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Transformação genética de plantas 1. Introdução A modificação das plantas cultivadas com o objetivo de melhorar as suas qualidades para a agricultura é praticada há pelo menos dez mil anos. Os primeiros agricultores limitavam- se, simplesmente, a guardar as sementes das plantas mais produtivas. Ulteriormente, e numa técnica ainda hoje utilizada com muito sucesso, o melhoramento passou a ser realizado através de cruzamentos, com o objetivo de introduzir, por via sexuada, certos genes em determinadas plantas. Esta técnica permitiu melhoramentos consideráveis em plantas como o trigo, o arroz ou o milho. Todavia, embora não devam ser postos de parte, os métodos convencionais de melhoramento são lentos e pouco precisos. A introdução de um gene numa determinada variedade requer um cruzamento entre duas linhas e, depois disso, cruzamentos repetidos entre o híbrido e um dos parentes até que uma planta com as características desejadas possa ser obtida. Este método é restrito a plantas que podem hibridizar e, além disso, para além do gene desejado, podem ser introduzidos outros genes de pouco interesse. A utilização de técnicas de engenharia genética (DNA recombinante), associadas à totipotência da célula vegetal, é cada vez mais uma metodologia utilizada no melhoramento vegetal. As primeiras plantas transgênicas foram criadas no início da década de 80. Desde então, a manipulação do DNA foi realizada em mais de meia centena de espécies. Embora a engenharia genética seja mais complexa que os métodos de seleção tradicionais, é tão segura para o ambiente como aqueles. Em ambos os casos, o novo DNA é incluído no genoma vegetal e é mantido e expresso de forma estável. As plantas apresentam vantagens e desvantagens no que diz respeito à possibilidade de serem geneticamente manipuladas. A longa história do melhoramento genético vegetal teve como consequência o desenvolvimento de um grande número de linhas possuindo mutações geneticamente caracterizadas que podem ser exploradas ao nível molecular. Além disso, o fato de muitas plantas serem autofecundáveis, torna-as um bom objeto de estudo para manipulações genéticas. Quando uma planta heterozigótica é autofecundada a F2 inclui plantas com o fenótipo normal homozigóticas e heterozigóticas e plantas com o fenótipo recessivo também homozigóticas. Como as plantas produzem um número elevado de descendentes, combinações ou mutações raras podem ser detectadas. O fato das plantas terem a capacidade de regenerar in vitro torna possível a obtenção de plantas a partir de células geneticamente transformadas Os principais problemas com a transformação genética de vegetais relacionam-se com o fato de muitas plantas serem poliplóides ou apresentarem genomas muito extensos e com a instabilidade das células em cultura. 2. Agrobacterium tumefaciens O primeiro método de transformação genética, e ainda hoje o mais utilizado em vegetais, recorre a uma bactéria denominada Agrobacterium tumefaciens. Trata-se de uma bactéria Gram-, flagelada, pertencente à família Rhizobiacea e (tal como o gênero Rhizobium, responsável pela associação com raízes de leguminosas e pela fixação do azoto atmosférico), fitopatogênica, que vive no solo e que é responsável por uma doença das plantas denominada "crown gall" (galha do colo). A doença manifesta-se pela proliferação de células na zona de contacto entre o caule e a raiz, vulgarmente designada por colo. Embora mais raramente esta proliferação pode também ser observada no caule e na raiz sendo uma espécie de cancro vegetal. Esta doença, que é muito vulgar em algumas dicotiledôneas, como a vinha, o pessegueiro e a amendoeira, parece não se manifestar em monocotiledôneas, principalmente nos cereais. Algumas gimnospérmicas são também susceptíveis à infecção por Agrobacterium. Outra espécie de Agrobacterium, denominada A. rhizogenes, induz a formação de "hairy roots" enquanto A. rubi é uma espécie que se desloca no xilema e produz galhas nas partes aéreas das plantas. Algumas espécies do género,Agro ba cte riu m não apresentam patogenicidade como é o caso de A. radiobacter. Esta doença é conhecida desde Antiguidade mas só no final do século passado