No entanto, o que se queria não era arte indígena do passado, mas arte indígena de hoje, contemporânea. Os arquitetos decidiram sair atrás de desenhos novos, atuais, com uma série de dúvidas: será possível encontrá-los, depois de 500 anos de contato, do saqueio colonial, do trabalho compulsório, dos massacres, das missões, das invasões de terras, das estradas, dos colonos, dos garimpos, das frentes extrativistas, das hidrelétricas, dos grandes projetos? Os índios não teriam perdido suas fontes de inspiração? Em muitas sociedades indígenas, as tigelas e potes de cerâmicas foram substituídos por peças de alumínio e plástico, as indumentárias e adornos tradicionais foram trocados pelo vestuário ocidental: em que medida este fato afetou a expressão artística tradicional? Hoje, no Brasil, existem mais de 200 povos indígenas, quase todos eles produzindo artes gráficas. Os arquitetos Francisco Fanucci e Marcelo Ferraz, responsáveis pelo projeto de remodelação das fachadas, acabaram optando pelos Kadiweu, cujos desenhos consistem em figuras geométricas abstratas. Como a pintura Kadiweu é tarefa exclusiva da mulher, os dois arquitetos realizaram concurso entre as índias da aldeia Bodoquena, no Mato Grosso do Sul. Mandaram para a aldeia um lote de papel cortado no tamanho estabelecido, as instruções sobre as cores e canetas hidrográficas. Noventa e três índias, de 15 a 92 anos de idade, realizaram três propostas cada uma. O resultado agradou a todo mundo. Os arquitetos selecionaram, num primeiro momento, 300 estampas coloridas, exclusivas, criadas pelas índias, e depois escolheram seis delas como vencedoras do concurso. No dia 19 de junho de 1998, essas estampas, transformadas em azulejos, foram inauguradas nas fachadas dos blocos 69 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a CULTURA BRASILEIRA CONTEMPORÂNEA do Bairro Amarelo, alegrando-o, humanizando-o, tornando-o mais belo, habitável e civilizado, facilitando a convivência e a comunicação entre os seus moradores. A aldeia Bodoquena ganhou, por esse trabalho civilizatório, 20 mil marcos alemães e mais passagens e estadias de dez dias para as seis índias, artistas Kadiwéu, que estiveram presentes na festa de inauguração. A reforma urbana de um conjunto habitacional de Berlim com desenhos Kadiwéu mostra os equívocos da concepção evolucionista ultrapassada que considera as experiências das sociedades indígenas no campo da arte e da ciência como primitivas, pertencentes à infância da humanidade, sem lugar no tempo presente. Ele serve também para exemplificar como um bem cultural pode adquirir novos usos e novas significações, se nele é investido um novo trabalho cultural. Serve ainda para formularmos algumas perguntas inquietantes: por que um povo, como o alemão, possuidor de um expressivo patrimônio artístico próprio, busca melhorar sua qualidade de vida, lançando mão de elementos atuais das culturas indígenas? Será que moradores de qualquer bairro de uma cidade brasileira tomariam decisão semelhante? Por que não? (ARAUJO, 2010, p.28-30). Quinto equívoco, e último, está em não considerar o índio na formação da nossa identidade de brasileiro (ARAUJO, 2010). Há 500 anos, nós brasileiros não existíamos no planeta terra. O povo brasileiro é novo, fomos formados nos últimos cinco séculos, por meio de três matrizes: a europeia, principalmente pelos portugueses, mas também pelos espanhóis, italianos etc.; a indígena, composta por variados etnias, como o tupi, o karib, o aruak, o jê, o tukano e outros; a africana, que também é formada por um grupo de povos diferentes, como, os fon, os yorubás, os nagôs, os gêges, os ewés, os haussá, os bantos kimbundos, os kicongos, os benguelas e outros. Além dessas matrizes, no período da migração, contamos com a etnia japonesa, sírio-libanesa e turcos, que enriqueceram ainda mais a formação do povo brasileiro. Porém, como os europeus foram os que dominaram economicamente, politicamente e militarmente os demais povos, a tendência é de identificarem nossa formação enquanto povo apenas com