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Capítulo 16 I Mutação, Reparo e Recombinação 485 Plaqueamento em réplica Cabo t Pressionar na placa master contendo colônias em crescimento Superfície de veludo (esterilizado) Oe o Então pressionar em placa-réplica que distingue genótipos dos tipos selvagem e mutante Figura 16.6 O plaqueamento em réplica revela colôn ias mutantes em uma placa master pelo seu comportamento em placas-réplica seletivas. [De G. S. Stent e R. Calendar, Molecular Genetics, 2nd ed. W H. Freeman and Company, 1978.J Mecanismos de mutações espontâneas As mutações espontâneas têm várias fontes. Uma delas é o processo de replicação do DNA. Embora a replicação do DNA seja um processo muito acurado, são cometidos erros na cópia de milhões (e mesmo bilhões) de pares de bases em um genoma. As mutações espontâneas também surgem em parte porque o DNA é uma molécula muito frágil, e o próprio ambiente celular pode danificá-la. Como descrito no Capítulo 15, as mutações podem ser causadas pela inserção de um elemento de transposição de outro local do genoma. Neste capítulo, enfocamos as mutações que não são causadas por elementos de transposição. Erros na replicação do DNA. Um erro na replicação do DNA pode ocorrer quando se forma um par errado de nucleotídios (digamos, A-C) na síntese de DNA, levando a uma substitui- ção de bases que pode ser uma transição ou uma transversão. Outros erros podem adicionar ou subtrair pares de bases, de modo que é criada uma mudança de matriz de leitura. Transições. Vimos, no Capítulo 7, que cada base no DNA é capaz de aparecer em uma de diversas formas tautoméricas que podem parear de forma indevida. Os malpareamentos também podem resultar quando uma das bases torna-se ionizada. Esse tipo de malpareamento ocorre mais frequen- temente que os malpareamentos decorrentes de tautome- rização. Tais erros costumam ser corrigidos pela função de revisão (edição) da DNA pol III bacteriana (Figura 7.8). Se a revisão não ocorrer, todos os malpareamentos descritos até agora levam a mutações de transição, nas quais uma purina O plaqueamento em réplica demonstra a existência de mutantes antes da seleção Placa master contendo 107 colônias de Tons 5 E. coli (sensível a T1) - --:...: --- .. --: -.. :_.::: -.:: :.--.:: _-.. _:.: -----: : ._ :. : -.. -: -.. _: - .. _ -: -- .. - .. -.. - - --- .. -- -- - .. ---- -- --::: .. :: ·-: :: :_ -.. :_ = .. : : ... : ·===· _::-:-.. · : -·::-.. -··----.. -:::·-.. · .. ---:--.. -- .. - .. --- : ---.. -_ .. -- .. ..... .. - - - .. ...._ .. - ... --- -. .. .. .. - ... ... ~--- Plaqueamento em réplica---~ - - -- • - - - Placa 1 Placa 2 Placa 3 Série de placas-réplica contendo altas concentrações de fago T1 e quatro colônias Ton r - Figura 16.7 Os padrões idênticos nas réplicas mostram que as colônias resistentes são da placa master. [De G. 5. Stent e R. Calendar, Molecular Genetics, 2nd ed. W H. Freeman and Company, 1978.J é substituída por outra purina ou uma pirimidina por outra pirimidina (Figura 16.2) . Outros sistemas de reparo (descritos mais adiante no capítulo) corrigem muitas das bases mal- pareadas que escapam à correção pela função de edição da polimerase. Transversões. Nas mutações por transversão, uma pirimidina substitui uma purina ou vice-versa (Figura 16.2). A criação de uma transversão por um erro de replicação exigiria, em algum ponto no curso da replicação, o pareamento errado de uma purina com uma purina, ou uma pirimidina com uma pirimidina. Embora a dimensão da dupla hélice de DNA torne tais malpareamentos energeticamente desfavoráveis, sabemos, a partir de estudos de difração de raios X, que pares G-A, bem como outros pares de purina com purina, podem se formar. Mudanças de matriz de leitura. Os erros de replicação tam- bém podem levar a mutações de matriz de leitura. Lembre, do Capítulo 9, que tais mutações resultam em proteínas muito alteradas. Certos tipos de erros de replicação podem levar a muta- ções indel, isto é, inserções ou deleções de um ou mais pares de bases, que acarretam mutações na matriz de leitura quan- do adicionam ou subtraem um número de bases não divisível por três (o tamanho de um códon) nas regiões codificadoras de proteína. O modelo que prevalece (Figura 16.8) sugere que as indels surgem quando são estabilizadas alças nas regiões unifilamentares por "pareamento deslocado" (slipped) de 486 Introdução à Genética As mutações indel resultam em mudanças de matriz de leitura Adição Sentido da síntese de DNA 5' - CGT 3' - GCAAAAACGT AC - Filamento recém-sintetizado desliza Base extra projeta-se 5' - CG 1 1 l li 3' -GC AAAAACGTAC- Alça estabilizada por sequências repetitivas 5' - CG 1 1 1 TTGCATG 3' -GC AAAAACGTAO- 5' - CGTTTTTTGCAT - 3' - GCAAAAAACGTAO- Par de bases A • T adicionado Nova rodada de replicação 5' - CGTTTTTGCAT 3' -GCAAAAACGTAO- Deleção Sentido da síntese de DNA 5' - CTGAGAG 3' - GACTCTCTCTCTGC.ai - Filamento-molde desliza Bases extras projetam-se 5' - CT GAGAG.al 3' - G,6l CTCTCTCTGCA: - Alça estabilizada por sequências repetitivas 5' - CT GAGAGAGACGli CTCTCTCTGCA- 5' - CTGAGAGAGACG - 3' - GACTCTCTCTGCA: - Pares de bases G • C e A • T deletadas Nova rodada de replicação 5' - CTGAGAGAGAGACGli - 3' - GACTCTCTCTCTGCA:- Figura 16.8 Inserções e deleções de bases (mutações indel) causam mudanças de matriz de leitura pelo malpareamento de sequências repetidas durante a repl icação. sequências repetidas no curso da replicação. Esse mecanismo às vezes é chamado de replicação deslocada. Lesões espontâneas. Além dos erros de replicação, as lesões espontâneas - os danos de ocorrência natural no DNA - podem gerar mutações. Duas das mais frequentes lesões espontâneas resultam de despurinação e desaminação. A despurinação, a mais comum das duas, é a perda de uma base purina, e consiste na interrupção da ligação glicosídica entre a base e a desoxirribose e a perda subsequente de uma guanina ou uma adenina do DNA. 1 p 1 o 1 e o 1 H o o tlJ ,..,H N ,..,H 1 G . H uan1na )lo 1 p 1 o 1 e o 1 H 1 o O+ o ,..,H H ,..,H 1 N N H Guanina H Uma célula de mamífero perde espontaneamente cerca de 10.000 purinas de seu DNA em um ciclo celular de 20 h a 37ºC. Se essas lesões persistissem, resultariam em um dano genético significativo porque, na replicação, os sítios apu- rínicos resultantes não conseguem especificar uma base complementar à purina original. Entretanto, como veremos mais adiante neste capítulo, sistemas de reparo eficientes removem os sítios apurínicos. Em certas condições (descritas mais adiante), uma base pode ser inserida através de um sítio apurínico. Essa inserção frequentemente resulta em uma mutação. A desaminação de citosina produz uracila. Citosina Desaminação 7~ > H20 NH3 o Uracila Resíduos de uracila não reparados irão parear-se com ade- nina na replicação, resultando na conversão de um par G · C em um par A· T (uma transição G · C ~A· T). As bases danificadas oxidativamente representam um ter- ceiro tipo de lesão espontânea que gera mutações. As espécies ativas de oxigênio, como radicais superóxido (02 ·-), peróxido de hidrogênio (H20 2) e radicais hidroxila (·OH), são subpro- dutos do metabolismo aeróbico normal e podem causar dano oxidativo ao DNA, bem como a precursores do DNA (como GTP), resultando em mutação. As mutações por danos oxi- dativos foram implicadas em inúmeras doenças humanas. A Figura 16.9 mostra dois produtos de danos oxidativos. O produto 8-oxo-7-hidrodesoxiguanosina (8-oxo dG ou GO) fre- quentemente induz pareamentos errados com A, resultando em um alto nível de transversões G ~ T. O produto timidina glicol bloqueia a replicação do DNA se não for reparado, mas ainda não foi implicado como uma causa de mutação. Capítulo 16 I Mutação, Reparo e Recombinação 487 Os radicais de oxigênio danificam o DNA o CH3 HN3 4 5 OH º~N 6 OH 1 H dRTimidina glicol o 1 dR 8-0xo-7-hidrodesoxiguanosina (8-oxo dG) Figura 16.9 Produtos formados após o ataque de radicais de oxi- gênio ao DNA. Abreviação: dR, desoxirribose. Mensagem. As mutações espontâneas podem ser geradas por processos d iferentes. Os erros de repl icação e as lesões espontâ- neas geram a maioria das substitu ições de bases espontâneas. Os erros de replicação podem causar também deleções que levam a mudanças de matriz de leitura. Mutações espontâneas em humanos: doenças de repetições de trinucleotídios A análise de sequências de DNA revelou que as mutações gênicas contribuem para numerosas doenças humanas here- ditárias. Muitas são substituições de bases esperadas ou tipo indel de um só par de bases. Entretanto, algumas mutações são mais complexas. Vários desses distúrbios humanos são causados por duplicações de sequências curtas repetidas. Um mecanismo comum responsável por várias doenças genéticas é a expansão de uma repetição de três pares de bases. Por esse motivo, elas são chamadas de doenças de repetição de trinucleotídios. Um exemplo é uma doença humana chamada de síndrome do X.frágil, a forma de retardo mental hereditário mais comum, que ocorre em cerca de 1 em 1.500 homens e 1 em 2.500 mulheres. Ela se manifesta citologicamente por um sítio frágil no cromossomo X, que resulta em quebras in vitro (mas não leva ao fenótipo da doen- ça). A síndrome do X frágil resulta de mudanças no número de uma repetição (CGG)n em uma região do gene FMR-1 que é transcrita mas não traduzida (Figura 16.10a). Como o número de repetições está correlacionado com o fenótipo da doença? Os seres humanos normalmente mos- tram considerável variação no número de repetições CGG no gene FMR-1, variando de 6 a 54, com o alelo mais frequente ' contendo 29 repetições. As vezes, os genitores não afetados e os avós dão origem a uma prole grande com síndrome do X frágil. A prole com os sintomas da doença tem enorme núme- ro de repetições, variando de 200 a 1.300 (Figura 16.10b). Também se observou que genitores e avós não acometidos contêm um número aumentado de cópias da repetição, mas As repetições de trinucleotídios no gene FMR-1 impedem a transcrição (a) (CGG)n ATG TAA 1 2345 67 8 9 10 111213141516 17 (b) Gene FMR-1 Fenótipo Transmissão Meti lação Transcrição Normal (CGG)6_59 ATG Normal Estável Não Sim 1 1 ~ • • • ~ Pré-mutação Amplamente Instável, (CGG)so-200 ATG ' Não Sim propensa a 1 I~ normal - • • • expansao - - Mutação total (t GG)>200 ATG Afetado Instável Sim Não !!!!I 1 1 • • • Figura 16.1 O O gene FMR-1 na síndrome do X frágil. (a) Estrutura do éxon e repet ição CGG antecedente. (b) Transcrição e meti lação em alelos normais, pré-mutação e mutação total. Os c írcu los vermelhos representam grupos meti l. [Oe W T. O'Donnell e 5. T. Warren, Annu. Rev. Neurosci. 