mereceu uma maior atenção dos botânicos. Isto, devido às perdas que a bactéria infligia nas culturas das plantas acima mencionadas. A bactéria penetra nas plantas através de zonas de ferimento e o tumor que provoca é bastante diferente de outras proliferações devidas a bactérias, fungos ou insetos. No caso desta doença, a proliferação de tecidos pode atingir proporções consideráveis, podendo células deste tecido ser cultivadas in vitro, mesmo sem a presença da bactéria ou de reguladores de crescimento, o que atesta a sua natureza tumoral. Além disso, células de um tumor, inoculadas noutra planta, provocam também a proliferação de tecido. Tal como tem acontecido em muitos aspectos da biologia vegetal a cultura in vitro deu um importante contributo para a compreensão dos mecanismos biológicos envolvidos no desencadear e proliferação desta doença. Assim, estudos in vitro mostraram que o "crown gall" continha substâncias que não existem, em condições normais, nas células vegetais. Esses compostos são denominados opinas e são derivados de aminoácidos. Posteriormente, verificou-se que era possível distinguir entre diferentes tumores e, consequentemente, entre diferentes estirpes de bactérias, devido à produção de diferentes opinas. Esta constatação, associada ao fato das células do tumor continuarem a sintetizar opinas mesmo na ausência das bactérias, sugeriu que ocorria transferência de material genético das bactérias para as células vegetais. Uma outra descoberta bastante importante foi a detecção de um plasmídeo grande de 150-250 kb nas bactérias (o “cromossoma” bacteriano possui 5 x 103 kb). Plasmídeos são moléculas circulares de DNA de cadeia dupla que existem nas bactérias para além do "cromossoma" bacteriano. A informação genética contida nos plasmídeos não é essencial para a sobrevivência das bactérias mas eles contém genes importantes na resistência a antibióticos e estão também envolvidos no mecanismo de conjugação entre bactérias. Plasmídeos podem também ser encontrados noutros organismos. Algumas observações mostraram que este plasmídeo estava envolvido na infecção das plantas por Agrobacterium. Assim verificou-se que a aplicação de elevadas temperaturas destruíam o plasmídeo e afectavam também a indução. Todavia, a patogenecidade podia ser restaurada em contacto com bactérias não submetidas a elevadas temperaturas. Ulteriormente foram detectados no DNA dos tecidos infectados fragmentos de plasmídeos bacterianos. A descoberta que este plasmídeo, denominado Ti ("tumor inducing") ou Ri (no caso de A. rhizogenes) conferia o caráter patogênico à bactéria conduziu a enormes progressos na engenharia genética dos vegetais. Outros plasmídeos não patogênicos podem existir na mesma bactéria. Existem atualmente mapas físicos e sequências de vários plasmídeos Ti e Ri de diferentes estirpes de bactérias. Descobertas posteriores mostraram que os genes responsáveis pela síntese das opinas se encontravam no plasmídeo e que o material genético responsável pela sua síntese se incorporava nas células vegetais. Apenas um fragmento do plasmídeo, denominado T-DNA ("transfer" DNA, 14 - 42 kb), e delimitado por dois pólos ("borders") constituídos por sequências muito semelhantes de 25 pares de bases, é incorporado no genoma das células vegetais onde começa a funcionar, conferindo às células o seu caráter tumoral e a propriedade de sintetizar opinas. Estas sequências que delimitam o T-DNA foram altamente conservadas durante a evolução, apresentando-se com uma grande percentagem de bases idênticas entre as diferentes espécies. Este aspecto é indicador da importância que estas curtas sequências têm no processo infeccioso, particularmente na excisão do T-DNA. No T-DNA existem genes responsáveis pela síntesede opinas e outros envolvidos na síntese de auxinas e citocininas. Fora do T-DNA existem outros genes que embora não sendo integrados nos cromossomas da célula hospedeira são indispensáveis para o processo infeccioso ou para a replicação do plasmídeo. Esses genes são aqueles responsáveis pelo catabolismo das opinas, pela replicação do plasmídeo e os genes chamados virulentos (vir) que produzem enzimas que clivam o T-DNA e permitem a sua separação do plasmídeo Ti. Um grupo de genes está indiretamente envolvido na transformação. Trata-se de genes que se situam no cromossoma bacteriano e são responsáveis pela ligação das bactérias à parede celular vegetal. 