o vencedor, a matriz europeia, principalmente a portuguesa. Acabando por ignorar a indígena e a africana, empobrecendo a cultura brasileira. Por mais que façam isso, o índio está vivo dentro de nós, mesmo não sabendo disso. Pense bem, quando aquele descendentede alemão, que vive lá em Santa Catarina, louro e do olho azul, começar a rir – como é que ele faz? Do que é que ele ri? (...) Quando tiver que fazer suas opções culinárias, de música, de dança, de poesia, de onde é quem saem os critérios de seleção?” (ARAUJO, 2010, p.32). É nesse momento que aparecem as heranças culturais, incluindo as indígenas e as negras. Veja essa história: (...) o escritor português Antônio Alçada, (...), estava fazendo turismo na Grécia com um grupo de amigos portugueses, lá numa daquelas ilhas gregas. Estava em pé, parado, conversando com esses amigos, quando passou um grupo de turistas japoneses, carregados de máquinas fotográficas. Até aí nada demais, porque tem turista japonês em qualquer biboca do mundo. Acontece que 70 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a Unidade II enquanto os turistas japoneses prosseguiram seu caminho, um deles parou diante do grupo de portugueses, ficou olhando e ouvindo os portugueses por alguns minutos, depois se aproximou e perguntou num perfeito português com sotaque paulista: “Desculpa. Eu sou brasileiro. Vocês são portugueses?” O Antônio Alçada respondeu: “Somos”. O “japonesinho” de São Paulo, então, deu um logo e estridente assobio para o grupo dele, que havia se distanciado. Todo mundo virou a cabeça para trás e ele gritou: “Ei, pessoal! Venham aqui que eu encontrei um grupo dos nossos antepassados”. O escritor português contou que sentiu uma coisa estranha e pensou: “Eu? Antepassado desses japoneses? Como? Se os pais deles deviam estar numa ilha, lá no Japão, na geração anterior, e não têm nada que ver com o meu passado!”. Acontece que os imigrantes, que chegam aqui no Brasil, acabam assumindo a cultura e a história do país, assumindo desta forma um passado que não é dele individualmente, nem de sua família, mas é coletivo, da nação, do povo ao qual ele agora pertence. (ARAUJO, 2010, p.32-32). Nós somos lindos, porque somos a união de várias etnias e devemos respeitá-las. O negro não foi destruído como os índios o foram no primeiro contato com os portugueses, por terem melhores condições quanto às doenças, já que possuía anticorpos contra estas, uma vez que na África estavam expostos às mesmas enfermidades que os europeus, pois já estavam em contato com eles. Com a abolição da escravatura, a população de negros livres também foi diminuindo devido às condições de miséria colocadas. Ribeiro (1995) afirma que, ao analisar as condições de carreira do negro em nosso país, chegando como escravo e sendo colocado para fazer as tarefas mais duras, como base para o processo produtivo, sendo tratado como um burro de cargas, para produção do lucro máximo e recebendo, em contrapartida, uma vida de miséria. Ao se tornar livre, o negro vai ter contato com novas formas de exploração que, ainda que menos cruéis do que na época da escravidão, ainda não vai lhe permitir pertencer à sociedade e ao mundo do conhecimento, tornando-se parte do subproletariado: o animal de serviço. Observação Proletariado é a classe dos trabalhadores. Portanto, o subproletariado consiste na classe que está abaixo da dos trabalhadores, pois as condições de trabalho e direitos são miseráveis. No momento da Lei do Ventre Livre, a primeira lei abolicionista, na qual os filhos das escravas passavam, a partir deste momento, a nascer livres, os fazendeiros abandonavam as crianças nas estradas e nas vilas, pois, não sendo objetos seus, não queriam mais ter de alimentá-las. Depois, o estado de São Paulo criou nessas vilas asilos para acolher essas crianças. Com a abolição, os que não queriam mais servir aos senhores saíram e os velhos e doentes foram expulsos. Desta forma, acabaram por se concentrar na entrada das vilas e cidades, em condições terríveis, e acabaram por aceitar condições de trabalho exploradoras ditadas pelos latifundiários. 