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VANDICK DA NOBREGA. Curso de Direito Romano. Organização Judicial. Ações da Lei. Processo Formulário

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CAPITULO I
Organização judiciária. Fases do Direito Processual.
Os magistrados.
HISTÓRICO — O exercício de um direito é a realização
de seu conteúdo, de acordo com o que foi consubstanciado no
provérbio: aquele que usa de seu direito, não prejudica a nin-
guém: — qui lure suo utitur, neminem laeâit.
Os termo actio e ius estavam intimamente ligados na
concepção do direito romano antigo e clássico. Não havia
ius se não houvesse uma actio que lhe assegurasse a devida
eficácia.
Não encontramos nos juristas republicanos e clássicos
definição de actio, pois a única que chegou aos nossos dias
é de origem pós-clássica: — nihil aliud est actio quam ius
quod sibi debeatur, indicio persequenãi.
O verbo agere significa "agir" e actio quer dizer actus,
numa acepção ampla que compreende cada processo judi-
cial, e não partes de cada modalidade de processo. Por-
tanto, a actio tanto abrangia o processo in iure como o pro-
cesso apud iuãicem.
Schulz1 observa que, em algumas frases legais típicas,
o termo actio significa somente o processo apud iuãicem:
— actio a praetore ãanãa est significa um processo apuã
iuãicem que seria estabelecido pelo pretor; actio proposita est
in eãicto praetorís significa: — um processo apud iuãicem
é prometido no edito do pretor. Nestas frases actio confun-
de-se com iuâicium.
(1) SCHULZ — Clássica/ Roman Lmr, p. 24.
302 VANDICK L. DA NÓBREGA
Girard, 2 em sua obra clássica sobre a organização judi-
ciária dos romanos, diz que mesmo antes de iniciado o perío-
do da Realeza, séculos de vida judiciária já tinham sido de-
corridos. Ele acrescenta que a autoridade judiciária em
exercício na época dos reis é um produto histórico, cujo início
se reporta aos primórdios das sociedades.
Na verdade o conhecimento das instituições no período
anterior à fundação de Roma seria necessário para bem dis-
tinguirmos os fundamentos e as influências que moldaram
os primeiros passos do processo judiciário dos romanos .
Queremos nos referir ao processo na rnais ampla acepção
para indicar os meios empregados com a finalidade de encon-
trar solução para algumas dificuldades. Assim, o termo pro-
cesso abrange também urn conjunto de casos extra-jurídicos.
Todavia, numa acepção restrita, processo é urn litígio cuja
solução compete à pessoa ou ao órgão incumbido de faser
justiça.
Desde que o homem se encontre no convívio com outros,
o processo é uma necessidade, como já observou Ihering3.
Justiça privada e Justiça do Estado — A fornia primitiva
de defesa do direito era feita pelos próprios cidadãos, sem
qualquer interferência do Estado. Era o domínio completo
vada em Roma, que muitas veses se refle tem em. certas for-
malidades das ações da lei.
Esse processo de fazer prevalecer a força e não o direito
é o regime da justiça privada, que os alemães denominam
Faustrecht (direito do mais forte). Ê a teoria de Thcrlnií \e exposUi nu mm obra «obre « «vip lr l l .n «In di-
reito romano. I2unu meMin i i , t i - n r l n da J t i f tUt . - i i privada fi rir^u!-
da por LuzzaUo, pura < | I U M I I o prnhhmm du nrl^m dn pro-
cesso civil romano uiliultn duiui hlpnUw», HM
(2) OÍRAKI) . 1'mil l'i-*<1»ili' Hlululi» il» J'í»njii»i<«r/im
<fM Komulnt, I — I.« •!• |ir>mlwi ilM« d» Dum». Arlluir MmiMMUi
illílolli l'uil« IUOI |>«y l
(,!> IIIII.KINll, Nii'l..l|>li vi. li Íl»»t (/«
Vl .n lo V»I | IB»HI |B A u t l M y "
(4) I I I I C K I N C 1 , Hni
«III
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H|I .11 III, l'f * ••!••
COMPÊNDIO DE DIRF.TTO R O M A N O - 1
a concepção romana muito se afasta da inodonm D«V6-se
observar, em primeiro lugar, observa Luzzatto " «pia n legi-
timidade da jurto-ajuda foi considerada princípio, ^iTiilmanta
válido, durante muito tempo, até na época dos 'impcnuJoreB
romanos e que a única limitação deste princípio consiste no
fato de que o uso da força particular iure, somente se realjzu
no exercício do direito em causa própria.
Lévy-Bruhl 6 insurge-se contra esta teoria,' que, segundo
afirma, parte dum falso pressuposto, isto é, de que na época
antiga a coletividade não existe ou pelo menos não tem au-
toridade sobre seus membros e ainda admite que, por conse-
quência, quando alguém se encontra ou se julga lesado, dá
livre curso à sua reação possível. Ele distingue três situa-
ções, conforme a contestação tivesse ocorrido no interior dum
grupo restrito, entre dois membros de grupos estrangeiros
uni ao outro ou finalmente entre pessoas fasendo tjarte do
mesmo grupo político, mas pertencendo a grupos domésticos
diferentes .
A primeira situação podia ter ocorrido nas sociedades
arcaicas, nas quais os grupos sociais se apresentam corn sóli-
da base familiar e política. Era vasto o poder do chefe a quem
competia resolver os litígios por ventura surgidos entre os
seus membros, dispensando, assim, qualquer processo.
A segunda situação refere-se aos litígios entre pessoas
pertencentes & grupos inteiramente estranhos um do outro.
Aqui, também, não haveria processo, porque todo processo
implicaria intervenção da autoridade pública, que não po-
deria existir naquela época para impor-se aos litigantes.
Julga Lévy-Bruhl que, também neste caso, a justiça privada
no sentido de prevalecer a vontade individual do mais forte
nun «n upllnirla, porqun <<m vlr ludo da vtttrnltn «olldurlodaclo
tmtrw im i i i n i i i l i r i m dn unipn, l.ndn» PPI(,P« no mi l r lmn tmi
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n l»rn«lm «ll.imofto pnri« dn prwiiiupoitto 4»
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394 VANDICK L. DA NÓBREGA
GiffardT diz ser um erro sociológico julgar que nas so-
ciedades primitivas o indivíduo tivesse exercido um papel de
primeiro plano e que fosse ele que deveria intentar uma ação,
determinar o seu curso e assegurar a execução. Ele concorda
com Monier, quando observa que o individualismo é unia in-
venção grega, que não existia em Roma. Eram os grupos e
não os indivíduos que entravam em luta. Não é preciso falar
de justiça privada, prossegue ele, pois não havia justiça pri-
vada, havia justiças elementares, justiças de grupo, justiças
gentilícias, justiças que consistiam em que os chefes de gru-
pos faziam justiça a seus dependentes com o concurso de
seus parentes.
As conjecturas de Lévy-Bruhl são muito bem elaboradas
e descem a minúcias, que não nos parecem admissíveis. É o
caso de admitirmos fosse invocada a solidariedade do grupo,
todas às vezes que qualquer de seus membros tivesse um li-
tígio com elemento dum grupo estrangeiro, que se uniriam
e estaria iniciada uma guerra. Não nos parece que a solida-
riedade chegasse a este ponto, e somente se isto tivesse sido
possível na mais alta acepção poderíamos refutar totalmente
a tese da Justiça privada, que, não obstante a argumentação
contrária de Lévy-Bruhl, deve ter sido praticada.
Na verdade, quando aludimos à justiça privada numa
pré-fase de evolução do processo romano propriamente dito,
queremos aludir à época em que a justiça se fazia pela pró-
pria pessoa com ou sem o apoio do grupo a que pertencia.
 participação do grupo na aplicação da justiça pode
ter ocorrido numa fase intermediária entre a justiça do Es-
tado e as do Estado, mas não afasta aquela época em que o
próprio cidadão antes de contar com a solidariedade dos que
com ele conviviam repeliam o agravo com suas próprias mãos.
Sinais dessa participação do grupo encontramos no consilium
domesticum, de cuja existência, como acentua Kunkel8, não
podemos duvidar. Papel relevante desempenhou esse conselho
nas decisões de processos capitais, havendo Kunkel9 assina-
lado vestígio de sua existência na justiça pessoal dos magis-
trados e no Tribunal da época imperial.
(7) GIFFARD, — Cours de Droh Romain approiondi — 1943-1944
pág. S.
(8) KUNKEL, Wolfgsng — Das Kons:liv.m i-n Hausêerícht, ZSS.83 pág.
249.
(9) KUNKEL, Wolfgang —Dis Funktion <3es Kcnsiliuna in dst ma-
gisfratischen Straíjustiz and im Kaisergerícht. ZS,84 pág. 218 a 244.
COMPÊNDIO DE DIREITO ROMANO-I 395
A passagem da justiça privada para ajustiça do Estado
não se processou de um jato, mas paulatinamente. Monier7
distingue quatro fases nessa evolução, que culminou com
a abolição completa da justiça privada. Na primeira fase,
verifica-se a regularização da justiça privada, sem interfe-
rência do Estado, que somente intervinha quando as par-
tes colocavam a questão no terreno religioso; a segunda fase
é a do arbítrio facultativo, competindo à vítima escolher
entre a vingança privada e uma composição com o autor
do delito; a terceira é a da arbitragem obrigatória imposta
pelo Estado; e, finalmente, a última fase é a da abolição
completa da justiça privada.
Se o Estado fosse considerado ofendido e não obtivesse
satisfação, recorreria à guerra.
Qualquer magistrado romano poderia determinar, sem
processo, a retomada de bens do Estado, dos quais um par-
ticular se houvesse apropriado.
Magistrados — O magistrado incumbido de distribuir ajustiça na Realeza era o rei que, como observa Girard10,
possui na plenitude de sua pompa, uma série de prerrogati-
vas que não vislumbramos entre os magistrados republicanos.
O rei tinha um poder constitucional, que Salústio u, qualificou
de imperium legitimum.
Na qualidade de chefe único, dotado de plenos poderes
civis, militares e religiosos, o rei decidia questões de jurisdi-
ção civil e criminal. Graças aos poderes absolutos de que se
encontrava investido, ele podia distribuir a justiça, fazer con-
sulta ao povo nos comícios e oferecer sacrifícios aos deuses.
Todavia, não podia exercer simultaneamente essas atribui-
ções. Daí concluirmos que um processo criminal ou civil não
podia ser julgado enquanto o rei estivesse num comício. A
fim de facilitar a distribuição dessas vastas atribuições, foi
organizado, na época de Numa, um calendário, no qual os
dias em que se podia recorrer à justiça eram assinalados com
um F, isto é, dies fasti. Nesses dias o rei se dedicava à admi-
nistração da justiça e devia comparecer ao tribunal, situado
no comitium, que ficava entre a cúria Hostilia e o Fórum.