25, 2002, 3 7 5-338, Fig. 7. J 488 Introdução à Genética variando de apenas 50 a 200. Por esse motivo, esses ances- trais foram ditos como tendo pré-mutações. As repetições des- ses alelos de pré-mutação não são suficientes para causar o fenótipo da doença, mas são muito mais instáveis (i. e., facilmente expandidas) que os alelos normais, e assim levam a uma expansão maior em sua prole. (Em geral, quanto mais expandida a repetição, maior parece ser a instabilidade.) O mecanismo proposto para a geração dessas repetições é o deslize na replicação que ocorre durante a síntese de DNA (Figura 16.11). Entretanto, a frequência extraordinariamente alta de mutação nas repetições de trinucleotídios na síndro- me do X frágil sugere que, nas células humanas, após um limiar de cerca de 50 repetições, a maquinaria de replicação não consegue replicar fielmente a sequência correta, e ocor- rem grandes variações no número de repetições. Outras doenças, como a coreia de Huntington (veja o Capí- tulo 2), também estão associadas à expansão de repetições de trinucleotídios em um gene. Vários temas gerais aplicam-se a essas doenças. Na doença de Huntington, por exemplo, o gene do tipo selvagem HD inclui uma sequência repetida, em geral na região codificadora da proteína, e a mutação está correlacionada com uma considerável expansão dessa região repetida. A gravidade da doença está correlacionada com o número de cópias repetidas. A doença de Huntington e a doença de Kennedy (esta última também chamada de atrofia muscular bulhar e espinal ligada ao X) resultam da amplificação de uma repetição de três pares de bases, CAG. As pessoas não acometidas têm uma média de 19 a 21 repetições CAG, enquanto os pacientes acometidos têm uma média de cerca de 46. Na doença de Kennedy, que se caracteriza por fraqueza e atrofia muscular progressiva, a expansão da repetição de trinucleotídios é no gene que codifica o receptor de androgênio. O deslize na replicação causa expansão de repetições Repetições de trinucleotídios (CAGn) Filamento-molde 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 Filamento-filho 11 1 1 1 il 1 1 1111 1 ilP 1 illi 1 Il i' 1 'Ili 1 11 Malpareamento deslocado (slippage) Esta parte do molde é agora repetida duas vezes no filamento-fi lho. 1 1 1 1 1 1 il ii li iii il iii ii ii li i 1111 1 1 1 1 1 1 1 1 li 1 q 11 1 qp 1 1111 1 il - - - - - - - - GTC Figura 16.11 As regiões de repetições de trinucleotídios são pro- pensas a malpareamento durante a replicação (alça vermelha). Como consequência, a mesma região de repetições de trinucleotídios pode ser duplicada duas vezes durante a replicação. As propriedades comuns a algumas doenças de repetição de trinucleotídios sugerem um mecanismo comum pelo qual são produzidos fenótipos anormais. Primeiro, muitas dessas doenças parecem incluir neurodegeneração, isto é, morte celular dentro do sistema nervoso central. Segundo, em tais doenças, as repetições de trinucleotídios ocorrem nas matri- zes de leitura abertas dos transcritos do gene com mutação, levando a expansões ou contrações do número de repetições de um único aminoácido no polipeptídio (p. ex., as repetições CAG codificam uma repetição de poliglutamina). Assim, é fácil compreender por que essas doenças resultam de expan- sões de códons com três pares de bases. Entretanto, essa explicação não é válida para todas as doenças de repetição de trinucleotídios. Na síndrome do X frágil, a expansão de trinucleotídios ocorre perto da extremi- dade 5' do mRNA de FMR-1, antes do sítio de início da tra- dução. Assim, não podemos atribuir as anomalias fenotípicas das mutações FMR-1 a um efeito na estrutura da proteína. Uma chave para o problema com os genes mutantes FMR-1 é que, ao contrário do gene normal, eles são hipermetilados, uma característica associada aos genes transcricionalmente silenciados (Figura 16.10b). Com base nesses achados, supõe- se que a repetição expandida acarreta mudanças na estrutura da cromatina que silenciam a transcrição do gene mutante (veja o Capítulo 12). Em apoio a esse modelo está o achado de que o gene FMR-1 é deletado em alguns pacientes com síndrome do X frágil. Essas observações apoiam uma muta- ção de perda de função. Mensagem. As doenças de repetição de trinucleotídios surgem pela expansão do número de cópias de uma sequência de três pares de bases presente em várias cópias, geralmente na região codificadora de um gene. 16.3 Base molecular das mutações induzidas Enquanto algumas mutações são espontaneamente produzi- das dentro da célula, outras fontes de mutação são encontra- das no ambiente, intencionalmente aplicadas no laboratório ou encontradas por acaso no cotidiano. A produção das muta- ções no laboratório pela exposição a mutágenos é chamada de mutagênese, e o organismo é dito mutagenizado. Mecanismos de mutagênese Os mutágenos induzem mutações por pelo menos três meca- nismos diferentes. Eles podem substituir uma base no DNA, alterar uma base de modo que ela faça um pareamento espe- cificamente errado com outra base, ou danificar uma basede modo que ela não possa mais parear com qualquer base em condições normais. Provocar mutações em genes e observar as consequências fenotípicas é uma das estratégias experi- mentais primárias usadas pelos geneticistas. Incorporação de análogos de bases. Alguns compostos quí- micos são suficientemente similares às bases nitrogenadas Capítulo 16 I Mutação, Reparo e Recombinação 489 normais do DNA, de modo que são ocasionalmente incorpo- rados ao DNA em lugar das bases normais; tais compostos são chamados de análogos de bases. Após estarem no lugar, esses análogos têm propriedades de pareamento diferentes das bases normais; assim, podem produzir mutações fazendo com que nucleotídios incorretos sejam inseridos em oposição a eles na replicação. O análogo de base original existe apenas em um único filamento, mas pode causar uma substituição de par de nucleotídios que é replicada em todas as cópias do DNA descendentes do filamento original. Um análogo de base muito usado em pesquisa é a 2-ami- nopurina (2-AP). Esse análogo de adenina pode parear com timina, mas também pode fazer um malpareamento com citosina quando protonado, como mostrado na Figura 16.12. Portanto, quando a 2-AP incorpora-se ao DNA por parea- mento com timina, pode gerar transições A · T ~ G · C por malpareamento com citosina nas replicações subsequentes. Ou, se 2-AP é incorporada por malpareamento com citosina, então as transições G · C ~ A · T resultarão quando ela parear com a timina. Estudos genéticos mostraram que 2-AP causa transições quase exclusivamente. Malpareamento específico. Alguns mutágenos não são incorporados no DNA, mas alteram uma base de tal modo que se forma um malpareamento específico. Alguns agentes alquilantes, como o etilmetanossulfato (EMS) e a amplamen- te usada nitrosoguanidina (NG), operam por essa via. o 11 H5C2 - 0 - S - CH3 11 o EMS /CH3 O = N-N /H "-..C - N li "-..N02 N 1 H NG Tais agentes adicionam grupos alquila (um grupo etila em EMS e um grupo metila em NG) a muitas posições em todas as quatro bases. Entretanto, a formação de uma mutação é mais bem correlacionada com a adição de oxigênio na posição 6 da guanina, para criar uma 0-6-alquilguanina. Essa adição leva a malpareamento direto com timina, como mostrado (a) Pareamentos alternativos de 2-aminopurina 2-AP Ti mina H / ~ H-N ~7 a g ~4~ s~e~N+-H .. ·· , r; " 1 N~ )-N (b) N-H O ' / H 2-AP protonada Citosina Figura 16.12 (a) Um análogo da adenina, a 2-aminopurina (2-AP) consegue parear com timina. (b) Em seu estado protonado, 2-AP consegue parear com citosina. Malpareamentos específicos induzidos por alquilação o ( N .