71 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a CULTURA BRASILEIRA CONTEMPORÂNEA Com a implantação de máquinas nas lavouras comerciais, outro grupo de trabalhadores foi excluído, o que levou ao aumento da população dessas vilas: não havia mais somente negros, mas também pardos e brancos pobres, todos considerados como massa dos trabalhadores livres para comporem o subproletariado. Ribeiro (1995) diz que até hoje podemos observar que, próximos às cidades, encontramos essas concentrações de mendigos, domésticas, cegos, aleijados – os miseráveis –, sendo que os velhos, cansados pelo trabalho, cuidam das crianças. É a partir dessas condições que, segundo Darcy Ribeiro (1995), devemos procurar a diferença social entre a expansão do branco e do negro no desenvolvimento da sociedade brasileira. Essa situação ainda persiste na década de 1990: A situação de inferioridade dos pardos e negros com respeito aos brancos persiste em 1990. Os poucos dados disponíveis mostram que 12% dos brancos maiores de sete anos eram analfabetos, mas os negros eram 30% e os pardos 29%. Por outro lado, o rendimento anual médio (em Cr$) de pessoas de mais de dez anos era de 32212 para os brancos, de 13295 para os pretos e de 15308 para os pardos (Anuário estatístico do Brasil, IBGE, 1993). Lamentavelmente, as informações quanto à cor para 1990 são muito mais escassas que para 1950 (RIBEIRO, 1995, p.234). Assim, a base da sociedade continua em situação de miséria, pois, pela industrialização, não está sendo alterada a concentração de poder, riqueza e prestígio do branco. Por isso, as condições seculares de miséria do negro persistem ainda no século XXI, resultando nas maiores taxas de analfabetismo, criminalidade e morte, em um cenário em que predominam os negros, demonstrando o fracasso da nossa sociedade em promover uma democracia racial que incluísse o negro na condição de cidadão brasileiro. E, pior do que tudo isso, segundo Ribeiro (1995), mais do que preconceito por causa da raça ou da cor, hoje, na sociedade brasileira, se tem o preconceito de classe, pois a distância entre os pobres e os privilegiados é imensa, já que a diferença se dá não tanto pela posse financeira, mas também pelo estilo de vida, como a questão do conhecimento. Se diferenciarmos analfabetos e letrados, conhecimento vulgar e científico entre os de famílias abastadas e as de origem humilde, a oposição entre as classes sociais de pobres e ricos é muito maior do que a oposição entre negros e brancos. Por isso, é mais aceitável o casamento entre pessoas de raças diferentes do que o de pessoas de classes opostas, devido à discrepância social e cultural. Darcy Ribeiro (1995) critica Gilberto Freyre por este dizer, em “Casa-grande e senzala”, que a mulher morena atraía o português. Para ele, é desnecessária a explicação desse interesse sexual, já que este ocorreu no mundo inteiro, no período da colonização, quando o homem branco se encontrava com gente de cor e na ausência de suas mulheres brancas. E, para o autor, hoje ocorrem também relações sexuais entre homens de condição social superior com negras, índias e mulatas, mas são apenas relações de interesse sexual sem apego afetivo. São raros os casos de amor entre ambos. O sexo, nessa situação desigual, torna a mulher servil e dependente do homem, aceitando o que este lhe impõe, aceitando as relações ocasionais e de amasiadas temporárias. A partir disso, a família se estrutura na mulher, que tem filhos de homens diferentes. Só quando a mulher muda de condição social é que também consegue ter uma vida sentimental autônoma, na qual 72 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a Unidade II adquire dignidade nas relações sexuais e, a partir disto, conseguindo uma estrutura familiar estável, de reconhecimento religioso e social. Assim, essa mulher passa a superar as condições desfavoráveis e passa a ter condições igualitárias. Mas, para isso ser possível
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