Cerca de quarenta dias eram reservados à distribuição
da justiça, os quais recaíam nas calendas (1<? dia de cada
(10) GIRARD, Paul Frédáric — op. cit. pág. 10.
(11) SALÚSTIO — Catilina, VI, 6.
396 VANDICK L. DA NÓBREGA
mês), nonas (5 ou 7 de cada mês) e no dia seguinte às ca-
lendas, nonas e idos (13 ou 15 de cada mês).
Os dias assinalados com um C, isto é, dies comitiales,
podiam ser dedicados aos comícios ou à justiça e o seu núme-
ro atingia a cerca de duzentos.
Havia, ainda, uns cinquenta dias dedicados aos sacri-
fícios expiatórios, nos quais não se permitia reunião dos co-
mícios, nem a administração da justiça. Esses dias eram
assinalados no calendário com um N para indicar os dies
nefasti.
Finalmente, no fim duma semana de oito dias, havia um
dedicado aos mercados — nunãinae.
As vezes o litígio era apenas simulado e a intervenção
do magistrado visava, apenas, à concretização durn negócio,
de comum acordo com as partes. Era a iurisdictio voluntária,
que podia ser exercida pelos magistrados superiores.
Na iurisdictio contentiosa, porém, não havia ficção e uma
solução devia ser encontrada para o litígio. O exercício da
iurisdictio era representado por três palavras: — ao, ãico,
aããico.
Do — Depois de ouvir as partes, o magistrado ratificava
a escolha do juiz escolhido para resolver a questão — dar e
iuãicem.
Dico — O magistrado atribuía a uma das partes a posse
intermediária de coisa em litígio: — ãicere vindictas.
Áãdico — O pretor adjudicava ao autor a coisa objeto de
litígio, se o réu não se defendesse satisfatoriamente.
Até o ano 367a.C., data da criação da pretura, a juris-
dição contenciosa era exercida pelos cônsules, também cha-
mados de pretores. O campo de ação dos cônsules era limi-
tado pelo sistema da colegialidade, responsabilidade e dele-
gação .
O sistema da colegialidade consistia no veto aposto polo
outro cônsul, mesmo não estando em exercício, à ded.suo tio
seu colega em exercício. Esta restrição não havia no período
real, quando as decisões do rei não sofriam qualquer limitação.
O sistema da responsabilidade consistia em obrigá-lo a
obedecer a normas legais, quer no campo criminal como no
cível.
Finalmente, não podia o cônsul julgar o litígio, pois era
obrigado a transferir o julgamento do processo a outrem.
COMPÊNDIO DE DIREITO ROMANO-I 397
Com a criação da pretum no ano Hfl7a,C,, na cônsules
perderam a jurisdição contenciosa qun, como otw^rv» Qlmrd '"
— foi, pela primeira vez, separada da JurlncliçAn
Esse pretor, chamado iniciahnonU' de pretor urbano, ficou
incumbido da administração da justiça com as mttnmuM «w-
trições, quanto à subordinação às leis, que tinham os cônsules.
O pretor urbano — praetor qui inter eives ius dicil --
ficou com a jurisdição entre cidadãos e quando se tratasse
de processo entre cidadãos e não cidadãos ou entre não ci-
dadãos a competência passou a ser do pretor peregrino —
chamado praetor qui inter peregrinos ius dicit — na Repú-
blica e praetor qui inter eives et peregrinos ius dicit, no Im-
pério .
Com a criação da pretura no ano 367 a.C. para ela pas-
saram algumas atribuições até então da competência dos
edis curuis. Estes últimos, juntamente com os edis da plebe
exerciam funções de polícia da cidade seguindo os modelos
gregos, mas não nos consta tivessem eles jamais a jurisdição
voluntária.
Todavia, eles tiveram a jurisdição contenciosa num sen-
tido restrito.
Girard u, com sua autoridade incontestável na matéria,
diz que um dos problemas mais embaraçosos da história do
processo civil é o da competência dos edis curuis antes da
história do processo formulário.
Os governadores das províncias exerciam a jurisdição
voluntária bem como a contenciosa. As províncias formavam
circunscrições judiciárias especiais, nas quais os cidadãos e
não cidadãos flcnvain .submetidos à iuil,orldnd<< rio Governa-
dor. Esto onx, Inlclulmcnlin, un i prtilor portando puni N^r
onvlndo purn n província. ()« donutlN nolpjíwm f l r u v n m uni
Romu [Mini oxcircnr M fnni;otv« < l r pretor i ir lm,no, p ralo r p«r«
grlno, prH,nr rcjiftundnrnin f in miilArln, cr iminal .
A JiirlNíllçfto niunlcl|)iil cru nxnrcldu pnlon mnKl«l,nu1o«
coiTflfl|M>ii(lniiUiN lum coimultí.1 «1 IIOM «idlrt, KorulmonU' om mime-
ro do qtinl.ro: • doía pnru UM funçoas conmiliirnN o dolri pura
( 1 0 ) (IIPAIÍI), 1'mil
( 1 1 ) C l I K A H i ) , l'util <lMÍc - - <í*
l"»* I'M.
... !'*«• J l*
398 VANDICK L. DA NÓBREGA
as funções edilicianas: duo viri iuredicanão et duo viri eãilitia
potestate.
Os juizes e os tribunais permanentes — O juiz é um
iuãex unus, que pode ser um simples cidadão designado de
comum acordo pelas partes. Observa Kaser12 que o juiz dá
raaão a uma parte e a outra, nega-lhe. Além desse juiz único
devemos mencionar, o arbiter, que pouco diferia do primeiro.
Não resta a menor dúvida de que iuãex e arbiter são fun-
ções desempenhadas por diferentes pessoas1S.
Todavia, podemos apresentar alguns pontos em que se
faz notar alguma diferença, quanto ao número e quanto aos
poderes.
Quanto ao número, o iudex era sempre único, ao passo
que o arbiter, embora fosse geralmente único, houve casos
em que notamos a designação de três árbitros.
Quanto aos poderes, o iuãex deve limitar-se rigorosamente
à questão como lhe foi apresentada, sem poder modificar os
seus termos, ao passo que o arbiter podia apreciar e manifes-
tar-se sobre todos os debates, merecendo de Cícero a quali-
ficação de órgão da moderação e da doçura, em oposição
ao iudex, considerado órgão do rigor, de Interpretação rigorosa.
O iudex era nomeado pelo magistrado, com aquiescência
das partos.
Se as partes litigantes concordassem com a designação
de determinado juiz, nenhuma dificuldade surgiria e o nome
por elas indicado seria nomeado pelo magistrado. Se, porém,
houvesse divergência, a escolha deveria recair num nome
constante de lista retirada dentre os que figuravam no álbum
iudicum.
Inicialmente, apenas os senadores figuravam no álbum
iuãicum. A lei Semprônia judiciária, do ano 123 a.C. modifi-
cou a constituiçãodo álbum iuãicum estabelecendo que os
membros dos júris criminais e os jurados dos processos civis
deveriam ser escolhidos duma lista de 300 senadores e 600
membros da ordem equestre. Em 81 a.C. uma lex Cornelia,
(12) Z BROGGINI, Gerard — ladex srbiterve. Bõfalau Verlag KoW
Graz — pág. 9.
(13) KASER, Max — Cãs Toaàschs ZívilpiozesstscU C. H. Beeífsche
Verlagsbuchhendlung. Munchen 1966, pág. 41.
COMPÊNDIO DE DIREITO ROMANO-I 399
da época da Sila, fez voltar a situação anterior, isto é, res-
tringindo aos senadores os nomes do álbum iuãicum. Em
70 a.C. a lex Aurélio, indiciaria criou três decúrias de jurados
constituídas de senadores, cavaleiros e tribuni aerarii. César
excluiu os tribuni aerarii, mas conservou as três decúrias.
No Principado, ainda sobreviveu esse regime de três decúrias,
agora compostas de mil membros, às quais foi acrescida uma
quarta, na época de Augusto e uma quinta, na época de Ca-lígula.
Como ficou esclarecido, somente se recorria a nome cons-
tante do álbum iuãicum para a nomeação do juiz, no caso
de não haver acordo entre as partes. O réu devia aceitar o
nome indicado pelo autor, que o retirava do álbum iudicium
ou recusá-lo sob a fé do juramento. No caso de recusa, outro
nome seria indicado pelo autor e assim sucessivamente até
que houvesse a aceitação de urn. Se o réu recusasse todos
os nomes, incorreria nas penas aplicadas a quem recusasse
seu concurso à organização dum processo judiciário.
No processo formulário, o magistrado dava ao juiz o poder
e a ordem de julgar, de acordo com os termos da fórmula.
Além do iuãex unus e do arbiter distinguimos os tribu-
nais dos recuperatores.
Os recuperatores eram sempre múltiplos, geralmente três
ou cinco.
Uma das funções dos recuperatores era de caráter tem-
porário, a qual consistia na liquidação de casos criados no
fim da guerra. Outra função era exercida pelos recuperaiores
com relação a certos povos vizinhos, como era o caso dos
latinos. Eles julgavam as causas dos que, não sendo cida-
dãos romanos, eram submetidos às leis romanas, bem como
os processos com os estrangeiros.
A nomeação dos recuperatores, a partir da lei Ebúcia, se
fazia pelo sistema de sorteio. O magistrado colocava 50 no-
mes na urna e retirava 11, dos quais cada parte podia re-
cusar 4. Esses nomes, pelo menos no Principado, não eram
retirados do álbum iuãicum.
Todos os recuperatores eram romanos em Roma nos pro-
cessos de latinos contra os Romanos, mas, nas cidades lati-
nas todos eles eram Latinos nos processos de Romanos contra
Latinos.
400 VANDICK L. DA NÓBREGA
Havia, também, tribunais que julgavam, em Roma, ques-
tões entre cidadãos. Eram os Tribunais dos Três viri capi-
tales; aos Decemviri stilitibus iuãicandis e o dos Centumviri12.
O tribunal dos Três Viri Capitales è mencionado por
-Flauto nos processos vinculados pela manus ihiectio popular
promovida no interesse do Estado contra pessoas que tinham
cometido certos delitos. Esse tribunal já não existia na época
das leis luliae luãiciariae.
O tribunal dos decênviros l3 era incumbido de julgar, nos
últimos séculos da República, os processos referentes à li-
berdade. Não podemos afirmar, com precisão, quando apa-
receu esse tribunal conhecido como Decemviri stilitibus iudi-
candis. Sabemos contudo, que não existiam na época das
XII Tábuas, nem no tempo de Flauto. Os primeiros indícios
desse tribunal apareceu no ano 146 a.C. No Principado, não
mais funcionou esse tribunal, cujos membros passavam a
exercer a presidência das seções dos tribunais dos centúnviros.
O tribunal dos centúnviros existiu na última fase da Re-
pública e nos primeiros séculos do Império. No fim da Re-
pública era composto de 105 membros e no Império, de 180.