3. Mecanismo de infecção das células vegetais com Agrobacterium tumefaciens Os diferentes passos envolvidos na infecção das plantas pelas bactérias são: 1) Atração das bactérias: ao que parece, as bactérias são quimiotacticamente atraídas por compostos fenólicos libertados pelas células vegetais para o solo, em consequência de um ferimento. Estes compostos activam os genes de virulência envolvidos na transferência do T-DNA. 2) O passo seguinte é a ligação das bactéria às células vegetais. Muito pouco é ainda conhecido sobre este mecanismo de ligação, existindo provavelmente receptores na membrana da célula vegetal que são reconhecidos pelas bactérias. O lipopolissacarídeo da parede bacteriana parece estar envolvido neste processo de reconhecimento. 3) Numa fase seguinte, o T-DNA integra-se no genoma da célula vegetal. A excisão do T- DNA ocorre em duas fases. Em primeiro lugar o braço direito é cortado entre a 3ª e a 4ª base seguido por um novo corte no braço esquerdo. O processo de transferência do T-DNA da bactéria para a célula vegetal é análogo a um processo de conjugação. Depois de entrar na célula vegetal o T-DNA desloca-se para o núcleo. Neste processo de excisão do T-DNA e transporte para o núcleo estão envolvidas várias proteínas codificadas pelos genes da região vir do plasmídeo Ti. Algumas destas proteínas ligam-se ao T-DNA e são reconhecidas nas células por outras proteínas que as conduzem, juntamente com o T-DNA, para o núcleo. Deste modo, o T-DNA de cadeia única é integrado ao acaso (recombinação ilegítima) e de forma estável nos cromossomas das células vegetais. Finalmente, o Ti plasmídeo é reparado pelo que a bactéria não perde nenhuma informação genética ao transferir o T-DNA. Uma vez integrado no genoma da célula uma parte do plasmídeo inicia a síntese de hormônios vegetais (citocininas e auxinas) necessárias à proliferação celular enquanto outra região leva a célula a produzir opinas que funcionam como alimento para as bactérias do solo e que induzem também a conjugação entre bactérias. Além disso, estas opinas, apenas podem ser metabolizadas pelas bactérias que induziram a sua produção e que possuem genes responsáveis pelo seu catabolismo o que confere a estas bactérias uma vantagem seletiva em competição com outras estirpes bacterianas. Isto significa que os genes situados na região T, embora bacterianos na sua origem, possuem mecanismos reguladores para células eucariotas. 4. Agrobacterium tumefaciens e a transformação genética de células vegetais Considerando que para a excisão, transferência e inserção do T-DNA na célula vegetal não é necessário o T-DNA, estando esse fenômeno controlado por outras regiões do plasmídeo e tendo-se também verificado que a eliminação das sequências responsáveis pela produção de hormônios e pela síntese de opinas não são essenciais para a virulência (apenas as sequências repetidas que delimitam o T-DNA são importantes nesse aspecto); pensou-se em substituir, no Ti plasmídeo, a região do T-DNA por determinados genes que fossem úteis para a planta e ver se esses genes se expressavam e eram transmitidos à descendência das plantas transformadas. Este processo de eliminação dos genes bacterianos do T-plasmídeo é chamado desarme da bactéria e elimina a capacidade desta causar infecção mas mantém intacto o mecanismo de transferência do DNA. Para que um determinado gene se exprima é necessário não apenas que a sequência que codifica o RNAm responsável pela síntese de determinada proteína esteja presente, mas, também, uma sequência promotora necessária para que a RNA polimerase inicie a síntese do RNAm e uma sequência que assegure a terminação correta do mRNA. Estes regiões podem ser obtidas de diferentes organismos, plantas incluídas. O promotor do gene da nopalina sintetase é também muito utilizado bem como o promotor do vírus do mosaico da couve-flor (CaMV). Estes genes são chamados genes quiméricos e, a sua combinação com o plasmídeo Ti, é denominada vetor. Para além dos plasmídeos existem outros tipos de vetores que recorrem a vírus. Existem dois tipos de vetores: vetores co-integrados e vetores binários 4.1. Vetores co-integrados São plasmídeos Ti desarmados mas que retêm os braços esquerdo e direito. Entre os dois braços é inserido o gene (mais corretamente, os genes) que se pretende transferir para as células vegetais juntamente com um promotor. Como já referimos o promotor pode ser o do gene da nopalina sintetase ou de um gene viral (CaMV35S). A transferência do T-DNA modificado para as células-alvo é mediada pelos genes vir do plasmídeo desarmado. 