-v N r; e~ NH 1 N=-{ EMS> N- H / H Guanina 0-6-Etilguanina Ti mina ' H Timina 0-4-Etiltimina Guanina Figura 16.13 O tratamento com EMS altera a estrutura da guanina e da timina, ocasionando malpareamentos. na Figura 16.13, e resultaria em transições G · C ~ A · T na próxima rodada de replicação. Os agentes alquilantes também conseguem modificar as bases em dNTP (onde N é qualquer base), que são precur- sores na síntese de DNA. Agentes intercalares. Os agentes intercalares formam outra classe importante de modificadores de DNA. Esse grupo de compostos inclui a proflavina, a acridina laranja e uma clas- se de substâncias chamadas compostos ICR (Figura 16.14a). Esses agentes são moléculas planares que mimetizam pares de bases e são capazes de inserir-se (intercalar-se) entre bases nitrogenadas empilhadas no cerne da dupla hélice de DNA (Figura 16.14b). Nessa posição intercalada, tal agente pode causar uma inserção ou deleção de um único par de nucleo- tídios. Danos a bases. Um grande número de mutágenos danifica uma ou mais bases, e, assim, não é possível um pareamento específico de bases. O resultado é um bloqueio de replicação, porque a síntese de DNA não ocorrerá além de uma base que não possa especificar seu parceiro complementar por pontes de hidrogênio. Os bloqueios de replicação podem causar mais mutação, como será explicado mais adiante no capítulo (veja a seção sobre reparo por excisão de base). A luz ultravioleta geralmente causa danos a bases nucle- otídicas na maioria dos organismos, pois gera vários tipos distintos de alterações no DNA, chamados de fotoprodutos (da palavra foto para "luz"). As mutações com maior pro- babilidade de serem causadas por esses produtos são duas lesões diferentes que unem resíduos pirimidina adjacentes 490 Int rod ução à Genética Agentes intercalares CI Proflavina Acridina laranja {a) ICR-191 {b) Bases nitrogenadas Molécula intercalada Figura 16.14 Estruturas dos agentes intercalares comuns (a) e sua interação com o DNA (b). [De L. S. Lerman, "The Structure of the DNA- Acridine Complex'; Proc. Natl. Acad. Sei. USA 49, 1963, 94.] no mesmo filamento. Esses fotoprodutos são o fotodímero pirimidina ciclobutano e o fotoproduto 6-4 (Figura 16.15). A radiação ionizante resulta na formação de moléculas ionizadas e excitadas que danificam o DNA. Devido à nature- za aquosa dos sistemas biológicos, as moléculas geradas pelos efeitos da radiação ionizante na água produzem os maiores danos. Muitos tipos diferentes de espécies reativas de oxigê- nio são produzidos, mas os que mais danificam as bases do DNA são ·OH, 0 2- e H20 2• Essas espécies levam à formação de diferentes adutos e produtos de degradação. Entre os mais Fotoprodutos gerados por luz UV o / H 3' o o o o • • • • • • • • • • • • ~º N --• C 2 , O= ~3 ' 6 ' Anel ciclobutil {a) Dímero pirimidina ciclobutano o o o o 3' H / o CH2 / o ' p - 0 ' ' o o CH2 / o ' p - 0 ' ' o o CH2 / o ' p - 0 ' ' o o CH2 / o ' p - 0 ' ' o o 5' o o, / 0 - P, o / 3' o o, / 0 - P, o o o o o ,.... H ,,,___N 3 4 o ~6 ---5~ 2 6 ! T (6-4) T {b) Fotoproduto 6-4 Figura 16.15 Fotoprodutos que unem pirimidinas adjacentes no DNA estão fortemente correlacionados com mutagênese. [(Esquerda) De E. C. Friedberg, DNA Repair. Copyright 1985 by W H. Freeman and Company. (Direita) De}. S. Taylor et ai.] Capítulo 16 I Mutação, Reparo e Recombinação 491 A aflatoxina 81 forma um produto volumoso de adição Guanina HO HN ~~ H NA. ,,..l ..__ N1 2 N I Arcabouço deDNA o Aflatoxina 8 1 o o o Figura 16.16 A aflatoxina B1 metabolicamente ativada 1 iga-se ao DNA. prevalentes, mostrados na Figura 16.9, estão timidina glicol e 8-oxo dG, ambos podendo resultar em mutações. A radiação ionizante também pode danificar diretamente o DNA, em vez de o fazer por meio de espécies reativas de oxi- gênio. Tal radiação causa a quebra de ligações N-glicosídicas, levando à formação de sítios apurínicos ou apirimidínicos e quebras de filamentos. De fato, as quebras de filamentos são responsáveis pela maioria dos efeitos letais da radiação ionizante. A aflatoxina B1 é um poderoso carcinógeno que se liga à guanina na posição N-7 (Figura 16.16). A formação desse produto de adição leva à quebra da ligação entre a base e o açúcar, liberando assim a base e gerando um sítio apurínico. A aflatoxina B1 é um membro de uma classe de carcinógenos químicos conhecidos como produtos volumosos de adição quando se ligam covalentemente ao DNA. Outros exemplos incluem os epóxidos diol de benzo(a)pireno, um composto produzido por combustão interna. Todos os compostos dessa classe induzem mutações, embora por mecanismos que nem sempre são claros. Mensagem. Os mutágenos induzem mutações por vários mecanismos. Alguns mutágenos mimetizam bases normais e são incorporados ao DNA, nos quais se pareiam de forma incorre- ta. Outros danificam bases e causam malpareamento específico ou destroem o pareamento, causando o não reconhecimento de bases. Teste de Ames: avaliação de mutágenos em nosso ambiente Um número enorme de compostos químicos foi sintetizado, e muitos têm possíveis aplicações comerciais. Aprendemosdo modo mais difícil que os benefícios potenciais dessas apli- cações precisam ser avaliados com relação aos riscos para a saúde e ambientais. Assim, é essencial ter técnicas eficien- tes de triagem para avaliar alguns dos riscos de um grande número de compostos. Muitos compostos são potenciais agentes causadores de câncer (carcinógenos) e, assim, é muito importante ter siste- mas-modelo válidos, nos quais a carcinogênese dos compos- tos possa ser eficiente e efetivamente avaliada. Entretanto, usar um sistema-modelo de mamífero tal como o camundon- go é muito lento, demorado e caro. Na década de 1970, Bruce Ames reconheceu que existe uma forte correlação entre a capacidade dos compostos de causar câncer e a de causar mutações. Ele percebeu que a medida das taxas de mutação nos sistemas bacterianos seria um modelo efetivo para avaliar a mutagenicidade de com- postos como um primeiro nível de detecção de carcinógenos potenciais. Entretanto, ficou claro que nem todos os carci- nógenos eram mutagênicos; alguns metabólitos carcinóge- nos produzidos no corpo são, de fato, agentes mutagênicos. Tipicamente, esses metabólitos são produzidos no fígado, e as reações enzimáticas que convertem os carcinógenos em metabólitos bioativos não ocorrem em bactérias. Ames percebeu que podia superar esse problema tratando linhagens especiais da bactéria Salmonel"la typhimurium com extratos de fígado de rato contendo enzimas metabólicas (Figu- ra 16.17). As linhagens especiais de S. typhimurium tinham um dos vários alelos mutantes de um gene responsável pela síntese de histidina que eram conhecidos por "reverter" (i. e., retor- nar ao fenótipo do tipo selvagem) apenas por meio de alguns tipos de eventos mutacionais adicionais. Por exemplo, um alelo chamado TA100 pode ser revertido ao tipo selvagem apenas por mutação de substituição de bases, enquanto TA1538 e 1535 podem ser revertidos apenas por mutações indel resul- tando em uma mudança de proteína (Figura 16.18). As bactérias tratadas de cada uma dessas linhagens foram expostas ao composto do teste, e então cultivadas em placas de Petri em um meio sem histidina. A falta desse nutriente garantiu que apenas indivíduos revertentes que continham a substituição apropriada de base ou mudança de matriz de leitura iriam crescer. O número de colônias em cada pla- ca e o número total de bactérias testadas foram determi- nados, permitindo a Ames medir a frequência da reversão. Os compostos que produziram metabólitos induzindo níveis elevados de reversão relativos a extratos de fígado de con- trole não tratados seriam então claramente mutagênicos e, possivelmente, carcinógenos. O teste de Ames é um meio importante para rastrear milhares de compostos e avaliar um aspecto de seu risco para a saúde e o ambiente. Esse teste ainda é uma ferramenta importante para a avaliação da segu- rança de compostos químicos. 16.4 Mecanismos biológicos de reparo Após o levantamento dos numerosos modos pelos quais o DNA pode ser danificado, sejam intracelulares (replica- ção, oxigênio reativo, e assim por diante) ou extracelulares (ambientais: luz UV, radiação ionizante, mutágenos), você deve estar imaginando como a vida conseguiu superar todos esses obstáculos e evoluir por bilhões de anos. O fato é que os organismos, de bactérias a seres humanos ou plantas, con- seguem reparar eficientemente seus DNA. Esses organismos utilizam inúmeros mecanismos de reparo que, juntos, empre- 492 Introdução à Genética O teste de Ames revela compostos mutagênicos .. Esmagar o fígado e centrifugar S9 Enzimas hepáticas S9 Linhagem 1 + :· .. + • • • • . .. • • ••• • • • • • ••• . . . • • • • • ••• . . . ~ .. . • • • • S9 Li~hagem 2 + : ... + • • • • • • .. • 1 • •• • • • • • • • • • • • • • • . . . _. 1. •• . . .. • • • • X X n----iv linhagem 1 ou linhagem 2 S9 + + . : ... • • • • • (Controle) + . . - . ~· .. • • • . .. • • • • • • • • • . . ' • • •• . · .. .. . .. • • • ••• ~ ... Misturar e plaquear His- ... His+ Teste de reversão - :-~~~ : .-~.~~ ~- - - - .. - · --__ :_9: -- ---- -_-- --- .. -. --- - . · .. .;: : .•. - . - : - -: --, -... : . ·--~- -- -.· : ·. ·- - - .· . ·- .-. : - . - - --- ----- - -: - - -- -- -- : -: -· - : - : . --· - - - - --- - -· -- - - -- · .. .. --- ---- · --- - ----- · . . . .. - -. -- -. - .. - - His- ... His+ Teste de reversão Figura 16.17 Resumo do procedimento usado no teste de Ames. Enzimas hepáticas solubilizadas (59) são adicionadas a uma suspensão de bactérias auxotróficas em uma solução do carcinógeno potencial (X). A m istura é plaqueada em um meio que não contém histidina. Os revertentes indicam que a substância é um mutágeno e, possivelmente, também um carcinógeno. Teste de Ames para a mutagenicidade da aflatoxina 81 2.000 ro 1.500 ~ a. ...._ o a. (J) $ e: -ê 1.000 ~ ~ (J) ro ·-e: <O 8 500 20 40 TA100 o o o o o Aflatoxina 81 60 / TA1538 ,.....