Era dividido em câmaras denominadas hasiae, que decidiam
ora reunidas, ora separadamente. A presidência desse tribu-
nal era, até Augusto, presidida por antigos questores e, a
partir de Augusto, pelos ãecemviri litibus iuãicandis.
Pelo fato de ter sido muito intensa a atividade do tri-
bunal dos centúnviros no julgamento de qiiestões de direito
de sucessões, admitiu-se que sua competência teria ficado
restrita a esse campo. No entanto, a competência desse tri-
bunal foi, pouco a pouco, se estendendo a todas as ações reais,
exceto quando se tratasse de causa liberalis, cuja apreciação
e julgamento era do tribunal dos âecemviri litibus iudi-
canãis1*.
(12) LA ROSA, Frenca — Note nr "Troaviri CapiíaW Laboo, 3
págs. 231 e segs.
(13) GENNARO, Franciosi — Sc,i "decemviri it.litibia iudicandis"
Labeo 9 págs. 7 e segs.
(14) Cf. Cie. Oratora, I, 38, 173.
COMPÊNDIO DE DIREITO ROMANO-I
T E M A S
1 — Qual a relação entre ias e actio?
2 — Qual a definição de actio?
3 —: Qual a observação de Schulz qusnto ao térrno actio?
4 — Quando teria começado a vida judiciária dos romanos?
5 — Em que consistia a justiça privada?
6 — Qual a teoria de Ihering?
7 — Qual a posição de Lévy-Bruhl quanto à tese da justiça privada?
S — Qual a posição assumida por Giffard?
9 — Como se teria processado a passagem da justiça privada para a jus-
tiça do Estado?
10 — Qual o magistrado incumbido de distribuir a justiça na Realeza?
11 — Que denominação tinha o poder constitucional do rei?
12 — Que eram os dies íasti?
13 — Quais os dias em que podia ser feita a distribuição da justiça?
14 — Que eram os dies comitiales?
15 —- Que eram os dies nefasri?
16 — Que era a iurisdictio voluntária?
17 — Que era a ittrisdictio contsntiosa?
18 — Quais as três palavras que representavam o exercício de íurisdictio?
19 — Por quem era exercida a iirr:sd!Ctio contantiosa até o ano 367 a.C.?
E depois desta data?
20 — Para quem passaram algumas atribuições até 367 a.C. da competên-
cia dos edis curuis?
21 — Qual a situação dos governadores das províncias, quanto à jurisdição
voluntária e contenciosa?
22 — Por quem era exercida a jurisdição municipal?
23 — Que era o iudex unas?
24 — Qual a diferença entre o iudex unia o o orbitar?
25 — Que era o álbum indicam?
26 — Como fio proccssíivn & escolha do mcfox?
27 — Que estabolocou a Jex Cornolia?
28 — Que estabeleceu n /<?.Y Avrclia indiciaria?
29 — Que eram 01 recuperfiores?
30 — Que «r« o tribunal doa Trás Viri Cetpitalis?
31 — Que er« o tribunal dos decênviros?
32 — Qut era o tribunal dos centúnviros?
401
CAPÍTULO II
As ações da lei. As diversas fases processuais. Classificação
das "íegis acíioaes". Decadência do sistema
O PEOCESSO DAS AÇÕES DA LEI — O processo das
ações da lei — legis aciiones — é arcaico, mas não é primi-
tivo. As fontes de que dispomos para sua elucidação são de
época muito posterior, motivo pelo qual vários pontos ainda
não foram devidamente esclarecidos.
As legis actiones eram processos legais, solenes, orais e
formalistas. A rigidez do seu formalismo era um dos seus
traços característicos. As palavras rituais deviam ser rigoro-
samente proferidas nos atos em que figuravam, não admitida
a sua substituição por qualquer sinónimo. Por isso, perderia
o processo quem mencionasse a palavra videira — vites —
quando devesse dizer árvore — arbor, de acordo com a fór-
mula consagrada.
A imagem familiar dos dois domínios comenta Schmidlin,»
bem caracterizados em legis actio e sponsio, não pode
ser encontrada aqui. Para o romano da antiguidade,
o direito significa, em primeiro lugar, um instrumento
de atos legais formais à sua disposição, com os quais se po-
dem Justificar e atender a exigências, comprar e vender coi-
sas; e quando a pessoa é ferida no seu direito, eles permitem,
de maneira formal, atacar o adversário e pugnar pelo seu di-
reito perante o juiz.
Em primeiro plano está o esforço de canalizar toda ação
e todo comportamento arbitrário em caminhos legais forma-
is, e de afastar qualquer poder de violência e autodefesa ile-
gal a fim de fixar em normas brigas e vinganças.
Essas formas legais não se confundem mais com cos-
tumes, hábitos e folclore, elas têm — como Jhering, admi-
rado, escreve — aquele traço de disciplina jurídica rígida,
que dá ao direito antigo firmeza e raciocínio e que lhe asse-
gura uma importância autónoma epositiva.
Perante esse "background" uma intepretação plebis-
citaria das legis actiones se torna completamente inacreditá-
(1) SCHMILLIN, Bruno. Zta Bedeutunê der Legis Actio: Geseízes-
oder Spruchklate?. In Tijdschrift voor Rechtsgeschiedenis XXXYIH
(1970), pág. 367 e segs.
COMPÊNDIO DE DIREITO ROMANO-I 403
vel. Com exceção das Doze Tábuas, a legislação na Roma
antiga, teve um papel modesto, dependendo de um acaso po-
lítico. O peso principal da evolução do direito privado está
— bem guardadas por pontífices e juristas — nas reservas
sempre evoluídas de atos e formas jurídicas, das quais fazem
parte as legis actiones e suas sollemnia verba. A denomina-
ção legis actio — lege agere explica tudo isto.
Diversas fases do processo — O processo, na fase das
ações da lei exigia uma série de providências preliminares,
a cargo do autor, e passava por duas fases: — in iure e apud
iuãicem.
a) PROVIDÊNCIAS PRELIMINARES — A convocação do réu
para comparecer em Juízo ficava a cargo do autor. Trata-
va-se, inicialmente, dum conlite formulado ao réu, para que
comparecesse a juízo. Era, segundo Noailles 2, o chamamento
ao tribunal — in ius vocatio, formalidade imposta ao autor,
que consistia numa prerrogativa concedida ao réu, por meio
dum convite benévolo, para evitar a manus iniectio. Se hou-
vesse recusa do interpelado — ni it — seriam tomadas teste-
munhas — antestamino — e, em seguida, o autor devia se-
gurar o réu — em capito. Se, não obstante as testemunhas
e, apesar de se encontrar seguro, o réu não quisesse ir de boa
vontade e continuasse a opor resistência, quer por meio de
inércia ou de outras astúcias, quer por tentativa de fuga —
si calvitur pedemve struit, o autor faria uso dum remédio
que estava a seu alcance. Era a manus iniectio vocati.
Se a moléstia ou a velhice não permitisse a alguém com-
parecer perante o magistrado, o autor devia colocar à sua
disposição um animal de carga; se não o aceitasse, não se
deveria oferecer-lhe uma liteira.
O réu podia deixar de ir pessoalmente à presença do ma-
gistrado, se apresentasse um fiador — vindex —, que iria em
seu lugar.
b) FASE "IN IUBE" — Com o comparecimento do réu,
levado pelo autor, à presença do magistrado, tinha início a
fase in iure do processo. Se as partes entrassem num enten-
dimento, deveria ser proclamado oficialmente esse acordo.
Se, porém, não houvesse entendimento, o magistrado devia
tomar conhecimento da causa antes do meio dia, no comício
ou no foro, depois de ouvir as partes presentes.
(2) NOAILLES, Pierre — Lês procès de Virgirúe. In REL, Tome
1942 pág. 106-108.
ffl
404 VANDICK L. DA NOBREÇA
As partes expunham o motivo da demanda — causae
coniectio — e uma exposição contraditória era feita pelos
advogados — causae peroratio.
No caso de tratar-se, por exemplo, de reivindicar um
escravo, o autor, isto é, aquele que reivindicava — qui vindi-
cabat — tocava o escravo com uma vara — festuca e pro-
nunciava as seguintes palavras: — hunc ego hominem ex
iure Quiritium meum esse aio; secundum suam causam, sicut
ãixi, ecce tibi vináictam imposui. (Afirmo que este homem
me pertence pelo direito dos Quirites; segundo sua causa
assim disse e eis que te impus a vindicta). Era a mnãicatio.
Em seguida o réu proferia as mesmas palavras. Era a con-
travindicatio. Nessa ocasião era designado o iuãex que, com
o advento da lei Pinaria, passou a ser indicado 30 dias depois.
c) FASE "APUD IUDICEM" — Nomeado o iuãex, deveriam
as partes litigantes, autor e réu, comparecer à sua presença
três dias depois: — Postea tamen quam datus est (iuãex)
comperenãinum ãiem ut aã iuãicem venirent demintiabat
(Gaio IV, 15).
E' possível que as partes repetissem perante o juiz atos
praticado na fase in iure, perante o magistrado3.
Se depois do meio dia, somente uma parte houvesse com-
parecido, a esta devia ser adjudicado o objeto em litígio: —
Post meriãiem praesenti litem aãdicito. Rudorff4 julga que
esta disposição se aplicava à fase do processo perante o ma-
gristrado, isto é, in urire, mas Wlassak5, já esclareceu que se
tratava de norma disciplinadora da fase apud iudicem.
Produzidas as provas, o iuãex proferia a sentença, con-
denando ou absolvendo o réu. Na hipótese de ter sido o réu
condenado e não querer submeter-se à decisão do juiz, não
dispunha este de elementos para a execução de sua sentença.
Neste caso, o autor deveria utilizar-se de uma das modalida-
des das ações da lei, a actío per manus iniectionem com a
qual conseguiria a execução da sentença proferida a seu favor.
(3) LSVY-BRTJHL, Hanri — Rschsrches sar /es acfionc de Ia loi —
R. Sirey. Paris 1360 pág. 208.
(4) RUDORFF — Rõmische Eechtsgvschichta, Turno II, pás- 79.
(5) WLASSAK, M. — Der Gerichtsmagizírat im Éesetzlichsn Spr.sch-
verfafu-en. In ZSS, 25 pág. 94.
COMPÊNDIO DE DIREITO ROMANO-I
CLASSIFICAÇÃO DAS AÇÕES DA LEI — As açóes da
lei são cinco:
a) legis actio per sacramentum;
b) legis actio per conãictionem;
legis actio per iuãicis arbitrwe postulationem;
legis actío per manus iniectionem;
legis actio per pignoris capionem.
c)
ã)
e)
As três primeiras ações da lei visavam a obter uma con-
denação, e as duas últimas eriam usadas em fase de execução.
Legis acíio per sacramenram — A legis actio per sa-
cramentum era a lei geral, qi^e davia ser aplicada sempre
que uma lei expressa não permitisse recorrer a outra. A
única fonte que nos fornece informações sobre a legis actio
per sacramentum é Gaio nas Instituías (IV, 13 e segs.), mas
esta passagem, infelizmente, não está completa no manus-
crito, pois faltam cerca de vinte linhas.