4.2. Vetores binários Não é necessário que os genes vir responsáveis pela transferência do T-DNA estejam no mesmo plasmídeo que o T-DNA que vai ser transferido. É possível ter um sistema binário com: 1) plasmídeo desarmado mas com região vir. b) plasmídeo vetor com os genes a serem transferidos Os produtos genéticos da região vir do plasmídeo desarmado permitem a transferência do T-DNA do outro plasmídeo. 4.3. Genes repórter (marcadores) A inclusão de um gene que confere resistência à kanamicina ou ao cloranfenicol (CAT- cloranfenicol acetil transferase) no vetor é importante para selecionar as células que foram transformadas. A cultura das células sujeitas à transformação num meio com o antibiótico correspondente ao gene da resistência que foi introduzido permite fazer uma seleção das células que foram transformadas. Outros métodos de marcação das plantas transformadas fazem uso do gene responsável pela síntese de β-glucuronidase (GUS) uma enzima da bactéria Escherichia coli, responsável pela degradação de compostos glucurônidos. A vantagem desta técnica é que as células vegetais praticamente não exprimem esta enzima. Quando as células vegetais são transformadas com um gene quimérico que inclui o gene responsável pela síntese desta enzima e são incubadas com β-glucurônidos, elas exprimem uma tonalidade azulada que pode ser detectada em cortes histológicos. A desvantagem desta técnica de seleção é que é necessário matar as células para determinar se houve expressão genética. Um outro gene também utilizado é o gene responsável pela síntese da enzima luciferase. Esta, na presença de ATP e de luciferina, promove a oxidação da luciferina produzindo luz e CO2. Mais recentemente utiliza-se com frequência o gene GFP (“green fluorescent protein”) de uma alforreca. 4.4 Expressão estável e transitória A incorporação do DNA estranho no genoma da célula a transformar é um acontecimento raro: cerca de 1/1000. No entanto um número mais elevado de células, cerca de metade das células sujeitas a transformação absorve o DNA mas não o consegue integrar no cromossoma. Nestas células, o DNA persiste no núcleo durante alguns dias antes de desaparecer. Durante este período, todavia, o DNA está sujeito a muitas das atividades reguladoras que controlam a expressão gênica. Deste modo, algum desse DNA não integrado exprime-se durante algum tempo, situação designada por expressão transiente ou transitória. Diz-se que há transformação estável quando o gene permanece nas células e é transmitido à descendência. A transformação estável pode ser determinada por estudos genéticos ou utilizando marcadores moleculares.A expressão transitória é útil em ensaios em que se pretende determinar se um promotor que estamos a utilizar é eficaz na ativação de um determinado gene. Se houver expressão transitória é porque assim acontece. 5. Transformação com Agrobacterium tumefaciens Para a transformação das células vegetais com Agrobacterium podem ser utilizados dois métodos: cocultura com protoplastos ou o método dos discos foliares. 5.1. Cocultura com protoplastos Foi o método utilizado na primeira transformação genética de vegetais, e onde se utilizou como planta a transformar o tabaco. O método consiste em misturar protoplastos com cerca de três dias de cultura e estando a sofrer a primeira mitose, com células de Agrobacterium em que se incluiu o gene que queremos introduzir nas plantas. Esta cocultura é feita durante 48h após o que se aplica um antibiótico que mata as bactérias. Em seguida, transferem-se os protoplastos para um meio contendo um antibiótico que é degradado pela enzima sintetizada pelo gene que introduzimos nas células vegetais. Isto permite selecionar as células transformadas. A cocultura é um método que coloca algumas limitações pois, muitas espécies são difíceis de regenerar a partir de protoplastos. 