-TA1535 80 100 120 Dose (ng) de aflatoxina 81 140 gam cerca de até 100 proteínas conhecidas. De fato, nossa atual compreensão é que o DNA é a única molécula que os organismos reparam, em vez de substituir. Como veremos, a falha desses sistemas de reparo é uma causa significativa de muitas doenças humanas hereditárias. O mecanismo de reparo mais importante foi resumi- damente mencionado no Capítulo 7, a função de revisão das DNA polimerases que replicam o DNA como parte do replissomo. Como notado no referido capítulo, tanto a DNA polimerase I quanto a DNA polimerase III são capazes de remover bases malpareadas inseridas erroneamente. Vamos examinar agora algumas das outras vias de reparo, começan- do com o reparo sem erros. Figura 16.18 TA 100, TA 1538 e TA 1535 são linhagens de Salmo- nella portadoras de diferentes mutações auxotróficas de histid ina. A linhagem TA 100 é altamente sensível à reversão pela substituição do pareamento de bases. As l inhagens TA1535 e TA1538 são sensíveis à reversão por meio de mudança de matriz de leitura. Os resultados do teste mostram que a aflatoxina 8 1 é um potente mutágeno que faz subst ituições de pares de bases, mas não mudanças de matriz de leitura. [Oe}. McCann e B. N . Ames, in W G. Flamm e M . A. Mehlman, eds. Advances in Modern Technology, vol. 5. Copyright by Hemisphere Publishing Corporation, Washington, O.C.J Capítulo 16 I Mutação, Reparo e Recombinação 493 Reversão direta de DNA danificado O modo mais direto de reparar uma lesão é revertê-la dire- tamente, regenerando assim a base normal (Figura 16.19). Embora a maioria dos tipos de danos seja essencialmente irreversível, as lesões podem ser reparadas por reversão direta em alguns casos. Um caso é o de um fotodímero mutagênico causado por luz UV. O dímero pirimidina ciclobutano (CPD) pode ser reparado por uma enzima chamada CPD fotoliase. A enzima liga-se ao fotodímero e o divide para regenerar as bases originais. Esse mecanismo de reparo é chamado de fotorreativação, porque a enzima requer luz para funcionar. Outras vias de reparo são necessárias para remover danos de UV na ausência de luz do comprimento de onda apropriado (> 300 nm). As alquiltransferases são enzimas que também revertem diretamente as lesões. Elas removem alguns grupos alqui- la que foram adicionados à posição 0-6 da guanina (veja a Figura 16.13) por mutágenos, como a nitrosoguanidina e o etilmetanossulfonato. A metiltransferase de E. coli foi bem estudada. Essa enzima transfere o grupo metil de 0 -6-metil- guanina para uma cisteína no sítio ativo da enzima. Entre- tanto, a transferência inativa a enzima e, assim, esse sistema de reparo pode ser saturado se o nível de alquilação for sufi- cientemente alto. Reparo por excisão de base Um importante princípio que orienta os sistemas genéticos celulares é o poder de complementaridade de uma sequência de nucleotídios. (Lembre que a análise genética também depende muito desse princípio.) Importantessistemas de reparo exploram as propriedades de complementaridade antiparalela para restaurar os segmentos danificados de DNA a seu estado inicial não danificado. Nesses sistemas, uma base ou um segmento maior da cadeia de DNA é removido e subs- tituído por um segmento de nucleotídio recém-sintetizado complementar ao filamento oposto que serve de molde. Um fotodímero pode ser revertido por reparo direto 1 1 1 1 1 1 1 ' ' ? ''' ~( ~ CPD fotoliase Luz - >300 nm 1 1 1 1 1 1 1 1 199 1 1 1 Sem mutação Luz UV 1 1 1 1 f 1 , e 1 1 Fotodímero Fi.g~ra .16.19 A enzima CPD fotoliase divide o fotodímero piri- m1d1na c1clobutano para reparar essa mutação. Como esses sistemas dependem de complementaridade, ou homologia, do filamento-molde com o filamento que está sendo reparado, eles são chamados de sistemas de reparo dependentes de homologia. Ao contrário dos exemplos de reversão de danos descritos na seção anterior, essas vias incluem a remoção e a substituição de uma ou mais bases. O primeiro sistema de reparo dependente de homologia que examinaremos é o sistema de reparo por excisão de base. Após a revisão do DNA pela DNA polimerase, o reparo por excisão de base é o mecanismo mais importante usado para remover bases incorretas ou danificadas. O principal alvo do reparo por excisão de base é o dano não volumoso a bases. Esse tipo de dano pode ter várias causas mencio- nadas nas seções anteriores, incluindo metilação, desami- nação, oxidação ou perda espontânea de uma base do DNA. O reparo por excisão de base (Figura 16.20) é feito pelas DNA glicosilases, que cortam ligações base-açúcar, liberan- do assim as bases alteradas e gerando sítios apurínicos ou apirimidínicos (AP). Uma enzima chamada endonuclease AP, então, corta o filamento danificado antes do sítio AP. Um pequeno dano de base é detectado e restaurado por reparo por excisão de base i ªi 4'ªiiªiiªi 9~ 9 9((9 9((9 9(( 9 '~ DNA glicosilase corta a ligação base-açúcar. Sítio AP 1 Endonuclease AP -t faz o corte. 1 dRpase remove -t trecho de DNA. iªi % 9((9 9((9 9((9 9(( 9 Polimerase sintetiza novo DNA. Figura 16.20 No reparo por excisão de base, as bases danificadas são removidas e reparadas pela ação sequencial de uma DNA gl icosi- lase, uma end~nuclease AP, uma desoxirribofosfodiesterase (dRpase), uma DNA pol1merase e uma ligase. 494 Introdução à Genética Uma terceira enzima, a desoxirribofosfodiesterase, "limpa" o arcabouço, removendo um trecho do açúcar-fosfato vizi- nho, de modo que a DNA polimerase preenche o espaço com nucleotídios complementares ao outro filamento. A DNA ligase então une o novo nucleotídio ao arcabouço (Figura 16.20). Existem várias DNA glicosilases. Uma, a uracila-DNA glicosilase, remove uracila do DNA. As unidades de uracila que resultam de desaminação espontânea de citosina (veja anteriormente) podem levar a uma transição de C para T, caso não sejam reparadas. Uma vantagem de ter timina (5-metiluracila) em vez de uracila como parceiro natural de pareamento de adenina no DNA é que os eventos de desa- minação espontânea de citosina podem ser reconhecidos como anormais e, então, removidos e reparados. Se uracila fosse um constituinte normal do DNA, tal reparo não seria possível. Entretanto, a desaminação cria outros problemas para bactérias e eucariotos. Analisando um grande número de mutações no gene lacl, J effrey Miller identificou locais no gene onde uma ou mais bases eram propensas a frequentes mutações. Miller descobriu que os chamados pontos quen- tes (hotspots) mutacionais correspondem à desaminação em certos resíduos de citosina. A análise da sequência de DNA da transição dos pontos quentes G · C ~ A · T no gene lacl mostrou que existem resíduos 5-metilcitosina em cada ponto quente. Lembre, do Capítulo 12, que o DNA eucariótico pode ser metilado para inativar genes. E. coli e outras bactérias também metilam seu DNA, embo- ra para fins diferentes. Alguns dos dados desse estudo de lacl são mostrados na Figura 16.21. A altura de cada barra no gráfico representa a frequência de mutações em cada sítio. Pode-se ver que as posições dos resíduos 5-metilcitosina correlacionam-se bem com a maioria dos , . , . s1t1os mutave1s. Por que as 5-metilcitosinas são pontos quentes para muta- ções? A desaminação de 5-metilcitosina gera timina (5-me- tiluracila): s 4 ~}lN 6 2 N o 1 5-metilcitosina H3C Desaminação 7~ .. H20 NH3 o A timina não é reconhecida pela enzima uracila-DNA glico- silase e, portanto, não é reparada. Assim, as transições C ~ T geradas pela desaminação são vistas mais frequentemente nos sítios de 5-metilcitosina, porque escapam a esse sistema de reparo. Uma consequência da frequente mutação de 5-me- tilcitosina para timina é que as regiões do genoma metiladas (em geral transcricionalmente inativas; veja o Capítulo 12) são convertidas, ao longo do tempo evolutivo, em regiões ricas em AT. Em contraste, as regiões codificadoras e regula- doras, menos metiladas, continuam ricas em GC. Mensagem. No reparo por excisão de base, os danos não volumosos ao DNA são reconhecidos por uma de várias enzimas chamadas DNA glicosilases que c livam as ligações base-açúcar, 1 iberando a base incorreta. O reparo consiste na remoção do sítio, que agora não tem uma base, e na inserção da base correta orien- tada pela base complementar no filamento não danificado. Reparo por excisão de nucleotídio Embora a grande maioria dos danos sofridos por um orga- nismo seja um pequeno dano de base que pode ser repara- do pelo mecanismo de excisão de base, esse mecanismo não pode corrigir adições volumosas que distorcem a hélice do A 5-metilcitosina é um ponto quente para mutação 15 * * G·T A·T (/) cu * ·-(.) e: 10 <Q) ...... ...... o (.) o Q) "O o * ...... 5 Q) E •::J z n n n n n n r n o 50 100 150 200 250 300 350 Posição Figura 16.21 Pontos quentes de metilcitosina em E. coli. Mutações sem sentido em 15 sítios diferentes em fac/ foram registradas. Todas resultaram em transições G·C ~ A·T. O asterisco (*) marca as posições das 5-meti lcitosinas, e as barras brancas marcam os sítios onde estão as transições conhecidas por ocorrerem de maneira não isolada nesse grupo. [Oe C. Coulondre,}. H. Miller, P.}. Farabaugh e W Gilbert, "Molecular Basis of Base Substitution Hotspots in Escherichia cofi'; Nature 274, 1978, 775.J Capítulo 16 I Mutação, Reparo e Recombinação 495 DNA, adições como os dímeros de pirimidina de ciclobuta- no causadas por luz UV (Figura 16.15), nem danos a mais de uma base. Uma DNA polimerase não pode continuar a síntese de DNA por essas lesões, e, assim, o resultado é um bloqueio na replicação. Uma forquilha de replicação bloqueada pode causar a morte celular. Similarmente, uma base anormal ou danificada pode parar o comple- xo de transcrição. Para lidar com ambas essas situações, os procariotos e eucariotos usam uma via extremamente versátil, chamada de reparo por excisão de nucleotídio (NER), que é capaz de desfazer os bloqueios de replicação e transcrição e reparar o dano. Curiosamente, duas doenças autossômicas recessivas em humanos, o xeroderma pigmentoso (XP) e a síndrome de Cockayne, são causadas por defeitos no reparo de excisão de nucleotídio. Embora os pacientes com XP ou síndrome de Cockayne sejam excepcionalmente sensíveis à luz UV, outros sinais e sintomas são bastante diferentes. Referimo-nos ao xeroderma pigmentoso no início deste capítulo, e a doen- ça caracteriza-se pelo desenvolvimento precoce de cânceres, especialmente de pele e, em alguns casos, defeitos neurológi- cos. Em contraste, os pacientes com a síndrome de Cockayne apresentam vários distúrbios do desenvolvimento, incluindo nanismo, surdez e retardo. Em termos amplos, os pacientes com XP têm câncer precoce, enquanto aqueles com síndro- me de Cockayne envelhecem prematuramente. Como podem defeitos na mesma via de reparo ocasionar sintomas de doen- ças tão diferentes?Embora não exista uma resposta simples para essa pergunta, os trabalhos sobre a base genética dessas doenças levaram à identificação de proteínas importantes na via NER. O reparo por excisão de nucleotídio é um processo comple- xo, que requer dúzias de proteínas. Apesar dessa complexida- de, o processo de reparo pode ser dividido em quatro fases: 1. Reconhecimento da(s) base(s) danificada(s). 