Esta ação da lei pode ser usada para fazer valer o di-
reito sobre uma coisa — sacramentum in rem — como tam-
bém para exercer uma atividade contra uma pessoa — sa-
cramentum in personam.
O SACHAMENTUM IN BEM — A legis actio per sacra-
mentum exige a presença das partes, uma vez que, nas ações
da lei, não há processo por falta de comparecimento da
parte. A presença do adversário é assegurada mediante uma
forma de citação — a in ius vocatio. — Se o adversário não
quisesse comparecer, o autor poderia empregar a força para
compeli-lo a atender o chamamento em juízo.
O processo era chamado in rem na acepção material
do termo, isto é, sobre a coisa, porque a coisa objeto do li-
tígio deveria ser levada à presença do magistrado.
Se duas partes pretendessem a propriedade sobre um
escravo, por exemplo, tanto uma como outra deveria, na pre-
sença do magistrado, pronunciar as seguintes palavras:
"Eu digo que este homem me pertence, segundo o direito
dos Quirites". "Hunc ego hominem ex iure Quiritum mcum
esse aio". Pronunciadas estas palavras, cada uma das par-
tes tocava o escravo com uma varinha — festuca — que mu n
tinha na mão. Esta varinha representava uma lança e em
o símbolo da propriedade, porque a terra devia ser defen-
dida com a arma na mão.
406 VANDICK L. DA NÓBREGA
Em seguida o magistrado dizia: — "Deixai o homem"
— Mittite ambo hominem. As duas partes interrogavam-se
reciprocamente, porque faziam a vinãicatio e a contra vin-
dicatio: postulo anne dicas ex causa vinãicaveris. O pri-
meiro vindicante então dizia: "Porque vindicaste injusta-
mente, eu te desafio a um sacramento de quinhentos asses".
— Quando tu iniuria mndicavisti, D aeris sacramento te
provoco. O adversário fazia o mesmo "et ego te". Se o valor
da coisa fosse inferior a mil asses, o sacramento seria ape-
nas de cinquenta asses.
As partes deviam apresentar cauções do sacramento —
praeães sacramenti — isto é, uma garantia de que o sacra-
mento seria pago pela parte que perdesse o processo. O ma-
gistrado confiava a posse provisória da coisa objeto do li-
tígio a uma das partes, que, por sua vez, devia dar ao adver-
sário unia garantia de sua restituição: — praeães litis et
•vinãiciarium.
Confiada a posse intermediária ou provisória a uma
das partes, estava, ipso facto, quase concluída a fase in iure
do processo que se completaria com a designação do juiz.
A lex Pinaria determinava que o juiz fosse nomeado depois
de trinta dias. Decorrido este prazo, as partes voltariam àpresença do magistrado para tomar conhecimento da de-
signação do iuãex.
O juiz não tinha a preocupação de declarar qual o ver-
dadeiro proprietário do objeto em litígio, mas qual o sacra-
mcntum iustum. Se uma das partes não houvesse compa-
recido até o meio dia, o Juiz decidiria em favor da que esti-
vesse presente.
Competia ao juiz verificar se a propriedade e o crédito
existem ou não. Quando o juiz reconhecesse que seria iniu-
stum o sacramentum de um, estaria reconhecendo o direito
do outro. Se Prímus fizesse um sacramentum iniustum di-
zendo-se credor de 100 asses, quando era apenas de 80, Secun-
dus faria o sacramentum iustum dizendo que não devia 100.
A parte deve provar que tem direito, para que o sacra-
mentum seja considerado iustum.
A parte cujo sacramentum fosse considerado iustum não
pagaria multa ao fisco e os praeães sacramenti seriam libe-
rados. No entanto, a parte cujo sacramentum fosse julgado
iniustum pagaria uma multa de 50 a 500 asses e, se não pa-
gasse, os praeães pagariam por ela.
Se a parte cujo sacramentum fosse julgado iustum ti-
vesse recebido a posse provisória da coisa, objeto do litígio,
COMPÊNDIO DE DIREITO ROMANO-I 407
nenhuma dificuldade haveria, porque já se encontrava na
posse da coisa. Uma ação posterior não podia ser impe-
trada contra a mesma coisa, uma vez que bis de eaãem ré
ne sit actio.
Se a parte que tivesse recebido a posse provisória hou-
vesse perdido o processo, o caso não seria tão simples, prin-
cipalmente se não quisesse entregar a coisa. Se isto acon-
tecesse, os praeães litis et vinãiciarum seriam responsáveis
pela restituição da coisa e dos frutos.
Se os sacramenta de ambas as fartes fossem declarados
iniusta, as multas ficariam para o Estado e a posse provi-
sória continuaria com a parte a quem tivesse sido confiada,
até que o verdadeiro proprietário a reclamasse.
O SACRAMENTUM IN FEHSONAM — A legis actio per
sacramentum in personam ainda constitui um enigma para
todos nós, pois o texto de Gaio não está completo. Sabemos
que uma das partes pronunciava as seguintes palavras: Eu
digo que tu me deves tal quantia — aio te mihi dare oportere.
Legis actio per condicíionem — A legis actio per condi-
ctionem era muito mais simples do que a legis actio per •
sacramentum. Não mais havia necessidade de desafio ao
sacramentum, nem tampouco a apresentação de praeães sa-
cramenti. Consistia em estabelecer uma conãictio e compa-
recer no dia determinado para receber o iuãex. de acordo
com o disposto na lei Pinaria.
Esta legis actio foi introduzida por duas importantes
leis: — a lei Sília (entre o ano 244 e 234 a. C.) para es-
tender a sua aplicação a todas as obrigações que tivessem
por objeto uma rés certa. A lei Calpurnia de conãictione
não parece ser idêntica à lex Calpurnia de repetunãis, do ano
149 a. C. apesar das ponderações de Pernice, que, para jus-
tificar o seu ponto de vista, foi obrigado a traduzir o texto
da lei Acilia de repetunãis mencionando as duas leis Cal-
púrnias e Sília, como tendo estabelecido o sacramentum em
matéria de concussão.
Gaio não diz de que fontes deveriam nascer as obriga-
ções a que se referem as leis Sília e Calpurnia. Por isto,
alguns romanistas julgaram que estas leis eram protegidas
por ações abstraías, não sendo necessário indicar in iure
a causa dos respectivos créditos.
A. legis actio per conãictionem teria por finalidade tor-
nar válidas as relações comerciais assim reconhecidas pela
consciência jurídica. Competia ao iuãex, na qualidade de
Á
VANDICK L. DA NÓBREGA
órgão da consciência jurídica do povo, decidir se o crédito
tinha ou não fundamento. No entanto, apesar destas con-
siderações merecerem o apoio de autoridade como Baron,
não nos parece que correspondam à realidade.
Cícero, para demonstrar que Róscio não é devedor de
uma quantia certa, procura demonstrar que não há nem rés,
nem verba, nem litterae. A lei Rúbia também nos indica
que a condictio devia se originar de unia das três seguintes
fontes: — rés, verbis, litteris.
De acordo com a doutrina de Savigny, essa rés teria
sido de início o mutuum e daí a condictio se teria esten-
dido progressivamente a todas as alienações.
Por outro lado, verba e litterae indicam respectivamente
os contratos verbal e literal.
Na legis actio per condictionem não havia sacramentum,
mas as partes podiam incluir um iusiurandiim. Por outro
lado podia ser estabelecida uma poena para quem perdesse a
demanda, por meio da sponsio e da restipulatio tertiae partis.
PROCESSAMENTO DA AÇÃO — O autor dirigia-se ao réu e
pronunciava as seguintes palavras: — "Digo que tu me cíe-
ves pagar dez mil sestércios; peço que confirmes ou negues
o que afirmo". — Aio mihi sestestiorum X miiia dare opor-
tere: ia postulo aias an neges. O adversário negava a dí-
vida dizendo: — non oportere. Diante disso o autor decla-
rava: — Porque negas, exijo que compareças dentro de trinta
dias para tomares um juiz. — "Quando tu negas, in ãiem
tricesimum tibi iudicis capienãi causa conãico".
A legis actio per iuâicis arbitrive posíulaíionem — A
legis actio per iuâicis arbitrive postulationem era um pro-
cesso mais rápido e consistia no pedido de designação de
um iudex feito perante o magistrado. O autor dizia: — "Afir-
mo que tu me deves pagar dez mil sestércios, por causa de
sponsio: peço que confirmes ou negues" — (ex sponsions
te mihi X milia sestertiorum dare oportere aio: — ia po-
stulo aias an negas). Se o adversário negasse, non oportere
— o autor dizia: — "Porque tu regas, peço-te, pretor, que
nomeies um juis ou árbitro). — Quando tu negas, te praetor
iuãicem arbitrumve postulo uti dês. Costumavam abreviar
esta fórmula do seguinte modo: — T. PR. I. A. V. P. V. D.
Com a descoberto do Novo Gaio, ficamos sabendo que
a iudicis postulatio era aplicada para a sanção da sponsio,
isto é, para a promessa verbal unilateral de pagar alguma
coisa.
COMPÊNDIO DE DIREITO ROMANO-I 409
Os casos em que se aplicava a iudicis postulatio eram
os seguintes: a) nos créditos que se originavam de uma
stipulatio, de acordo com a lei das XII Tábuas; &) na par-
tilha de herança, actio jamiliae erciscundae; c) nos termos
da lei Licínia, é o processo usado para a actio communi
dividunão, isto é, para a divisão de uma coisa comum.
Havia, ainda, outros casos em que ^e devia aplicar a
iudicis postulatio, mas Gaio não os enumera.
Legis actio per pignoris espionem -f— Esta. ação da lei
exercia-se, em certos casos, por força dos costumes e nou-
tros por determinação legal. Consistia em se apoderar d°
coisas pertencentes ao devedor, sem prévia autorização do
magistrado. E' um resquício do processo primitivo e ar-
caico de fazer justiça pelas próprias mãos, que encontra nu-
merosas aplicações em direito comparado: — no antigo di-
reito clássico, entre os indus e no processo da Idade Média.
A pignoris capio era um processo extrajudiciário, que
se incluía entre as legis actiones porque comportava palavras
formalísticas, mas só era aplicada em caráter excepcional.
A pignoris capio era admitida como uma delegação de
poder público nos seguintes casos: a) em proveito dos mili-
tares, para sua manutenção e a de seu cavalo; b) em pro-
veito dos sacerdotes, para obter o pagamento do preço dcs
animais que um particular lhe tinha comprado a crédito
para o sacrifício, bem como contra quem alugasse o animal
e não pagasse o aluguel, que se destinaria a fins religiosos.
Esclarece Gaio que se podia tomar em penhor o dinheiro
destinado a comprar um cavalo, dinheiro que se denomi-
nava equestre, aes equestre — e também o mesmo podia ser
feito com o dinheiro necessário para a compra de cevada
destinada ao cavalo aes hordiarium.