5.2. Discos foliares Neste caso, segmentos foliares com cerca de 1 cm2 são cultivadas durante um certo tempo e, depois, colocadas durante cerca de 12h em contacto com Agrobacterium que possui o gene que pretendemos transferir, após o que retornam ao meio original. Alguns dias depois são colocadas na presença de um antibiótico que seleciona os discos transformados (por exemplo kanamicina) e um antibiótico que mata as bactérias (por exemplo cefotaxima). A principal vantagem deste método é que a regeneração é feita a partir de folhas, muitas vezes sem a intervenção de um calo o que permite obter plantas normais. A principal limitação à transformação das células vegetais com Agrobacterium tumefaciens reside no fato das plantas mais cultivadas, e, portanto, mais importantes economicamente, como os cereais, não serem afetadas pelo Agrobacterium. Daí que tenham surgido outros métodos de transformação genética que não recorrem ao Agrobacterium. 6. Transferência direta de genes Esta transferência pode ser realizada por meios elétricos (eletroporação) ou químicos (polietilenoglicol, fosfato de cálcio; o último muito utilizado em células animais). Em ambos os métodos, a membrana é transitoriamente permeável ao DNA devido a poros que se formam. Estas técnicas podem ser utilizadas com um leque maior de espécies que o Agrobacterium mas necessitam também de protoplastos para a sua concretização. Tipicamente, uma levada concentração de plasmídeo contendo o gene clonado á adicionado a uma suspensão de protoplastos e a mistura submetida a um choque elétrico de 200 - 600 V. A eficiência deste processo é de 0,1 a 1 %. Pode também recorrer-se à microinjecção de DNA embora, neste caso, o número de células transformadas seja muito reduzido (é necessário injetar cerca de 10.000 células para que pelo menos uma seja transformada), para além de haver alguns problemas técnicos que têm a ver com o fato das micropipetas se partirem facilmente ou entupirem. 6.1. Biolística Ultimamente surgiu um novo método de transformação de células vegetais que se baseia na aceleração de partículas metálicas (por exemplo tungstênio ou ouro) com cerca de 1µm de diâmetro, revestidas com o DNA (precipitado com cloreto de cálcio) que queremos introduzir nas células. Estas partículas são disparadas a alta velocidade (430 m/s) contra células ou tecidos vegetais com o objetivo de atravessar a parede celular. Com esta técnica as partículas metálicas ficam no citoplasma e o DNA é incorporado no núcleo. Muitas das células podem ser mortas devido à velocidade do projétil mas algumas permanecem vivas e podem ser utilizadas para a regeneração das plantas transformadas. Podem utilizar-se suspensões celulares, calos ou folhas. As células posicionadas na linha de tiro são mortas, mas existe uma zona concêntrica de células onde os projéteis penetram em as células não morrem. As partículas de tungstênio podem penetrar pelo menos uma camada de tecido através da epiderme e atingir o mesófilo. Com esta metodologia não existe necessidade de produzir protoplastos e ulterior regeneração. Trata-se de uma técnica que pode ser aplicada a qualquer planta, é reproduzível, simples e rápida e com uma eficiência de 2,5% relativamente à expressão transiente. Relativamente à expressão estável calcula-se que uma célula em 20.000 ou mais seja transformada. Este método parece ser o ideal para monocotiledôneas onde a infecção com Agrobacterium não se verifica e onde é difícil regenerar plantas a partir dos protoplastos. Embora as partículas de ouro ou tungstênio permaneçam no citoplasma as suas dimensões reduzidas não interferem com o metabolismo celular. Outros métodos como a utilização de raios laser (formação de poros reversíveis na membrana celular) ou lipossomas (pequenas vesículas lipídicas) com DNA inserido que fundem com os protoplastos (PEG, PVA) têm sido também referidos mas ainda sem uma aplicação geral. 