2. Montagem de um complexo multiproteico no local. 3. Corte do filamento danificado alguns nucleotídeos antes e depois do sítio danificado e remoção dos nucleotídios (cerca de 30) entre os cortes. 4. Uso do filamento não danificado como molde para a DNA polimerase, seguido de ligação do filamento. O fato de que, como já foi mencionado, a parada tanto da forquilha de replicação e como dos complexos de transcri- ção ativa essa via de reparo significa que existem dois tipos de reparo por excisão de nucleotídios, que diferem no reco- nhecimento do dano (etapa 1). Sabemos, agora, que o tipo que repara regiões transcritas de DNA é chamado, não sur- preendentemente, de reparo por excisão de nucleotídio acoplado à transcrição (TC-NER). O outro tipo, o reparo genômico global (GGR), corrige lesões em qualquer parte do genoma e é ativado por forquilhas de replicação paradas. Como podemos ver na Figura 16.22, embora a etapa de reco- nhecimento difira, tanto TC-NER quanto GGR compartilham as etapas 2 a 4. Neste ponto, você poderia indagar: que diferenças nos sinais e sintomas de XP e síndrome de Cockayne são con- sequentes a mutações em classes diferentes de proteínas de reconhecimento? Você estaria no caminho certo se fizesse essa pergunta. Os pacientes com a síndrome de Cockayne têm uma mutação em uma de duas proteínas, chamadas CSA e CSB, que se acredita reconheçam complexos de transcrição parados. Um modelo de como a CSA e a CSB se ligam à polimerase parada e, então, atrair o complexo multiproteico necessário para o reparo do DNA é mostrado na Figura 16.22. Para GGR, a primeira etapa é o reconhecimento de uma base que (1) foi danificada por um complexo heterodímero e, assim, distorce a dupla hélice e (2) não é parte de um filamen- to-molde ativamente transcrito. A CSA e a CSB ligam-se nesse sítio para formar um complexo de reconhecimento que atrai o complexo multiproteico, que contém as 10 subunidades do fator geral de transcrição TFIIH. Duas das 10 subunidades, XPB e XPD, são helicases que desenrolam o DNA, e toda a estrutura é estabilizada pela RPA, uma proteína de ligação ao DNA unifilamentar. As etapas subsequentes que medeiam a clivagem e a excisão da base danificada e até 30 nucleotídios adjacentes seguidas pela síntese de DNA para preencher o espaço são comuns às vias TC-NER e GGR. As etapas que ressintetizam o DNA para preencher o espaço (a chamada síntese de reparo de espaço) serão discutidas em mais deta- lhes adiante, pois outras vias de reparo compartilham essa etapa. Muitas das contrapartes humanas das proteínas nucle- ares de reparo por excisão (XPA, XPB, e assim por diante) foram primeiro identificadas em pacientes com XP. Tanto XP quanto a síndrome de Cockayne são exemplos de dis- túrbios genéticos heterogêneos, nos quais os pacientes têm mutações em um dentre vários genes com papéis em um processo específico - nesse caso, reparo por excisão de nucleotídio. As diferenças moleculares entre TC-NER e GGR podem ser uma explicação para os diferentes sinais e sintomas de XP e síndrome de Cockayne? Lembre que os pacientes com XP desenvolvem cânceres precoces, enquanto aqueles com a síndrome de Cockayne apresentam manifestações asso- ciadas ao envelhecimento prematuro. Vimos que o sistema de reparo dos pacientes com síndrome de Cockayne não reconhece complexos de transcrição parados. Como conse- quência desse defeito, a célula fica mais propensa a ativar a via de "suicídio" ( apoptose). Em uma pessoa saudável, a morte celular é frequentemente preferível à propagação de uma célula com dano persistente do DNA. Entretanto, de acordo com essa teoria, a via de morte celular seria ati- vada mais frequentemente em um paciente com síndrome de Cockayne, levando assim a inúmeros sinais e sintomas de envelhecimento prematuro. Em contraste, os pacientes com XP reconhecem complexos de transcrição parados (eles têm proteínas normais CSA e CSB) e evitam a morte celu- lar quando a transcrição é reiniciada. Entretanto, eles não podem reparar o dano original devido a mutações em uma de suas proteínas XP. Assim, mutações se acumulariam nas células de pacientes com XP e, como já foi dito neste capí- tulo, essas mutações, causadas por mutágenos ou pela falha 496 Int rodução à Genética Duas vias de reparo por excisão de nucleotídios Reparo genômico global (GGR) NER acoplado à transcrição 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 r ~J 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 Reconhecimento de base danificada ~ -1 1-1 1-11-1 1-1 1-1 1-1-1 1 -1 1 -1 1 -1( 1 ~1llif&~UJ l-1 1 -11 1-1 1 ' TFllH XPB XPD 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 11i{L~( t 1 1 1 111a 1 1 1 1 l"" - .... m= ..... : J ~-----'"""'«&-- _, . .., ~ ~wec ·, 1 Montagem de complexo {- multiproteico e deselicoidização XPB RPA i Incisão de DNA danificado Reconhecimento de complexo de transcrição parado RNA polimerase, CSAe CSB 2-8 nucleotídios da lesão -~ . Ili ~-'"' RPA Síntese e ligação de novo DNA Polimerase Grampo de bypass deslizante (PCNA) ~ \ Ligase 1 ',( ~ :')~ \ ~J 1 1 1 1 111 1 1 1 11 1 1 1 ~ \ \ ) ) V Figura 16.22 A via de reparo por excisão de nucleotídio é ativada quando adutos volumosos ou múltiplas bases danificadas são reco- nhecidas em regiões não transcritas (GGR) ou transcritas (TC-N ER) do genoma. Um complexo multi proteico corta várias bases e as sintetiza novamente, usando o filamento oposto como molde. Veja detalhes no texto. Capítulo 16 I Mutação, Reparo e Recombinação 497 nas vias de reparo, aumenta o risco de desenvolvimento de muitos tipos de câncer. Mensagem. O reparo por excisão de nucleotídio é uma via versátil que reconhece e corrige o dano do DNA consequente sobretudo a danos causado por UV e, ao fazer isso, ai ivia for- quilhas de replicação e complexos de transcrição parados. Os pacientes com xeroderma pigmentoso e aqueles com a síndrome de Cockayne são sensíveis a UV devido a mutações em proteínas importantes de reparo de excisão de nucleotídio, que reconhe- cem ou reparam bases danificadas. Reparo pós-replicação: reparo de malpareamento Você aprendeu, na primeira metade deste capítulo, que mui- tos erros ocorrem na replicação do DNA. De fato, a taxa de erro é de cerca de 10-s. A correção pela função de revisão 3' para 5' da polimerase replica tiva reduz a taxa de erro para menos de 10-7• A principal via que corrige os erros replicativos restantes é chamada de reparo de malpareamento. Essa via de reparo reduz a taxa de erro para menos de 10-9, reco- nhecendo e reparando bases mal pareadas e pequenas alças causadas pela inserção e deleção de nucleotídios (indel) no curso da replicação. Por esses valores, podemos ver que as mutações que levam à perda do reparo de malpareamento poderiam aumentar 100 vezes a frequência de mutação. De fato, a perda do reparo de malpareamento está associada a formas hereditárias de câncer de cólon. Os sistemas de reparo de malpareamento devem agir pelo menos de três maneiras: 1. Reconhecer pares de bases malpareadas. 2. Determinar que base é a incorreta no malpareamento. 3. Remover a base incorreta e fazer a síntese de reparo. A maior parte do que se sabe sobre o reparo de malpa- reamento vem de décadas de análise genética e bioquímica com o uso da bactéria modelo E. coli (veja o boxe Organismo- modelo E. coli, no Capítulo 5). Especialmente notável foi a reconstituição do sistema de reparo de malpareamento em tubo de ensaio no laboratório de Paul Modrich. A conservação de muitas das proteínas de reparo de malpareamento, desde bactérias e levedurasaté seres humanos, indica que essa via é tanto antiga quanto importante em todos os organismos vivos. Recentemente, o sistema de reparo de malpareamen- to humano também foi reconstituído em tubo de ensaio no laboratório de Modrich. A possibilidade em estudar os deta- lhes da reação estimulará futuros estudos da via humana. Entretanto, por enquanto enfocaremos o bem caracterizado sistema de E. coli (Figura 16.23). A primeira etapa no sistema de malpareamento é o reco- nhecimento do dano no DNA recém-replicado pela proteína MutS. A ligação dessa proteína a distorções na dupla hélice de DNA causadas por bases pareadas erradas inicia a via de reparo de malpareamento atraindo três outras proteínas para o sítio da lesão (MutL, MutH e UvrD [não mostrado]). A proteína principal é MutH, que é crucial na excisão do filamento que contém a base incorreta. Sem essa capacidade O reparo de malpareamento corrige erros replicativos 51 31- ~ r----8:X8:::------ 3' --Gt-.íC-- -----5' ----:G cíP..G 51 e !Mel 31 51 31 MutS \ MutS reconhece par malpareado. ~ \..!r~-_.8:J8~----- 3' __ Gt-.íC-- -----5' -----= G cíAG 51 e IMel 31 51 Mutl \ 31 G 51 - C 31 - MutH reconhece filamento parental metilado e corta filamento-filho. MutH L ~ GArc - crA G ....._ GAíC - - cíAG ~ 3' 5' Novo filamento é excisado e substituído entre o corte e o par malpareado. 