A "legis actio per manus imectionem" — Confessada a
dívida ou reconhecida Judicialmente, o devedor teria o prazo
de trinta dias para dela desobrigar-se. A lei das XII Tá-
buas atribuía o mesmo efeito à confissão de uma dívida c
à sentença do magistrado. As consequências de um reco-
nhecimento do direito da outra pnrte são as mesmas do unia
decisão judicial.
Era concedido o prazo de 30 dias para quea parte von-
cida efetuasse o pagamento. O condenado ficava em liber-
dade até que lhe fosse aplicada a manus iniectlo, natural-
mente para tomar as providências que lhe permitissem o
cumprimento da sentença.
À
410 VANDICK L. DA NÓBREGA
Decorrido o prazo de 30 dias, sem que o devedor hou-
vesse cumprido o que determinava a sentença condenatória
devia ser ele conduzido à presença do magistrado. '
O autor pronunciava as seguintes palavras: "Porqiie não
me pagaste os dez mil sestércios a que foste condenado a
pagar-me, eu lanço a mão sobre ti por causa dos dez mi]
sestéreios". — "Quod tu mihi iudicatus sive ãamnatus es
sestertium X milia, quanãoc non solvisti, ób eam ego tibi
sestertium X milium iuãicati manum inicio". Pronunciadas
estas palavras, o autor pegava uma parte qualquer do corpo
do devedor.
Decadência do sistema das ações da lei — O formalismo
exagerado dos jurisconsultos laicos, que sucederam aos pon-
tífices, foi a principal causa da decadência do sistema das
ações da lei.
E' fácil verificarmos que, à medida que aumentavam
as formalidades,- mais difícil se tornava a posição do cliente.
O primeiro passo concreto para a decadência das legis
actiones foi dado pela célebre lei Ebúcia, cuja data é ainda
objeto de discussões. A lex Aebutia permitiu que as partes
escolhessem que as respectivas relações jurídicas fossem re-
gidas pelo sistema das legis actiones ou pelo processo for-
mulário por ela introduzido.
As ações da lei foram, pouco a pouco, adiadas pois perde-
ria o processo aquele que deixasse de observar a mínima
subtileza, como acentuou Gaio, com muita precisão: — "Seã
istae omnes legis actiones paulatim in odium venerunt, nam-
que ex nimia subtilitate veterum qui tunc iura conãiderunt
eo rés perductos est ut vel qui minimum errasset litem per-
derei. Itaque per legem Aébutiam et duas lulias sublatae
sunt istae legis actiones, effictumque est ut per concepta
verba, ia est per formulas litigaremus".
Este comentário de Gaio fez com que se pensasse haver o
formalismo das ações da lei aumentado no decorrer dos tem-
pos, o que não corresponde à realidade, pois o que aumentou
foi a oposição a ele, principalmente quando o direito foi se-
cularizado e se acentuou a tendência de dar maior impor-
tânica ao conteúdo do que à forma6.
É a teoria de Wlassak7, seguido por Girard, a qual tem
tido recentemente grandes opositores.
(6) cr. LÊVY-BRUHL, Henri — op. cit. pág. 324.
(7) WLASSAK, M. — Prozessgesetze — I págs. 103-139.
COMPÊNDIO DE DIREITO ROMANO-I 411
O golpe de morte nas legis actiones foi provocado pelas
leges luliae iuãiciariae, que suprimiam definitivamente o
antigo sistema, exceto diante do Tribunal dos Decênviros e
dos Centúnviros.
T E M A S
1 — Que era o processo das ações da lei?
2 — Quais os traços característicos das legis acíiones?
3 — Quais as duas fases por que passava o processo das ações da lei?
4 — Quais as providências preliminares à fase processual?
5 — Como se processava a fase in iure?
6 — Que era a caasse conãectío?
7 — Como se processava a fase spad iudicsni?
8 — Classifique as legis acíiones.
9 — Que era a legis scíio per sacramsuíam e como se dividia?
10 — Explique a ísgis scíio per sacramentam in rern.
11 — Que eram praedes sacrsmenti?
12 — Que estabeleceu a /ex Pinaria?
13 — Que acontecia se a parte que tivesse recebido a posse provisória
houvesse perdido o processo?
14 — Que sabe sobre a legis per sacramentam in personam?
15 — Que era a legis actio per condictionem?
16 — Quais as duas leis que introduziram a legis actio per condictiofiem?
17 — Como se processava a legis actio per condictionerri?
18 — Que sabe sobre a legis actio per ilidíeis arbitríve posíolationem?
19 — Explique a fórmula: T.PR.I.A.V.P.V.D.
20 — Qual a contribuição da recente descoberta do Novo Gaio para elucida-
ção da legis actio per iudicis srbitrive postvlationezri?
21 — Explique a legis actio per pignoris capionsm.
22 — Descreva o processo da íe i^s actio per manas iniectíonem.
23 — Como se processou a decadência do sistema das ações da lei?
CAPÍTULO III
Processo formulário. A lei Aebutia e as leis luliae ludíciariae.
A "Cognitio extra ordinein", O processo "in iure" e "in indicio".
O PROCESSO FOEMULAEIO — As ações da lei, obser-
va Gaio, tornaram-se pouco a pouco odiosas e, por isso, foram
substituídas pela Lei Ebúcia e pelas leis Júlias Judiciárias.
Há várias hipóteses, formuladas por insignes romanis-
tas, sobre a maneira pela qual teria ocorrido essa transfor-
mação das ações da lei no processo formulário.
Hipótese de Keller — Segundo Keilerl, a fórmula já
teria existido na condictio certae rei trincaria da lei Cal-
púrnia. A lei Ebúcia teria apenas ampliado o campo da
formula, aplicando-a a outros casos. De acordo com a hi-
pótese de Keller, o processo formulário teria sido introdu-
zido pela lei Calpúrnia e não pela lei Ebúcia, o que vem
contrariar o ensinamènto-dejj-aio.
Hipótese de Huvelín — A hipótese de Huvelin2 não
nos parece mais feliz do que a de Keller. A tese de Huvelin
consiste em considerar a origem da fórmula no processo do
arbitrium liti aestimandae e, para chegar a esta conclusão,
o autor se apoia num trecho do tratado sobre O Orador, de
Cícero, cuja tradução é a seguinte:
"Afastemos, por alguns instantes, inumeráveis e impor-
tantes questões e tratemos do teu direito civil, ó Crasso.
Com efeito, tu podes considerar oradores aqueles advoga-
dos que se devem escutar durante várias horas, quando Cé-
vola ia apressadamente para o Campo de Marte, rindo e des-
contente. De um lado Hipsus, esforçando-se com os recur-
sos de sua voz e de sua verborragia para obter do pretor
Crasso a condenação de-seu cliente, e de outro lado Otávio,
personagem consular, aplicando todo o empenho para tm-
(1) KELLER, Ludwig von — Der Romische Civilprccess und die
Acisonen — Leipzig. 1833.
(2) HUVELIN — "L'arbiiríam liti aestitnandae et Forigine de Ia
iormuie" — hi "Mélanges Gérardin". pág. 318-354.
COMPÊNDIO DE DIREITO ROMANO-I 413
pedir que seu adversário perdesse o processo e para pró-*
porcionar a seu próprio cliente, num julgamento sobre a
tutela, uma condenação que teria sido afastada pela incom-
petência de seu opositor.
Julgo que oradores desta espécie não merecem o nome
de oradores, nem são dignos de figurar no fórum. O que
lhes faltava não era eloquência, não era a arte nem recur-
sos oratórios, mas o conhecimento do direito civil:.— um, em
sua exposição pedia mais do que lhe permitia a lei das XII
Tábuas, embora fosse condenado se obtivesse o que pedia;
o outro considerava injusto que o adversário pedisse mais
do que lhe permitia a fórmula, demonstrando desconhecer
que o adversário, ao pedir mais do que podia, perderia a
causa" (I, 168-167).
Segundo Huvelin, o processo referido no trecho acima,
é de uma legis actio, e a questão debatida é a de uma plus
petitio. O próprio Huvelin reconhece que o termo iuãicnim
existente no texto podia servir de elemento para provar que-
se tratava do processo formulário e não de ação da lei, mas
ele, depois de levantar a dúvida, apóia-se na opinião de
Wlassak, segundo o qual iudicium, em Cícero, foi usado em
várias acepções. Afirma Huvelin que o aludido trecho de
Cícero se refere ao arbitrium liti aestimanãae que significa-
ria o sacramentum.
A conãemnatio, afirma Huvelin, não teria existido na
época das ações da lei senão num caso — o arbitrium liti
aestimanãae — e este programa oral ou escrito indicando
o direito adquirido em consequência do primeiro julgamento,
teria sido a origem da fórmula.
Huvelin não tem razão, porque o mencionado texto do
Cícero se refere à actio de rationibus áistrahenãis, e não ao
arbitrium liti aestimandae. Além disso, se a teoria de Hu-
velin íosse verdadeira, seria, quando muito, uma contribui-
ção para a história da conãemnatio e não uma explicação
para a origem da fórmula, como pretendeu o seu autor.
Hipótese de Huschke — As fórmulas, segundo a hipó-
tese de Huschke, teriam sido inventadas pelo pretor pere-
grino criado no ano 242 a. C. para os litígios em que figu-
rassem peregrinos. Emprocessos dessa natureza, o pretor
i
T
414 VANDICK L. DA NÓBREGA
peregrino redigiria uma fórmula na qual teria dito aos juk
zes como estes deveriam proceder. Esta teoria tem, pelo me.
nos, o mérito de não entrar em contradição com o texto de
Gaio sobre o assunto.
Hipótese de Gii-ard — Se a fórmula foi usada antes da
lei Ebúcia, comenta Girard3, nos processos sob a juris-
dição do pretor peregrino, isto aconteceu por imitação de
instituições das províncias, uma importação do que já se
praticava desde a conquista romana em certas províncias,
talvez sob a influência de precedentes tirados do direito lo-
cal. Cícero, nas Verrinas II, 2, 15 diz que na Sicília, nos
processos submetidos à jurisdição do governador, se obser-
vava um ato preliminar chamado — ãicam scribere. Este
ato era seguido de outro chamado dicarum sortitio, isto é
a tiragem das ações por sorte.
A "Lex Aebutia" — A data da lei Ebúcia não pode ser
determinada, mas, de acordo com as investigações de Gi-
rard4, que refutou com visível superiodade opiniões contrá-
rias de Wlassak e outros, podemos situá-la entre os anos
605 e 629 da fundação de Roma. A primeira data indica
a época mais longínqua a que podemos chegar sem que
houvesse qualquer indício do uso da fórmula; e a segunda
assinala a época a partir da qual distinguimos evidentes e
constantes vestígios dos novos poderes do magistrado.
Bekker é de opinião que a lei Ebúcia admitia para cada
pedido concreto o exercício simultâneo dos dois processos:
— a legis actio e uma fórmula.