7. Aplicação da transformação genética ao melhoramento vegetal Os diferentes métodos utilizados na transformação genética de vegetais têm permitido a obtenção de plantas transgênicas em mais de 50 espécies, entre as quais se encontram muitas das plantas importantes economicamente como o trigo, o milho, a batata e o arroz. Vejamos, alguns exemplos da manipulação genética com o objetivo de produzir plantas com novas características. 7.1. Plantas resistentes a herbicidas Os herbicidas não apresentam grande seletividade tornando-se difícil destruir as plantas indesejadas sem afetar as plantas cultivadas. Com a capacidade de introduzir DNA nas plantas têm-se procurado criar plantas tolerantes a herbicidas através de diferentes estratégias: aumentando o nível da enzima alvo de um determinado herbicida, produzir uma enzima que não seja afetada pelo herbicida ou exprimir uma enzima que destrua o herbicida. Um dos herbicidas mais prometedores é o glifosato ingrediente ativo do composto Roundup. Este herbicida não é tóxico para os animais, é efetivo a baixas concentrações e facilmente degradado por microorganismos. Trata-se de um composto que inibe uma enzima cloroplastidial necessária para a produção de aminoácidos aromáticos (fenilalanina, tirosina, triptofano) imprescindíveis para o crescimento das plantas designada EPSPS (5 enolpiruvilshikimato 3 - fosfato sintetase). Os animais não são afetados porque não possuem esta via metabólica. Uma estratégia utilizada para a obtenção de plantas resistentes a herbicidas, usada em petúnia, consistiu em introduzir o gene da EPSPS aumentando o nível de produção da enzima cerca de 20x e permitindo uma resistência a 4x a concentração de glifosato que mata as plantas normais. No trigo foram obtidas plantas resistentes ao herbicida Basta cujo componente ativo é a fosfinotricina que interfere com a enzima glutamina sintetase. Isto tem como consequência a acumulação de grandes quantidades de amônio nas células que levam à sua morte. A partir de Streptomyces hygroscopicus foi isolada uma enzima que inativa a fosfinotricina. O gene foi introduzido em plantas de trigo que se mostraram resistentes ao Basta. 7.2. Plantas resistentes a insetos Os insetos podem causar danos consideráveis nas culturas. Geralmente, o ataque a insetos é realizado com agentes químicos (inseticidas). Todavia, muitos destes agentes são nefastos para o meio ambiente. Pesticidas naturais de origem microbiana, tais como certas estirpes de Bacillus thuringiensis têm sido usados nos últimos 30 anos. Após esporulação, estas bactérias produzem uma proteína cristalizada que é a tóxica para as larvas de vários insetos, nomeadamente dípteros e lepidópteros. A toxina não afeta insetos não susceptíveis e não tem efeitoem vertebrados. No sistema digestivo dos insetos a proteína é clivada por proteases originando um fragmento de cerca de 68.000 daltons que inibe a absorção de determinados íons afetando a capacidade do inseto de se alimentar. A produção dos esporos para uso comercial é limitada e o efeito protetor pouco efetivo pois são rapidamente eliminados pela água da chuva. Baseados no conhecimento deste sistema os biologistas moleculares tentaram desenvolver plantas que expressassem a toxina de Bt, o que foi de fato conseguido. 7.3. Plantas resistentes a vírus Os vírus vegetais são um grande problema para muitas das plantas cultivadas. As infecções reduzem a produção e o crescimento das culturas podendo mesmo levar à morte das plantas. Todavia, observações realizadas em plantas infectadas com vírus mostraram que estas plantas apresentavam resistência à infecção por estirpes mais virulentas, um processo chamado proteção cruzada. Embora o mecanismo da proteção cruzada não seja inteiramente conhecido, uma proteína do invólucro do vírus parece ser a responsável por este efeito. Deste modo foi construído um vetor para introduzir o gene responsável pela produção da proteína viral do vírus do mosaico do tabaco (VMT) na planta do tabaco. As plantas assim obtidas foram depois infectadas com VMT mostrando ser bastante resistentes. 