51 31_ ------:::: G ~ - c.:---GA rc - crAG :::------3' G --GAíC-- -----5' ----= __ c1AG 5 1 - C ~ Me 31 - Figura 16.23 Modelo para reparo de malpareamento em E. coli. O DNA é meti lado (Me) em A em uma sequência GATC. A replicação do DNA produz um dúplice hemimetilado que existe até que a metilase possa modificar o fi lamento recém-sintetizado. O sistema de reparo de malpareamento faz quaisquer correções necessárias com base na sequência encontrada no filamento meti lado (molde original). MutS, MutH e Mutl são proteínas. de discriminar entre as bases corretas e incorretas, o sistema de reparo de malpareamento não pode determinar qual base remover para evitar que surja uma mutação. Se, por exemplo, um reparo de malpareamento G-T ocorre como um erro de replicação, como o sistema pode determinar se G ou T é a incorreta? Ambas são bases normais no DNA. Mas os erros de replicação produzem pareamentos errados no filamento 498 Introdução à Genética recém-sintetizado e, assim, o sistema de malpareamento substitui a base nesse filamento. Como o reparo de malpareamento distingue o filamento recém-sintetizado do antigo? Lembre, do Capítulo 12, que as bases citosina frequentemente são metiladas nos eucario- tos, e que essa marca epigenética é propagada do filamento parental para o ftlho logo após a replicação. O DNA de E. coli também é metilado, mas os grupos metil relevantes para o reparo de malpareamento são adicionados às bases adenina. Para distinguir o filamento-molde antigo do filamento recém- sintetizado, o sistema de reparo bacteriano tira proveito de um atraso na metilação da seguinte sequência: 5' -G-A-T-C-3' 3 '-C-T-A-G-5' A enzima responsável pela metilação é a adenina metilase, que cria 6-metiladenina em cada filamento. Entretanto, a adenina metilase requer vários minutos para reconhecer e modificar trechos GATC recém-sintetizados. Nesse intervalo, a proteína MutH corta o sítio de metilação no filamento que contém A ainda não metilada. Esse sítio pode distar centenas de pares de bases da base pareada erroneamente. Após o sítio ter sido cortado, a proteína UvrD liga-se ao corte e usa sua atividade de helicase para desenrolar o DNA. Uma proteína de ligação unifilamentar protetora reveste e desenrola o fila- mento parental, enquanto a parte do novo filamento entre o pareamento errado e o corte é removida. Muitas das proteínas no reparo de malpareamento em E. colisão conservadas no reparo em seres humanos. Entretanto, não se sabe como os eucariotos reconhecem e reparam ape- nas o filamento recém-replicado. O problema causa perple- xidade particularmente em organismos em que há ausência da maioria ou de toda a metilação do DNA, como leveduras, Drosophila e C. elegans. Um modelo popular propõe que a discriminação baseia-se no reconhecimento das extremida- des livres 3' que caracterizam os filamentos de replicação contínua e descontínua recém-sintetizados. Umalvoimportantedosistemademalpareamentohumano são as curtas sequências repetidas que podem ser expandidas ou deletadas na replicação pelo mecanismo de malparea- mento descrito previamente (Figura 16.8). Mostrou-se que as mutações em alguns componentes dessa via eram respon- sáveis por várias doenças humanas, especialmente cânceres. Existem milhares de repetições curtas (microssatélites) situa- das ao longo do genoma humano (veja o Capítulo 4). Quase todas estão localizadas em regiões não codificadoras (visto que a maioria das regiões do genoma não é codificadora), algumas situadas em genes críticos para o crescimento e o desenvolvimento normais. Portanto, é previsível que os defeitos na via de reparo de malpareamento de seres humanos tenham várias doenças graves como consequência. Essa previsão mostrou-se verda- deira, e um caso é a síndrome chamada de câncer colorretal não polipose hereditária (HNPCC). Apesar da denominação, não é propriamente um câncer, mas aumenta o risco de que ele surja. Uma das predisposições hereditárias mais comuns ao câncer, essa doença afeta uma em cada 200 pessoas no mundo ocidental. Os estudos mostraram que a HNPCC resulta da perda do sistema de reparo de malpareamento devido, em grande parte, a mutações herdadas em genes que codificam as contrapartes humanas (e homólogos) das proteínas bacterianas MutS e MutL (Figura 16.23). A herança da HNPCC é autossômica dominante. As células com uma cópia funcional dos genes de reparo de malpare- amento têm atividade normal de reparo de malpareamento, mas as linhagens de células tumorais surgem de células que perderam a cópia funcional e são, portanto, deficientes do malpareamento. Essas células têm altas taxas de mutação devido, em parte, à incapacidade de corrigir a formação de indel na replicação. Mensagem. O sistema de reparo de malpareamento corrige erros na repl icação que não são corrigidos pela função de revisão da DNA pol imerase replicativa. O reparo é restrito ao fi lamento recém-sintetizado, que é reconhecido pela maquinaria de reparo em procariotos porque não tem um marcador de metilação. Reparo propenso a erro: síntese de DNA translesão Até aqui, todos os mecanismos de reparo que encontramos são livres de erro, pois ou eles revertem diretamente o dano, ou usam a complementaridade de bases para inserir a base correta. Existem vias de reparo que são uma fonte significati- va de mutação. Esses mecanismos parecem ter evoluído para evitar a ocorrência de desfechos potencialmente mais sérios, como morte celular ou câncer. Como já foi mencionado, uma forquilha de replicação parada pode iniciar a via de morte celular. Tanto em procariotos quanto em eucariotos, tais blo- queios de replicação podem ser contornados pela inserção de bases inespecíficas. Em E. coli, esse processo exige a ativação do sistema SOS. O nome SOS vem da ideia de que esse siste- ma é induzido como uma resposta de emergência para evitar a morte celular na presença de dano significativo ao DNA. Como tal, a indução SOS é um mecanismo de último recurso, uma forma de tolerância ao dano, que permite que a célula troque a morte por um certo nível de mutagênese. Levou mais de 30 anos para se descobrir como o sistema SOS gera mutações enquanto permite que a DNA polime- rase contorne lesões na forquilha de replicação parada. Já estamos familiarizados com os danos ao DNA induzidos pela luz UV (Figura 16.15). Uma classe incomum de mutantes de E. coli que sobreviveu à exposição UV sem manter mutações adicionais foi isolada na década de 1970. O fato de que tais mutantes existiram sugeriu que alguns genes de E. colifun- cionam para gerar mutações quando expostos à luz UV. As mutações induzidas por UV não ocorrerão se os genes DinB, UmuC e UmuD' estiverem mutados. A Figura 16.24 mostra as etapas no mecanismo SOS. Na primeira etapa, a luz UV induz a síntese de uma proteína cha- mada RecA. Voltaremos a falar sobre a proteína RecA mais adiante no capítulo, porque ela é um componente funda- mental dos mecanismos de reparo de DNA e recombinação. Quando a polimerase replicativa (DNA polimerase III) para em um sítio de DNA danificado, o DNA adiante da polimerase Capítu lo 16 I Mutação, Reparo e Recombinação 499 A síntese translesão contorna as lesões nas forquilhas de replicação paradas Pol 111 Dano ao DNA \ !Pol 111 para no sítio do dano. !Polimerase de bypass substitui pol 111. Pol V 1 Polimerase de bypass continua a síntese {- de DNA. !Polimerase de bypass sai. Pol V Pol 111 continua a síntese. Figura 16.24 Um modelo de síntese translesão em E. coli. No curso da replicação, a DNA polimerase Ili é temporariamente subs- tituída por uma polimerase de bypass (pol V), que pode continuar a repl icar, passando pela lesão. As pol i merases de bypass são propensas a erro. [Oe E. C. Friedberg, A. R. Lehmann e R. P. Fuchs, "Trading Places: How Do DNA Polymerases Switch During Translesion DNA Synthesis?'; Molec. Cell 7 8, 2005, 499- 505.] continua a ser desenrolado, expondo regiões de DNA unifi- lamentar que se ligam a proteínas de ligação a filamentos únicos. Em seguida, as proteínas RecA juntam-se às proteínas de ligação unifilamentar e formam um filamento de proteí- na-DNA. O filamento RecA é a forma biologicamente ativa dessa proteína. Em tal situação, RecA atua como um sinal que leva à indução de vários genes hoje conhecidos como codifi- cadores membros de uma família recém-descoberta de DNA polimerases que podem contornar o bloqueio de replicação e são distintas das polimerases replicativas. DNA polimerases que conseguem contornar as paradas de replicação também foram encontradas em diversos grupos de eucariotos, varian- do de leveduras a seres humanos. Essas polimerases eucarió- ticas contribuem para um mecanismo de tolerância a danos, chamado de síntese de DNA translesão, que se assemelha ao sistema de bwass SOS de E. coli. Essas polimerases translesão, ou de bypass, como são conhecidas, diferem das principais polimerases replicativas de vários modos. Primeiro, conseguem tolerar adutos excep- cionalmente grandes nas bases. Enquanto a polimerase repli- cativa para se uma base não se ajusta a um sítio ativo, as polimerases de bypass têm bolsões muito maiores, que con- seguem acomodar bases danificadas. Segundo, em algumas situações, as polimerases de bwass têm uma taxa de erro muito maior, em parte porque não têm atividade de revisão 3' para 5' das principais polimerases replicativas. Terceiro, elas só conseguem adicionar alguns nucleotídios antes de sair. Essa característica é atraente, porque a principal função de uma polimerase propensa a erro é desbloquear a forquilha de replicação, não a síntese de longos trechos de DNA que podem conter muitos pareamentos errados. Várias polimerases de bwass que parecem estar sempre presentes em células eucarióticas são hoje conhecidas. Como estão sempre presentes, seu acesso ao DNA tem de ser regu- lado, de modo a serem usadas apenas quando necessário. A célula desenvolveu uma boa solução para esse problema. Lembre que uma parte integrante do replissomo é a proteína PCNA (antígeno nuclear de proliferação celular), que funcio- na como uma presilha deslizante para orquestrar a miríade de eventos na forquilha de replicação (veja a Figura 7.20). Uma proteína crítica presente em uma forquilha de repli- cação parada é a Rad6, curiosamente uma enzima que adi- ciona ubiquitina às proteínas (Figura 16.25). Como descrito no Capítulo 9, a adição de cadeias de muitos monômeros de ubiquitina marca a proteína para degradação (veja a Figu- ra 9.23). Em contraste, a ligação de um único monômero de ubiquitina à PCNA muda sua conformação, de modo que consegue se ligar à polimerase de bwass e orquestrar a sínte- se translesão. A remoção enzimática da marcação de ubiqui- tina em PCNA leva à dissociação da polimerase de bwass e restauração da replicação normal. Qualquer malpareamento de bases devido à síntese translesão ainda tem a chance de detecção e correção pela via de reparo de malpareamento. A regulação da função de PCNA pelo acréscimo e remo- ção dos monômeros de ubiquitina ilustra a importância das modificações pós-traducionais em eucariotos. Se o dano da base no filamento-molde não for rapidamente corrigido, a forquilha de replicação parada sinalizará a ativação da via de morte celular. Uma célula eucariótica não consegue esperar a síntese de novo das polimerases de bypass após a trans- crição e a tradução, como ocorre no sistema SOS de E. coli. As polimerases de bwass eucarióticas são constitutivamente transcritas e sempre estão presentes. Seu acesso à forquilha de replicação é controlado por modificações pós-traducionais rápidas e reversíveis. Mensagem. Na síntese translesão, as polimerases de bypass são recrutadas para a forquilha de replicação que parou devido ao dano no filamento-molde. As polimerases de bypass introduzem erros durante a síntese que podem persistir e levar à mutação ou podem ser corrigidos por outros mecanismos, como o reparo de malpareamento. 