A explicação de Wlassak sobre este assunto é mais con-
vincente e foi, até certo ponto, aceita por Girard. A lei Ebú-
cia teria estabelecido um processo seletivo entre o processo
novo e o antigo. Competia ao magistrado exercer o con-
trole sobre essa escolha. O pretor podia sancionar uma pre-
tensão nova concedendo uma fórmula, como também para-
lisá-la baseado num poder novo que lhe permitia ãenegare
legis actionem.
COMPÊNDIO DE DIREITO ROMANO-I 415
(3) GIRARD, — Manuel élémentaire de Dioit Romain p. 1.065.
(4) GIRARD — Mélanges I 'La date de Ia loi Aebutia", pág. 67
scgs.; '-Nouvelles observations sui Ia loi Aebutia", pág. 114 e segs.
As leis Júlias — Ás leis judiciárias, segundo informa-
ção de Gaio, aboliram as ações da lei, e tornaram ofori°-a
tória a fórmula, exceto em dois casos: — nos processos pe-
rante o Tribunal dos Ceníúnviros, e quando se tratasse de
damnum infectum.
São leis sobre indicia privata e indicia publica, havendo
Gaio referido a elas como se fossem um todo.
Houve quem atribuísse, erroneamente, essas leis a Cé-
sar, em consequência de confusão feita entre a lex lulia
de vi publica e a lex lulia de vi privata.
As duas leis Júlias são posteriores à lei lulia de ma-
ritanãis orãinibus, do ano 736, da fundação de Roma.
A MARCHA DO PROCESSO
A INSTANCIA — A instância, na época clássica, fica
submetida à ardo iuãiciorum privatorum. Devemos estabe-
lecer a distinção entre os iuãicia legitima e os indicia impé-
rio continentia. Os iuãicia legitima abrangem as instâncias
organizadas em Roma pelo magistrado entre cidadãos ro-
manos, ficando a decisão confiada a um iudex unus; os de-
mais indicia são império continentia e compreendem as ins-
tâncias que se apoiam no imperium do magistrado.
A representação — Um dos traços característicos do pro-
cesso formulário consiste em poderem as partes comparecer
em pessoa, ou por meio de um representante. Trata-se de
inovação, porque no processo das ações da lei sabe-
mos que nemo alieno nomine agere potest.
A representação podia ser ativa ou passiva, conforme o
representado fosse o autor ou o réu.
Preliminarmente admitiu-se o cognitor, que era um
mandatário ad litem. Este mandatário devia ser instituído
pela respectiva parte diante do magistrado in iure e de acordo
com uma fórmula oral e solene. Em seguida, admitiu-se um
mandatário geral — procurator — sem as restrições do cog~
nttor, cujos poderes se restringiam a cada caso.
A fim de evitar que o autor, sob a alegação de que o
seu representante não havia procedido diligentemente, qui-
sesse renovar o processo, exigia-se do representante ativo a
416 VANDICK L. DA NÓBREGA
obrigação de obter do representado a ratificação da sentença:
— satisdatio ratam rem ãominum habiturum ou simples-
mente cautio de rato.
O cognitor, na representação ativa, não podia apresen-
tar a cautio de rato.
No caso da representação passiva, o risco consistia em
que o representante do réu não fosse solvável, na hipótese
de ser condenado. A fim de evitar este risco, o autor obri-
gava-o a fornecer a cautio iuáicatum solvi. Esta cautio iiidi-
catum solvi, na representação passiva, era apresentada pelo
dominus liiis, se o representante fosse urn cognitor, ou pelo
próprio procurator, se o representante fosse o procurator.
Os efeitos da ação se produziam sobre a pessoa do re-
presentante, e não sobre a do dominus litis.
A citação — A citação ainda conservava o caráter pri-
vado, pois ficava a cargo do autor. O emprego da força, para
obrigar o réu a comparecer, foi abolido e, em seu lugar, sur-
giram novos processos: — o vaãimonium; uma ação preto-
riana in factum e a actionis eãictio.
O vaãimonium era a promessa de comparecer perante
o magistrado, numa data fixa, compromisso este feito pelo
réu, muitas vezes por meio de cauções. O vaãimonium se
fazia de várias maneiras, por uma nuãa repromissio ou por
uma satisãatio, como nos ensina Gaio. Havia uma pergunta
do autor e uma resposta do réu; se o réu não apresentasse
o vadimonium, o autor, em lugar de empregar a força fí-
sica, podia valer-se de uma ação penal pretoriana de que
nos fala a lei Rúbria. Surgiu, entre os romanistas, a seguinte
dúvida: o vaãimonium se aplicaria para garantir o primeiro
comparecimento perante o magistrado, ou sã usaria apenas
no caso de não ser a audiência concluída no mesmo dia?
Parece fora de dúvida que, na época das ações da lei, somente
se empregava o vaãimonium para assegurar os compareci-
mentos posteriores, e nunca o primeiro, mas na época do pro-
cesso formulário era usado em ambas as circunstâncias.
Alguns romanistas, apoiados em textos interpolados do
Digesto II, 6, julgaram que o réu podia, mediante a apre-
sentação do vaãimonium, deixar de ir à presença do magis-
trado: — in ius vocati eat aut satis vel cautum dant.
T
COMPÊNDIO DE DIREITO ROMANO-I 417
Esta doutrina é falsa, porque se baseia em texto cla-
ramente interpolado. O único processo pelo qual se podia
deixar de ir à presença do magistrado consistia na apresen-
tação do vindex.
O autor, antes de proceder ao chamamento em juízo —
in ius vocatio — podia notificar ao réu o que pretendia, a
fim de que este tivesse tempo suficiente para verificar ss
lhe convinha, ou não, enfrentar o processo: — é a actionis
edictio.
Se o réu fugisse, o autor era protegido por uma miss'o
in possessionem de seus bens.
O PROCESSO "IN JURE" — Os magistrados competen-
tes eram, em Roma, os pretores urbanos e peregrinos, fi-
cando os edis curuis incumbidos das questões dos mercados,
e, nas províncias, os governadores.
Quando as partes compareciam perante o magistrado,
o autor devia expor a sua pretensão, mas isto era feito sem
obedecer ao formalismo das ações da, lei, que obrigava o
emprego de palavras sacramentais. O autor indicava ao réu
e ao magistrado a ação que pretendia, a qual podia ser uma
ação civil ou uma ação pretoriana. Essa ação podia ser uma
podia ser uma ação que já figurava no álbum, ou não, e
neste último caso o autor, invocando o interesse de uma
boa justiça devia ser solicitada ao magistrado, que tinha
poderes para atender.
O réu podia assumir uma das seguintes atitudes:
O reconhecimento da pretensão doa) Confessio
autor;
b) Indefensio — Não se defender como devia;
c) Infitiatio — Contestar a pretensão do autor.
A confessio, em se tratando de uma quantia em dinheiro,
implicava a perda do processo: — confessus pró iadicaío
habetur; se o objeto da ação fosse outra coisa que não o
dinheiro, seria decretada a missio in possessionem, desde qua
as partes não acordassemquanto à quantia por pagar.
Nas ações reais a confessio ou inãefensio fazia com qu«
a posse da coisa fosse, por ordem do pretor, transferida ao
autor. Esta posse era garantida, quanto aos imóveis, pelos
interditos possessórios.
T
418 VANDICK L. DA NÓBREGA
Se o réu negasse pura e simplesmente a pretensão do
autor, surgiria a fórmula da ação. No entanto, o réu podia
invocar uma exceção e, neste caso, a fórmula seria mo-
dificada.
Competia ao magistrado conceder a fórmula, como tam-
bém recusar a exceção reclamada pelo réu. De modo geral,
- a fórmula devia ser concedida, porque o magistrado não po-
dia tomar partido, o que acontecia indiretamente se ele
a recusasse. No entanto, o magistrado podia recusar a ação,
quando se tratasse de negócio ilícito.
A litis contestaíio —- A litis contestaiio é o ato que as-
sinala o desacordo entre as partes e o propósito de ser o
litígio resolvido pelo juiz. E' o momento em que a lis é
inchoata ou o iuãicium é aceito; — na novatio necessária,
segundo Keller, a litis contestatio resultaria da entrega da
fórmula feita pelo magistrado ao autor; o iuáicium seria
acceptum, quando fosse recebido pelo réu.
Wlassak considera a litis contestatio como o ato pelo
qual o réu aceita a fórmula, que lhe é entregue pelo autor.
A teoria de Wlassak foi adotada por Girard e melhor cor-
responde aos textos que atribuem à litis contestatio o ca-
ráter contratual.
Os efeitos da litis contestatio são diversos e se distin-
guem pelo seu caráter inovador.
o) EFEITO REGULADOR — A litis contestatio fixa os
elementos pessoais e materiais do processo, e o juiz será obri-
gado a decidir de acordo com o estado das coisas nesse mo-
mento. A fórmula torna-se a lei do processo. Os nomes das
partes e o do juiz não podem, ser modificados; se uma dessas
pessoas falecer, o magistrado, cognita causa, procederá a uma
translatio iuãicii, O objeto do processo também não podia
ser mpdificado depois da litis contestatio. No entanto, o ma-
gistrado, em benefício do autor, podia conceder uma restitutio
in integrum, a fim de evitar uma plus petitio, de que resul-
taria a perda inevitável do processo; uma exceção não ale-
gada pelo réu também podia ser introduzida na fórmula.
b) EFEITO CRIADOR — Consiste no fato de se en-
contrar o autor detentor de um direito eventual que consistia
em obter uma condenação pecuniária.
COMPÊNDIO DE DIREITO ROMANO-I 419
c) EFEITO EXTIIITIVO — Significa o afastamento de
qualquer possibilidade de ser renovado o processo, de uma
nova ação, sobre a mesma coisa. Este efeito extintivo mani-
festa-se de duas maneiras: — ipso iure, se se tratar de um
iuãicium legitimum, se a ação é in personam e a fórmula
in ius exceptionis ope, que seria invocada nos demais casos,
ou quando faltasse uma das três condições mencionadas
aeirna.
Explica-se o efeito extintivo ipso iure nos indicia legi-
tima, porque estes iuãicia substituíram as antigas legis ac-
tiones. Por outro lado, compreendemos o efeito exceptionis
ope nas ações in rem, porque a fórmula in rem não deriva
diretamente do sacramentum in rem, mas per sposionem, nas
ações in factum, porque de acordo com a ideia primitiva, o
crédito devia ser sancionado por uma ação in ius.
ESTRUTUKA DA FÓRMULA — As fórmulas podiam vá-
riar ao infinito, como observa Girard, de acordo com o ca-
ráter do litígio. Se tomarmos em consideração os elementos
de que se compõe a fórmula, podemos distinguir duas cate-
gorias: — as partes principais — partes formulae e as partes
acessórias — aãiectiones.
Partes principais — São estas as partes principais ou
essenciais da fórmula: — demonstratio, intentio, aãiudicatio
e conãemnatio.