7.4. Produção de biofármacos A produção comercial de proteínas a partir de células vegetais não está ainda estabelecida. Todavia, as plantas apresentam um elevado potencial neste campo. Atualmente apenas testes laboratoriais foram realizados com vista à produção de determinadas proteínas animais em plantas: encefalina, albumina sérica humana. Um outro uso potencial é a expressão de anticorpos monoclonais em plantas. Anticorpos contra toxinas ou herbicidas poderão no futuro vir a ser produzidos pelas células vegetais. Ensaios com vista à produção de anticorpos para fins clínicos estão também a ser realizados no tabaco. Nesta espécie foram realizadas experiências em que as cadeias leves e pesadas que formam um anticorpo foram expressas, separadamente, em plantas de tabaco através da sua integração com Agrobacterium. Duas plantas, uma que exprimia a cadeia pesada e outra a leve, foram depois cruzadas e nas folhas da F1 detectados anticorpos funcionais que representavam 1,5% do total de proteína extraída das folhas. Estes ensaios são apenas testes piloto pois a expressão destes genes nas células vegetais é ainda reduzida e o processo não pode competir com a produção de anticorpos por fermentação. 7.5. Flores com novas cores e padrões A indústria floral movimenta anualmente milhões de dólares. Em vários laboratórios estudam-se processos de alterar as cores das flores de determinadas plantas por engenharia genética. Um dos exemplos é a introdução em petúnias (planta ornamental da família do tabaco) de um gene do milho responsável pela produção de uma antocianina, um pigmento que torna os grãos de roxos. A introdução deste gene em petúnias conduziu à obtenção de flores com novos padrões mas noutras situações o gene introduzido não teve os efeitos pretendidos e alterou a expressão de outros genes, um processo chamado co- supressão. Outro exemplo é a tentativa de obter rosas de cor azul através da inserção de um pigmento azul de petúnia. 7.6. Bactérias formadores de gelo Pseudomonas syringae é uma bactéria Gram- que a certas temperaturas transforma a água em gelo, processo conhecido como nucleação. Estas bactérias são conhecidas como INA+ ("Ice Nucleation Activity" positive) e a sua capacidade parece estar relacionada com a segregação de uma proteína de superfície. Através da identificação do gene responsável pela síntese desta proteína foi concebida uma linha bacteriana onde este gene foi inativado. Essas bactérias, designadas por INA-, foram depois lançadas na natureza onde competem com as INA+ reduzindo assim os prejuízos causados na cultura pelo gelo às plantas. 7.7. Tomateiros transgênicos e RNA antisenso Um dos problemas na indústria desta planta reside no fato dos frutos não poderem ser armazenados durante muito tempo pois amadurecem rapidamente. O processo de amadurecimento está relacionado por um lado com a atividade de uma enzima designada poligalacturonase (PG) que desempenha um papel central no amadurecimento através da digestão de compostos pécticos da parede celular e, por outro, com a produção de etileno. Duas estratégias têm sido seguidas para a produção de variedades de tomateiros com maior tolerância ao armazenamento. Em ambos os casos o desenvolvimento destas linhas passa pela utilização de RNA antisenso. A utilização desta tecnologia baseia-se na produção de RNAs complementares a outros e que, por hibridação com aqueles, os inativam. Uma estratégia consiste na produção de mRNA complementares dos da PG enquanto outra tem sido a de construir RNAs complementares de enzimas envolvidas na síntese de etileno (ACC sintetase e ACC oxidase). Bibliografia Brown, T.A., 2006. Gene Cloning & DNA Analysis – An Introduction (5ª Ed.). Blackwell Publishing, Oxford. Cap. 15: 323-345. Chawla, H.S., 2002. Introduction to Plant Biotechnology (2ª Ed.). Science Publishers, Inc., Enfield. Cap. 23, pp.359-395. Gelvin, S.B., 2000. Agrobacterium and plant genes involved in T-DNA transfer and integration. Ann. Rev. Plant Biol., 51:223-256. Lima, N. & Mota, M., 2003. Biotecnologia – Fundamentos e Aplicações. Lidel, Lisboa. Cap. 19, pp. 401-427 Primrose, S.B. & Twyman, R.M., 2007. Principles of Gene Manipulation and Genomics (7ª Ed.). Blackwell Publishing, Oxford. Cap. 14:274-298. Slater, A., Scott, N. & Fowler, M., 2003. Plant Biotechnology. The Genetic Manipulation of Plants. Oxford University Press, Oxford. Cap. 3, pp. 55-78. Trigiano, R. 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