500 Introdução à Genética A mudança de polimerase exige a adição de um monômero de ubiquitina PCNA Pol 111 \ .....-..... Rad6, PCNA')< Rad18 )lo Ub Polde bypass Figura 16.25 A adição de um único monômero de ubiquitina (Ub) ao grampo deslizante (PCNA) permite que a polimerase de bypass se ligue ao PCNA e comece a replicação. Reparo de quebras bifilamentares Como já vimos, muitos sistemas de correção exploram a com- plementaridade do DNA para fazer reparos livres de erros. Tais reparos sem erros caracterizam-se por dois estágios: (1) remoção de bases danificadas, talvez juntamente com DNA vizinho, de um filamento da dupla hélice e (2) uso do outro filamento como molde para a síntese de DNA neces- sária para preencher o espaço unifilamentar. Entretanto, o que ocorreria se ambos os filamentos da dupla hélice fos- sem danificados de tal modo que a complementaridade não pudesse ser explorada? Por exemplo, a exposição aos raios X geralmente faz com que ambos os filamentos da dupla héli- ce sejam quebrados em sítios bem próximos. Esse tipo de mutação é chamado de quebra bifilamentar. Se não for reparada, a quebra bifilamentar pode causar inúmeras ano- malias cromossômicas, que resultam em morte celular ou estado pré-canceroso. Curiosamente, a geração de quebras bifilamentares é uma característica integrante de alguns processos celulares normais que requerem rearranjos de DNA. Um exemplo é a recombinação meiótica. Como será visto no restante deste capítulo, a célula usa muitas das mesmas proteínas e vias para reparar quebras bifilamentares e efetuar a recombi- nação meiótica. Por esse motivo, começamos enfocando os mecanismos moleculares que reparam quebras bifilamenta- res antes de voltarmos nossa atenção para o mecanismo de recombinação meiótica. As quebras bifilamentares podem surgir espontaneamen- te (p. ex., em resposta a espécies reativas de oxigênio gera- das como subproduto do metabolismo celular) ou podem ser induzidas por meio de radiação ionizante. São conhecidos vários mecanismos para reparar quebras bifilamentares, e novos mecanismos ainda estão sendo deslindados. Dois mecanismos distintos são descritos na seção seguinte: junção de extremidades não homólogas e recombinação homóloga. Junção de extremidades não homólogas. Muitos dos meca- nismos de reparo previamente descritos ocorrem na fase S do ciclo celular, quando o DNA está se replicando na preparação para a mitose ou meiose. Entretanto, ao contrário das células da maioria dos procariotos e eucariotos inferiores, as célulasdos eucariotos superiores geralmente não estão replicando seu DNA, pois estão na fase de repouso do ciclo celular ou pararam totalmente de se dividir. O que acontece quando quebras bifila- mentares ocorrem em células em que os filamentos não dani- ficados ou cromátides-irmãs não estão presentes? A resposta é que essas extremidades têm de ser reparadas, seja perfeita ou imperfeitamente, porque as extremidades quebradas podem iniciar rearranjos cromossômicos potencialmente perigosos, que podem levar a um estado canceroso (veja o Capítulo 17). Um dos modos pelos quais os eucariotos conseguem juntar novamente as extremidades bifilamentares quebradas é pelo mecanismo não elegante mas importante chamado de jun- ção de extremidades não homólogas (NHEJ), mostrado na Figura 16.26. Como em outros mecanismos de reparo, a primeira etapa na via NHEJ é o reconhecimento do dano. A via NHEJ é iniciada quando duas proteínas muito abundan- tes, KU70 e KU80, ligam-se às extremidades quebradas, for- mando um heterodímero que serve a duas funções: primeira, impede outros danos às extremidades e, segunda, recruta outras proteínas que aparam as extremidades do filamento para gerar as extremidades 5' -P e 3' -OH, necessárias para a ligação. A DNA ligase IV, então, junta as duas extremidades. Como os cientistas sabem quando todos os componentes de uma via biológica foram identificados? Sabemos que esse problema é difícil. A identificação de um componente novo da via NHEJ forneceu um exemplo recente. A junção de extremidades não homólogas propensa a erro repara queb bifilamentares Quebra bifilamentar 1 1 1 1 1 1 1 1 KU80 e KU70 1 1 1 1 1 1 1 1 Ligação de extremidades por complexo proteico Aparo das extremidades XRCC4; DNA ligase IV União das extremidades (ligação) 1 111 1 1 11 11 11 11 111 1 1 Figura 16.26 Mecanismo de junção de extremidades não homólogas (NHEJ). Esse mecanismo é propenso a erro. Veja detalhes no texto. Capítulo 16 I Mutação, Reparo e Recombinação 501 Por vários motivos, acredita-se que todos os componentes da via NHEJ tenham sido identificados. Entretanto, ao analisar uma linhagem celular (chamada de 2BN) derivada de uma criança com um distúrbio hereditário raro, os geneticistas tive- ram uma surpresa. Embora tivessem conseguido demonstrar que a linhagem celular 2BN era defeituosa para o reparo de quebras bifilamentares, não conseguiram restaurar o sistema de reparo e produzir o fenótipo selvagem por complementação genética com qualquer dos genes que codificam as proteínas NHEJ. Isto é, quando introduziram genes do tipo selvagem que codificam proteínas NHEJ conhecidas (p. ex., KU70, KU80, ligase IV) na linhagem 2BN, a divisão celular ainda mostrou-se defeituosa no reparo de quebras bifilamentares. Esse resulta- do negativo indicou que a linhagem celular 2BN tinha uma mutação em uma proteína NHEJ desconhecida. Na era da genômica, a identificação de proteínas ligadas a doenças está se tornando mais comum devido à grande dis- ponibilidade de linhagens celulares de pessoas com fenótipos de doenças. Quando nós, seres humanos, temos um problema de saúde, vamos a um médico e lhe contamos nossos sinto- mas, incluindo informações sobre parentes com problemas similares. Tal informação tem importância cada vez maior na era da genômica, com suas ferramentas genéticas sem- pre mais sofisticadas que, com frequência, podem ser usadas para identificar genes mutantes associados a distúrbios here- ditários (veja os Capítulos 10 e 14). 0 QUE OS GENETICISTAS ESTÃO FAZENDO HOJE O que os geneticistas podem fazer no laboratório para encontrar uma proteína, como a desconhecida NHEJ, que ainda não foi identificada? Dois laboratórios, usando enfo- ques muito diferentes, foram bem-sucedidos em identificar o novo componente NHEJ. Um enfoque será descrito aqui, porque foi empregado com sucesso para descobrir várias outras proteínas. Como notado nos capítulos anteriores, mui- tas proteínas celulares fazem seu trabalho interagindo com outras proteínas. No Capítulo 14, por exemplo, descreveu-se o teste com di-hfbrido de leveduras, usado para identificar proteínas que interagem com a proteína de interesse. No caso agora em consideração, a proteína de interesse era o compo- nente XRCC4 de NHEJ (Figura 16.26), e o teste do di-hfurido identificou uma proteína interagindo, de 33 kD, que era codi- ficada por uma matriz de leitura aberta humana não carac- terizada. Se duas proteínas interagirem no teste di-hfurido de levedura, isso não significa, necessariamente, que essas proteínas interagem nas células humanas. Para estabelecer uma ligação entre a proteína de 33 kD e a via NHEJ, os gene- ticistas usaram outra técnica valiosa de suas ferramentas, a do RNAi (veja o Capítulo 8). Nesse caso, eles demonstraram que as células normais expressando RNA antissenso da ORF que codifica a proteína de 33 kD, que evitaria a tradução desse gene em proteína, seriam hoje defeituosas na execução da via NHEJ. Essa história se completou ao se mostrar que as células 2BN defeituosas no reparo biftlamentar não têm a proteína de 33 kD. A expressão dessa proteína corrige os defeitos celulares. Mensagem. NHEJ é uma via propensa a erro que repara que- bras bifilamentares em eucariotos superiores 1 igando as pontas livres de volta. A identificação dos genes responsáveis pelos dis- túrbios hereditários é um modo importante usado pelos geneti- cistas para isolar componentes antes desconhecidos de reparo e outras vias biológicas. Recombinação homóloga. Se uma quebra bifilamentar ocorrer após a replicação de uma região cromossômica em uma célula em divisão, o dano pode ser corrigido por um mecanismo sem erro chamado de pareamento de filamen- to dependente de síntese (SDSA). Esse mecanismo é mos- trado na Figura 16.27. Ele usa cromátides-irmãs disponíveis na mitose como moldes para garantir o reparo correto. As primeiras etapas na SDSA são a ligação das extremi- dades quebradas por proteínas especializadas e enzimas, o aparo das extremidades 5' por uma endonuclease para expor Reparo sem erro de quebras bifilamentares por SDSA Ad __ , Alça D Aparo das pontas Invasão de fi lamento ... , __ x,.,. __ Nova síntese deDNA Ad __ l ,.,.l'"'l'"l'"l'"l""l-....1 ""'--- Deselicoidização do molde e pareamento Ligação Figura 16.27 O mecanismo sem erro de pareamento de filamen- to dependente de síntese (SDSA) repara quebras bifilamentares nas células em divisão. 