A fórmula começa sempre com a designação do juiz:
— Caius Octavius iuãex esto (Gaio Otávio será o juiz), para
o juiz único, ou "Caius, Octavius, Marcus Sempronius, Lucius
Valerius recuperatores sunto" (Caio Otávio, Marco Semprô-
mio, Lúcio Valério serão recuperadores), para os recupe-
radores.
DEMONSTRATIO — Encontrava-se no princípio da
fórmula e tinha por objetivo precisar a causa da ação: —
Quod A. Agerius N~. Negiãio hominem vendit (Porque A.
Agério vendeu um escravo a N. Negídio) — ou então: Quod
A. Agerius (apuã) N. Negiãium hominem ãeposuit — (Por-
que A. Agério depositou um escravo junto a N. Negídio).
Ela se encontra apenas nas ações incertas, principalmente
nas ações de boa fé.
420 VANDICK L. DA NÓBSEGA
INTENTIO — E' a parte mais importante, uma vez
que nela se encontra expressa a pretensão do autor. E' in-
dispensável em todas as fórmulas, apesar de haver quem
admita, sem motivo plausível, a sua exclusão na cofio iniu-
Tiarum. Na intentio o termo solene "aio" das ações de lei
é substituído pela expressão si par et: — Si par et N. Negi-
ãium A. Agerio Sestertium X milia dare oportere (Se pare-
cer que N. Negídio deve dar dez mil sestércios a A. Agerio);
ou então: Quidquid paret N. Negiãium A. Agerio dare f acere
(oportere}. Tudo o que parecer que N. Negídio deva fazer
ou dar A. Agerio); ou ainda: — Si paret hominem ex iure
Quiritium A. Agerii esse — Se parecer que o escravo é de
A. Agerio pelo direito dos Quirites.
Em tese, o pretor devia conceder ações apenas nos ca-
sos previstos em lei. Posteriormente passou a concedê-las em
casos em que a lei não dava. A fórmula era concedida por
meio de uma ficção, de modo que o caso era considerado
como se tivesse sido previsto por lei. A ação Publiciana,
por exemplo, era concedida a quem estivesse in causa usu-
capienãi; a actio furti era concedida ao peregrino, mediante
a ficção da qualidade de cidadão. No entanto, podia acon-
tecer que não houvesse ação similar, devendo o magistrado,
nestas condições, usar de uma fórmula in -factura.
c) ADIUCATIO — E' a parte da fórmula que con-
cede ao juiz o poder de adjudicar a propriedade contestada
a uma das partes como na ação de partilha — familiae er~
ciscunáae — entre co-herdeiros, ou de divisão da coisa co-
mum — communi ãiviãunão — entre condóminos, ou na de
demarcação entre vizinhos — finium regunãorum. Esta parte
da fórmula era do seguinte teor: — Quantum aãiuãican
oportet, iuãex, Titio adiudicato (Juiz, adjudicai a Tício quanto
lhe deva ser adjudicado).
d) CONBSMNATIO — E' a parte da fórmula pela
qual o juiz tem o poder de condenar ou absolver: — Iuãex
N. Negiãium. A. Agerio sestertium X milia conãemna: si
non paret, absolve — Juiz, condena N. Negídio a pagar dez
mil sestércios a A. Agerio; se não te parecer que deva pa-
gar, absolve.
O juiz devia estimar o valor da coisa, porque não po-
dia condenar, senão ao pagamento de uma quantia em di-
nheiro. A fórmula podia estabelecer que a condenação fosse
T
COMPÊNDIO DE DIREITO ROMANO-I
fixada pelo juiz a quanti ea rés est erit, ou então, como acon-
tecia nas ações pretorianas, in "oonum et aequum concepías
a quantum pecuniam bonum aequum viáebitur, quod aequis
et melius erit.
A intentio é encontrada só nas ações prejudiciais,
onde se indaga se alguém é liberto, qual o valor de um dote;
a intentio seguida de condemnatio é o caso mais comum;
a ãemonstratio, a adiuãicatio e a conãemnatio nunca se en-
contram isoladamente, uma vez que é inútil a ãemonstratio
sem intentio e sem conãemnatio; ãemonstratio, intentio, ad-
iuãicatio, conãemnatio só se encontram reunidas nas ações
divisórias.
As "adiectiones" — As partes acessórias da fórmula —
aáiectiones — são as prescrições e as exceções.
PHASSCRIPTIO 5 — A praescriptio é uma cláusula colocada
no princípio da fórmula, logo após a indicação do juiz, no in-
teresse do autor — pró actor e, ou do réu — pró reo. A prae-
scriptio actore permitia ao autor agir novamente para a
concretização completa de seu direito, de acordo com a litis
contestatio. A parte que tivesse obtido a transferência da pro-
priedade podia, apesar da regra lis de eadem se ne sit actio, in-
tentar a ação maio uma vez, para obter a garantia contra a
evicção.
A praescriptio pró reo impedia a aplicação dos efeitos
da litis contestatio, se o fato estabelecido na praescriptio
fosse verificado. Esta praescriptio em favor do réu foi subs-
tituída pela exceptio.EXCEÇÕES — As exceções são meios de defesa indiretas e
acessórios encontrados em favor do réu. Não existiam na época
das ações da lei e, segundo Girard, são mais recentes do que as
praescríptiones pró reo. São insertas na fórmula entre a
intentio e a conãemnatio, como frase condicional e negativa,
com a finalidade de subordinar o poder de condenar do juk;
a urna segunda condição. O traço característico da exceção
consiste não em negar a pretensão do autor, mas em opor
a ela um fato distinto que lhe anula o efeito.
O réu, por meio da exceptio ãoli, alega que o autor co-
meteu um ato de má fé para enganá-lo, fato este que cons-
(5) KOLITSCH, Werner — Praescriptio und exceptio (ausserhalb dva
Formularverfafaens) . ZSS, 76 págs. 265.
422 VANDICK L. DA NOBREÇA
tituía um delito pretoriano. O juiz, neste caso, era obrigado
a verificar se houve ou não dolo. Em caso positivo, o réu
deveria ser absolvido, uma vez que ficara provada a exceptio
doli invocada.
As exceções classificam-se em: a) civis e honorárias.
E' uma classificação de certo modo imprópria, porque todas
as exceções são honorárias, uma vez que são de criação pre-
toriana. As chamadas exceções civis não foram instituídas
pelo legislador, mas introduzidas pelo pretor no lugar de
ações civis, ou mediante instruções do senado ou do Príncipe;
b) peremptórias ou dilatórias. As peremptórias ou perpé-
tuas podem ser invocadas em qualquer fase do processo e
acarretam a absolvição imediata; as exceções dilatórias só
podem ser invocadas durante certo período de tempo; c)
quanto às pessoas, distinguimos as exceções que só podem
ser invocadas contra certos autores e as exceções que po-
dem ser invocadas contra qualquer pessoa.
PROCESSO IN IUDICIO — O processo in indicio ini-
cia-se com a entrega ao juiz da fórmula que contém a sua
designação. Os poderes do juiz terminavam dentro de de-
zoito meses nos indicia legitima e duravam tanto quanto
os do magistrado, que instaurou a instância nos indicia im-
pério continentia. Findos os aludidos prazos, havia peremp-
ção de instância e o autor não podia renovar a mesma ação.
Se uma das partes não comparecesse, procedia-se como
nas ações da lei, isto é, o juiz aguardava o comparecimento
até o meio dia, e, se isto não se verificasse, dava razão à
parte presente, sem examinar os fatos.
Como o juiz romano era um particular, não estava obri-
gado a aceitar a missão que lhe fora atribuída pelo ma-
gistrado, mas, uma vez aceita, devia submeter-se aos limites
precisos da fórmula.
Processo contraditório — Se as duas partes compareces-
sem, seriam exibidas as provas, sem quaisquer formalidades.
Os debates processavam-se diante do juiz único ou múl-
tiplo, no meio de grande desordem, não havendo regras
precisas sobre a duração dos debates, nem sobre a exibição
das provas. E' isto o que observamos em três orações de Cí-
cero pronunciadas in indicio: Pró Roscio (defesa do réu pe-
COMPÊNBIO DE DIREITO ROMANO-I 423
rante o juiz de uma conãictio certas pecuniae); Pró Quinctio
(defesa do autor sobre uma sponsio praeiudicialis numa ques-
tão de missio in possessionem): Pró Caecina (defesa do au-
tor perante os recuperatores sobre o interdictum unãe vi).
Quanto à duração dos debates, admite-se a tendência
para serem concluídos por ocasião do primeiro compare-
cimento perante o juiz. No entanto, quase sempre isto não
era possível, de modo que eram recomeçados em novas au-
diências. Por isto, lemos em orações de Cícero expressões
como — prima, secunda, tertia... actio.
Quanto aos que exerciam a função de advogado, parece
que deviam falar somente uma vez indicando as provas, mas
podiam, durante a exibição das provas ou depois, estabele-
cer altercações com o seu adversário, ler peças e introduzir
testemunhas. Não havia ura sistema de provas legais, de
modo que a convicção do juiz podia ser determinada por
uma prova qualquer. A confessio in indicio e o juramento
não tinham valor legal perante o juiz, que, apenas, podia
servir-se desses elementos para determinar a sua convicção.
Formada a sua convicção, o juiz era obrigado a tirar as con-
sequências indicadas pela fórmula, as quais ele devia exe-
cutar mesmo se fossem contrárias à equidade. Nestas con-
dições, o juiz era obrigado a absolver o réu, se o autor não
tivesse podido provar sua propriedade, embora ele estivesse
certo de que a propriedade não pertencia ao réu.
Plus petitio — E' assim chamado de plus petitio o pe-
dido exagerado, isto é, pedir o autor mais do que aquilo a
que tem direito. A plus petitio podia ocorrer de várias ma-
neiras: plus petitio ré — pedido de uma parte maior do que
a que tinha direito; plus petitio tempore — pedido antes
do termo; plus petitio loco — pedido num lugar diferente do
estabelecido; plus petitio causa — pedido de uma qualidade
diferente da que ficara estabelecida.
A existência de qualquer uma das aludidas modalida-
des de plus petitio, mesmo feita por erro, proporcionava ab-
solvição completa do réu.
No entanto, a plus petitio não produzia o mesmo efeito,
se estivesse na demonstratio ou na intentio de uma ação
incerta.
424 VANDICK L. DA NÓBREGA
Em certos casos o autor podia evitar as possíveis con-
sequências da plus petitio. Se, por exemplo, o réu estivesse
num determinado lugar em que o crédito não pudesse ser
pago, deveria, em lugar de uma adio certa, impetrar a actio
de eo quod certo loco.
Se o autor, por erro, pedisss uma coisa por outra — aliuã
pró alio — podia iniciar novo processo para outra coisa.
A "satisfactio iníer moras liíis" — A satisfactio inter
•moras litis é a satisfação que dava o devedor aos credores,
durante a instância in iudiao. Isto não acarretava absolvição.