502 Introdução à Genética regiões unifilamentares e o revestimento dessas regiões com proteínas que incluem o homólogo de RecA, Rad51. Lem- bre que, na resposta SOS, os monômeros RecA associam-se a regiões de DNA unifilamentar para formar filamentos de nucleoproteína. Similarmente, Rad51 forma longos filamen- tos à medida que se associa à região unifilamentar exposta. O filamento de DNA-Rad51 então toma parte em uma pes- quisa marcante da cromátide-irmã não danificada quanto à sequência complementar que será usada como molde para a síntese de DNA. Esse processo é chamado de invasão de filamento. A extremidade 3' do filamento invasor desloca uma das cromátides-irmãs não danificadas, o que forma uma alça D (de deslocamento), e inicia a síntese de DNA a partir de sua extremidade 3' livre. A nova síntese de DNA conti- nua a partir de ambas as extremidades 3' até que ambos os filamentos se desenrolem de seus moldes e se pareiem. A ligação fecha os cortes, deixando um trecho reparado de DNA que tem uma característica muito distinta: ele foi replicado por um processo conservativo. Isto é, ambos os filamentos são recém-sintetizados, em acentuado contraste à replicação semiconservativa da maioria do DNA (veja o Capítulo 7). Mensagem. O pareamento de filamento dependente de síntese é um mecanismo sem erro de reparo de quebras bifilamentares nas células em divisão, nas quais uma cromátide-irmã está dis- ponível para servir como molde para a síntese de reparo. Envolvimentodo reparo DSB na recombinação meiótica Nossa consideração sobre o reparo de quebras bifilamentares nas células em divisão leva, naturalmente, ao tópico de cros- sing over na meiose porque uma quebra bifilamentar inicia o crossing over. Embora as quebras sejam uma parte normal e essencial da meiose, elas são, se não processadas correta e eficientemente, tão perigosas quanto as quebras acidentais já discutidas. O crossing over é um processo notavelmente preciso, que ocorre entre dois cromossomos homólogos (Figura 16.28). Tal processo foi descrito na Seção 4.8. Lembre que a recombina- Crossing durante a meiose Cromátides não irmãs Figura 16.28 A troca de braços cromossômicos entre cromátides não irmãs durante a meiose produz um quiasma, a localização dos crossings. Os círcu los representam os centrômeros que estão ligados às fibras do fuso. [Adaptada de Mathew}. Neale e Scott Keeney. Nature 442, 2006, 7 53- 158.J ção ocorre após a forquilha de replicação ter passado através de uma região cromossômica, formando duas cromátides de cada cromossomo homólogo. Uma cromátide de um cromos- somo homólogo se recombina com uma cromátide não irmã do outro cromossomo homólogo. Para que a segregação meió- tica funcione corretamente, cada par de homólogos precisa ter pelo menos um crossing over. A recombinação é iniciada quando uma enzima chamada Spo11 faz cortes biftlamen- tares no DNA em uma das cromátides que irá recombinar (Figura 16.29). Embora tenha sido primeiro descoberta em leveduras, a proteína Spo 11 é amplamente conservada em eucariotos, indicando que esse mecanismo para iniciar a recombinação é bastante empregado. Após fazer seus cortes, a enzima Spo 11 permanece ligada à extremidade 5 ', agora livre, na qual parece ter duas finali- dades: primeira, ela protege as extremidades de outros danos, incluindo a recombinação espúria com outras extremidades livres; segunda, atrai outras proteínas que são necessárias para a etapa seguinte na recombinação. Essa etapa é real- mente muito similar à que acontece no sistema de reparo de quebras bifilamentares nas células em divisão. As extre- midades 5' são aparadas e um complexo proteico liga-se às extremidades 3' unifilamentares (Figura 16.29). Esse com- plexo inclui a proteína Rad51, que, como, já mencionado, é homóloga à proteína RecA que toma parte nessa notável procura por complementaridade na cromátide-irmã. Nesse momento, a recombinação meiótica toma um caminho muito diferente do reparo de quebra bifilamentar. Quebras bifilamentares iniciam a recombinação meiótica Corte assimétrico • / Spo11 ------0 b q º t cxxxxxx:x±> Aparo das pontas Carga de Rad51 e Dmc1 Invasão filamentar ,d_ ,~~--...... __ _ Figura 16.29 A recombinação meiótica é iniciada quando a enzi- ma Spo11 faz cortes desencontrados em um par de fi lamentos de DNA em uma cromátide. Capítulo 16 I Mutação, Reparo e Recombinação 503 Na meiose, a Rad51 associa-se a outra proteína, Dmc1, pre- sente apenas durante a meiose (Figura 16.29). (Deve ser nota- do que os organismos-modelo Drosophila e C. e"legans não têm homólogos Dmc1.) De algum modo, por um mecanismo não de todo compreendido, o filamento que contém Rad51- Dmc1 conduz a procura por uma sequência complementar. Entretanto, em contraste com o reparo de quebra bifilamen- tar, o filamento procura uma cromátide não irmã do cromos- somo homólogo, não a cromátide-irmã. A busca culmina em invasão filamentar e formação de alça D, como no reparo de quebra bifilamentar. Esses eventos são necessários para a formação de quiasmas na meiose I, isto é, os homólogos tornam-se conectados como resultado da recombinação. Me nsagem. A recombinação meiótica é iniciada pela enzi- ma Spo11, que introduz cortes bifilamentares nos cromosso- mos após eles terem se repl icado, mas antes da separação dos homólogos. 16.5 Câncer: uma consequência fenotípica importante da mutação Por que tantos agentes mutagênicos causam câncer? Qual a ligação entre câncer e mutação? Nesta seção, exploramos tal ligação. Ficou claro que praticamente todos os cânceres de células somáticas surgem devido a uma série de mutações específicas que se acumulam em uma célula. Algumas dessas mutações alteram a atividade de um gene; outras simplesmente elimi- nam a atividade gênica. As mutações promotoras de câncer são enquadradas em uma dentre algumas categorias impor- tantes: as que aumentam a capacidade da célula de proliferar; as que diminuem a suscetibilidade de uma célula à via de suicídio, chamada de apoptose; ou as que aumentam a taxa geral de mutações da célula ou sua longevidade, de modo que todas as mutações, inclusive as que estimulam a proliferação ou apoptose, são mais prováveis de ocorrer. Como as células cancerosas diferem das células normais Um tumor maligno, ou câncer, é um agregado de células, todas descendentes de uma célula inicial aberrante. Em outras palavras, as células malignas são todas membros de um único clone, mesmo nos cânceres avançados que têm múltiplos tumores em muitos locais no corpo. As células cancerosas tipicamente diferem de suas vizinhas normais por várias características fenotípicas, como rápida taxa de divisão, capacidade de invadir novos territórios celulares, alta taxa metabólica e forma anormal. Por exemplo, quando as células de camadas celulares epiteliais normais são colocadas em cultura, elas só podem crescer quando ancoradas a placa de cultura. Além disso, as células epiteliais normais em cultu- ra só se dividem até formarem uma única camada contínua (Figura 16.30a). Nesse ponto, elas de algum modo reconhe- cem que formaram uma única camada epitelial e param de se dividir. Em contraste, as células malignas derivadas de tecido epitelial continuam a proliferar, empilhando-se umas sobre as outras (Figura 16.30b). , E evidente que os fatores que regulam a fisiologia celular normal foram alterados. Qual é, então, a causa subjacente do câncer? Muitos tipos celulares diferentes causam cân- cer? Muitos tipos celulares diferentes podem ser converti- dos em um estado maligno. Há um tema comum? Ou cada um surge de maneira diferente? Podemos pensar no câncer, Células normais e células transformadas por um oncogene (a) (b) Figura 16.30 M icrografias eletrônicas de varredura de (a) células normais e (b) células transformadas pelo vírus do sarcoma de Rous, que infecta células com o oncogene src. (a) Uma linhagem celular normal chamada de 3T3. Note a estrutura organizada de monocamada das células. (b) Uma derivativa transformada de 3T3. Note como as células são mais arredondadas e empilhadas umas sobre as outras. [Cortesia de L.-8. Chen. ] 504 Introdução à Genética de modo geral, como consequente ao acúmulo de múlti- plas mutações em uma única célula que faz com que ela prolifere fora de controle. Algumas dessas mutações são transmitidas pelos genitores por meio da linhagem germi- nativa. A maioria surge de novo na linhagem somática de determinada célula. Mutações em células cancerosas Várias linhas de evidência indicam uma origem genética para a transformação de células do estado benigno para o can- ceroso. Primeiro, como já discutido neste capítulo, muitos agentes mutagênicos, como substâncias químicas e radiação, causam câncer, sugerindo que introduzem mutações nos genes. Segundo, e mais importante, as mutações frequente- mente associadas a tipos particulares de cânceres já foram identificadas. Dois tipos gerais estão associados a tumores: mutações oncogênicas e aquelas em genes supressores de tumor. As mutações oncogênicas atuam em uma célula cancerosa como mutações dominantes de ganho de função (veja, no Capítulo 6, uma discussão sobre as mutações dominantes) . Essa afirmativa sugere duas características principais das mutações oncogênicas: primeira, as proteínas codificadas por oncogenes são geralmente ativadas em células tumorais; e, segunda, a mutação precisa estar presente apenas em um alelo para
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