No entanto, nas ações de boa fé dava-se a absolvição:
— iudicia bonae fiãei sunt absolutória. Nas ações de direito
estrito, o direito de Justiniano, sob a influência dos Sabinia-
nos, decidiu que, em todas as instâncias, a satisfação propor-
cionava absolvição.
Condenação pecuniária — O princípio das condenações
pecuniárias não tem origem tão remota, pois, na legis actio
per sacramentum, o juiz podia condenar aã ipsam r em. Acon-
tece, porém, que o sacramentum desapareceu antes de ser
introduzida a fórmula. Por isso a fórmula não foi enxertada
ao sacramentum, e sim à conãictio e à iudicis postulatio.
Os inconvenientes do princípio das condenações pecuniá-
rias foram atenuados com o sistema da cláusula arbitrária,
que era uma frase existente na fórmula de algumas ações
e que tinha por finalidade afastar a condenação pecuniá-
ria, no caso de uma execução que se processava de acordo
com instruções do juiz. A cláusula arbitrária na fórmula de
todas as ações reais era expressa abreviadamente N. R., isto
é, nisi restituitur.
Nas ações em que houvesse a cláusula arbitrária, o réu
era condenado a restituir a coisa e, se isto não fizesse, teria
que pagar ao autor quantia por este arbitrada sob a fé dojuramento. A fim de evitar que o autor pedisse um preço
exagerado, o pretor o obrigava a jurar que arbitraria a coisa
em boa fé: iusiuranãum in litem.
A sentença — A sentença tinha a autoridade da coisajulgada: — rés iuãicata pró veritate hábetur. O efeito ex-
tintivo da litis contestatio nem sempre correspondia às ne-
cessidades. A litis contestatio tinha um efeito negativo no
sentido de que se opunha à renovação da instância; a rés
iudicata, porém, produzia efeito negativo e positivo.
COMPÊNDIO DE DIREITO ROMANO-I
Se alguém, depois de ter sido julgada a ação, pretender
iniciar outra ação, o adversário poderia invocar a exct.ptio
rei iuãicatae, diferente da exceptio rei in iudicium ãeãuctae.
Ojsrincipal efeito da condenação do réu consiste em poder
o autor obrigá-lo a executar o julgamento: — iuãicium f acere.
EXECUÇÃO — A execução consistia nos meios coloca-
dos à disposição do autor que obtivera uni julgamento in
iuãicio, se o réu não quisesse pagar o montante da conde-
nação. Na mesma situação encontrava-se o autor que ti-
vesse obtido a confessio do réu, perante o magistrado.
O montante da condenação podia ser exigido através de
uma novaação: — a actio iuãicati ", usada no processo formu-
lário em lugar da manus iniectio iuãicati das ações da lei.
Execução sobre a pessoa — O iuãicatus qae não pagasse
nem se defendesse ficava, por força de uma ordem do ma-
gistrado — ãuci iubere — numa prisão privada até que cum-
prisse a sua obrigação para com o credor. O réu podia ale-
gar nulidade da sentença condenatória, mas se perdesse a
ação seria condenado ao pagamento em dobro.
Execução sobre os bens — O credor podia recorrer à
execução sobre os beas se a execução pessoal fosse impos-
sível, ou por estar o réu ausente, ou por ter ele usado do
benefício de cessão dos bens em benefício de devedoresinsolváveis.
Um dos credores obtinha do magistrado autorização para
se apoderar do património do devedor — missio in posses-
sionem — o qual, depois de certas formalidades, devia ser
vendido ern proveito de todos: — venâitio bonorum. O pre-
tor, a partir da lei Ebúcia, podia sancionar o direito de
bonorum emptor por uma ação real. O processo da execução
sobre os bens comportava três fases:
a) a missio in bona;
b) preliminares da venda;
c) a venâitio bonorum.
MISSIO IN BONA — A execução sobre os bens foi intro-
duzida por uma missio in possessionem concedida pelo ma-
gistrado ao credor, que não ficava na posse dos bens, mas
com o direito de guardá-los para evitar qualquer dilapida-
(6) cf MEDICUS, Dieter — ZUT Urteilsberíchtigang in der nctio liuli
cati <f«s FoimuJarpi-azdsses ZSS, pág. 233 a 292.
426 VANDICK L. DA NÓBREGA
COMPÊNDIO DE DIREITO ROMANO-I 427
cão. Os credores deviam por meio de proscriptiones, adver-
tir o público sobre a respectiva missio, de modo que os in-
teressados pudessem intervir, fazendo valer os seus direitos.
A missio in possessionem só produzia este resultado se o
pretor, no edito, declarasse: — Bona possideri proscríbi iu-
bébo. Os credores podiam nomear um curator bonorum, se
a situação se prolongasse por muito tempo. Na maioria
dos casos o pretor dizia: — Bona ex eãicto possideri pro-
scribi veniríque iubebo — ordenarei a penhora dos bens con-
forme o edito para que depois de feitas as proscriptiones,
sejam vendidos.
PRELIMINARES DA VENDITIO — Decorrido o prazo
de trinta, dias, se os bens fossem de uma pessoa viva e de
quinze dias em se tratando de um morto, o devedor era
considerado como atingido por infâmia, se não tivesse feito
a cessio bonorum. Um decreto do pretor determinava aos
credores a nomeação de magister bonorum, que se distin-
guia do curator bonorum em três pontos: — era nomeado
pelos credores; a escolha devia recair entre os credores; era
unicamente incumbido de processar a venda.
O magister bonorum organizava e afixava a lex vendi-
tionis, que fazia publicar mediante proscriptiones, que in-
dicavam as condições de pagamento, os créditos privilegia-
dos, as garantias que o comprador deveria apresentar.
A venda se processava depois de dez dias se os bens
fossem de quem estivesse vivo e depois de cinco dias, se fos-
sem de um morto.
VENDITIO BONORUM — A venda se processava median-
te leilão e ficava concluída por uma addictio do magistrado a
quem oferecesse preço mais alto. O adquirente — emptor
bonorum — tornava-se sucessor pretoriano e ficava com o
direito a todo o ativo. Ele tinha a proteção do interãictum
possessorium e de ações pretorianas, como a formula Ruti-
liana no caso de venda dos bens de um vivo e a fórmula
Serviana, mediante a ficção de qualidade de herdeiro, no caso
de venda de bens de um morto. O emptor bonorum respon-
dia pelo passivo até a concorrência do dividendo — partia
— estabelecido.
INTERVENÇÃO DO MAGISTRADO — Os magistrados
na época do processo formulário, podiam intervir nas con-
testações dos particulares por força de sua iurisãictio e de
seu imperium. Essa intervenção processava-se sob quatro
modalidades: — stipulationes praetoriae, missiones in pôs-
sessiones, interdieta e restitutiones in integrum.
Stipulationes praetoriae — As estipulações pretorianas
ou honorárias eram contratos verbais feitos por ordem do
magistrado com o objetivo de criar, em proveito do esti-
pulante contra o promitente, um direito que a lei não lhe
concedia. Pompônio distingue as estipulações pretorianas,
judiciárias e comuns conforme sejam impostas pelo pretor,
pelo juiz, ou por um ou outro.
Missiones in possessionem — A missio in possessionem
é a autorização para tomar posse dos bens de outrem, con-
cedida pelo magistrado com o objetivo de facilitar o exer-
cício de um direito. Não devemos confundi-la com a posse
propriamente dita, pois se trata, apenas, de uma detenção
material, geralmente em caráter provisório. E' uma provi-
dência de caráter conservatório, tomada no interesse de cer-
tos credores ou de certas pessoas que têm direito a uma
herança. Este último caso admite a bonorum possessio a
título de herdeiros, e dá lugar a uma missio in bona, que
é um ato criador de direito, motivo pelo qual se distingue
da missio de que tratamos, em virtude de seu caráter de
garantir um direito já existente.
A missio in posessionem pode ser concedida em se tra-
tando de um bem particular — missio in rem, ou de um
conjunto de bens — missio in bona.
Emprega-se a missio in rem: — a) no caso do ãamnum
infectum; b) quando o réu está ausente, ou ináefensus.
A missio in bona é concedida: c) a certos credores para
resguardar os seus direitos. São os legatários a termo ou
condicionais sobre bens hereditários — legatorum servan-
áorum causa; os credores de um insolvável ou de um inde-
-fensus — rei servanãae causa; b) às pessoas que se habi-
litaram a uma herança, mas cujo direito foi contestado.
Não há indícios de que a missio in possessionem fosse
garantida pela força pública; os interdictos e uma ação in
factum a protegiam.
428 VANDICK L. DA NÓBREGA
Interdicta — Interdictum é a ordem do pretor ou do
governador de província para por fim a divergências sur-
gidas entre dois cidadãos. Esta ordem era dada a pedido de
uma parte contra a outra, a fim de prescrever atos positivos
ou impedir a prática de determinados atos. As ordens da
primeira categoria chamavam-se decreta e compreendiam
os interditos restitutórios e os exibitórios; as oxitras, isto é,
as negativas, eram os interãicta propriamente ditos, dos quais
podemos citar como exemplo os interditos proibitórios.
Os interãicta, segundo a natureza da ordem dos magis-
trados, dividem-se em proibitórios, vim fieri veto — resti-
tutórios (restituas) e exibitórios (exhibeas). Os interãicta
também podem ser simples ou duplos: — os primeiros são
aqueles ern que há um autor e um réu, ao passo que nos
outros cada parte exerce as duas funções.
Os magistrados municipais não podiam conceder inter-
ditos, uma vez que não tinham o imperium.
A outra parte devia ser notificada da ordem contida no
interdito, diferentemente do que ocorria com a fórmula, que
era notificada ao juiz.
A finalidade primitiva dos interditos parece ter sido a
reparação de danos menos graves, contra os quais não se
podia intentar ação.
O pretor costumava incluir no álbum as condições me-
diante as quais devia conceder o interdito. Se alguém satis-
fizesse essas condições e requeresse a proteção pretoriana
do interdito, o magistrado não a poderia negar. Por isso o
interdito tinha o caráter de regra permanente.
Com o advento das ações in factum diminuiu a necessi-
dade de se recorrer aos interditos, que passaram a concorrer
com a ação.
Os interditos não solucionavam as divergências entre
as partes de maneira definitiva, pois não impediam a parte
que se julgasse prejudicada de impetrar uma ação na jus-
tiça. Em certos casos, porém, como acontecia com o inter-
dito de arboribus caãenãis, o interdito resolvia definitiva-
mente a divergência.
As partes deviam ir à presença do magistrado duas ve-
zes: primeiro, para obter o interdito; e depois quando, pro-
COMPÊNDIO DE DIREITO ROMANO-I
nunciadas as fórmulas, perguntavam se alguma coisa foi
feita contra o edito do pretor, ou se não se fez o que ele
ordenou. O autor tinha de alegar fatos aos quais pudesse
ser aplicável uma das fórmulas

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